sábado, 2 de abril de 2011

Reflexão do dia – Roberto Freire

" Essa postura do Banco Central e do próprio governo, de não enfrentar, com a devida firmeza, o surto inflacionário que estamos vivendo pode colocar em risco toda a grande conquista brasileira com o Plano Real É péssimo para a família brasileira voltar a conviver com o espectro inflacionário.

E para piorar, se cria mais ministério em um momento grave como esse, como se já não tivéssemos ministérios demais; quer dizer é um governo completamente despreocupado.

É fácil para ela (Dilma), para atender interesses, continuar com essa parafernália de cargos para aliados da base de sustentação e para o PT. Para os trabalhadores, é arrocho salarial, arrocho na classe média, por causa da questão da correção da tabela do Imposto de Renda, que foi feita abaixo dos índices que deveriam ser verificados, levando o contribuinte a pagar mais imposto. Não houve atualização com base na inflação, o que configura uma forma indireta de elevar a carga tributária.

E quem sofre com a inflação é a população de mais baixa renda, os assalariados em geral e os que têm menor poder aquisitivo. É impressionante como o governo está tratando uma questão tão grave. O Banco Central, dá uma declaração como se tratasse de problema menor e sinaliza que vai voltar ao centro da meta inflacionária (4,5%) “na valsa". "

Roberto Freire, deputado federal e presidente do PPS, ontem em Brasília

O mesmo espaço:: Merval Pereira

O clima de harmonia aparente em que terminou o casamento do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, com o Democratas está lentamente sendo poluído pelas declarações públicas de ambos os lados, em uma luta feroz para suplantar o outro na disputa pelo mesmo nicho eleitoral, um conservadorismo que ainda não ousa dizer seu nome.

A direção do Democratas não tem no horizonte próximo uma ação mais forte de retaliação, como por exemplo pedir à Justiça Eleitoral que considere a criação do novo partido uma fraude para burlar a legislação eleitoral, como chegou a ser aventado.

Mesmo porque a ideia de o futuro PSD se fundir imediatamente com o PSB perdeu a força, pelo risco que correria ou até mesmo pela própria formação partidária, que vem reunindo políticos que nada têm a ver com a história de um partido socialista.

Mas o presidente do Democratas, senador Agripino Maia, aumenta o tom quando fala sobre o futuro novo partido, que, segundo ele, "está sendo repositório de insatisfeitos ou de oportunistas pelo Brasil inteiro, e existem muitos".

Na opinião de Agripino Maia, o novo partido de Kassab "está claramente sendo montado em sintonia com a Dilma, para tentar sufocar o DEM".

Pelo menos o governador do Amazonas, Omar Aziz, e o senador Sérgio Petecão, do Acre, ambos do Partido de Mobilização Nacional, estariam entre os que receberam orientação direto da presidente Dilma para ir para o partido do Kassab, diz o presidente do DEM.

Segundo Maia, Kassab tem procurado criar uma ilusão de que está estruturando um partido-monstro que vai acabar com o Democratas, mas isso não reflete a verdade.

Os governador Colombo, de Santa Catarina, e Rosalba Ciarlini, do Rio Grande do Norte, continuarão governadores do DEM, garante.

A senadora Kátia Abreu, de Tocantins, uma provável dissidência importante do DEM, está conversando com o ex-senador Marco Maciel, atualmente presidente do Conselho do partido.

Agripino Maia, por sinal, coloca sempre à frente, quando discute o futuro, os nomes de Maciel e do ex-senador Jorge Bornhausen como os grandes fiadores do partido.

Na avaliação de Agripino Maia, o prefeito Gilberto Kassab estaria atrás de um cacife político reforçado para disputar um cargo majoritário, que seria o de senador, nunca o de governador, pois ele não teria chances com o PSDB e o PT paulistas, ainda mais com o governador Geraldo Alckmin disputando a reeleição.

Com os gestos dele, diz Maia, está dificultando cada vez mais possível aliança com o DEM, "mas política se faz sem fígado, com sabedoria. Neste momento interesses convergentes são os do DEM com o PSDB e com o PP".

Maia está dividindo sua atuação em duas frentes: ao mesmo tempo em que tenta manter o maior número de políticos no DEM, vai aplainando novos caminhos para o partido.

Ele garante que pode perder não mais do que meia dúzia de deputados: dois na Bahia, dois em São Paulo, um no Rio de Janeiro. Em São Paulo, segundo Maia, a base do Democratas vai ficar toda: dos 14 parlamentares, 11 ficarão, quatro federais e sete estaduais. Apenas dois deputados federais e um estadual seguiriam com Kassab.

No Rio de Janeiro, o deputado Arolde de Oliveira está se compondo com o ex-prefeito Cesar Maia, que deve ser o presidente municipal. O ex-candidato a vice-presidente Indio da Costa, que não tem mandato, e a deputada federal Solange Amaral devem ir para o PSD.

Agripino Maia afirma que a suposta bancada de 43 deputados federais do novo partido, apregoada por seus idealizadores, pode ser formada por trânsfugas de PTB, PMN, PP, PMDB, PSDB, a maioria de partidos da própria base aliada do governo, que estariam sendo estimulados à mudança com o objetivo de criar um clima que induza à percepção de que o Democratas está acabando.

Além do mais, diz Agripino Maia, "estão querendo retirar o viés governista do novo partido alardeando que estão tirando a maioria do DEM, mas isso não é verdade".

O presidente do Democratas tem feito o seguinte raciocínio nas conversas que vem mantendo com os membros do DEM que porventura pensem em sair do partido para seguir o prefeito paulistano: Dentro de um ano e meio Kassab não terá mais mandato, a marca da prefeitura de São Paulo vai sumir. Qual é a capacidade de comando que Kassab tem sem a máquina da prefeitura?

Que tempo de rádio e televisão terá o novo partido? E como será a primeira experiência eleitoral do novo partido com o fim das alianças proporcionais? Qual é a afinidade que essas pessoas que estão se juntando no PSD têm umas com as outras?

Agripino Maia teve uma reunião recentemente com o DEM em Santa Catarina e pretende fazer outras pelo país para construir uma agenda positiva para o partido, massificar suas ideias centrais.

"Nós perdemos a guerra da comunicação", admite, dizendo que as pessoas se esquecem de que o DEM foi o único partido que expulsou um governador, José Roberto Arruda, do Distrito Federal, e ficam com a ideia do mensalão do DEM.

Ele também pretende resgatar a memória do partido, lamentando que "nunca mais se falou sobre a origem do Democratas, que foi o Partido da Frente Liberal, um partido nascido da dissidência do PDS que viabilizou a transição democrática com a eleição de Tancredo Neves".

Ele acha que há muita coisa para recuperar, inclusive recente, e lembra que há quatro anos, quando houve o grande "apagão aéreo" no país, o partido trouxe técnicos do exterior e propôs a adoção das parcerias público-privadas que agora o governo está anunciando para os aeroportos.

"Nós temos o exemplo da derrubada da CPMF para basear nossa campanha contra a carga tributária", lembra.

Essa cruzada que pretende fazer pelos estados pode ser uma boa oportunidade de sintonizar o partido com o eleitor.

Essa será a sua aposta.

FONTE: O GLOBO

A história como ponto de partida e chegada:: Wilson Figueiredo

No horizonte da ca mpanha eleitoral encerrada, não chegaram a merecer prioridade as considerações encaminhadas na oportunidade e que continuam expostas aos efeitos da terceira derrota consecutiva do PSDB. Ainda não se sabe o que seja melhor fazer ou deixar de fazer à esquerda, mediante leitura dos fatos com os olhos da democracia e interpretação com a cabeça da direita.

Depois de experimentar amplo e promissor efeito no final do século 20, a social-democracia, aqui e alhures, vem ficando para trás e já parece uma das relíquias daquela arrancada rumo à democracia que arrematou o século 20 no Brasil.Como proposta, a social-democracia representou um corte na sequência de desvios e equívocos que inviabilizaram antes o foco de esquerda na vida brasileira.O saldo histórico atual, no entanto, vem sendo preterido pela ilusão de que insucessos eleitorais e equívocos políticos devem ser tratados como se a história fosse realmente assunto exclusivo de vencedores. No caso específico, problema de ex-vencedor, que até hoje nem desconfia da razão pela qual as duas vitórias presidenciais da social-democracia no Brasil não foram o ponto de partida mas de chegada.

Mérito pouco reconhecido da social-democracia, em sua passagem pelo Brasil, foi a naturalidade com que passou a ser tratada a presença da esquerda. Ficou por não dito tudo que se dizia a respeito. O tema do compromisso democrático nunca foi sequer levado a debate. A social-democracia no século 19, foi portadora da proposta de associar, num só compromisso político, a causa da igualdade social possível e os meios democráticos como compromisso permanente.

