quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Opinião do dia – Barack Obama*

"Donald Trump não cresceu no cargo porque ele não consegue.

São 170 mil americanos mortos. Milhões de empregos perdidos. Nossos piores impulsos soltos, nossa orgulhosa reputação ao redor do mundo diminuída drasticamente e nossa democracia e nossas instituições ameaçadas como nunca antes. Eu estou pedindo a vocês que acreditem em sua capacidade, que abracem sua responsabilidade como cidadãos, para garantir que os princípios básicos da nossa democracia perdurem. Porque é isso que está em jogo agora: nossa democracia.

*Discurso na Convenção do Partido Democrata dos Estados Unidos, 19/8/2020

Merval Pereira - Os vários Bolsonaros

- O Globo

Não, não vou falar sobre os três zeros de Bolsonaro, como o Ascânio Seleme define muito bem seus filhos, nem sobre as mudanças políticas do presidente, que o Ruy Castro comparou às nuvens da antiga metáfora mineira. Vou falar da capacidade camaleônica, beirando a sociopatia, de Bolsonaro, num espaço de uma semana, abordar o mesmo assunto para públicos diferentes, com enfoques diferentes.

No dia 12, depois que houve uma debandada do ministério da Economia de alguns assessores importantes, como os secretários de desestatização e o da desburocratização, Bolsonaro, imbuído da “liturgia do cargo”, reuniu os presidentes da Câmara e do Senado (foto), diversos ministros e lideranças políticas do governo para solenemente declarar-se a favor da manutenção do teto de gastos e do equilíbrio fiscal.

Na live do dia seguinte, já mais à vontade na roupa e no linguajar, Bolsonaro dirigiu-se a seu público cativo. E tratou de dizer que o debate interno sobre o teto de gastos existe: “A ideia de furar o teto existe, o pessoal debate, qual o problema? Na pandemia, temos a PEC [proposta de emenda à Constituição] de guerra, nós já furamos o teto em mais ou menos R$ 700 bilhões".

Bernardo Mello Franco - O cheiro do autoritarismo

- O Globo

O procurador-geral da República menosprezou o dossiê que fichou professores e policiais antifascistas. O relatório secreto do Ministério da Justiça listou três acadêmicos e 579 agentes de segurança pública. “Parece ter havido um alarme falso, talvez um exagero”, desdenhou Augusto Aras.

No julgamento de ontem, o chefe do Ministério Público voltou a se comportar como advogado do governo. Segundo Aras, ninguém foi prejudicado ou teve a privacidade invadida. Assim, o Supremo Tribunal Federal não teria motivo para se dedicar ao assunto.

“Relatórios de inteligência são comuns e rotineiros”, comentou o procurador, que foi indicado ao cargo pelo presidente Jair Bolsonaro. Só faltou exigir que os espionados pedissem desculpa pela espionagem de que foram vítimas.

“A fala do Aras é absurda. Eu fui prejudicado, sofri uma exposição grotesca”, diz Paulo Sérgio Pinheiro, que comandou a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos no governo FH. “Trabalho na ONU há 25 anos e de repente fui citado, no meu país, como alguém capaz de praticar atos criminosos”, protesta.

Ricardo Noblat - Dossiê sobre servidores antifascistas é um desrespeito às leis

- Blog do Noblat | Veja

Se parece espionagem política, espionagem é

A ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, olhou o bicho e concluiu: se tem tromba de elefante, orelhas de abano de elefante, presa de elefante, altura, e caminha como um elefante, só pode ser um elefante. E assim condenou o uso do aparelho do Estado para espionar servidores públicos contrários ao governo.

“No Direito Constitucional, o uso ou abuso da máquina estatal para a colheita de informações de servidores com postura contrária ao governo caracteriza desvio de finalidade”, disse a ministra no seu voto. A sessão do tribunal foi interrompida e será retomada hoje com o voto dos demais ministros.

Em julgamento, a questão suscitada por um dossiê produzido pela Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça sobre 579 servidores públicos e três professores que se declararam antifascistas. Ser antifascista ou fascista não é crime. Por que então investigar os antifascistas e deixar os fascistas em paz?

