sábado, 23 de setembro de 2023

Oscar Vilhena Vieira* - Trincheiras da desigualdade

Folha de S. Paulo

Discriminação positiva não viola o princípio da igualdade, como já afirmou o STF

Transformar uma sociedade não é tarefa fácil, especialmente quando o que está em disputa são as relações de hierarquia e subordinação. Poucas ideias têm sofrido tanta resistência ao longo da história quanto a de que todas as pessoas têm igual valor, devendo ser tratadas com igual respeito e consideração, independentemente de suas diferenças.

Nesse sentido, é mais do que bem-vinda a resolução em debate no Conselho Nacional de Justiça, por empenho da ministra Rosa Weber e do movimento de mulheres, voltada a reduzir a assimetria de gênero nos tribunais do país.

Embora as mulheres constituam hoje 51% da população brasileira, são os homens que ocupam 77% das posições em nossos tribunais. Apesar de as mulheres terem ultrapassado os homens no ensino universitário e terem alcançado 40% das vagas na magistratura de primeira instância, muitos ainda são os obstáculos para que cheguem aos tribunais em posição de igualdade. O exemplo mais constrangedor dessa disparidade encontra-se na composição do Supremo, que ao longo de sua história secular contou com apenas três mulheres.

Hélio Schwartsman - Lealdade constitucional

Folha de S. Paulo

Generais não deveriam esperar medalha por não ter embarcado em golpe

Não sei se as revelações do tenente-coronel Mauro Cid sobre movimentações golpistas na alta cúpula militar são verdadeiras nem se ele tem meios de provar o que conta, mas, pelas reações dos envolvidos, há aí uma história a ser esclarecida.

O que já dá para dizer é que os generais não deveriam esperar medalhas por não ter embarcado num golpe. Não fizeram mais do que a obrigação —e talvez menos. Há uma polêmica em relação a se eles tinham o dever legal de denunciar a trama logo que dela tiveram conhecimento. Alguns juristas pensam que sim, outros sustentam que a condição de subordinados os desobrigava de levar as maquinações do chefe a público. Em relação ao dever ético, contudo, não há controvérsia. A denúncia era um imperativo moral. A lealdade última dos comandantes militares é para com a Constituição e o país, não para com inquilinos passageiros do Alvorada.

Dora Kramer - Tudo pelo pessoal

Folha de S. Paulo

Não se discute o saber dos indicados ao STF e à PGR, mas o grau de fidelidade ao presidente

Vamos ao óbvio: é tarefa do Supremo Tribunal Federal guardar a Constituição, assim como cabe ao Ministério Público defender a sociedade. A nenhuma das duas instituições é dada a prerrogativa de acolher os interesses particulares do presidente ou de quaisquer autoridades da República.

Um norte essencial, portanto, é o da impessoalidade. Preceito que não está sendo levado em conta neste governo no critério para indicações ao STF e ao comando do MP. Lula fez seu advogado ministro e agora assume que busca alguém "a quem possa telefonar" para substituir Rosa Weber.

Demétrio Magnoli - Justiça exemplar é injustiça

Folha de S. Paulo

STF equivoca-se duplamente ao conduzir julgamentos performáticos do 8/1

Antonio Tejero e Maurice Challe foram condenados a 15 anos de cárcere. Os três primeiros réus do 8 de janeiro receberam sentenças de 14 a 17 anos. O STF move-se pela bússola da justiça exemplar –ou seja, de uma justiça pré-moderna orientada pelo efeito público de suas decisões.

O oficial de polícia Tejero liderou a tentativa de golpe de Estado franquista na Espanha, em 1981. À frente de 150 policiais armados, tomou o Congresso e manteve os deputados como reféns durante 22 horas. O general Challe liderou um putsch contra o governo de Charles de Gaulle, em Argel, em 1961. Sob o seu comando, mil paraquedistas tomaram controle da cidade e conclamaram à rebelião militar na França metropolitana. Como compará-los aos bagrinhos estúpidos do 8/1?

Ricardo Rangel - Respeito à institucionalidade

Revista Veja

O bolsonarismo é alimentado a cada vez que se avança o sinal

Esperava-se que a derrota de Jair Bolsonaro trouxesse tranquilidade e respeito à institucionalidade. Não é isso que se tem visto.

Em ato digno de Bolsonaro, Lula nomeou para o STF o seu próprio advogado. E deixou claro que o único critério para a segunda vaga é que seja alguém de sua absoluta confiança. Os favoritos são Flávio Dino, ministro da Justiça, e Jorge Messias, da AGU.

Messias anunciou uma força-tarefa para investigar Sergio Moro e os procuradores da Lava-Jato. E conseguiu com o STJ a retomada de um acórdão do TCU que cobra 2,8 milhões de reais gastos em diárias e passagens por Deltan Dallagnol e outros (mas, se os procuradores não viajaram a trabalho, como foi que montaram a Lava-Jato?).

Carlos Alberto Sardenberg - O discurso foi bom. O discurso

O Globo

O presidente pode falar em garantia dos territórios nacionais sem um reparo sequer à Rússia, notória invasora?

O discurso do presidente Lula na Assembleia Geral da ONU foi sucesso de público e crítica. Como conseguiu?

Começa pela redação. Foi escrito por profissionais da diplomacia, que sabem colocar as palavras adequadas para agradar às plateias amigas e guardar neutralidade em relação às outras. Retórica, claro, mas a diplomacia se faz assim.

Não é preciso expor planos detalhados. Bastam intenções. E, sobretudo, não é o palco para brigas locais — aqui vai a grande diferença entre Lula e Bolsonaro. O ex-presidente comportou-se na mesma Assembleia Geral como se estivesse numa discussão de rua com desafetos. Lula não caiu nessa. Não improvisou, leu o discurso todo. Foi um alívio.