Depois de três insucessos, não se deve ao acaso a exigência de Lula para aceitar a quarta candidatura, por falta de alternativa. Luiz Inácio Lula da Silva deu dois passos atrás para ganhar impulso e tentar o salto de bailarino. Não deixou de ser a tradicional troca de seis por meia dúzia: se não tem outro Lula, vai de Lula mesmo. O PT foi de Lula e acabou tentado pela vontade de continuar trilhando instintivamente a tortuosa via dos sofismas.Trata-se do mesmo princípio de que se valeu a social-democracia para adquirir viabilidade política, qual seja, deixar de lado a ilusão revolucionária e admitir, não como tática ou etapa transitória mas como compromisso, o modelo democrático de acertar as contas periodicamente nas urnas. Pelo menos, até onde o raciocínio alcança.

Como, pelo número de derrotas, é a social-democracia que está na berlinda, quem está devendo é o PSDB. A começar pela fuga ostensiva à discussão das causas prováveis de derrotas à espera de melhor avaliação. Não basta reconhecer o insucesso sem remontar às causas.Qual a razão pela qual a bancada social-democrata na Câmara e no Senado aceitou ser carimbada de neoliberal, sem tugir nem mugir?

Pela mão canhota do presidente Lula, o PT se agarrou à doutrina ambidestra – comum ao PSDB e ao PT – para não deixar escapar a estabilidade econômica que nem diz mais o próprio nome. A economia se deu bem com a maneira social- democrata de cuidar do assunto. PT e PSDB, quando no poder, não querem outra. Lula salvou dois mandatos com a mesma dosagem social-democrata da economia. Fez melhor: repetiu a fórmula do velho sucesso radiofônico do anúncio em que uma discreta maneira feminina de tossir, quase como pedido de desculpa, contrastava com o espalhafato da versão masculina, e o locutor dava seu recado comercial. Era outro o Brasil? Nem tanto. Faltava a t e l ev i s ã o.

Não é uma alegoria, mas um comercial à disposição da TV. As causas e as consequências continuam, uma e outras para lados diferentes, enquanto o PT se amolda às circunstâncias e o PSDB espera – não se sabe bem o quê nem quem.Mas o momento a cada dia fica mais longe do efeito a ser c o n s e g u i d o.

Wilson Figueiredo escreve aos sábados e terças-feiras.

FONTE: JORNAL DO BRASIL

Cuidado com a reforma política::Miguel Reale Júnior

Excluída a criação da medida provisória e a reeleição, em nada se modificou o cerne do sistema político brasileiro instituído na Constituição de 1946.

Durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte prevaleceram as ideias de implantação do regime parlamentarista e do voto distrital misto. Apenas na votação em plenário, em março de 1988, venceram a proposta presidencialista e o voto proporcional para a Câmara dos Deputados. Foi Sarney, agora arauto da reforma política, que, no afã de obter cinco anos de mandato presidencial, promoveu a derrota do parlamentarismo e do voto distrital misto, acoplada à concessão de um quinto ano de exercício da Presidência da República.

Interesses de assunção ao poder presidencial levaram a que o PT se unisse a Quércia e a Maluf na vitoriosa campanha pelo presidencialismo em 1993, ao que se somou a total inoperância da revisão constitucional no plano político, cujo único resultado foi a redução do mandato do presidente da República para quatro anos, sem reeleição, introduzida depois por Fernando Henrique e cuja supressão agora é proposta pela Comissão da Reforma Política.

Há muitos temas em debate, mas a grande questão diz respeito ao sistema eleitoral para a eleição de deputados e vereadores: proporcional, lista fechada, distritão, distrital puro, distrital misto, proporcional por distritos.

No sistema proporcional atual, o partido elege tantos deputados quantos resultam do número de votos recebidos pelo partido dividido pelo quociente eleitoral, que, por sua vez, é alcançado mediante a divisão dos votos válidos na eleição pelo número de deputados do Estado. Se São Paulo tiver 21 milhões de votos válidos, sendo 70 as cadeiras do Estado na Câmara, o quociente é de 300 mil votos. Se o partido teve 3 milhões de votos, cabe-lhe ter dez deputados.

A tentativa de alterar o sistema proporcional é contínua, mesmo porque consabidos seus vícios: milhares de candidatos a disputar, em lista aberta, por todo o Estado, encarecendo a eleição; distância entre eleitor e candidato; prevalência de celebridade, cantor, palhaço ou ex-BBB; vota-se na pessoa, mas sem perceber se está a votar também no partido, pois o milhão de votos em Tiririca elevou, pelo sistema proporcional, o número de vagas do seu partido e dos coligados. Vota-se em A, elege-se B; compra de apoio de líderes de redutos eleitorais consagrando quem tem dinheiro, mas não tem laços com a comunidade; fragilização dos partidos políticos, pois candidatos de um mesmo partido digladiam entre si.

Pelo sistema da lista fechada ou preordenada, busca-se fortalecer os partidos, pois não mais se vota em candidatos, mas em partidos políticos que terão número de vagas correspondentes aos votos recebidos na forma proporcional acima descrita. O partido indica em convenção a ordem da lista dos deputados. Se o partido ganha direito a dez cadeiras, os primeiros dez da lista estão eleitos. Não se afastam males do sistema proporcional, pois se votará no partido, por exemplo, do Tiririca, mas por causa do Tiririca, que constará do cimo da lista, sem dúvida, pois do contrário não se candidataria. Ganha muita força a oligarquia partidária e afasta-se o eleitor do candidato.

Pelo sistema apelidado de distritão, elimina-se o quociente eleitoral, a forma proporcional. Os candidatos disputam em todo o Estado e serão eleitos os mais votados, independentemente dos votos recebidos por seu partido. Dá-se total preferência à pessoa do candidato, com menosprezo ao partido. O conjunto da votação partidária será ignorado, além de ser mantido o mal da lista aberta do sistema proporcional.

No sistema distrital puro, aproxima-se o candidato do eleitor, reduz-se o campo geográfico da disputa, com barateamento da eleição, impede-se o surgimento de candidatos paraquedistas, porém é prejudicial a eliminação de qualquer proporcionalidade, com supressão de representação das minorias, por vezes bem votadas, como sucedeu com o Partido Liberal na Inglaterra. Conduz ao fim da multiplicidade de vertentes no Parlamento.

O sistema distrital misto adotado na Alemanha seria o ideal, com o eleitor tendo dois votos, um no candidato do distrito e outro no partido, que apresenta lista fechada. Ganham, pelo sistema majoritário, os candidatos eleitos nos distritos e, pelo sistema proporcional, os candidatos da lista partidária, em número para completar as cadeiras a que faz jus o partido, em vista dos votos recebidos, mas não preenchidas pelos resultados dos distritos. Combinam-se as virtudes de ambos os sistemas, mas as dificuldades estão na necessidade de emenda constitucional e na compreensão do sistema pela população.

Por fim, há a proposta de votação em distritos, mas proporcional, razão pela qual poderá ser estatuída por projeto de lei. A disputa, em vez de ser em todo o Estado, dar-se-á em distritos nos quais é dividido o Estado, em número três vezes superior ao número de deputados do Estado, para se ter distritos menores. O cálculo dos eleitos, todavia, deve ser feito pelo sistema proporcional. Por esta proposta, sugerida pelo professor José Afonso da Silva, os candidatos não são eleitos nos distritos, mas votados no distrito em que concorrem. O número de cadeiras será determinado pelo sistema proporcional, em vista do conjunto de votos do partido no Estado. O partido com direito a dez deputados terá os dez mais votados do partido em todo o Estado como eleitos. As vantagens estão na proximidade entre eleitor e candidato, no barateamento da disputa, na ausência de luta entre candidatos do mesmo partido.

Interesses subalternos, muitas vezes, ditam as preferências dos partidos. A sociedade deve estar atenta em face de mudanças que visem apenas ao aumento de bancadas, e não à melhoria de nosso sistema político.

Advogado, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi Ministro da Justiça

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Com as próprias mãos:: Fernando Rodrigues

A polêmica sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa esconde uma mania nacional: o desejo incontido de tutelar o cidadão. Um renascimento da máxima "o brasileiro não sabe votar".

O leitor José Bueno Lima escreveu algo sábio na seção de cartas da Folha: "Para mim, Ficha Limpa não precisa de lei. Nós, os eleitores, é que, independentemente de lei, devemos não votar nos candidatos que cometeram crimes".

Faz sentido. Tome-se o caso de Fernando Collor. O cidadãos de Alagoas acharam que ele serviria para ser senador (eleito em 2006), mas não para governar de novo o Estado -teve 29% dos votos em 2010 e foi rejeitado nas urnas.

