sábado, 2 de julho de 2016

Opinião do dia – Antonio Gramsci

Em sua forma mais difundida de superstição economicista, a filosofia da práxis perde uma grande parte de sua expansividade cultural na esfera superior do grupo intelectual, na mesma proporção em que a adquire entre as massas populares e entre os intelectuais medíocres, que não pretendem cansar o cérebro, mas desejam aparecer como espertíssimos, etc. Como disse Engels, é cômodo para muitos acreditar que possam ter no bolso, a baixo preço e sem nenhum esforço, toda a história e toda a sabedoria política e filosófica concentrada numa formulazinha. Por se ter esquecido de que a tese segundo a qual os homens adquirem consciência dos conflitos fundamentais no terreno das ideologias não é de caráter psicológico ou moralista, mas sim de caráter orgânico gnosiológico, ciou-se a forma mentis de considerar a política e, portanto, a história como um contínuo marché de dupes, um jogo de ilusionismo e de prestidigitação. A atividade ”crítica” reduziu-se a revelar truques a provocar escândalos a especular sobre os salários dos homens representativos.

Esqueceu-se assim que, se o” economicismo” é ou presume ser também um cânone objetivo de interpretação (objetivo-científico), a pesquisa no senti dos interesses imediatos deveria ser válida para todos os aspectos da história, tanto para os homens que representam a tese como para aqueles que representam a antítese. Ignorou-se, além disso, uma outra proposição da filosofia da práxis: a de que as “crenças populares” ou as crenças do tipo das crenças populares têm a validade do tipo das forças materiais.
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Antonio Gramsci (1891-1937), Cadernos do Cárcere, v. 3. pp.52-3. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2007.

Metade dos quase R$ 100 milhões que Andrade Gutierrez deu ao PT foi propina, diz ex-presidente

• Otávio Azevedo afirmou em delação premiada que dos valores repassados ao partido entre 2009 e 2014, de R$ 38 milhões a R$ 48 milhões foram corrupção

Julia Affonso, Ricardo Brandt, Fausto Macedo e Fábio Serapião – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O ex-diretor da Andrade Gutierrez Otávio Marques Azevedo afirmou em sua delação premiada que dos cerca de R$ 94 milhões que a empresa doou para o PT, entre 2009 e 2014, cerca de 40% a 50% eram propinas por contratos no governo federal. A origem seriam os contratos da Petrobrás, nas obras das usinas de Belo Monte, no Pará, e Angra 3, no Rio, estádios da Copa, entre outras.

“As doações ao PT de 2009 a 2014 de R$ 94 milhões, estimando o depoente que R$ 40 milhões foi de propina”, afirmou Azevedo, em sua delação premiada fechada com a Procuradoria Geral da República. “O valor da propina de R$ 40 milhões é estimado, podendo ter ficado entre R$ 38 milhões e R$ 48 milhões.”

A Andrade Gutierrez é uma das maiores doadoras de campanhas e partidos. Em 2014, ela foi a segunda maior doadora, com repasses de R$ 93,6 milhões. O PT foi o partido mais beneficiado, com R$ 39,3 milhões. (Veja os maiores doadores)

Investigadores da Lava Jato comprovaram que dinheiro da corrupção descoberta na Petrobrás abasteceu os caixas do partido. As doações oficiais para as legendas e para as campanhas foram usadas como mecanismo de lavagem de dinheiro. Em Curitiba, a força-tarefa da Procuradoria da República prepara ações cíveis para acionar na Justiça os partidos envolvidos. Os procuradores conseguiram com a Andrade o maior acordo de leniência já feito na Lava Jato, a empreiteira vai pagar R$ 1 bilhão pelo envolvimento em fraudes em contratos públicos.

Em sua delação premiada, o ex-presidente da Andrade deu detalhes sobre o acerto milionário de propinas com o PT, das cobranças frequentes feitas pelo ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto e sobre a relação dos pagamentos com interesses do grupo em contratos com o governo federal.

Propina retroativa. “Em 2008, no tocante a à doação da campanha, Flávio Machado (executivo e delator) foi procurado pelo tesoureiro do PT, Paulo Ferreira, sobre um assunto novo, que deixou Flávio Machado preocupado”, conta o ex-presidente da Andrade. “O assunto o pagamento de propina de 1% sobre todas as obras federais presente, futuras e passadas da Andrade Gutierrez, isto é, de 2003 para frente”, afirmou Azevedo.

Ex-tesoureiro do PT, Ferreira – preso agora na Operação Custo Brasil, que apura propinas ao PT via Ministério do Planejamento – teria marcado uma reunião em que participaram ele, João Vaccari e o então presidente do PT, Ricardo Berzoini.

"A Lava Jato não vai abalar meu governo"

• O presidente em exercício diz que é “zero” a chance de as investigações provarem algo contra ele e que a economia vai melhorar depois da definição do impeachment

Policarpo Junior e Thaís Oyama – Revista Veja

Perto de completar dois meses na Presidência da República, o presidente em exercício, Michel Temer, tem trabalhado até dezessete horas por dia - preço que paga por liderar um governo montado em prazo bíblico. Foram sete dias ao todo, segundo ele, um tempo exíguo que não foi definido apenas pelas circunstâncias, mas também por um distanciamento do poder que ele se autoimpôs às vésperas da votação do impeachment na Câmara para evitar a pecha de conspirador - já que, como diz, "o vice é sempre o principal suspeito".

De segunda a sexta, o peemedebista continua morando no Jaburu, o belo palácio que Oscar Niemeyer projetou para parecer "uma casa de fazenda", e que lembra mesmo uma, mais ainda quando as galinhas que ciscam à beira do lago comparecem de surpresa às reuniões que o presidente em exercício faz na sala envidraçada voltada para o jardim.

Lá, em entrevista a VEJA, ele defendeu as privatizações de tudo "o que for possível", revelou ser contrário à criação de normas para "disciplinar" as delações premiadas, mas disse considerar "discutível" a decisão que prevê a prisão imediata dos réus condenados em segunda instância. Ao comentar a possibilidade de o deputado Eduardo Cunha renunciar à presidência da Câmara, contou que o aconselhou a "meditar a respeito". Sobre ele próprio, afirmou ser "zero" a chance de ter uma acusação comprovada na Lava-Jato. Reclamou da "campanha" dos adversários e elogiou a mulher, Marcela, a quem julga "preparadíssima" para entrar na vida pública.