Arapongagem é crime. É coisa da época da ditadura militar de 64 que criou o Serviço Nacional de Informações, extinto pelo presidente Fernando Collor em 1992. O atual Sistema Brasileiro de Inteligência conta com 42 órgãos de coleta de informações. O presidente Jair Bolsonaro quer usá-los ao seu gosto.

Na semana passada, ao julgar outra ação, o Supremo decidiu que isso não é possível. E estabeleceu limites para o acesso e a troca de informações entre os órgãos e a presidência da República. Bolsonaro queria centralizar as informações na Agência Brasileira de Informações comandada por um delegado amigo seu. Não pode.

O ministro André Mendonça, da Justiça, não rebateu a existência do dossiê nas explicações que ofereceu ao Supremo, disse apenas que tomou conhecimento dele pela imprensa. A ser verdade, admitiu desconhecer o que se passa no quintal do seu ministério. Talvez por isso tenha mandado embora o militar autor do dossiê.

O episódio serve para mostrar que Mendonça se alinha com seu chefe no costume de atravessar a rua para pisar em casca de banana. Não só ele. Augusto Aras, mais advogado de Bolsonaro do que Procurador-Geral da República, chamou o dossiê sobre os antifascistas de relatório que “antecipa riscos”. Quais? A quem?

A propósito: como chamar um governo que, vira e mexe, afronta o Estado de Direito?

William Waack - Rumo ou deriva?

- O Estado de S.Paulo

A excepcionalidade se parece à normalidade

Os brilhantes almirantes junto a Jair Bolsonaro podiam explicar ao capitão do Exército que um azimute constante em relação a um obstáculo (outro navio, por exemplo, que também está se movendo) vai dar em colisão. O presidente quer gastar para manter a popularidade, e está encantado com as vozes (do ministro do Desenvolvimento Regional, mas não só) que lhe dizem que estaria unindo o útil (reeleger-se) ao agradável (fazer o bem para pessoas ainda mais necessitadas

O obstáculo é o formidável rochedo fiscal, que está aumentando de tamanho. À medida que 2021 se aproxima, fica próximo do irresistível esse canto da sereia de que a excepcionalidade atual imposta pela calamidade pública podia ser esticada um pouquinho mais, só um pouquinho mais, só para algumas obras já orçadas, já iniciadas, necessárias até por razões humanitárias (como levar água para o Nordeste, por exemplo).

Sim, esse argumento procede, tem sólidos fundamentos num país miserável no qual metade da população nem esgoto tem. Sim, as circunstâncias da dupla crise de saúde e economia obrigam a mudar os cálculos (políticos, sobretudo), alteram prioridades (como reforma do Estado ou privatizações) e impõem gastar sem olhar para o fundo do cofre. Afinal, não é o que uma Angela Merkel está fazendo? Deixem os economistas debatendo entre si se esse “novo normal” jogou por terra tudo o que aprenderam na vida acadêmica, pautada ou não pela ortodoxia.

Marcos Guterman* - País enfrenta superabundância de passado não resolvido

- O Estado de S.Paulo

A Nova República vem passando pelo maior questionamento de seus 35 anos de história

Os muitos excessos do presente no Brasil, desde as eleições de 2018, são sintomas do que podemos chamar de superabundância de passado não resolvido. A polarização aparentemente insuperável que tem dominado o discurso político se dá em alguma medida porque o País parece ter sido incapaz de se entender não só a respeito da ditadura militar, mas também em relação à própria redemocratização.

Como toda tentativa de repetição da História, há na aventura bolsonarista, nostálgica do regime militar, um tanto de farsa. O próprio presidente Jair Bolsonaro não foi exatamente um exemplo de bom militar e seria preciso um grande esforço para vê-lo como líder de uma retomada dos ideais que moveram os generais que governaram o Brasil entre 1964 e 1985. Em tempos de pós-verdade, contudo, essa falha biográfica de Bolsonaro não tem a menor importância. A rigor, serve, ao contrário, para acrescentar-lhe traços de romântica marginalidade.

Segundo essa farsa, Bolsonaro, quando foi preso pelo Exército em 1985 por insubordinação, ao reclamar publicamente dos salários da tropa, na verdade estava sendo punido por enfrentar uma instituição que a seus olhos, como aos de muitos de seus eleitores, estava traindo o espírito da “revolução” de 1964. Foi como líder sindical de oficiais de baixa patente que Bolsonaro afinou seu discurso contra os militares que pouco antes haviam aceitado voltar aos quartéis e devolver o poder aos civis. Em certa medida, portanto, estamos de volta não a 1964, mas a 1985, ano do restabelecimento do regime civil e democrático.