Paulo Maluf é um caso exemplar. Depois do fracasso com a indicação de Celso Pitta para sucedê-lo na Prefeitura de São Paulo, em 1996, só foi ladeira abaixo. Perdeu as disputas para o governo paulista em 1998 e em 2002. Depois, registrou votações declinantes para deputado. Em 2006, teve 740 mil votos.

Em 2010, desceu a 497 mil.

A Lei da Ficha Limpa, por certo, tem efeitos profiláticos. Ajuda a ordenar o processo ao criar regras de elegibilidade. Hoje, só pode disputar um cargo quem se filiou a um partido até um ano antes do pleito.

Para ser presidente, é necessário ter mais de 35 anos. Não faz mal exigir também que o candidato não tenha ainda sido condenado por uma instância colegiada na Justiça.

Ainda assim, o melhor mesmo é o eleitor fazer as correções com as próprias mãos. Há informações em profusão. No UOL, com o apoio da Folha, o politicosdobrasil.com.br oferece mais de 500 mil fichas de candidatos, desde 1998, com todos os dados necessários para uma boa decisão na hora do voto. Há até os CPFs de políticos -para checar quem está em dia com o Fisco.

Tudo considerado, que venha a Ficha Limpa no próximo pleito. Mas o eleitor já tem todos os meios para eliminar da vida pública os "fichas-sujas". Mesmo sem lei.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Notas e ruídos:: Míriam Leitão

O governo de Dilma Rousseff nem fez 100 dias, só fará daqui a uma semana, e já houve uma explosão de revolta nos canteiros de obras do PAC, interferência explícita na Vale, concessão de uma estranha licença "parcial" para Belo Monte. No lado bom, o governo fechou o palanque ambulante, valorizou a mulher e cobrou resultados dos ministérios.

A presidente está com alto grau de aceitação porque é normal em todo início de governo e porque ela está surpreendendo favoravelmente com um estilo próprio. Nas suas aparições públicas, Dilma sempre tem propósito definido. Ela eliminou o viés espetáculo. Quando apareceu, foi para passar mensagens de interesse público, como a luta pela saúde da mulher. Mas seu balanço de três meses tem vários pontos desfavoráveis. Foram tomadas decisões controversas, como a solução dada à Caixa Econômica Federal (CEF).

Em vez de ter que se explicar pela decisão da sua gestão de pagar caro por metade de um banco podre, a ex-presidente da CEF Maria Fernanda Coelho foi indicada para uma diretoria do BID. O governo premiou quem tinha explicações a dar e aprofundou o processo de mais politização da Caixa. Geddel Vieira Lima foi para a vice-presidência do banco.

A operação Vale foi lamentável pela maneira desastrada como foi conduzida. Ela é uma das empresas com grande valor de mercado do Brasil, tem ações no mundo inteiro, é uma multinacional na qual os mercados mundiais prestam atenção. Vejam abaixo o gráfico da valorização das ações da empresa em comparação com o que aconteceu com a Petrobras, em 2010. Parte da alta da Vale é a disparada dos preços do minério de ferro, não deve ser totalmente creditada à administração da empresa.

A presidente Dilma deu uma entrevista ao "Valor" dizendo que nada sabia da mudança na presidência da Vale. Ela foi enfática: "você pode ficar estarrecida, mas não sei". O ministro da Fazenda, soube-se depois, foi a São Paulo para a primeira de duas conversas com o presidente do Bradesco, Lázaro Brandão, para pedir a cabeça de Roger Agnelli. O banco, como era de se esperar, entregou a cabeça, na bandeja de prata dos muitos interesses que ele tem com o governo. A segunda das duas reuniões foi com a presença do maior fundo de pensão do Brasil, a Previ. Quem quer ficar contra a Previ? O problema é que o fundo de pensão não é estatal. É uma entidade privada, e não um braço governamental.

Para tirar Roger do cargo, havia um caminho empresarial e um bom motivo: ele está há 11 anos no posto. A coisa certa seria, na reunião de 19 de abril, o BNDES propor como acionista da Valepar a não renovação do mandato. A Previ seguiria porque já demonstrou desacordo com decisões da empresa. A Mitsui é indiferente, seria convencida com argumentos empresariais, e o Bradesco não iria querer ficar isolado, bloqueando uma solução. Seria decidido normalmente, seguindo regras de contratação de uma empresa de headhunter. Mas o governo se comportou mal, a governança da empresa foi desrespeitada. Independentemente da capacidade gerencial de quem vier a ser escolhido, mesmo sendo técnico, ele sabe que segue ordens do implacável Planalto. A Vale agora passa a ser uma empresa governamental. Ninguém mais na Vale ousará desagradar ao governo. Não existe meia intervenção. A empresa agora é tutelada.

Notícias espantosas saíram dos canteiros de obras das hidrelétricas do Rio Madeira. Trabalhadores em fúria nas obras de Jirau e paralisações em várias outras obras do PAC indicam que houve uma tensão acumulada que os consórcios - nos quais há empresas estatais - não souberam enfrentar a tempo. Agora, centrais sindicais que são braços do governo disputam para saber quem representa esses trabalhadores. Eles viraram capital político do sindicalismo governamental.

Em Belo Monte, houve no governo Dilma outro atropelamento do Ibama. Demissão e a concessão de uma controversa licença parcial do canteiro de obras. Segundo cálculos do Imazon, que constam do consórcio Norte Energia, o desmatamento indireto da obra pode variar de 800 quilômetros quadrados a 5,2 mil quilômetros quadrados. Os fatos até agora fazem temer pelo pior.

Na economia, mensagens conflitantes enchem de ruído uma conjuntura já complicada por uma série de eventos internacionais, e a sensação de que o governo aceitará um pouco mais de inflação no país que passou pelo tormento hiperinflacionário.

Há várias notas agradáveis no governo Dilma, mas há dissonâncias assustadoras.

FONTE: O GLOBO

Norberto Bobbio, os comunistas e a democracia procedimental:: Michel Zaidan Filho

Este texto tem como objetivo discutir a relação do pensamento de Norberto Bobbio com os comunistas italianos e a sua concepção procedimental de democracia. Também procuramos fazer um resgate da recepção da obra de Bobbio no Brasil, particularmente pelos comunistas brasileiros, no bojo da luta interna que se abriu neste partido durante os anos 1980. No final, faz-se uma breve avaliação da evolução intelectual do autor italiano, vis-à-vis a conjuntura política italiana e a brasileira.

Recepção da obra de Bobbio no Brasil pelos comunistas

A recepção da obra de Norberto Bobbio no Brasil se deu basicamente na década de 1980, a partir da chamada diáspora comunista. Após uma dura e prolongada luta interna, a ala reformadora do Partido Comunista Brasileiro (PCB) — basicamente integrada por militantes do comitê estadual de São Paulo — abandonou o partido, e seus militantes se autoproclamaram comunistas da sociedade civil ou comunistas sem partido. O seu órgão foi a revista Presença, uma publicação pluralista que reunia intelectuais e militantes comunistas do país inteiro, que compartilhavam da tese, defendida por Carlos Nelson Coutinho, da democracia como valor universal (COUTINHO, 1980).

Desiludido com os rumos tomados pelo PCB e sua relação com a conjuntura brasileira dos anos 80, um de seus mais ilustres membros, Marco Aurélio Nogueira, então professor da Unesp, resolve fazer um pós-doutorado na Itália, no Instituto Gramsci. De volta ao Brasil, traz na bagagem o livro de Bobbio, O futuro da democracia (1985a), para traduzi-lo em português, pela editora Paz e Terra. Começaria aí a história da recepção do pensamento político de Bobbio no Brasil, na condição de um autor que fazia a defesa radical da democracia representativa.

O contexto dessa recepção era naturalmente a necessidade de consolidar um pensamento na esquerda comunista a favor da estratégia democrática radical para o socialismo, derrotada pela máquina do PCB na chamada luta em duas frentes (primeiro contra os prestistas, segundo contra os eurocomunistas, como eram conhecidos os militantes daquela concepção). Norberto Bobbio era convidado a convalidar uma tendência da esquerda comunista no Brasil, de declarada inspiração gramsciana e berlingueriana. Nessa época, era comum ver livros italianos nas mãos desses militantes e a palavra de ordem do novo dicionário da esquerda era aggiornamento.

O desfecho dessa história já é bastante conhecido: o PCB se dissolveu em 1992, os seus militantes de dispersaram, e os reformadores comunistas foram para a universidade ou trocaram de identidade partidária. Voltaremos a esse ponto, no final desse artigo.