A estreia, disse, se dará assim que ela se mudar para Brasília com o filho do casal, Michelzinho, o que deve acontecer em agosto, se tudo correr como se prevê e o hoje presidente em exercício se tornar o 37º presidente da República do Brasil. Leia um trecho da entrevista:

• De zero a 10, qual é a possibilidade de a Lava-¬Jato abalar seu governo?

Zero. Convenhamos, em 45 dias resolvemos o problema federativo no país com a dívida dos estados, aprovamos a Desvinculação de Receitas da União, a DRU, em duas semanas... No caso das estatais, o projeto estava parado no Senado. Votamos na Câmara. São exemplos de que a Lava-Jato não atrapalha em nada.

• E qual é a possibilidade de a Lava-Jato atingi-lo pessoalmente?

O que houve é que fui presidente do partido por muitos anos. Entravam doações, todas oficiais. Há uma tendência para criminalizar as doações oficiais. É preciso separar bem o que é propina do que foi doação legal.

• O senhor presidiu o PMDB durante quinze anos. As investigações mostram que, nesse período, houve pagamentos de propina a José Sarney, Renan Calheiros, Romero Jucá e Eduardo Cunha... O senhor nunca suspeitou de nada?

Eu cuidava das doações oficiais. Nunca soube que alguém pudesse dar verbas fora da doação oficial. E são afirmações que merecem comprovação, não são definitivas, têm de ser comprovadas.

• O que a interinidade o impede de fazer no governo?

Embora sinta que a confiança no Brasil está começando a renascer, reconheço que o investimento estrangeiro está esperando para ver o que vai acontecer em agosto, na votação do impeachment. Tenho a impressão de que então se abrirá um novo campo. É a única observação que faço em relação ao, digamos, prejuízo da interinidade. Fora isso, só o lado pessoal.

• Como assim?

Campanhas contra mim, por exemplo. Enquanto existir a interinidade, existe a perspectiva do retorno. E, enquanto existir a perspectiva do retorno, desejosos desse retorno se dedicarão a esse tipo de ação. Tentaram invadir o meu escritório em São Paulo. Outro dia, um grupo se postou em frente à minha casa e começou a gritar palavrões, assustando minha mulher e meu filho. Os dois ficaram chorando, foi muito desagradável.

• Do ponto de vista pessoal, sua vida mudou muito depois de o senhor assumir a Presidência?

Comecei a compreender que a vida do presidente da República é muito devassada, não há como evitar. Hoje, não vou a cinema, não vou a restaurante, não ando mais na praça como fazia. Se eu for, vão dez seguranças junto.

Pedaladas: foi crime, sim!

• Perícia do Senado confirma decisão do TCU ao atestar que a presidente afastada Dilma Rousseff violou a lei de resposabilidade fiscal. Apesar de a fantasiosa narrativa do PT insistir no contrário, a petista caminha na direção do afastamento definitivo

Pedro Marcondes de Moura - IstoÉ

Desde que o processo de impeachment foi aceito na Câmara, os aliados e a própria presidente afastada Dilma Rousseff dedicam-se a execução de verdadeiros contorcionismos retóricos para negar a – já atestada e reiterada pelo TCU – prática de crime de responsabilidade pela petista. Na última semana, o pilates verbal atingiu o apogeu. Em mais uma agressão ao bom senso, os petistas e a mandatária afastada emprestaram asas à narrativa ao distorcerem uma perícia realizada por técnicos do Senado. A tática da vez consistiu em propagar uma leitura falaciosa do laudo segundo a qual ele negaria que Dilma tivesse responsabilidade direta nas pedaladas fiscais, quando qualquer leitura na diagonal feita por calouros de Direito indicaria o inverso. O primeiro erro crasso foi negar a autoria do crime, mas não sua existência – como se fosse cabível acontecer uma sucessão de afrontas à lei de responsabilidade fiscal à luz do dia sem que autoridade máxima do País soubesse.

Só que basta uma leitura contextualizada das 222 páginas do documento para constatar que o estudo a incrimina pessoalmente. Diz, sim, que houve crime no caso das pedaladas fiscais. Confirma com todas as letras que Dilma violou a lei ao promover decretos suplementares sem a aprovação do Legislativo. Ao menos três decretos foram ilegais, segundo a perícia. Causaram alterações no orçamento incompatíveis com a meta de superávit fiscal de 2015. Na prática, o governo liberou mais de R$ 2 bilhões à base da canetada sem a autorização prévia necessária do Congresso Nacional. Gerou, assim, “consequências fiscais negativas” e violou a Constituição. A análise dos especialistas tampouco deixa dúvida sobre o conhecimento e a participação direta de Dilma Rousseff nas irregularidades. “Há ato comissivo (resultado de uma ação) da Exma. Sra. Presidente da República na edição dos Decretos, sem controvérsia sobre sua autoria”, afirma o relatório na página 213. “A gente identificou que a presidente teve participação direta assinando os decretos. A participação dela é incontroversa, porque ainda que não tenha assinado fisicamente o decreto, ela conta como autora do Diário Oficial”, afirmou na semana passada o perito Diego Prandino Alves. “No caso das pedaladas a junta pericial concluiu que houve irregularidades”, acrescentou.

Resta incontestável, portanto, que Dilma infringiu o inciso V do artigo 167 da Constituição. O texto da carta magna diz que é crime de responsabilidade “a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes.” A pena para quem comete esta ou outra infração que viole a Constituição “durante a vigência do mandato”, diz o artigo 85, é a perda do mandato. Foi o que a petista fez. Na tentativa de justificar as irregularidades cometidas nos três decretos, petistas recorrem a outro sofisma: a de que a prática ocorreu em outros governos anteriores, estaduais e municipais sem a reprovação de órgãos de controle. “Se essa Casa admitir o impeachment, haverá processos de impeachment em todo o país, de governadores e prefeitos. Todos praticam porque as cortes de contas aceitam isso”, afirmou o advogado de Dilma, José Eduardo Cardozo, em uma das sessões de defesa. Mas, segundo o procurador Júlio Marcelo, do TCU, a edição de créditos suplementares nunca foi analisada pela Corte. “A defesa tenta criar uma confusão usando um outro caso em que foi apreciado um contingenciamento de despesas. Algo bem diferente”, diz Júlio Marcelo. “E até neste ponto o Tribunal não foi conclusivo”, complementa.