Luiz Carlos Azedo - A modernização autoritária

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Cingapura virou uma referência em desenvolvimento em todos os quadrantes, da Europa à América Latina, da África à Ásia. Muitos sonham com a longevidade do poder de Lee Yew”

Ao contrário do que muitos imaginam, o paradigma do projeto comunista da China não é o velho livro vermelho com as ideias de Mao Zedong, é o pensamento modernizador de Xi Jinping e o modelo de Cingapura, estudado na nova escola de quadros do Partido Comunista chinês. Fundada há 86 anos numa caverna da província de Jiangxi, o complexo da academia hoje ocupa centenas de hectares junto ao Palácio de Verão de Pequim e abriga 1,5 mil alunos. Em 2018, a escola se fundiu com a Academia Chinesa de Governo para incorporar um novo objetivo: “investigar e disseminar o pensamento de Xi sobre o socialismo com caraterísticas chinesas para uma nova era”.

A grande preocupação dos dirigentes chineses continua sendo vencer a desigualdade social na China de hoje, uma contradição com as teses históricas do PCCh. Centenas de milhões de chineses saíram da pobreza nas últimas décadas, mas as grandes fortunas acumuladas na economia de mercado coexistem com salários baixíssimos e condições de vida precárias, em muitas regiões do país. O medo dos comunistas é que o avanço tecnológico e as vertiginosas mudanças possam afastar os jovens do regime. O massacre de Tiananmen, de 1989, e a Revolução Cultural (1966-1976) são temas proibidos nos currículos da escola de quadros, vértice de um sistema com 2,5 mil centros distribuídos por todo o país. Onde Cingapura entra nessa história?

Com seus arranha-céus, jatinhos particulares e carros de luxo, a cidade-estado, apesar de ter apenas 5,6 milhões de habitantes — contra 1,393 bilhão da China —, é o quarto país mais rico do mundo em poder de compra de seus habitantes, superado por Catar, Luxemburgo e Macau. Tornou-se um dos principais centros financeiros do Oriente, com número crescente de milionários e o custo de vida mais alto do mundo. Há 50 anos, porém, era apenas uma ilha pobre e sem recursos naturais, uma ex-colônia britânica que se separou da Malásia em 1965, sob a liderança de Lee Kuan Yew, cofundador do Partido da Ação Popular (PAP, na sigla em inglês), que governa o país desde 1959. Lee foi primeiro-ministro de Cingapura por 31 anos, vencendo sete eleições, até deixar o poder em 1985. Vem daí o paradigma político que interessa aos chineses: o regime de partido dominante, hoje comandado por Lee Hsien Loong, seu filho mais velho.

Bruno Boghossian – O banquete do centrão

- Folha de S. Paulo

Apesar de servir banquete aos partidos, presidente leva um baile atrás do outro no Congresso

Antes de oferecer banquetes aos líderes do centrão, Bolsonaro gostava de culpar o Congresso pela incompetência de seu governo. Em março, quando a pandemia do coronavírus já estava nas ruas, ele reclamava da demora dos parlamentares em aprovar a ampliação do prazo das carteiras de habilitação, um objeto de obsessão presidencial.

“Até um simples projeto, mais simples impossível, como passar a validade da carteira de cinco para dez anos, está há seis meses lá dentro e não vai para frente!”, queixou-se.

Desde então, Bolsonaro e seus auxiliares pararam de chamar os políticos de patifes e chantagistas. Abriram a máquina pública a novas indicações partidárias e serviram chá para seus novos amigos no Planalto. A carteira de motorista, no entanto, continua com a mesma validade.

O governo pagou pelo apoio dos partidos, mas continua levando um baile atrás do outro no Congresso. Na terça-feira (18), o Senado decidiu retirar de pauta o projeto de estimação de Bolsonaro para mudar o Código de Trânsito. Votaram contra o governo até parlamentares do PSD, que já ganhou um ministério, e do MDB, que namora o Planalto.

