- O Globo
Decisão desse tipo só seria aceitável em caso de ruptura institucional, como nos anos 1980, ao fim da ditadura militar
O que era para ser uma ironia até certo ponto aceitável, como tentativa de não falar sobre a possibilidade de prisão em segunda instância por ação do Congresso, tornou-se uma proposta extemporânea do presidente do Senado, Davi Alcolumbre.
Encantado com o som de suas palavras, talvez supondo que se transformava em articulador político de relevo, Alcolumbre passou a levar a sério a própria ironia e anunciou que estava propondo para valer uma Constituinte para fazer as mudanças que o Congresso considerar necessárias.
A mudança da Constituição para permitir prisão após a condenação em segunda instância está causando turbulência no Congresso, explicitando até mesmo, por áudios vazados, temor por parte de parlamentares envolvidos em denúncias de corrupção.
O fato político que ganhou dimensão nas últimas horas não é uma nova Constituinte, por ser inviável juridicamente, mas a alteração da Constituição através de uma emenda, ou a mudança do Código de Processo Penal.
A tese de Constituinte levantada por Alcolumbre não encontra respaldo na própria Constituição, que não prevê essa possibilidade. Depois de promulgada, em 1988, ela poderia ter sido revisada pelo Congresso cinco anos depois, mas não o foi. A partir daí, não há como mudá-la sem a utilização de uma proposta de emenda constitucional (PEC) a ser aprovada pelo Congresso.
Como a exigência para uma emenda constitucional é grande — três quintos dos votos na Câmara e no Senado, em duas votações —,essa é a garantia que temos de que a Constituição não será alterada a qualquer momento. É claro que uma PEC poderia, em tese, revogar a Constituição e convocar uma Constituinte, mas uma decisão desse tipo só seria aceitável em caso de ruptura institucional, como aconteceu nos anos 1980, após o fim da ditadura militar, resultando na atual Constituição.