Gilmar Mendes defende projeto que pode dificultar Lava Jato

• Proposta prevê punições a crimes de abuso de autoridades, agentes da administração pública e membros do Judiciário, Ministério Público e Legislativo

Isabela Bonfim - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Após a polêmica decisão do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de desengavetar um projeto de 2009 que pune abuso de autoridades, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes defendeu a proposta e disse que é preciso uma nova lei para o País “atingir um padrão civilizatório”. “O Brasil tem um catálogo de abuso de autoridade, de A a Z, do guarda da esquina, às vezes, ao presidente da República. Devemos ao País uma nova lei de abuso de autoridade para atingirmos um padrão civilizatório”, afirmou Mendes. O ministro, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), confirmou ter sido dele o pedido a Renan para que desse andamento à proposta no Congresso.

Na quinta-feira, o presidente do Senado, investigado na Operação Lava Jato, anunciou que encaminhará à Comissão de Regulamentação da Constituição o projeto que prevê punições a crimes de abuso de autoridades, agentes da administração pública e membros do Judiciário, Ministério Público e Legislativo.

Pesquisa aponta 13% de aprovação do governo Temer

• Dilma somava 10% em março; corrupção lidera citações, diz CNI/Ibope

Simone Iglesias - O Globo

A primeira pesquisa Ibope sobre a avaliação do governo do presidente interino, Michel Temer, mostra que apenas uma parcela muito pequena da população considera seu governo ótimo ou bom: 13%. Mas se sua aprovação é muito semelhante à da presidente afastada Dilma Rousseff, que em março tinha 10% nesse quesito, o peemedebista tem a seu favor um contingente maior da população que não considera seu governo nem positivo nem negativo.

De acordo com a pesquisa divulgada ontem pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), 36% consideram a gestão de Michel Temer regular, 13% não opinaram, enquanto os que consideram ruim ou péssimo o seu governo são 39%. Há três meses, 69% de entrevistados consideravam o governo Dilma ruim ou péssimo e 19% o avaliavam como regular — 1% não opinava.

O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmou que a popularidade do governo interino ainda não é “o mais importante” e disse que os rumos da gestão estão certos.

— Se estamos no rumo certo, a popularidade maior ou menor, o reconhecimento maior ou menor, ainda neste momento não é o mais importante. O mais importante é que a gente saiba o rumo que a gente quer — declarou o ministro, que ressaltou o prestígio da equipe econômica e a boa relação com o Congresso como vitrines da gestão Temer.

Padilha: “aprovação boa”
A pesquisa mostra também que 31% dos entrevistados aprovam a maneira de Temer governar, enquanto 53% a desaprovam. No último levantamento referente à presidente afastada, Dilma Rousseff, em março, 14% aprovavam seu modo de governar, enquanto 82% desaprovavam.

A pesquisa foi realizada entre 24 e 27 deste mês, com 2.002 pessoas em 141 municípios brasileiros, e tem margem de erro de dois pontos percentuais. De acordo com Eliseu Padilha, a “média” de aprovação do governo é boa com o pouco tempo de interinidade — cerca de um mês e meio. Em suas contas, o reconhecimento do governo deve subir nas próximas semanas.

— Nós temos 47 dias de governo. Já conseguimos 13%. Nesta velocidade, nos 90 dias devemos estar passando de 30% — afirmou.

Em comparação ao governo Dilma Rousseff, 44% dos entrevistados pelo Ibope consideram que a gestão Temer está sendo igual à da petista, 23% avaliaram que está sendo melhor, e 25% consideraram como pior o governo Temer do que o de Dilma.

As perspectivas com relação ao restante do governo são melhores que a avaliação atual, mas o saldo permanece negativo: 24% acham que a gestão Temer vai melhorar; 32% avaliam que ficará regular; e 35% disseram que vai piorar e ficar ruim ou péssimo.

O ponto com maior índice de desaprovação de Temer é a carga tributária. Hoje, 77% são contra o peso dos impostos e 17% o considera adequado.

As notícias sobre corrupção continuam a liderar as citações espontâneas no levantamento CNI-Ibope. Dos 37% que responderam, 7% citaram o afastamento de ministros do governo por denúncias de corrupção; 6% falaram na Operação Lava-Jato; 3% lembraram do processo de cassação do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDBRJ); e outros 3% falaram genericamente em corrupção sem especificar o governo. No entanto, 63% dos entrevistados não lembraram de alguma notícia relacionada ao assunto sobre o governo. (Colaboraram Catarina Alencastro e Eduardo Barretto)

Para Planalto, baixa aprovação de Temer é reflexo de 'rejeição da classe política'

• Segundo levantamento, porcentagem da população que considera a gestão provisória do presidente em exercício boa ou ótima é de apenas 13%. A parcela dos entrevistados que avalia a atual gestão como ruim ou péssima é de 39%

Carla Araújo e Tânia Monteiro - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente em exercício, Michel Temer, minimizou o resultado da pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Ibope, que revelou um baixo índice da aprovação do seu governo. Segundo interlocutores, o resultado era esperado devido "ao pouco tempo" de gestão do peemedebista. Para o Planalto a alta rejeição de Temer "espelha a rejeição da classe política e não do governo"

Além disso, fontes ligadas ao presidente, afirmaram que o resultado mostra um melhor posicionamento de Temer em relação à presidente afastada Dilma Rousseff.

Segundo a pesquisa, porcentagem da população que considera a gestão provisória do presidente em exercício Michel Temer boa ou ótima é de apenas 13%. A parcela dos entrevistados que avalia a atual gestão como ruim ou péssima é de 39%. Já os que consideram o governo regular são 36%. Outros 13% não souberam ou não quiseram responder. Todas as variações ocorreram dentro da margem de erro máxima de dois pontos porcentuais.

Apesar de tentar relativizar, interlocutores reconhecem que o presidente em exercício teve o desgaste com a saída de ministros e dizem que "até o impeachment ele precisa ter cautela nas ações, pois não pode deixar rejeição aumentar".

Eduardo Giannetti: O profeta analítico

• A partir de um olhar utópico e prospectivo, economista se propões a analisar os elos do Brasil com o mundo e os traços que distinguem seu povo

Por Cristiane Barbieri – Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

SÃO PAULO - "O tempo decanta o passado", escreve Eduardo Giannetti, na primeira linha de "Trópicos Utópicos - Uma Perspectiva Brasileira da Crise Civilizatória". A frase abre alas para a análise histórica da qual se ocupará parte de sua mais recente obra, lançada nesta semana. Mas, também, poderia ser usada para descrever o processo de elaboração do livro. Afinal, diz o economista, a longa gestação "se confunde com tudo o que vi, li e ouvi desde quando me dei por gente".