Maria Hermínia Tavares* - Os dilemas da reforma

- Folha de S. Paulo

A reforma administrativa não pode ser apenas acerto fiscal que subordine, de qualquer maneira, o diâmetro da esfera pública aos recursos disponíveis

A Covid-19 teria efeito ainda mais devastador se a população brasileira não contasse com o SUS. A crise econômica, trazida pela virose, teria arrastado à miséria um número muito maior de famílias caso o auxílio emergencial não chegasse com rapidez a 65 milhões de pessoas. Nada disso é trivial —antes, são exemplos notáveis de capacidades estatais desenvolvidas nos últimos 30 anos.

Elas não podem ser esquecidas quando a reforma administrativa volta à agenda política. Poucos duvidam de que a reforma seja necessária: há ineficiências a superar e privilégios a combater. Ninguém imagina que a mudança seja fácil, dados os interesses contrariados que mobiliza e os limites fiscais que a enquadram.

Mas a reforma administrativa não pode ser apenas acerto fiscal que subordine, de qualquer maneira, o diâmetro da esfera pública aos recursos disponíveis, de forma a permitir investimentos igualmente importantes. Refletirá, inevitavelmente, uma ideia de poder público.

Fernando Schüler* - Mande a reforma, presidente

- Folha de S. Paulo

Governo sabe que a reforma não rende votos, mas ela é sua melhor chance de deixar um legado

O documento lançado por um grupo de economistas, no início da semana, defendendo o teto de gastos e propondo “rebaixar o piso”, ou seja, reformas capazes de preservar e aprimorar o edifício de estabilização fiscal construído pelo país nos últimos anos, deveria ser lido e relido, em Brasília.

O argumento diz que, dada a atual trajetória fiscal, a preservação do teto de gastos é insustentável. O gasto obrigatório sobe a uma taxa superior à inflação, e tornará inviável o custeio da máquina pública logo ali adiante.

O mercado já precifica o problema. O sistema político é mais lento e aprecia um exercício de autoengano. Governo à frente. É pura ilusão pensar em um programa robusto de transferência de renda e uma agenda crível de investimento público sem encarar os temas difíceis do ajuste fiscal.

O problema é o governo se decidir a enviar ao Congresso a reforma administrativa. O tema está maduro. A pandemia escancarou a desigualdade entre o mundo protegido do alto funcionalismo público e o universo precário do emprego privado, que pagou sozinho a conta da debacle econômica.

Míriam Leitão - Nova aposta no setor de gás

- O Globo

Três pequenos gasodutos mudariam totalmente a oferta de gás no país, se fossem construídos. Na conta dos grandes consumidores dessa energia, a nova lei permitirá essas obras e o estímulo à importação de gás natural liquefeito (GNL). Com isso, a oferta no país cresceria até 60%, derrubando os preços. As distribuidoras têm uma visão mais cautelosa. Alegam que a lei tem avanços, mas o cenário mudou com a pandemia. O relator da proposta na Câmara, deputado Laércio Oliveira (PP-SE), defende seu texto, que seria, em sua opinião, resultado de meses de debates, e admite que novos aprimoramentos podem ser feitos depois da aprovação do projeto de lei (PL).

Olhar todos os lados em qualquer tema ligado à energia demanda paciência. O ministro Paulo Guedes havia dito há mais de um ano que tudo seria fácil, mas as complicações sempre aparecem. Agora, contudo, há muita gente animada. Neste novo marco do gás, que vai substituir o de 2009, as apostas são mais favoráveis. O PL, por exemplo, recebeu o apoio de mais de 60 associações ligadas ao setor industrial, que é o grande consumidor desse tipo de energia.

— No curto prazo, a nova lei facilita a importação de gás liquefeito (GNL), que está com preços baixos internacionalmente, e três pequenos gasodutos podem aumentar bastante a oferta. Isso deve ajudar a diminuir os preços. Mas a grande diferença acontecerá quando o pré-sal aumentar a produção, daqui a quatro ou cinco anos, e esse PL prepara o país para esse momento — explica Adrianno Lorenzon, gerente de gás natural da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace).