Bobbio e os marxistas italianos

O debate de Norberto Bobbio com os comunistas italianos tinha outro sentido, no contexto da República italiana: através da estratégia do “compromisso histórico” com a democracia cristã e o partido socialista, os marxistas tinham efetivamente a chance de integrar o governo na Itália (situação, aliás, que de fato se concretizou nos anos 1990 com a conhecida “coligação do ramo da oliveira”, Ulivo, na conjuntura da unificação europeia e da crise política italiana). Esta circunstância levou Bobbio a desafiar os comunistas a se pronunciarem sobre a democracia representativa como o terreno por excelência para a conquista do socialismo. Os termos dessa polêmica amigável estão registrados em alguns livros, também traduzidos para o português, como Marxismo e Estado (1982) e Qual socialismo? (1985b).

Avaliando retrospectivamente os dois lados da controvérsia, é possível dizer que Norberto Bobbio se saiu melhor do que seus interlocutores do PCI. A tese fundamental de Bobbio é que não havia uma doutrina marxista do Estado e muito menos uma teoria das instituições ou formas de governo (BOBBIO, 1985b, p. 37-54). Essa clamorosa lacuna levava o marxismo a defender uma teoria negativa do Estado, pensado como um mal necessário, que deveria se extinguir com o fim das classes sociais. A própria expressão “ditadura do proletariado” era uma proposição algébrica, cujo conteúdo social era o governo da classe operária sobre a burguesia e seus aliados. Segundo Bobbio, de nada adiantava querer extrair de umas tantas frases de Marx, em Bad Kreuznach ou no texto A guerra civil em França, indicações precisas sobre o Estado socialista, porque o próprio Marx deixara inacabado o plano para análise do Estado moderno (1985b, p. 21-35) [1].

Conforme o autor italiano, o grande mérito de Marx era unir o realismo político a uma teoria revolucionária da sociedade e da história. Dizia ainda Bobbio que onde havia democracia não havia socialismo e onde havia socialismo não havia democracia. Era preciso compatibilizar democracia e socialismo (1985b, p. 93-111).

O passo seguinte dessa recepção foi naturalmente o sentido do livro: O futuro da democracia (1985a). Livro que deve ser lido como uma teoria minimalista da democracia representativa, ou uma crítica da razão democrática. O desencanto de Bobbio com as concepções substantivas da democracia, para não dizer com as experiências socialistas realmente existentes, é patente nesse texto. Escrevendo sob a influência de Hans Kelsen e dos teóricos do elitismo democrático, chega à conclusão de que só é possível defender uma concepção procedimental, técnica de democracia, como condição de sua aceitação pelos eleitores. Definido o número determinado de regras, seria possível dizer se há ou não democracia nesta ou naquela sociedade, independentemente das ideias de bom, justo, verdadeiro, etc. O positivismo do autor conduzia-o a rejeitar juízos de valor sobre a democracia, aceitando o principio kelseniano da neutralidade da ciência e do direito como sistema de ciência positiva.

Em relação ao elitismo democrático, Bobbio relaciona uma série de “expectativas não realizadas pela democracia”, bem como o que ele denomina de “paradoxos do regime democrático” (BOBBIO, 1985a, p. 29-52) , e acaba por defender a ideia de que este regime é caracterizado por uma rotatividade de oligarquias políticas no poder, através da autorização política periódica do eleitor.

E aqui retornamos ao ponto inicial desse texto. Quando Norberto Bobbio faleceu em 9 de janeiro de 2004, no dia seguinte os comunistas italianos lhe dedicaram uma generosa manchete no jornal L´Unità, que dizia: “Bobbio: l´Italia migliore” e colocaram um encarte com manchetes que o chamavam de “maestro” e reconheciam que ele “tinha razão” em relação ao comunismo (“E alla fine, gli abbiamo dato ragione”) (L’Unità, 2004, p. 6-9) [2].

E os nossos comunistas, que o introduziram no contexto da disputa interna do PCB? Só o silêncio e a indiferença. Bobbio tornou-se, no Brasil, o principal autor do chamado liberal-socialismo do governo tucano (do PSDB), usado para convalidar a reforma do Estado, a privatização de ativos públicos e a transferência das políticas sociais para o mercado, a família e as fundações filantrópicas, sob o nome de parcerias público-privadas. Mais uma vez, o nosso pensador foi instrumentalizado para a defesa de um plano de redução do Estado, num contexto bem diferente das controvérsias e debates italianos.

Talvez o acento irônico e melancólico dessa recepção possa ser representado pela declaração do nosso então chanceler Celso Lafer de que as opiniões de Bobbio seriam o melhor antídoto contra o terrorismo e o fanatismo da nossa época, feitas, justamente, no momento em que as tropas americanas desembarcavam no Oriente Médio para derrotar Saddam Hussein [3].

Conclusão

Como disse um estudioso da obra do pensador italiano (ASSIS BRANDÃO, 1990), ao longo de sua extensa e profícua carreira política e intelectual Bobbio foi se tornando um autor mais liberal e menos democrata, mais democrata e menos socialista, mais procedimentalista e menos participacionista, mais cético e realista e menos utópico e sonhador. É claro que esta evolução tem a ver com o desencanto de Bobbio com o cenário político italiano, marcado por denúncias de corrupção e o terrorismo das brigadas vermelhas. É possível que o desenrolar dos acontecimentos do Leste europeu também tenha contribuído para o ceticismo de Bobbio em relação ao socialismo estatal. O participacionismo, da época da democracia ética, vai sendo superado pelo elitismo político, de origem kelseniana e schumpeteriana, mais ainda reforçado pela ideia de que o excesso de democracia é prejudicial à democracia e que as massas não estão preparadas para tomar decisões complexas e de repercussão social.

No Brasil, não foi muito diferente. Os pós-comunistas que o trouxeram da Itália e o difundiram entre nós emigraram para o PSDB ou PPS, partidos de centro, e tornaram Bobbio uma leitura obrigatória para a agenda americana da reforma do Estado.

Michel Zaidan Filho é professor da Universidade Federal de Pernambuco.

Notas

[1] BOBBIO, N. “Democracia socialista? Sobre a inexistência de uma ciência política marxista”. In: Id. Qual Socialismo?, 1985b.

[2] Em 1989, quando o jornal ainda era o órgão oficial do Partido Comunista Italiano, por ocasião do octogésimo aniversário de Bobbio, o jornal colocou em primeira página um artigo de um alto dirigente do PCI, Aldo Tortorella, intitulado significativamente: “Grazie Bobbio per la coerenza delle tue idee”.

[3] A declaração foi feita na exposição do ex-chanceler no Auditório de Filosofia e Ciências Humanas, da UFPE.

Bibliografia

BOBBIO, Norberto. Marxismo e Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1982

¬¬----------. O futuro da democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985a

----------. Qual socialismo?. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985b

COUTINHO, Carlos Nelson. A democracia como valor universal. São Paulo: LECH, 1980.

BRANDÃO, Assis. Um estudo sobre o pensamento de Norberto Bobbio. Tese de Doutorado apresentada à Universidade Federal de Minas Gerais. 1990

L’Unità. “Bobbio, l´Italia Migliore”, 10.01.2004.

----------. “Grazie Bobbio per la coerenza delle tue idee”, 18.10.1989.

FONTE: GRAMSCI E O BRASIL

Limites anacrônicos: governança global e democracia:: André Lara Resende

"O nacionalismo é uma doença infantil, a rubéola da humanidade"

(Albert Einstein)

Quase todas as grandes questões de nosso tempo exigem um tratamento supranacional, mas a representação democrática continua pautada pelos limites geográficos dos Estados nacionais. É uma situação perigosa. Fica-se obrigado a optar entre atropelar os cânones democráticos e a paralisia.

Tomemos, por exemplo, questões mais especificamente ligadas à conjuntura. Como rever a regulamentação financeira internacional para evitar crises recorrentes? A crise de 2008 tornou flagrante o anacronismo dos limites de atuação dos bancos centrais e das demais agências nacionais de regulamentação financeira. Os Estados Unidos dão sinais, cada vez mais enfáticos, de que deverão pautar suas políticas fiscal e monetária exclusivamente de acordo com os seus interesses domésticos de preservação da renda e do emprego. As eventuais consequências para o valor internacional de sua moeda estão relegadas a um distante segundo plano. Fica, mais evidente do que nunca, a urgência da criação de uma moeda reserva internacional, que não esteja sujeita aos interesses de um emissor nacional. A crise de 1929 terminou por levar à revisão do sistema monetário internacional, ao fim do padrão-ouro e, em 1944, com o fim da Segunda Guerra, à conferência de Bretton Woods. Agora uma nova e profunda revisão do sistema monetário internacional é imperativo para que a grande crise financeira de 2008 possa ser considerada definitivamente superada.