Diferentemente do que se poderia esperar, porém, "Trópicos Utópicos" não se divide em vários volumes e muitas centenas de páginas. Toda a experiência de seus 59 anos de idade se resume a 160 delas. "Estou superansioso", diz Giannetti, ao perguntar à repórter se ela havia lido o livro, logo depois de se servir no bufê de saladas neste "À Mesa com o Valor". "Pouquíssima gente leu e esse é um trabalho muito solitário."

Sim. O livro havia sido lido em alguns dias, mas dependendo do leitor, poderá levar semanas. Não pelo texto que, como em suas outras obras, é leve e fluido. Mas pela consistência: o livro é curto porque as palavras parecem cirúrgicas e exatas e cada frase pode levar a reflexões profundas - concordando-se ou não com o que Giannetti pensa - sobre diferentes temas. É possível ficar horas digerindo-o. O tempo fez bem seu trabalho de decantação e ele sorri ao ouvir a avaliação, enquanto corta sua salada. Mas não parece menos ansioso.

Há motivo para isso. Como obra de uma vida, "Trópicos Utópicos" traz vários temas que Giannetti não havia conseguido abordar em seus livros anteriores. "Não tive peito antes ou porque não estava me sentindo amadurecido ou porque não havia encontrado um jeito de incluir esses assuntos", diz. Estão lá, por exemplo, o que ele pensa sobre Deus, sobre religiosidade, sobre sustentabilidade ambiental e sobre o Brasil.

Sua ambição - sobretudo com relação às reflexões a respeito da nação brasileira - não é pequena. Enquanto os intérpretes do país abordaram a formação da identidade nacional do ponto de vista histórico e retrospectivo, Giannetti se propõe a analisar os elos do Brasil com o mundo e os traços que distinguem seu povo a partir de um olhar utópico e prospectivo. Ou seja, vislumbrar o papel do Brasil no futuro.

Dois pra lá, dois pra cá - Bolívar Lamounier*

- O Estado de S. Paulo

Certos intérpretes da História brasileira entendem que nossa democracia é “jovem”. Remonta, quando muito, ao fim dos governos militares, nos anos 1980. Os petistas tendem a vê-la como fruto da própria fundação do partido, no final dos anos 70. Seja como for, a invocação de nossa “juventude” democrática sempre aparece como justificativa das mazelas políticas do País.

Outros intérpretes preferem enfatizar os avanços ocorridos em nossa vida democrática desde o retorno ao regime civil. Estes entendem que já temos no País uma democracia em avançado estágio de consolidação, graças a um sem-número de aprimoramentos.

Da primeira tese podemos inferir sem temor a erro que a formação do nosso regime democrático pode ser compreendida sem recurso à História. O que aconteceu antes dos anos 80 não importa. A ideia de que a democracia resulta de um demorado processo de construção institucional não passa de especulação. No tocante ao sufrágio, por exemplo, instituímos o voto feminino em 1933, antes de vários países europeus; na primeira metade dos anos 80, 60% da população já estava habilitada a votar. Mas tais precedentes seriam insignificantes. Voltar à Independência e ao Império, então, nem falar. Ou seja, a democracia teria surgido da noite para o dia, prontinha. Das trevas medievais teríamos passado direto às luzes democráticas que hoje bem ou mal possuímos.

Os que veem nossas instituições já na reta de chegada, em franco processo de consolidação, têm argumentos mais interessantes. Destacam, com toda a razão, que o regime como tal não sofreu rupturas, nem sequer ameaças sérias, desde seu restabelecimento em 1985. As eleições foram realizadas segundo as regras e os prazos previstos. Finda a guerra fria e a radicalização ideológica do pré-1964, neutralizada a propensão intervencionista então existente entre os militares e controlada a inflação – sem esquecer outras reformas relevantes, como a do sistema financeiro, efetivada nos anos 90 –, o tradicional pessimismo sobre as instituições ter-se-ia tornado simplesmente descabido. Quer dizer, se a primeira tese peca por falta, a segunda peca por um enorme excesso.

A esta altura da discussão, não podemos prescindir de um ligeiro excurso conceitual. A que conceito de democracia nos estamos referindo? Segundo um entendimento muito difundido, democrático é o país onde só acontecem coisas boas. Pobreza não existe e a desigualdade é apenas residual. A riqueza nacional é suficiente para assegurar o bem-estar e a felicidade de todos os cidadãos. Numa sociedade tão pouco conflituosa, os processos políticos, quase desnecessários, são tocados por indivíduos probos, altruístas e de alto discernimento. Claro, assim concebida, a democracia é apenas um sonho. Não aparece em nenhum mapa. Pode ser uma bela imagem no plano onírico, mas nada tem que ver com a reflexão proposta neste artigo.

A noção de democracia hoje quase universalmente aceita é a de um regime político historicamente existente. Como tal, podemos decompô-la em dois elementos. Trata-se, por um lado, de um sistema político em que as autoridades públicas são escolhidas mediante eleições limpas e livres, nas quais a maior parte da população adulta esteja apta a participar. Segundo, uma vez investidas em suas posições governativas, as referidas autoridades exercem suas funções sob restrições e pressões incessantes, ou seja, sujeitas a um processo de contínua fiscalização e, no limite, à possibilidade de serem afastadas.

Quanto ao primeiro requisito – como passageiramente já indiquei –, creio haver no Brasil um consenso bastante razoável. Em si mesmo, o ato de votar não é objeto de maiores restrições, mas a engrenagem da representação política – especialmente o sistema eleitoral e a organização partidária - tem sido questionada, e não sem razão. Por exemplo: os 20 e tantos partidos atualmente representados na Câmara dos Deputados evidenciam a saudável presença do leque de legítimos interesses e opiniões existentes na sociedade, ou, ao contrário, uma farsa monumental, uma pseudorrepresentação de tais interesses e opiniões?