Vinicius Torres Freire - O rapa de Doria nas universidades

- Folha de S. Paulo

Governo estadual teve a má ideia de tapar déficit com dinheiro de ciência e pesquisa

O governo de João Doria quer fazer um rapa nos fundos das três universidades estaduais, USP, Unicamp e Unesp, e na Fapesp, a fundação que financia pesquisa científica. Quer raspar o tacho do dinheiro que a contabilidade chama de “superávit financeiro”. Na conta dos balanços de 2019, trata-se de R$ 1,5 bilhão. O Orçamento do governo estadual é de R$ 239 bilhões. O déficit de 2020 está estimado em uns R$ 10 bilhões.

O plano vai abalar as universidades e arrebentar a ciência paulista, que faz boa parte da pesquisa nacional, que está sendo arrebentada por Jair Bolsonaro. Além do mais, o projeto paulista parece ilegal, pois universidades têm autonomia. Deve ser emendado na Assembleia Legislativa. Ainda assim.

Do ponto de vista da administração pública, é um incentivo ao desperdício e à falta de planejamento. Em tese, essa faca no pescoço induz o gestor a imediatismos corporativos, como torrar o dinheiro enquanto pode, antes que o Estado leve o que eventualmente possa sobrar. Logo, prejudica planos de investimento a longo prazo, plurianuais, e outras prudências e eficiências no uso dos recursos.

Maria Cristina Fernandes - A capitulação bandeirante

- Valor Econômico

Previsão de déficit empurra Dória para reforma administrativa desgastante na Assembleia Legislativa

O governador de São Paulo liderou a resistência federativa à escalada obscurantista do presidente da República na pandemia. Jair Bolsonaro saía à rua beijando crianças, João Dória nunca aparecia sem máscara. Um dizia que o Brasil não podia parar, o outro pregava o confinamento. Contra a cloroquina federal, ergueu-se a ciência bandeirante.

Cinco meses depois do início da batalha contra o coronavírus, a capital paulista conseguiu derrubar para a metade o número de óbitos registrados no pico da doença. Ainda é cedo, porém, para se cantar vitória contra a covid-19. Não bastassem os ônibus e os bares lotados, o projeto de lei 529, enviado pelo governador em regime de urgência, caiu na Assembleia Legislativa como uma capitulação.

Enquanto o presidente foge de uma reforma administrativa e negocia com o Congresso uma claraboia sobre o teto de gastos para abrigar um programa que dê continuidade ao auxilio emergencial, os governadores estão acuados. Sem o bônus de popularidade com o qual o auxílio brindou Bolsonaro, preparam-se para enfrentar 2021 sem os repasses extras aprovados pelo Congresso e tendo que retomar o pagamento de suas dívidas, suspenso até dezembro.

Em São Paulo, a resposta foi um projeto que revira a administração pública de ponta-cabeça. Privatiza o zoológico e nove parques, extingue a empresa responsável pela coordenação do transporte de cinco regiões metropolitanas (EMTU), autarquias que cuidam da preservação ambiental (Instituto Florestal), da política agrária (Itesp), de criminalística (Imesc) e da administração de aeroportos (Daesp). Acaba ainda com a empresa de habitação (CDHU), com uma rendição explícita, na exposição de motivos, ao avanço do Minha Casa Minha Vida.

Ribamar Oliveira - Remanejar verbas para garantir investimentos

- Valor Econômico

Saúde e educação sofrerão cortes neste ano

O ministro da Economia, Paulo Guedes, encontrou uma forma de atender ao desejo das alas militar e política do governo por mais investimentos em infraestrutura neste ano, sem furar o teto de gastos. A equipe econômica está finalizando um projeto de lei, que deverá ser enviado ao Congresso Nacional nos próximos dias, remanejando verbas orçamentárias no valor de até R$ 5 bilhões. A estratégia é reduzir as dotações de alguns setores, que não ainda não foram empenhadas, como as da saúde e da educação, e aumentar os investimentos.

Tudo será feito, segundo fonte credenciada ouvida pelo Valor, respeitando os gastos mínimos previstos na emenda constitucional 95/2016 para a saúde e a educação. O projeto de lei (PLN) em elaboração será submetido ao Congresso, que dará a última palavra. Está descartada, portanto, a edição de medida provisória abrindo crédito extraordinário para fugir do teto de gastos, como inicialmente foi pensado pelo ministro chefe da Casa Civil, Braga Netto, e pelo ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho.