Questões ainda mais complexas, como a da emigração, a do tráfico e do consumo de drogas e a do terrorismo, não têm, é claro, soluções exclusivamente nacionais, exigem um tratamento supranacional como condição para ser equacionadas. Os dois temas mais candentes de nosso tempo são intrinsecamente supranacionais. Primeiro, como reduzir a desigualdade e eliminar a pobreza absoluta? Segundo, como enfrentar o desafio de continuar a aumentar a qualidade de vida sem esbarrar nos limites físicos do planeta?

O problema da pobreza e da desigualdade foi até muito recentemente entendido como uma questão nacional, mas já não é possível pretender que pobreza e desigualdade só nos digam respeito quando restritas aos limites geográficos de nosso país. O mecanismo psicológico, que permite fazer coincidir os limites da responsabilidade e da empatia com os das fronteiras nacionais, não é diferente do que levou à aceitação da escravidão. Trata-se de fazer um corte entre "nós" e "eles". Do ponto de vista evolutivo, quando o homem primitivo vivia isolado no seu grupo, constantemente ameaçado pela natureza, o sentimento de desconfiança em relação aos desconhecidos, aos que não fossem definidos como sendo dos seus, fazia sentido. Hoje é um sentimento profundamente irracional. Irracional porque perdeu funcionalidade, porque não corresponde mais aos interesses de todos. Não contribui nem para a qualidade de vida, nem para a sobrevivência da humanidade. Antes de se tornar imoral, um comportamento se torna disfuncional, portanto irracional, do ponto de vista do interesse geral dos homens, para só em seguida passar a ser percebido como imoral.

O princípio de ocupar-se primeiro dos mais próximos continua evidentemente válido, para não cair no caso dos personagens de Nelson Rodrigues, os "intelectuais de botequim", que nas décadas de 60 e 70, da varanda do bar do restaurante da moda, entre um drinque e outro, cegos para a miséria local, indignavam-se com o sofrimento dos vietnamitas. Mas basta um segundo de reflexão para concluir que o sofrimento de um boliviano ou de um brasileiro, separados por alguns quilômetros na fronteira, não nos deveria despertar sentimentos distintos, a não ser o da responsabilidade formal da nacionalidade. É justamente essa atribuição nacional da responsabilidade que se tornou anacrônica. Tornou-se anacrônica diante do progresso tecnológico nas comunicações, nos transportes, da redução das distâncias, do avanço do que se convencionou chamar de globalização.

A outra face do processo que transformou todos os grandes temas em questões supranacionais é a redução do espaço político nacional ao meramente administrativo. Questões administrativas requerem mais racionalidade burocrática do que liderança carismática, mas a política nacional, órfã dos grandes temas, guardou as instituições e os ritos de uma função que já não lhe compete, de uma realidade que já não existe. Tornou-se assim duplamente disfuncional: despreparada para a administração do dia a dia comunitário e presa à retórica de questões sobre as quais já não tem competência. Compreende-se assim a queda acelerada da influência da política e o desprestígio dos políticos, que passaram a competir pela atenção da mídia com o universo do entretenimento. Em busca dos holofotes, mas sem competência nem bandeiras, a política - e seus atores - fica a cada dia mais indistinguível do mundo das celebridades. A democracia de massa, intermediada pela mídia e regida pelos cânones da publicidade, transformou-se numa caricatura grotesca do que dela se pretende.

Em livro recém-publicado, "The Globalization Paradox"(1), o professor da Universidade de Harvard Dani Rodrik sustenta que é impossível ter simultaneamente democracia, soberania nacional e globalização econômica. Para preservar a globalização é preciso abdicar ou dos Estados nacionais ou da democracia. Para reforçar a democracia é preciso escolher entre o Estado nacional e a integração econômica mundial. Se o Estado nacional quiser ser preservado, deve-se abrir mão da globalização ou da democracia. Rodrik explicita imediatamente sua opção: os benefícios da integração econômica mundial são verdadeiros, mas foram superestimados, a democracia deve ser preservada. Como a diversidade no mundo de hoje é grande, a globalização irrestrita é incompatível com a democracia. Preserve-se o Estado nacional e a democracia, sacrifique-se, portanto, a globalização.

É difícil discordar de Rodrik com relação à tese de que a confiança excessiva dos benefícios de mercados livres e pouco regulamentados superestimou os benefícios e, principalmente, subestimou os riscos da globalização econômica e financeira. Também não se pode discordar que a democracia, dentre os três objetivos, tem evidentemente precedência. Seu equívoco é acreditar que para preservar a democracia se deve preservar os Estados nacionais e sacrificar a globalização. O termo globalização ficou associado ao período das últimas décadas de liberalização comercial e financeira internacional, mas a integração mundial é mais do que econômica e financeira. Globalização hoje é também - e sobretudo - a integração mundial promovida pela revolução tecnológica das comunicações e da internet. Daí a impossibilidade de sacrificar a integração mundial para compatibilizar a democracia com a preservação dos Estados nacionais. Nem a integração tecnológica é reversível sem sacrificar a democracia, nem a democracia é viável num mundo integrado, mas profundamente desigual. Aceitas as premissas, a conclusão é inequívoca: é preciso criar uma governança supranacional e reformular os Estados nacionais.

Acreditar que a democracia no mundo de hoje possa ser seletiva e localizada, que o que se passa em países distantes, de culturas distintas, não nos diz respeito, é um cacoete provinciano, incompatível com um mundo irremediavelmente interligado. As revoltas recentes, no Oriente Médio e no norte da África, são testemunhas da pressão democrática exercida pela revolução tecnológica das comunicações, em toda parte. Hoje, só há dois caminhos possíveis: ou bem o avanço internacional da democracia, ou então o regresso para um mundo de Estados isolados, em conflito permanente, obrigados a sacrificar a democracia e as liberdades individuais em nome da segurança nacional.

Fazer a defesa de uma governança supranacional não significa endossar sem ressalvas uma desregrada globalização financeira e comercial. Nem os mercados mais elementares podem prescindir de regras e instituições. Como é possível pretender que os mercados internacionais, sofisticados e complexos, com tantos interesses em jogo, possam dispensar a governança, o arcabouço institucional, para ser confiados à sua própria capacidade de se autorregular?

Reconhecer que os Estados nacionais tornaram-se ultrapassados, que a política nacional perdeu grande parte de seus temas e de seu apelo, não é o mesmo que sustentar que os governos regionais tenham deixado de fazer sentido e que as identidades culturais não precisem mais ser respeitadas. Muito pelo contrário. É justamente a falta de foco das políticas nacionais, entretidas com questões e problemas para os quais se tornaram incompetentes, o apelo demagógico a um nacionalismo, muitas vezes artificial, a distância excessiva entre os governantes e as comunidades, que fazem com que a governança global e governos democráticos regionais não sejam propostas competitivas, mas, ao contrário, verdadeiramente complementares.

Ao longo de toda a história, o comércio sempre esteve associado ao progresso e à civilização. O intercâmbio sempre foi uma força progressista, o cosmopolitismo sempre esteve associado à razão e às luzes. Não é sem razão que classificar alguém ou alguma coisa de paroquial tem conotações pejorativas. Na grande maioria das vezes, a defesa do isolamento, a desconfiança em relação ao estrangeiro, está associada ao conservadorismo e ao irracionalismo. Nada mudou. Mas, como sempre, o argumento não pode ser levado ao paroxismo. O apelo emocional da identidade comunitária é profundo e há sólidas razões para crer que a democracia representativa, para não se desfigurar, deve manter suas raízes na comunidade.

Seria ingênuo imaginar que uma governança supranacional pudesse ser facilmente construída, que estivéssemos às portas da superação dos Estados nacionais. Longe disso, como atestam as dificuldades por que passa a União Europeia, a mais audaciosa e importante experiência nessa direção. Mas os riscos de não se progredir no sentido de uma nova governança global são altos. Primeiro, a possibilidade de que, sem coordenação, se agrave a competição comercial, cambial e regulatória, que pode prolongar a crise de 2008, ou mesmo levar a um segundo mergulho recessivo, muito mais cedo do que se imagina. Segundo, a crescente tensão geopolítica, exacerbada pelo esgotamento das fontes de energia fóssil, a intensificação de catástrofes climáticas, num mundo interligado, mas profundamente desigual, que ainda não se percebe como num barco único, pode levar a conflitos cujo potencial para extrapolar os limites locais será cada vez mais alto.

Depois da crise de 1929, 15 anos e uma Segunda Grande Guerra foram necessários para se chegar à conferência de Bretton Woods, onde se desenhou o arcabouço jurídico-institucional que, na sua essência, perdura até hoje. A tomada de consciência da necessidade de revê-lo, de avançar na direção de uma governança supranacional, é fundamental para que até lá não seja preciso passar por mais uma grande crise ou uma nova guerra, agora mais que nunca, verdadeiramente mundial.