Mas nem precisamos ir tão longe. Em nosso sistema, as autoridades realmente governam sob uma contínua e eficaz fiscalização? As restrições aqui consideradas são, desde logo, as insculpidas na Constituição e nas leis, cuja titularidade cabe em primeiro lugar ao Judiciário e à Procuradoria-Geral da República. Em que pese a atuação altiva e enérgica do juiz Sergio Moro, não há dúvida de que o Brasil é ainda regido por duas Justiças, uma para os poderosos e outra para os batedores de carteira. A diferença entre ambas é que a segunda funciona. Essa realidade é de tempos em tempos reconhecida até por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). E esse ponto, de permanente importância, precisa ser complementado por outro de natureza conjuntural. Oito dos 11 ministros ora em atividade no STF foram nomeados por Lula e Dilma Rousseff. Só os muito crédulos atribuem pouca importância a esse fato.

O enunciado “governar sob restrições incessantes e eficazes” traz evidentemente à baila a questão da transparência e de seu correlato, a accountability, ou seja, a possibilidade de responsabilizar autoridades que eventualmente atuem em desacordo com suas atribuições. Mas o BNDES, por exemplo, só agora, sob a presidência da doutora Maria Silvia Bastos, está cumprindo sua inequívoca obrigação de facultar o acesso da Justiça aos registros de suas operações. Como é público e notório, tais informações foram sonegadas durante um longo período. Trata-se de uma singularidade, um caso isolado, ou de uma síndrome totalmente antagônica ao que se deve esperar numa democracia, ainda mais considerando o volume de recursos movimentado pelo banco e a catadupa de subsídios por ele concedidos a empreendimentos privados?

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*Bolívar Lamounier é cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria, e membro da Academia Paulista de Letras

Os elos do crime - Míriam Leitão

- O Globo

O projeto da indústria de celulose Eldorado surgiu como uma novidade no grupo escolhido pelo BNDES para ser o campeão no setor de carne. Depois de comprar frigoríficos com financiamento público, entrou em nova área e, em 2011, conseguiu empréstimo de R$ 2,7 bi. Não era suficiente e por isso a empresa fez uma emissão de debêntures, em 2012, comprada pelo FI-FGTS. Dessa operação, de R$ 940 milhões, saiu propina, segundo o MP.

OFI-FGTS era para ser o financiador de projetos de infraestrutura e não de uma fábrica de celulose. Tinha que ser escolhido o melhor projeto, o que agregasse mais competitividade ao Brasil, ainda mais que, como o nome diz, o dinheiro vem de um fundo dos trabalhadores. Os projetos financiados por esse dinheiro coletivo eram escolhidos conforme a disposição de pagar propina a Eduardo Cunha, seu amigo Lúcio Bolonha Funaro, e o vice-presidente da Caixa Fábio Cleto. Isso é que se depreende do mergulho na leitura dos documentos que levaram à ação de ontem, a “Sépsis”.

Irresponsabilidade confirmada - Simone Tebet

- Folha de S. Paulo

A perícia do Senado confirma o crime de responsabilidade cometido pela presidente afastada. Não tenho dúvida de que a lei orçamentária brasileira foi desrespeitada reiteradamente. A gestão Dilma Rousseff rasgou a Constituição e a Lei de Responsabilidade Fiscal e deixou a conta salgada para o país pagar.

O laudo confirma que houve operações de crédito do Tesouro Nacional com o Banco do Brasil, em função dos atrasos de pagamento das subvenções do Plano Safra. Em dezembro de 2014, o valor devido pelo Tesouro ao Banco do Brasil era de R$ 9,51 bilhões, e, um ano depois, de R$ 10,65 bilhões.

As parcelas com vencimento entre janeiro e novembro de 2015 foram quitadas apenas em dezembro, o que gerou o pagamento de correção de R$ 450,57 milhões. Assim, a cobrança de juros e de encargos pelo Banco do Brasil evidencia a existência de empréstimo disfarçado, conduta vedada pelo artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Dilma foi omissa, e com consciência.

Assim Chicago não aguenta - Guilherme Fiuza

- O Globo

O enredo do impeachment da companheira afastada está cada vez mais, por assim dizer, ridículo. Quanto mais aparece a floresta de crimes perpetrados pelo imaculado governo petista, mais surgem almas bondosas denunciando um golpe de Estado. A resistência democrática em favor da quadrilha é uma coisa comovente. Nunca antes.

A defesa daquele governo probo e injustiçado encomendou uma perícia para analisar o processo de impeachment. Desde o caso PC Farias o país não tinha uma perícia tão comentada. Na época, a pirueta espetacular foi a tese de que o assassinato do operador de Collor fora crime passional. O Brasil acreditou por um bom tempo nesse delírio, porque o Brasil acredita. Agora, a pirueta é a alegação de que Dilma não pedalou.

É o seu dinheiro - Igor Gielow

- Folha de S. Paulo

Uma das dificuldades da Operação Lava Jato sempre foi a de transmitir como palpável ao cidadão suas descobertas. As cifras assombrosas e o assalto institucional sem precedentes pareciam um prêmio da Mega Sena: uma coisa impressionante, mas algo intangível.

Os desenvolvimentos recentes, dentro e fora do escopo original da operação, têm mudado isso. Quando o pessoal abusa do crédito consignado, ideia bacana e inclusiva que, como tudo no Brasil, virou bagunça, o patamar é alterado.

A etapa desta sexta (1º) foi ainda mais explícita. Está sendo apurado umroubo contra o proverbial "dinheiro do trabalhador", aquele entulho legal que retira dinheiro seu, meu, nosso e entrega para a gestão deficitária do governo.

O impacto potencial é enorme. O PT quebrou a Petrobras e o país, isso é um fato de fácil absorção eleitoral. O esquema, com o PMDB que herdou a desgraça de Dilma à frente, comeu o dinheiro que sai da conta de todos os empregados de carteira assinada: é algo além.

Crise fiscal e crise moral – Sérgio C. Buarque

Revista Será? (PE)

Em artigo publicado nesta Revista, intitulado “Muito além da Lava Jato” (Nº 195 de 24 de junho), o economista Marcus Alban manifesta dúvida em relação à necessidade de um “penoso ajuste fiscal” (segundo suas palavras) para superar a crise econômica brasileira.

O ajuste fiscal seria para ele o discurso da “elite política e econômica” de “boa parte da imprensa” e não um inevitável preço a pagar pelo desastroso desequilíbrio das finanças púlbicas gerado pela gestão fiscal perdulária e temerária, segundo pensa, aliás, a esmagadora maioria dos economistas de todas as tendências políticas. O articulista não indica o caminho que considera adequado para a superação desta “grave crise que se agudiza” (são suas palavras), indicando uma alternativa indolor a esta perversa proposta das elites.