As Secretarias de Orçamento Federal e do Tesouro Nacional estão fazendo levantamentos para identificar as áreas do governo que estão com “excesso” de verbas e que podem ser remanejadas para outros ministérios, particularmente o da Infraestrutura e o do Desenvolvimento Regional. As alas militar e política querem concluir investimentos em rodovias e em obras de combate à seca no Nordeste. Apenas as dotações que ainda não foram empenhadas poderão ser remanejadas. Ou seja, só aquelas para as quais o governo ainda não autorizou o gasto, que é a primeira fase da execução orçamentária.

Ascânio Seleme - E o Rio, como fica?

- O Globo

Se dependesse do prefeito, melhor seria deixar o debate para a última hora

Em três meses os cariocas vão eleger o sucessor do bispo Marcelo Crivella ou reconduzir o atual prefeito para um novo mandato de quatro anos. Embora a questão política nacional seja enorme, e quase sempre prioritária, não dá para ignorar a urgência da eleição municipal. Mesmo tendo população e orçamento maiores do que de alguns estados brasileiros, o Rio não deixa de ser uma cidade onde pessoas moram, estudam e trabalham. É no Rio, e não em Brasília, que os cariocas andam de ônibus. É nos hospitais da cidade que tratam da saúde e nas escolas municipais que seus filhos estudam. Chegou a hora de prestar atenção ao Rio.

Se dependesse do prefeito, melhor seria deixar o debate para a última hora mesmo. Enquanto isso, ele iria consolidando suas posições entre os evangélicos e fortalecendo seus laços com Bolsonaro e família. Crivella é o pior prefeito do Rio dos últimos anos, mas não é bobo. Ele já mapeou muito bem o caminho que pode levá-lo à reeleição. Em primeiro lugar, grudou no presidente como uma ostra na pedra. Mesmo nos momentos ruins, sempre esteve ao lado de Bolsonaro, não porque antecipava a sua recuperação, mas por falta de opção mesmo. Hoje, com a melhora dos índices de aprovação de Bolsonaro, Crivella cresce.

Seu primeiro movimento em favor da confirmação desse apoio já foi dado. O bispo quer a deputada Major Fabiana como sua candidata a vice. Ela é do PSL, partido do qual Bolsonaro está se reaproximando. Se o entendimento entre o partido e o presidente desandar, Fabiana será ejetada. Crivella sabe fazer o jogo político, o que ajuda a fortalecer sua posição eleitoral. Uma candidatura que até outro dia parecia fadada ao fracasso hoje pode muito bem constar da cédula do segundo turno. Seu sucesso ou fracasso vai depender de como reagirão seus adversários.

O principal concorrente de Crivella é o ex-prefeito Eduardo Paes, cujo maior problema é ser sempre associado ao grupo do ex-governador Sérgio Cabral, responsável pela sua indicação na primeira eleição a prefeito e de quem foi secretário. Este fantasma com certeza será lembrado na campanha. As delações premiadas da Lava-Jato não o alcançaram e ganhou todas as ações movidas contra ele; mesmo assim, é por aí que será bombardeado. Hoje, é réu em ação iniciada pelo Ministério Público assim que anunciou sua candidatura.

Gabriela Prioli - Meu Deus, que bandeira é essa?

- Folha de S. Paulo

É loucura ou verdade tanto horror perante os céus?

Nesta semana, um episódio nos fez duvidar da humanidade. Uma menina de dez anos, estuprada dentro de casa havia quatro, ficou grávida de seu agressor. Menina que é, foi ao hospital porque estava com dor de barriga. Descobriu-se grávida.

Autorizada pela Justiça para agir como já prevê a lei, pôde interromper a gravidez fruto do estupro (hipótese de aborto legal prevista no artigo 128, II, do Código Penal), que oferecia risco não só à criança feto mas também à criança mãe (hipótese de aborto legal prevista no artigo 128, I, do Código Penal).

Teve início o espetáculo macabro: uma ministra do governo comenta o caso e irrompe a frente antiaborto.

A técnica usada? Constrangimento e ameaça. Os gritos de "assassina" em frente ao hospital me lembraram Castro Alves clamando ao Deus dos desgraçados: seria loucura ou verdade tanto horror perante os céus?