(1)"The Globalization Paradox". Dani Rodrik,W.W. Norton, New York, 2011

André Lara Resende é economista

FONTE: VALOR ECONÔMICO, 1/4/2011

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Governo intensifica leilão de alimentos para conter preços

Oferta, que antes era feita para garantir preço mínimo ao produtor, agora atua contra pressão inflacionária.

Com a disparada internacional das commodities, o governo intensificou neste ano a realização de leilões de alimentos para conter os preços - antes, entre 2008 e o início de 2010, os leilões eram feitos basicamente para garantir preço mínimo aos produtores. A maior preocupação é o milho, usado em ração animal e, por tanto, com influência no preço da carne. Dados da Conab mostram que, no primeiro trimestre do ano, foram leiloadas 3,713 milhões de toneladas de alimentos, e 2,212 milhões foram negociadas, resultando em R$ 751,812 milhões, ante R$ 297,283 milhões em todo o ano passado. Em relação a 2010, houve alta de 69% no volume ofertado e de 161,7% no negociados.

Governo tenta conter preço de alimentos

Para baixar preços, Ministério da Agricultura já vendeu em leilão mais alimentos no primeiro trimestre de 2011 do que em todo ano de 2010

Edna Simão

Com a disparada dos preços das commodities no mercado internacional, o governo federal mudou de estratégia e intensificou este ano a realização de leilões de alimentos. A preocupação principal é o milho, cujo valor está pressionado desde outubro do ano passado. O milho é utilizado como comida para animais e, portanto, influencia diretamente os preços das carnes bovina, suína e de frango.

O objetivo dos leilões de estoques do governo é segurar os preços, impedindo pressões adicionais na inflação. Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), órgão ligado ao Ministério da Agricultura, mostram que a quantidade de toneladas de alimentos leiloados no primeiro trimestre já ultrapassou de longe os números de 2010. Nos três primeiros meses de 2011, foram ofertados 3,713 milhões de toneladas de alimentos, e 2,112 milhões de toneladas foram vendidas, resultando em negócios de R$ 751,812 milhões.

Em relação a 2010, houve um aumento de 69% no volume de toneladas ofertadas e de 161,7% no que foi negociado. No primeiro trimestre de 2011, essas operações renderam R$ 751,812 milhões, alta de 152% na comparação com todo o ano passado. Praticamente tudo do que foi leiloado neste ano é milho. Foram ofertados 3,695 milhões de toneladas de milho e 2,111 milhões foram negociadas, o que rendeu R$ 750,193 milhões ao governo.

Estabilidade. Segundo o superintendente de operações comerciais da Conab, João Paulo de Moraes Filho, entre 2008 e o início de 2010, os leilões do governo eram realizados, prioritariamente, para garantir o preço mínimo dos produtos ao agricultor. Porém, a partir do segundo semestre de 2010, esse comportamento mudou por causa da forte elevação dos preços das commodities no mercado externo.

"Agora, o objetivo é dar estabilidade aos preços. Os estoques do governo são justamente para isso", disse o superintendente. "Não posso manter os preços artificialmente baixos. Mas posso vender uma quantidade para manter a estabilidade."

A política de intervenção no mercado para evitar disparada dos preços é elaborada pelos técnicos do Ministério da Agricultura e da Conab com base no comportamento do mercado. Normalmente, os produtos são vendidos em locais onde ocorreu perda de safra ou atraso na colheita por questões climáticas.

Para o analista de milho da Celeres Consultoria, Anderson Galvão, os leilões de venda de milho têm pouca influência para segurar os preços. Isso porque existe uma percepção do produtor de que o governo não tem estoques suficientes para conseguir evitar a disparada dos preços. "A Conab tem estoques suficientes para atender a demanda, mas não para derrubar os preços."

Arroz. Se por um lado o governo vende milho, por outro está comprando arroz. Os preços caíram consideravelmente e, para garantir uma renda mínima ao produtor, a Conab está comprando para estocar. "O objetivo é não deixar o produtor desestimulado", afirmou o superintendente da Conab.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

2010, o ano dos lucros fantásticos

A demanda interna forte e a alta de preços de matérias-primas puxaram em 2010 os lucros das empresas, que cresceram 32,2% sobre o ano anterior. Numa amostra de 59 companhias com ações em bolsa, as petroquímicas, os bancos e as construtoras lucraram como nunca.
Lucro Bilionário S/A

No ano passado, 59 empresas do Ibovespa tiveram ganho de R$167 bi, alta de 32%

Ronaldo D"Ercole

O vigor da demanda interna e a recuperação de preços internacionais das commodities impulsionaram os lucros das empresas brasileiras em 2010. Levantamento da Austin Rating, com base nos balanços das companhias de capital aberto que compõem o Ibovespa (índice que reúne as ações mais negociadas na bolsa de valores), mostra que, juntas, essas empresas acumularam lucro líquido de R$167,4 bilhões no ano passado, um salto de 32,2% sobre os ganhos do ano anterior, que somaram R$126,6 bilhões. A rentabilidade dos negócios variou menos: subiu de 13,3%, em 2009, para 14,2%.

Os dados compilados pela Austin referem-se aos resultados apresentados por 59 empresas, que atuam em 20 diferentes setores. Uma amostra, portanto, do universo de 647 companhias listadas em bolsa no país.

- É uma fotografia apenas dos setores reunidos no Ibovespa, e mostra que as empresas aproveitaram muito bem os estímulos concedidos pelo governo durante 2009, que se estenderam até o primeiro semestre, potencializando os negócios - diz o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini. - A evolução dos ganhos prova também que as medidas foram acertadas, apesar do ônus da inflação maior que temos agora.

Dos dez setores cujos lucros mais cresceram no ano passado, somente o de mineração - cuja amostra analisada tem basicamente a Vale, grande exportadora, pois a MMX ainda inicia suas operações - não tem atuação voltada para o mercado interno. No petroquímico, representado pela Braskem, que incorporou as operações da Quattor, o lucro avançou 374,2%.

O lucro das seis empresas do setor da construção civil cresceu 59,7%, embalado pela combinação de incentivos aos materiais com farta oferta de crédito e o programa "Minha Casa, Minha Vida". Na esteira da construção, o lucro da Duratex, única representante do segmento de madeira e papel analisada, subiu de 187,4%.

Câmbio desfavorável atrapalha siderurgia

O setor de telecomunicações, representado por cinco grandes operadoras (Oi, Vivo, Telesp, BrT e TIM), aproveitou-se da ascensão da renda das classes C, D e E, que fez explodir as receitas dos serviços móveis pré-pagos, e viram seus lucros avançarem 36,4% sobre 2009. O destaque fica com a TIM, que elevou de R$341 milhões para R$2,2 bilhões seu lucro no país.

- A TIM destacou-se justamente por uma estratégia muito agressiva no segmento do pré-pago - observa Pedro Galdi, estrategista-chefe da SLW Corretora.

A forte expansão das indústrias automobilística, de petróleo e gás e da construção civil no país também ajudou a alavancar os ganhos das siderúrgicas, que cresceram 34% sobre 2009: as três empresas analisadas do setor (Usiminas, CSN e Gerdau) lucraram juntas R$6,5 bilhões no ano passado. Apesar disso, ressalta Galdi, essas empresas penaram com o câmbio favorável às importações e com a existência de excedentes de aço no exterior. Sem poder elevar os seus preços sob o risco de perder espaço para o aço importado, o setor não conseguiu recuperar, na mesma proporção do lucro, a sua rentabilidade, que subiu de 11%, em 2009, para 14%.

As seis empresas de varejo (comércio, na nomenclatura de setores da Bovespa) analisadas viram seus lucros avançarem 14,3%, em linha com a alta do consumo no país. Mas o câmbio e a concorrência dos importados lhes tiraram rentabilidade, que recuou de 16,5%, em 2009, para 13,3%.

Galdi, da SLW, destaca que grande parte do crescimento dos lucros das empresas em 2010 deveu-se a uma base de comparação muito fraca, de 2009, quando o desempenho era muito afetado pelos efeitos da crise global:

- O primeiro semestre de 2009 foi terrível para a grande maioria dos setores, não se vendia nada. E grande parte do aumento dos lucros em 2010 vem daí.

Junto com a Vale, que teve lucro recorde de R$30,4 bilhões em 2010, a Petrobras, com ganho de R$35 bilhões, encabeça o ranking de ganhos em 2010. O lucro da Petrobras cresceu 7,7%, puxado pelo aumento dos preços do petróleo no último trimestre, na esteira da crise no Egito, e pelo aumento da produção. A megacaptação na bolsa em setembro, que resultou na entrada de R$50 bilhões no caixa da empresa, derrubou a rentabilidade, de 20% para 11%.