De acordo com o articulista, a sociedade, ao contrário da elite política e econômica, “entende (…) que a raiz do problema está na gigantesca corrupção explicitada pela operação Lava Jato” e que só depois da “purgação do mal” da corrupção o país “poderá empreender o ajuste e voltar a crescer”.

Corrupção e democracia - Miguel Reale Júnior*

- O Estado de S. Paulo

As notícias sobre corrupção sempre transitaram na vida política brasileira. Mesmo na República Velha se reconhecia que, se individualmente os homens públicos eram honestos, o sistema era totalmente viciado para manutenção das elites no poder com o controle absoluto das juntas de votação e de apuração.

O propalado mar de lama do governo democrático de Getúlio Vargas girava em volta do financiamento do jornal Última Hora, do jornalista Samuel Wainer, pelo Banco do Brasil, ligado ao presidente, para desgosto dos concorrentes. Samuel Wainer finaliza sua importante autobiografia com o relato do início da construção de Brasília, destacando entrar, nessa oportunidade, na política brasileira um personagem que dela não mais sairia: o empreiteiro.

Com efeito, espalha-se o mal do conluio entre o prestador de serviços e o contratante, o governante, que deixa de atuar pelo interesse público para agir em benefício próprio, ao contratar mediante recebimento de vantagem adrede combinada, que será embutida no preço e, portanto, pago pelo poder público.

Compasso de espera - Luiz Antônio Novaes

- O Globo

Enquanto agosto não vem, o país gira em falso. Não apenas o Palácio do Planalto, mas também o Supremo, aguardam quase imobilizados o momento em que deverão se livrar, com o fim do processo de impeachment, de Dilma. Assim Temer, com 13% de popularidade, bem próximo dos 10% de sua antecessora, poderá enfim ter um governo para chamar de seu. Já o STF, que demora em média 617 dias para aceitar uma denúncia contra político, conta com o fim da imunidade da presidente afastada, que indicou 5 dos 11 ministros, para sepultar o “constrangimento” de ter de julgá-la.

Até aqui, a gestão de Temer patina e pouco difere da de Dilma. Ainda cercado por vilões da Lava-Jato, o interino continua atropelando a ética — a ponto de receber em jantar no Palácio Jaburu Eduardo Cunha, réu por corrupção proibido pelo STF de entrar no Congresso, também envolvido no mais novo filhote da Lava-Jato, a Operação Sépsis. Na economia, Temer só gasta: mas são bilhões estratégicos — como o aumento de 12,5% do Bolsa Família, combustível eleitoral para o PMDB neste 2016 de vacas magras.

Sem saída - João Domingos

- O Estado de S. Paulo

Se a situação do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), já era ruim, ficou muito pior agora, com a delação premiada do protegido Fábio Cleto, ex-vice-presidente da Caixa. No Palácio do Planalto, onde Cunha ainda tinha esperanças de receber ajuda para preservar o mandato, o que se ouviu na sexta-feira de auxiliares do presidente em exercício Michel Temer foi um chega pra lá em Cunha, algo assim: “Quem é louco de entrar numa roubada dessas?”.

Nem mesmo a lembrança de que gente do PMDB já mostrou o receio de que Cunha pode fazer alguma ameaça a Temer, visto que os dois atuaram várias vezes juntos no apoio financeiro a candidatos do partido, em 2014, mudou alguma coisa na opinião de assessores do presidente interino.

Para esses auxiliares, o destino de Cunha foi traçado: ou é a cassação do mandato, pelo plenário da Câmara, que votará talvez ainda neste mês o processo oriundo do Conselho de Ética, ou é uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pela prisão. O que interessa agora a Michel Temer é que a Câmara encontre logo um sucessor para Cunha e a Casa fique pronta para votar as propostas de interesse do governo, lembraram eles.

Lava-Jato expõe necessidade de restrição ao foro privilegiado – Editorial / O Globo

O semestre terminou com o Supremo Tribunal Federal conduzindo 59 inquéritos, 11 denúncias e 38 denunciados na Lava-Jato. A Procuradoria-Geral da República registrou no serviço de protocolo da Corte, nos últimos 16 meses, nada menos que 865 manifestações e 118 pedidos para buscas e apreensões relativos a essa grande investigação federal.

Já são 134 pessoas investigadas com foro no Supremo. É uma situação inédita, que impõe reflexão, porque o STF tem como função precípua a guarda da Constituição, e o acúmulo de processos do gênero representa um risco real de morosidade, contribuindo para elevar ainda mais o já alto índice de prescrição de ações penais.

O foro privilegiado, tecnicamente foro especial por prerrogativa de função, é uma forma de estabelecimento da competência penal. Surgiu na reação ao absolutismo, para submeter governantes à lei comum. Foi adotado no Brasil Imperial, por inspiração liberal. Desde então, expandiu-se o uso da prerrogativa de função como modo de definir o foro.

O ônus da interinidade – Editorial / O Estado de S. Paulo

Se não bastassem as enormes dificuldades para lidar com uma conjuntura econômica deteriorada, que apenas começa a dar tímidos sinais de recuperação, o governo de Michel Temer enfrenta um problema adicional, de natureza essencialmente política, que pode ser definido como o ônus da interinidade. O processo de impeachment de Dilma Rousseff foi instaurado com o vigoroso apoio de esmagadora maioria dos brasileiros, mas esse apoio não se transferiu automaticamente para o presidente em exercício, o que é perfeitamente compreensível pela razão óbvia de que confiança não se impõe, conquista-se.

Temer, até o momento, pouco mais conseguiu fazer para conquistar a confiança dos brasileiros do que nomear uma equipe econômica de reconhecida competência cujo trabalho, como não poderia deixar de ser, está ainda pouco além da fase da semeadura de um plano cujas linhas gerais estão delineadas.

O momento exige, portanto, um mínimo de paciência e espírito crítico construtivo para que os governantes consigam transformar intenções em atos e desses atos possamos todos colher resultados positivos. Esse processo, que se pode definir como de amadurecimento do governo por enquanto provisório, tropeça desde logo no obstáculo representado exatamente pela interinidade.