Cora Rónai - A menina

- O Globo

Uma criança abandonada no meio de uma guerra ideológica sádica em que o que menos importa é o seu bem-estar

A menina não é uma exceção. Todos os dias, sete dias por semana, semana a semana, mês a mês, 365 dias por ano, seis meninas, entre 10 e 14 anos, são internadas em hospitais brasileiros para fazer abortos ou para tratar das consequências de abortos mal feitos, improvisados. Seis meninas estupradas, seis meninas grávidas. Por dia. Todos os dias. Vá saber quantas sequer chegam aos hospitais, quantas não levam a gravidez a termo, quantas abortam em casa, quantas apenas têm seus filhos por aí e morrem como crianças para se tornar mulheres partidas, mães de outras meninas que, meninas, vão ser estupradas e ter outras meninas e outras e outras, num círculo vicioso de perpétuo descaso.

A menina só virou exceção por causa da covardia da equipe médica que a atendeu inicialmente no Espírito Santo, e que não só a obrigou a atravessar o país em busca de socorro como, provavelmente, vazou a notícia do que lhe acontecia para a curriola pestilenta que cerca o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (que ironia).

A menina só virou exceção porque Sara Giromini, filha espiritual da ministra Damares, a expôs na internet, e fundamentalistas religiosos fizeram tanto barulho que, hoje, quando a gente diz "a menina", todos sabem de qual menina estamos falando.

A menina.

STF é trincheira na defesa da democracia – Editorial | O Globo

No julgamento dos ‘dossiês’ sobre antifascistas, tribunal deve impor novo freio a autoritarismo

No governo Bolsonaro, o Supremo se converteu em trincheira na defesa da democracia. É o que mostrou ontem, mais uma vez, no julgamento da ação contra a produção de “relatórios” ou “dossiês” sobre servidores públicos atuantes em movimentos antifascistas. Em seu voto, a relatora, ministra Cármen Lúcia, deu mais uma prova da relevância adquirida pela Corte para frear os ataques contumazes daqueles que tentam construir, dentro do Executivo federal, um sistema de vigilância e controle de quem o presidente vê como adversários políticos. O julgamento é também uma oportunidade para o STF reafirmar a proteção dos direitos individuais e, novamente, fixar limites à ação do Estado.

Cármen Lúcia seguiu a linha adotada na semana passada, em ação instaurada contra o uso ilegal pelo governo do sistema conectado à Agência Brasileira de Inteligência (Abin), com capacidade para espionar cidadãos sem nenhum controle. Na ocasião, também como relatora, alertou que “arapongagem é crime” e rejeitou qualquer desvio antidemocrático no uso da Abin ou de qualquer outro órgão do tipo. Seu voto foi apoiado por nove ministros.

Agora, repetiu seus argumentos no processo em que estão em jogo informações recolhidas pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi), do Ministério da Justiça, sobre 579 servidores e professores universitários. O ministro André Mendonça chegou a resistir a enviar ao Supremo o material produzido pela Seopi, sob provável inspiração da tese bolsonarista de que o Supremo invade espaços do Executivo. Cotado como um dos nomes que Bolsonaro pode indicar à Corte nos próximos meses, acabou recuando.

Inversão de valores entre Defesa e Educação no orçamento – Editorial | Valor Econômico

Com Bolsonaro, é o Congresso que terá de desentortar o orçamento, que ignora realidades e é enviesado ideologicamente

A implantação do teto de gastos, criou a expectativa de inversão de uma nociva praxe orçamentária vigente. Em vez da busca para adequar receitas aos gastos, inflando artificialmente o primeiro, haveria estímulo à decisões racionais sobre os melhores gastos e os cortes menos nocivos, já que as despesas não poderiam mais crescer em termos reais. O pressuposto otimista depende da sabedoria e parcimônia dos congressistas e da escolha das prioridades adequadas pelo Executivo inscrita no orçamento. As coisas não ocorreram bem assim, como demonstram as discussões sobre o orçamento para 2021.