Ganho da Vale disparou 189%

Já a Vale se aproveitou da forte recuperação dos preços não só do minério de ferro, mas também do níquel e cobre, e viu seu lucro disparar 189,6%. E, diferentemente de 2009, beneficiou-se ainda da retomada forte da demanda chinesa por minério.

O desempenho do setor bancário (representado pelas quatro maiores instituições do país: Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander) também merece destaque. Puxado pela expansão do crédito, teve R$39,4 bilhões em lucro, 257% maior que em 2009, com aumento de rentabilidade, de 14,9% para 16,3% no período.

Chama a atenção no levantamento da Austin Rating, porém, as taxas de rentabilidade (medidas pela relação do lucro líquido sobre o patrimônio líquido) registradas pelas credenciadoras de cartões. Os índices de Cielo e Redecard, as duas representantes do setor "financeiro", destoam, com índice médio de 124,5%, enquanto a média dos 20 setores foi de 14,2%.

- Com a baixa competitividade (garantida pela exclusividade que as empresas tinham sobre as bandeiras e que só acabou no fim do ano), os custos vão para os preços, mas com novas regras e a entrada da Elo o setor tende a se ajustar - diz Agostini.

FONTE: O GLOBO

Governo fará minirreforma tributária para desonerar folha de empresas

Em vez de contribuição patronal, companhias pagariam sobre faturamento

Martha Beck

BRASÍLIA. Depois de três meses de medidas de pouco apelo popular, como imposto mais alto para compras no exterior, reajuste menor para o salário mínimo e cortes no Orçamento, o governo se prepara para tirar do papel seu projeto de minirreforma tributária. O plano inclui uma série de ações, sendo a principal delas a desoneração da folha de pagamento das empresas. A medida ainda não está fechada, mas a ideia que mais agrada à equipe econômica é transferir a cobrança da contribuição previdenciária patronal da folha para o faturamento, ajustando a alíquota de maneira que não haja perda de receita.

Num primeiro momento, a contribuição patronal sobre a folha, hoje de 20%, passaria para 14%, e depois seria integralmente transferida, em alguns anos, para o faturamento. Como cada ponto percentual do tributo equivale a uma arrecadação de R$4 bilhões, técnicos teriam de fazer uma calibragem de R$24 bilhões. Ou seja, tributar o faturamento num valor equivalente.

Mudanças também para ICMS, PIS/Cofins e Simples

O governo também trabalha em outras três frentes: acelerar a devolução de créditos de PIS/Cofins, elevar os limites do Simples (promessa de campanha da presidente Dilma Rousseff) e alterar pontualmente a legislação do ICMS para minimizar os efeitos da guerra fiscal. Segundo o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, trabalhar em várias frentes sem colocar todas as medidas num mesmo projeto é mais eficiente.

- Amarrar tudo num único projeto é não avançar em nada. Na área tributária, existem brigas entre União, estados e municípios, entre estados mais ricos e menos ricos, entre capital e trabalho. São vários conflitos que precisam ser resolvidos - afirmou Barbosa ao GLOBO.

Segundo ele, a transferência da contribuição patronal ao INSS para o faturamento seria uma forma de preservar a arrecadação da Previdência Social, aumentar a competitividade das empresas e favorecer exportadores, uma vez que não há incidência para quem vende a outros países.

A minirreforma tem fortes chances de sair do papel já nas próximas semanas. Isso porque o Senado julgará uma resolução do líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR), que zera o ICMS interestadual para importações. A medida acaba com incentivos desleais que são concedidos pelos estados para que empresas utilizem sua infraestrutura portuária.

Redução de tributos para alguns produtos e serviços

Barbosa vai discutir com o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) o que pode ser feito para uniformizar - e eventualmente reduzir - alíquotas do ICMS. A ideia da equipe econômica é propor a redução conjunta do imposto para produtos e serviços específicos. Para evitar uma grande perda de receita, essa redução poderia ser fixada de acordo com um cronograma pelo qual as alíquotas cairiam ao longo do tempo, e não de uma vez. Além disso, a União também poderia dar como contrapartida uma redução de tributos federais sobre os mesmos itens. Entre os setores que devem ser alvos dessa negociação estão energia e transporte, onde o ICMS tem grande peso. Mas uma primeira iniciativa já foi dada no Plano Nacional de Banda Larga, que oferecerá acesso à internet de alta velocidade para a população a preço acessível.

FONTE: O GLOBO

Trabalhadores entregam pauta de reivindicações à construtora de Jirau

Camargo Corrêa deve se manifestar segunda-feira sobre as negociações

Geralda Doca

BRASÍLIA. Operários e empreendedores da usina de Jirau, em Rondônia - última obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) paralisada, há mais de 15 dias, devido às condições de trabalho - retomaram ontem as negociações para voltar ao trabalho. Foi entregue à construtora Camargo Corrêa a pauta de reivindicações fechada com a hidrelétrica vizinha de Santo Antônio. O desfecho pode ser anunciado na segunda-feira.

Constam da pauta, entre outros pontos, antecipação de 5% de reajuste salarial a partir de 1º de abril (data-base é 1º de maio); passagem para casa de avião a cada três meses e aumento da cesta básica para R$132, além da criação de uma comissão permanente para discutir os problemas. A assessoria da empreiteira disse que a pauta está em estudo e que deve se manifestar segunda-feira.

- O diálogo foi retomado, e as discussões entre representantes da empresa e dos sindicatos locais vão ocorrer todos os dias - afirmou o presidente da CUT, Artur Henrique, acrescentando que os sindicatos estão fazendo levantamento sobre as condições no canteiro de obras para discutir com a construtora.

A volta dos operários à atividade está condicionada à aprovação da assembleia dos trabalhadores, caso a pauta seja aceita pela empreiteira, e deverá ocorrer de forma gradual, à medida que alojamentos e refeitórios destruídos na rebelião forem recuperados. Essa é a orientação do Ministério Público do Trabalho, que deu até o dia 11 para que a empresa tome as providências necessárias.

O ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) acompanhou ontem os desdobramentos das conversas em Jirau e por telefone falou com o presidente da CUT. A ideia é criar uma força-tarefa no local para melhorar o clima de insatisfação. A avaliação é que se trata de um barril de pólvora. Segundo Artur Henrique, Carvalho gostou da proposta da CUT de criar uma comissão tripartite para as grandes obras que virão.

Senadores da Comissão do Meio Ambiente visitarão as obras de Jirau e Santo Antônio este fim de semana para verificar aspectos relacionados ao tema e às condições de trabalho.

FONTE: O GLOBO

Dilma propõe criar 70 cargos; oposição reage

BRASÍLIA. Para viabilizar a criação da Secretaria da Micro e da Pequena Empresa, a presidente Dilma Rousseff propõe a criação de 70 cargos, sendo 68 DAS, de confiança, além das funções de ministro e secretário-executivo. O impacto da criação desses novos cargos será de R$6,5 milhões em 2011, conforme a justificativa do projeto, se forem preenchidos em abril.

Segundo o projeto de lei encaminhado ao Congresso, o novo órgão será mais uma secretaria especial vinculada à Presidência. O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), disse que irá definir na próxima semana se pedirá urgência para a tramitação da proposta, mas acrescentou que a tendência é essa.

É a 2 º secretaria com status de ministério que Dilma cria. A primeira foi a Secretaria de Aviação Civil. Dessa vez, a presidente preferiu não recorrer à medida provisória, como fez no caso do setor de aviação, optando por enviar ao Legislativo um projeto de lei. Ontem mesmo, a oposição já criticou a medida.

- Travestida de apoio ao setor produtivo, essa nova secretaria foi a forma que o governo encontrou para acomodar seus aliados, criando cabides de emprego, aumentando cargos e a gastança. O governo do PT acha que o Estado é seu patrimônio - disse o líder do PSDB na Câmara, deputado Duarte Nogueira (SP), por meio de nota.

Dilma não decidiu quando vai escolher o titular da pasta. Inicialmente foi cotado o senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), que abriria vaga para seu suplente, o presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra. Outro nome é do secretário executivo do Ministério de Indústria, Desenvolvimento e Comércio (Mdic), Alessandro Teixeira. Mas, do ponto de vista técnico a aposta atual é em Silas Santiago, secretário executivo do Comitê Gestor do Simples Nacional.