É uma estranha situação: apesar de Dilma e sua turma afetarem indignação pelo fato de Temer se comportar “como se não fosse apenas presidente interino”, é óbvio que o que se cobra do governo que está aí, interino ou não, são ações concretas, de curto e longo prazos, para tirar o Brasil do buraco em que o lulopetismo o afundou. Não é uma tarefa da qual o Executivo possa se desincumbir sozinho. O apoio do Legislativo é indispensável, até por razões constitucionais. E é aí que está o principal nó da interinidade.

Fechado e ineficiente – Editorial / Folha de S. Paulo

Um efeito positivo da calamidade das finanças do governo é forçar o debate sobre a eficiência das políticas públicas adotadas nos últimos anos. Os incentivos à indústria nacional merecem destaque nessa discussão: custam muito ao país e não exibem resultados palpáveis.

Reportagem desta Folha mostrou que cinco dos principais programas —que, de 2011 ao fim deste ano, terão retirado R$ 52 bilhões de cofres públicos— funcionam sem garantias de que as contrapartidas em investimento, exportações e emprego serão cumpridas.

No exemplo mais gritante, o da Lei da Informática, que beneficia fabricantes de computadores, os descontos de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) montam a R$ 25 bilhões de 2006 a 2014.

Segundo o TCU (Tribunal de Contas da União), metade das empresas não cumpriu o compromisso de investir parte do faturamento em pesquisa. Os dados, ademais, foram auditados só uma vez, em 2010.

Visita ao reino da pós-verdade - Demétrio Magnoli

- Folha de S. Paulo

Numa coluna sobre os "coletivos do pensamento", destinei 196 palavras ao movimento Historiadores pela Democracia (Folha, 25/6). Hebe Mattos assinou uma "réplica" de 483 palavras que não toca nas minhas duas únicas objeções (Folha, 27/6). No lugar disso, ela usou a "imprensa burguesa" para fazer publicidade gratuita do movimento. A "réplica" que não replica traz à memória as típicas respostas de Paulo Maluf, um especialista na arte de circundar questões objetivas para falar bem de si mesmo. A absorção desse procedimento por uma historiadora evidencia a degradação do debate público, que se esteriliza pela primazia das lealdades político-partidárias. De fato, a ética do argumento cede à lógica utilitária da propaganda.

Hebe define-se como uma "dilmista". Num texto sobre o impeachment, escreve que "o clima político atual lembra o pré-1964" mas o governo Temer "ecoa 1837" –isto é, o triunfo do Regresso e a reação à Lei Feijó, de criminalização da importação de escravos. Como contestar paralelos históricos tão rigorosos, amparados em farta prova documental? Diante deles, pergunto-me se os Historiadores pela Democracia não deveriam ultrapassar os limites nacionais, radicalizando seus paralelos. Sugiro evocar a Noite dos Cristais para fazer referência à sessão da Câmara de 17 de abril, que aprovou o início do processo de impeachment, e a Conferência de Wannsee, quando os nazistas deliberaram a "solução final", para caracterizar o projeto político do governo Temer.

Tudo é permitido, se Deus está morto e a verdade factual não passa de uma narrativa. O núcleo político do governo Temer é constituído pelos aliados peemedebistas do mandato e meio de Dilma. O programa econômico do governo Temer é quase idêntico ao anunciado por Dilma após o estelionato eleitoral –e isso abrange tanto o ajuste fiscal como a proposta de reforma da Previdência. Mas, por alguma razão não tão misteriosa, os Historiadores pela Democracia falharam em alertar-nos sobre "1964" ou "1837" nos idos de janeiro de 2015.

Confusão vai desestimular "eurocéticos'', diz Bauman

Por Helena Celestino – Valor Econômico / Eu &Fim de Semana

RIO - Ele não consegue ouvir direito por telefone e a artrite o faz sofrer. Mas o sociólogo Zygmunt Bauman, de 90 anos, rapidamente aceitou responder por escrito às perguntas sobre o Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia. "Só não sei fazer previsões." Ele diz acreditar que a confusão pós-referendo, ao menos no início, será a melhor trama contra os eurocéticos. Do tumultuado momento, tem a convicção de que as forças do "establishment" britânico deram um tiro no pé e estão saindo desacreditados de um teste "idiota". Importante pensador da modernidade, Bauman é polonês, mas vive no Reino Unido desde 1972 e não levou susto com o voto a favor do Brexit. De olho sempre grudado no mundo contemporâneo, o sociólogo - que tem mais de 30 livros publicados no Brasil pela Zahar - lançou há pouco no exterior "Strangers at Our Door", sobre a relação dos europeus com imigrantes.

Valor: O que a União Europeia pode fazer para não perder novos Estados-membros?

Zygmunt Bauman: Espero e acredito que essa confusão na qual a aventura Brexit jogou e jogará ainda mais o Reino Unido - não por muito tempo unido - vai provar ser a melhor trama para desestimular os que apoiam os "eurocéticos" nos outros membros da União Europeia.

Valor: Como interpreta o voto pelo Brexit?

Bauman: O plebiscito foi uma rara e única oportunidade para expressar a raiva acumulada há tempos contra o "establishment" como um todo, contra aqueles que sempre descumprem as promessas. Nesse plebiscito, todas as forças do "establishment" estavam do mesmo lado e os eleitores puderam manifestar a indignação, desgosto e ressentimento contra a "ordem (mais para desordem) das coisas".

Valor: Também acha que foi uma revolta dos "perdedores" da globalização contra a elite?

Bauman: Esse voto foi dado pelos milhões de britânicos deixados para trás ou com medo de isso acontecer com eles sem aviso. Foi dado pelas vítimas do mercado de trabalho desregulamentado e das forças financeiras sem travas. Foi provocado pelo imprudente aumento da desigualdade, pela multiplicação dos perdedores, pela insegurança de parte cada vez maior de uma classe média antes autoconfiante.

Valor: O nacionalismo e as fronteiras estarão de volta por algum tempo na Europa?

Bauman: Por cortesia da globalização e a decorrente separação entre poder e política, Estados estão virando pouco mais que bairros ampliados e confinados por fronteiras vagamente delineadas, porosas e fortificadas de forma ineficiente. Esses pequenos Estados guardaram ciumentamente o inalienável poder de separar "nós e eles". É isso o que estamos vendo hoje.

Valor: A ordem do pós-guerra, imposta pelos EUA e seus aliados, está se desfazendo?