Antes, ao longo do caminho, o Congresso deu um jeito de tornar impositivas as emendas dos parlamentares, retirando do Executivo mais um bom naco da autonomia com que manejava as verbas, que são hoje ainda mais escassas pelos estragos provocados pela pandemia. Boa parte dos recursos encaminhados pelos congressistas não são de livre direcionamento, e sim dirigidos a gastos com saúde e educação. Mas, diante da contenção de despesas, um grupo de pressão a mais entrou na disputa por recursos com vantagens sobre os outros: os militares. O ministro da Defesa, Fernando Azevedo, solicitou ao governo que reservasse para sua pasta 2% do PIB - nenhum ministério terá essa dotação, pelo menos na proposta em debate no governo.

O presidente Jair Bolsonaro, com apoio do Congresso, defendeu logo após a aprovação da reforma da Previdência, novas regras para aposentadoria dos militares que embutiram recomposição generalizada de salários, asseguradas a integralidade e a paridade dos vencimentos entre os da ativa e os da reserva, com uma economia duvidosa de R$ 1 bilhão por ano nos próximos 10 anos. A reforma no regime geral reduzirá gastos de R$ 800 bilhões no mesmo período.

Orçamento sem truques – Editorial | O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro e sua equipe chegaram a agosto sem responder com clareza a algumas perguntas básicas sobre o Orçamento de 2021

Governar dentro da lei pode ser complicado, e o presidente Jair Bolsonaro, há quase 20 meses no posto, ainda está descobrindo essa obviedade. Não há outra explicação para o suspense em torno da proposta orçamentária. Até o fim do mês ele terá de enviar ao Congresso o projeto do Orçamento Geral da União, cumprindo um ritual seguido, ano após ano, por todo chefe do Executivo. Mas ele e sua equipe realizaram uma façanha quase olímpica. Chegaram à segunda quinzena de agosto sem responder com clareza a algumas perguntas básicas: 1. Como se cuidará do teto de gastos? 2. Como ficará o ajuste das contas públicas? 3. Será cumprida a Lei de Responsabilidade Fiscal?

Não há como evitar essas questões. Para cuidar seriamente do assunto, o presidente e sua equipe deveriam dar atenção aos economistas da Instituição Fiscal Independente (IFI), entidade técnica vinculada ao Senado. Os gastos federais provavelmente romperão o limite constitucional, no próximo ano, e é preciso, recomendam esses especialistas, buscar saídas legais, seguras e transparentes para esse problema.

Pela regra do teto, o limite de expansão da despesa nominal em cada ano é dado por uma taxa de inflação definida no ano anterior e tomada como base para a elaboração do Orçamento. Furar o teto, simplesmente, será uma solução inaceitável, mas o presidente parece desconhecer esse detalhe.

“Qual o problema?”, perguntou ele, há poucos dias, depois de mencionar as discussões sobre a ruptura do limite. A resposta é simples: ninguém tem o direito – e muito menos um chefe de governo – de violar um dispositivo constitucional.

Confusão epidêmica – Editorial | Folha de S. Paulo

Ainda é prematuro o otimismo da população com a marcha do novo coronavírus

A taxa de contágio tem papel crucial em toda epidemia, como a de Covid-19: acima de 1, quando cada infectado transmite o patógeno a mais de uma pessoa, em média, a doença progride; abaixo disso, regride. Chega assim como boa nova a informação de que a taxa A notícia auspiciosa não deveria dar ensejo a muito otimismo. O país continua falhando de modo alarmante no controle da pandemia, no patamar lamentável de mil mortes diárias em estacionamos também há meses.

O cômputo da taxa de contágio partiu do Imperial College, de Londres. A instituição calcula que ela baixou para 0,98, próxima demais de 1 para suscitar alento; há, além disso, muita incerteza quanto aos modelos epidemiológicos e aos dados brutos que os alimentam.

Corre-se o risco de que a novidade seja tomada como mais um elemento a corroborar o temerário relaxamento que tem proliferado entre brasileiros. A mudança de percepção foi captada em pesquisa do Datafolha, que aponta neste mês o menor índice de isolamento já observado na crise.

Em abril, com óbitos na casa dos 2.000, 71% dos entrevistados diziam estar completamente isolados ou saindo de casa apenas quando inevitável. Na pesquisa do último dia 11, tal contingente reduziu-se a 51%, mesmo com mais de 100 mil mortes por Covid-19 e antes de sinais de desaceleração.

Música | Moacyr Luz & Samba do Trabalhador e Rildo Hora - Cabô, Meu Pai

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - O Mito