Se, como vimos no artigo anterior, os comunistas adulteraram o socialismo crítico de Marx &Engels em prol do socialismo mítico das mais variadas tendências – do stalinismo ao bolivarianismo, passando pelo petismo –, os social-democratas fizeram o mesmo em prol de um realismo político de resultados incertos: infecundo quando as crises do sistema capitalista polarizaram a sociedade, fecundo quando a normalidade política adversa (guerra fria) obrigou o capital a fazer concessões aos trabalhadores.
No primeiro caso, o alinhamento social-democrático à onda nacionalista do pré- I Guerra (1914-1918) – motivado, entre outras coisas, por conquistas econômico-sociais, no âmbito nacional, derivadas da institucionalização ocorrida nas décadas anteriores – levaria à divisão do movimento dos trabalhadores entre reformistas e revolucionários, no segundo, o pacto social-liberal (welfare state) possibilitaria o funcionamento de um sistema semirregulado que levou as sociedades ocidentais ao maior nível de igualdade desde o advento do capitalismo. O novo pacto funcionaria bem até os anos 1970, quando os sucessivos choques do petróleo, os avanços tecnológicos e a aceleração da globalização das cadeias produtivas – com intensa participação germânica, nipônica e italiana, entre outras –, criaram as condições para a poderosa fuga de capitais que agora ameaçam a estabilidade dos EUA e da Europa.
Eduard Bernstein (1850-1932), teórico da social-democracia alemã, foi o primeiro a perceber a tendência à sacralização do marxismo, iniciando a formulação de suas teses revisionistas, a partir do exílio londrino de 1888, sob as vistas de Engels, tentando manter os liames da política social-democrática com a teoria socialista não-utópica, propondo o debate público, a partir de 1899 , da nova realidade de um capitalismo não só capaz de superar suas crises, como de alcançar graus ainda mais elevados de desenvolvimento – ao contrário da previsão de Marx & Engels –, o que apontava novos desafios ao movimento operário, agora no sentido do reformismo.
A reação do PSD alemão e de Karl Kautsky (1854-1938) – principal teórico marxista vivo depois da morte de Engels – foi, antes, de garantir, respectivamente, uma prática sem teoria (empirismo) e de manter a “doutrina marxista” relativamente protegida da prática socialista – concepção que Lênin adotaria em direção oposta, assentando firmemente a ação na “doutrina" com ares de crença.
Se com Bernstein, malgrado as divergências possíveis, temos a tentativa de manter a teoria viva guiando a ação política – a grande inovação marxista fora, exatamente, como já se disse, a de situar a ação socialista no âmbito do desenvolvimento histórico objetivo revelado pelo materialismo-histórico –, com a resistência ortodoxa de Kautsky e a abstinência intelectual sindicalista, o mal, que amoleceria a racionalidade crítica da social-democracia desde então, seria o de pensar as conquistas populares no seio do capitalismo como mera ampliação do Estado, sem levar em conta que a manutenção de sua configuração capitalista tornaria as conquistas obtidas não apenas relativamente superficiais, como essencialmente provisórias à depender das injunções do capitalismo internacional e dos rearranjos geopolíticos.