Pablo Ortellado -Argentina, ‘eu sou você amanhã’

O Globo

Milei tem toda a chance de ganhar e, se vocês descuidarem, ele leva no primeiro turno

Dentro de um mês, a Argentina realizará eleições presidenciais. Na maior parte das pesquisas, o favorito é Javier Milei, o outsider libertário e antissistema que pretende dolarizar a economia, endurecer o combate ao crime e lutar contra a ideologia de gênero. Em alguns sentidos, ele não é Bolsonaro, mas as semelhanças entre os dois não são pequenas. Como Bolsonaro, é um outsider, não tem partido, discursa contra as elites e promete virar o país do avesso, mudando tudo isso que está aí.

Eduardo Affonso - Salve, Verissimo!

O Globo

Você faz falta nos jornais, nas redações dos programas de humor, e como faz! Faz falta sua poesia numa hora dessas

Ainda faltam três dias, mas... fazer o quê, se a coluna sai hoje, não na terça? Dia 26 de setembro é seu aniversário, pretexto ideal para trazer você de volta a este canto da página 3.

Era aqui, à direita de quem entra no jornal, e antes de tapar o nariz e encarar as notícias, que o leitor encontrava os melhores motivos para rir, sorrir, gargalhar, se deleitar (ou se enfurecer) com seus pontos de vista e acompanhar a saga do avô de primeira viagem.

Aqui, em meio à sisudez dos artigos de opinião, reluziam seu humor nunca banal, sua erudição jamais presunçosa, sua inteligência invariavelmente aguçada. Nem sempre era possível concordar, mas não é preciso pensar igual para admirar — cá entre nós: reverenciar apenas quem comunga das mesmas ideias não deixa de ser uma forma de narcisismo.

Bolívar Lamounier* - Por que não conseguimos decolar?

O Estado de S. Paulo

O entendimento do medíocre desempenho da América Latina requer um decidido aprofundamento da perspectiva histórica

Por que a América Latina permanece afundada na mediocridade, incapaz de encontrar o caminho para o crescimento sustentável e o desenvolvimento social?

Na quarta-feira passada (20/9), o Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP) e a Fundação Fernando Henrique Cardoso prestaram uma relevante contribuição a esse debate. A base para a discussão foi o documento intitulado Why Does Latin America Underperform (livremente traduzível como Por que a América Latina não mantém um nível de desempenho à altura das necessidades?), patrocinado pelo Grupo dos Trinta, um grupo de economistas de renome mundial, sediado em Washington D.C. O documento foi apresentado pelo economista Armínio Fraga, coordenador brasileiro do estudo.

Marcus Pestana - Privatizações e a mudança do papel do Estado (I)

As relações entre sociedade, economia e Estado têm configuração cambiante no espaço e no tempo. O papel do Estado na vida social moderna oscilou desde o liberalismo clássico, onde as ações governamentais se concentravam em poucos setores (defesa nacional, garantia da vigência das leis, segurança pública, defesa da moeda), até a experiência do Estado Máximo, no campo soviético, com a estatização radical dos meios de produção. Tivemos a hegemonia do pensamento keynesiano, a partir da grande crise de 1929, com o Estado suprindo as lacunas e distorções herdadas da economia de mercado. Experiências intermediárias entre o liberalismo pleno e o socialismo real ocorreram, como as malsucedidas nacionalizações do governo de François Mitterrand, na França. Os governos podem intervir de três formas: 1) através da via fiscal, arrecadando impostos e organizando o gasto público, segundo determinados critérios e objetivos; 2) pela regulação, fiscalização, controle, política econômica e legislação; e, 3) na produção de bens e serviços através de empresas estatais.

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - É primavera!...

Rastreava os registros sobre a chegada da primavera, quando surgiu na tela um informe do jornalista e pesquisador Cláudio Ângelo, sobre a morte de Alberto Setzer,  cientista espacial brasileiro,  descendente de  russos imigrados ,  da equipe do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), de São José dos Campos. Foi ele quem detectou e denunciou para o mundo as queimadas na Amazônia. Tinha com ele um certo relacionamento.  

Até os anos de 1980, convivia-se no Brasil, passivamente, com a passagem dos tempos secos, incendiários, do inverno tropical, à espera, em setembro, da   primavera, cheia de frutos e flores, aquela da "fresca madrugada", de que falava o poeta Raimundo Correia. Contudo, no final da década, uma onda de calor sacudiu o hemisfério Norte, registrando-se em Nova York temperaturas acima de 37oC . O Senado americano convocou uma audiência pública, na qual o cientista da NASA - Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço, James Hansen, confirmava que havia “99% de chance de que o aquecimento da Terra vinha da poluição produzida por atividades humanas.

O que a mídia pensa: editoriais / opiniões

Delação de Cid deixa Bolsonaro exposto à Justiça

O Globo

É preciso investigar acusação do ex-ajudante de ordens que implicou ex-presidente na conspiração golpista

Ao longo de quatro anos de mandato, Jair Bolsonaro atacou instituições republicanas, tentou minar a credibilidade do sistema eleitoral brasileiro, interpretou a Constituição de modo errático e usou organismos de Estado como se lhe pertencessem. Sempre amparado por uma rede de colaboradores leais, dispostos a tudo — ou a quase tudo — para blindá-lo. Agora, a rede de proteção rompeu-se, deixando Bolsonaro exposto. A ruptura vem do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Cid fechou acordo de delação com a Polícia Federal (PF). Pelo conteúdo que veio à tona, Bolsonaro terá muitas explicações a dar à Justiça.

Poesia | Clarice Lispector - Pertencer

 

Música | Vinicius de Moraes e Baden Powell - Samba em Prelúdio

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