Bauman: Esta "ordem" pós-1945 desfez-se irremediavelmente com a queda do Muro de Berlim. Desde então, os EUA tentaram repetidamente substituí-la pela "pax americana". Falharam abominavelmente. No momento, vivemos num "multicentro" com nenhuma força à vista capaz de sozinha ou em grupo tentar honestamente botar alguma ordem. Ulrich Beck [1944-2015], um dos maiores pensadores do século passado, proeminente por um insight sobre como o futuro tomaria forma, disse que vivemos já de maneira cosmopolita, mas estamos longe de desenvolver conhecimento cosmopolita. E digo, longe também de criar instituições capazes de lidar com esse cosmopolitismo.

Valor: A Europa fracassou na crise dos refugiados, e esta foi uma das razões para o Brexit. Existe um equilíbrio possível entre a obrigação moral de receber os refugiados e as resistências políticas?

Bauman: Acabei de lançar "Strangers at Our Door", em que falo disso. Estrangeiro em nosso meio é um problema universal, aparece sempre e assombra todos os setores da população com mais ou menos a mesma intensidade. Em áreas urbanas densamente populosas, o estrangeiro gera impulsos contraditórios. De um lado, a "mixofilia", a atração pela diversidade, por causa dos prazeres com experiências inexploradas, aventuras e descobertas. De outro, "mixofobia", a fobia causada pelo desconhecido, o indomável e o incontrolável. O primeiro impulso é uma das principais atrações da vida na cidade. O segundo, ao contrário, é visto como um perigo assustador, especialmente aos olhos daqueles com menos recursos. Os ricos e privilegiados têm acesso garantido às "comunidades muradas" para se isolar do desconforto, da perplexidade, do tumulto e do barulho das multidões nas ruas das cidades. Os mais pobres acham que não são capazes de se desviar das armadilhas e emboscadas do ambiente urbano e se sentem expostos às hostilidades e perigos.

Valor: Esse é o medo explorado por políticos?

Bauman: Segundo o "Guardian", 40% dos europeus citam a imigração como o principal problema da União Europeia. Menos de um ano antes, eram só 25%. Um a cada dois britânicos cita a imigração como problema. Essa mentalidade e as emoções que suscita são terrenos férteis para políticos em busca de eleitores. Cada vez menos, resistem a explorar essa ansiedade causada pela chegada de estrangeiros, o medo de ver os salários diminuírem ainda mais e de cresceram as abomináveis filas de desempregados em busca de empregos escassos. Poucos políticos já eleitos ou em campanha resistem à tentação de explorar essas emoções do cidadão. É muito humano o hábito de culpar e punir o mensageiro, eles trazem a mensagem das apavorantes forças globais que causam incerteza existencial.

Monumento feito em casa – Ruy Castro

- Folha de S. Paulo

Ernesto Nazareth, uma das glórias da música brasileira, nunca imaginou, em seus 71 anos de vida (1863-1934), que um dia sua obra para piano pudesse ser ouvida, admirada e amada em sua totalidade. Pois é o que acontece agora, com a caixa de 12 CDs contendo a integral de suas 215 composições, executadas pela respeitada pianista carioca Maria Teresa Madeira. Graças a ela, tem-se finalmente uma visão mais completa da grandeza de Nazareth.

Aqui estão lundus, polcas, valsas, tangos brasileiros, quadrilhas, schottisches, gavotas, maxixes, polonesas, fados, canções, cançonetas, marchas, mazurcas, hinos, foxtrotes, habaneras, choros e até, como ele os chamava, sambas carnavalescos. É o Brasil do Segundo Reinado e dos primeiros anos da República. Poucos países teriam uma trilha sonora tão rica em matéria de música popular — música esta que, no caso de Nazareth, interessa cada vez mais aos estudiosos e intérpretes da música erudita, das quais Maria Teresa é uma.

É de se perguntar como, diante da mesquinhez de nossa indústria cultural, foi possível realizar esta façanha. Na verdade, se Maria Teresa soubesse que era impossível, não a teria realizado. E nem um prêmio de R$ 200.000 (brutos) que ganhou da Funarte – e decidiu investir no projeto – teria sido suficiente para pagar as incontáveis horas de estúdio, a compra de bons microfones, as afinações do piano e a masterização de tantos fonogramas.

Maria Teresa só conseguiu criar este monumento porque tinha um estúdio profissional de gravação dentro de casa, em Laranjeiras — o de seu marido, Marcio Dornelles, também apaixonado por Nazareth. Nesse sentido, esta é talvez a maior produção fonográfica doméstica já feita no Brasil.

Ode ao dois de Julho - Castro Alves

Era no Dous de Julho. A pugna imensa
Travara-se nos cerros da Bahia...
O anjo da morte pálido cosia
Uma vasta mortalha em Pirajá.
"Neste lençol tão largo, tão extenso,
"Como um pedaço roto do infinito ...
O mundo perguntava erguendo um grito:
"Qual dos gigantes morto rolará?! ...

Debruçados do céu. . . a noite e os astros
Seguiam da peleja o incerto fado...
Era tocha - o fuzil avermelhado!
Era o Circo de Roma - o vasto chão!
Por palmas - o troar da artilharia!
Por feras - os canhões negros rugiam!
Por atletas - dous povos se batiam!
Enorme anfiteatro - era a amplidão!

Não! Não eram dous povos os que abalavam
Naquele instante o solo ensangüentado...
Era o porvir - em frente do passado,
A liberdade - em frente à escravidão.
Era a luta das águias - e do abutre,
A revolta do pulso - contra os ferros,
O pugilato da razão - com os erros,
O duelo da treva - e do clarão! ...

No entanto a luta recrescia indômita
As bandeiras - corno águias eriçadas -
"Se abismavam com as asas desdobradas
Na selva escura da fumaça atroz...
Tonto de espanto, cego de metralha
O arcanjo do triunfo vacilava...
E a glória desgrenhada acalentava
O cadáver sangrento dos heróis!

Mas quando a branca estrela matutina
Surgiu do espaço e as brisas forasteiras
No verde leque das gentis palmeiras
Foram cantar os hinos do arrebol,
Lá do campo deserto da batalha
Uma voz se elevou clara e divina.
Eras tu - liberdade peregrina!
Esposa do porvir - noiva do Sol!...

Arrastão (Edu Lobo) - Zimbo Trio / Orquestra Arte Viva