FONTE: O GLOBO

Tucanos querem conselho para diluir poder no PSDB

Maioria apoia reeleição de Sérgio Guerra desde que comando seja dividido

Colegiado político deve ser presidido por FHC; teriam assento Serra, Aécio, Arthur Virgílio, Jereissati, entre outros

Vera Magalhães e Valdo Cruz

BELO HORIZONTE -Os oito governadores do PSDB vão discutir hoje, em Belo Horizonte, uma proposta de consenso para a disputa interna pelo comando do partido: devem apoiar a recondução do atual presidente, Sérgio Guerra, a mais um mandato, mas com a criação de um conselho político para dividir as decisões.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deve ser o presidente desse colegiado, no qual teriam assento o ex-governador José Serra, o senador Aécio Neves e os ex-senadores Tasso Jereissati e Arthur Virgílio, entre outros nomes históricos do partido.

A ideia foi costurada por FHC e pelos governadores Marconi Perillo (GO) e Simão Jatene (PA), que tentam vencer o veto do grupo de Serra à permanência de Guerra na presidência do PSDB.

Outra ideia que chegou a ser discutida -a de um rodízio anual no comando do partido- não conta com a simpatia dos governadores. Isso obrigaria à repetição da regra nas seções estaduais e municipais do PSDB.

A avaliação também é de que criaria instabilidade política, ainda mais um ano antes das eleições para prefeito.

PESQUISA

Sérgio Guerra, que tem buscado apoio para sua recondução, participará do encontro de hoje. Ele apresentará uma pesquisa para avaliar a imagem do PSDB, que faz parte da tentativa do partido de definir sua linha de atuação na oposição ao governo Dilma Rousseff.

Depois, os governadores e Guerra almoçarão com a bancada mineira, encabeçada por Aécio -aliado do presidente da legenda.

A segunda parte da reunião, à tarde, será dedicada às reivindicações administrativas dos governadores.

Entre os temas em discussão estão a definição de um marco legal para a exploração de minérios e a discussão sobre um novo indexador para a dívida dos Estados.

Devem discutir ainda unificação dos programas sociais -uma forma de o PSDB ter marcas na área para rivalizar com o governo federal.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Plebiscito pode decidir voto em lista fechada em 2012

Sem consenso entre partidos, proposta dificilmente passará na Câmara

Comissão especial do Senado é criticada por não ter feito audiências públicas nem ter ouvido a sociedade civil

SÃO PAULO - Cientes de que dificilmente haverá acordo capaz de aprovar o voto em lista fechada no Congresso, deputados e senadores já cogitam convocar um plebiscito para decidir a questão.

A consulta seria feita nas eleições de 2012, e o eleitor escolheria o melhor modelo entre os pregados por diferentes partidos.

Apesar de aprovado na última terça-feira pela comissão especial que trata da reforma política no Senado, o voto em lista, bandeira tradicional do PT, esbarra na falta de consenso sobre o melhor sistema eleitoral.

No Congresso, o trabalho da comissão que aprovou não só o voto em lista mas outras mudanças, como o fim da reeleição para cargos do Executivo e a ampliação do mandato para cinco anos, é criticado.

Afirma-se, por exemplo, que o colegiado não fez audiências públicas nem consultou a sociedade civil.

"O Senado ouviu diversos segmentos nos últimos dez anos. Nossa missão foi agrupar o resultado das discussões e formular um projeto", respondeu o presidente da comissão especial, senador Francisco Dornelles (PP-RJ).

Outra queixa é que a comissão não buscou uma interlocução com a comissão criada pela Câmara para fazer o mesmo debate.

"Pelo regimento, essas propostas tramitarão juntas, em algum momento o texto será um só", minimizou o deputado Almeida Lima (PMDB-SE), que comanda a comissão da Câmara.

Lima é exemplo do racha que assola os partidos no Congresso quando o tema é a mudança do sistema eleitoral. Deputado da base governista, diverge da orientação tradicional do PT.

"O voto em lista fechada é um golpe contra o eleitor, que não saberá mais em quem está votando", diz.

Peemedebista, defende, como a maioria dos integrantes de seu partido, o chamado distritão, proposta defendida pelo vice-presidente da República, Michel Temer.

Por esse modelo, cada unidade da Federação é dividida em distritos. Em São Paulo, por exemplo, o Estado seria dividido em pequenas regiões (distritos), e apenas o candidato mais votado em cada uma delas seria eleito.

Já o PSDB defende o voto distrital misto com lista fechada. Nele, o eleitor vota no candidato de seu distrito e em uma legenda.

O diretor-executivo da Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo, critica a falta de consenso e a condução dos trabalhos a comissão especial do Senado.

"Essa co missão não ouviu ninguém. Não pode ser levada a sério. A discussão, se houver, se dará na Câmara".

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Fechar a lista é cassar o direito dos eleitores de fazer escolhas:: Fabiano Santos

É aconselhável não aprovar a mudança do atual sistema de lista aberta para o de lista fechada por dois motivos fundamentais.

Primeiro, imaginar que um sistema partidário se fortalece na medida em que mais poder é transferido para seus dirigentes ou para as instâncias decisórias coletivas exclusivas aos filiados significa tomar o efeito pela causa.

A lista fechada deve ser a culminância de um processo lento e contínuo de enraizamento dos partidos aos olhos do eleitor.

Ela só faz sentido quando, aos olhes deste, é indiferente que determinado político, e não outro, seja dono de uma cadeira, pois a instância coletiva, chamada partido, é suficiente para lhe prover as informações necessárias para a decisão do voto.

Enquanto isso não for verdade, é fundamental que ao votante seja dado o direito de escolher seus representantes, até mesmo para que os partidos se informem a respeito do perfil político, ideológico, demográfico etc, que suas bases eleitorais desejam dar às bancadas.

Assim sendo, qualquer forma de lista fechada nunca deveria ser considerada como possível causa do fortalecimento dos partidos, antes pelo contrário, podendo implicar em um dramático afastamento dos representantes das expectativas e demandas da população.

É importante que o PT perceba, neste sentido, que o que vale para um partido não necessariamente é válido para o sistema em seu conjunto. Segundo, não há como tergiversar a respeito da transferência de soberania que a mudança encerra.

Fechar a lista é cassar um direito -o direito dos eleitores de escolher, além do partido de sua preferência, também o candidato, que aos seus próprios olhos, mais se aproxima do seu ideal de representante.

Tal alteração, portanto, à luz de qualquer teoria democrática digna da alcunha, somente deveria ser efetuada por iniciativa dos eleitores.

Em suma, caso o Congresso aprove a lista fechada, o estará fazendo em nome de doutrina estranha aos princípios elementares da soberania popular.

Fabiano Santos, cientista político, professor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj).

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Modelo atual não reduz distância de representados a representantes:: Marco Antonio C. Teixeira

Estimular um maior distanciamento entre eleitores e eleitos e aumentar o poder das oligarquias partidárias são as críticas mais frequentes dos oponentes à proposta da lista fechada nas eleições.

Entretanto, por mais contundentes e bem fundamentadas que possam parecer, tais críticas acabam não se sustentando por completo.

Hoje o eleitor pode optar entre votar nominalmente ou na legenda partidária. Todavia, o uso dessas duas opções não se mostrou suficiente para promover uma redução substancial da assimetria na relação entre representados e representantes.

Apesar do mérito de permitir ao eleitor votar em alguém de sua confiança ou preferência, o voto nominal também contribui para a individualização das campanhas e para que estas se baseiem muito mais em atributos pessoais do que em propostas políticas do mandato.

O possível fortalecimento das oligarquias partidárias com a lista fechada também não se sustenta.

As cúpulas dos partidos, com raras exceções, já definem não apenas aqueles que serão os candidatos, como também, muitas vezes, disponibilizam de maneira desigual recursos para tornar viáveis as candidaturas de suas preferências.

Se a disputa pela posição dos candidatos na lista fechada ocorrer prioritariamente no interior das convenções partidárias, isso poderá se refletir num maior grau de democratização dos partidos e de suas cúpulas.

O maior mérito da lista fechada está na possibilidade de se reduzir drasticamente os custos de campanha, pois esta não será mais no varejo, mas no atacado.

Isso reduz os incentivos ao financiamento ilegal de campanhas individuais, e cada partido terá a responsabilidade de buscar votos para a sua lista, já que desaparece a campanha individual.

A expectativa é que a atual forma de captar eleitores seja substituída pelo debate de um programa partidário, com o que os cidadãos serão convencidos a votar numa determinada lista em razão das propostas, fazendo cessar a escolha baseada apenas nos atributos pessoais.

Marco Antonio C. Teixeira , cientista político e professor de gestão pública da FGV-SP, é pesquisador do Centro de Estudos em Administração Pública e Governo (CEAPG/FGV).

FONTE: FOLHA DE S. PAULO