quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

*José Serra:Tiro no pé

- O Estado de S.Paulo

Para combater a violência é preciso firmeza, mas também inteligência

O problema da (in)segurança pública encabeça a lista de preocupações dos brasileiros. O clima generalizado de temor só varia em grau – da apreensão ao pânico –, a depender do local de residência, da condição socioeconômica, do gênero e da idade das pessoas.

A violência é mais forte exatamente contra a parcela dos mais pobres, tanto pelos crimes diretos de que ela é vítima quanto pela subjugação das áreas mais carentes de nossas cidades ao crime organizado, via tráfico e milícias. É, obviamente, uma situação intolerável e deve ser uma das prioridades de qualquer governo, não apenas dos estaduais, mas especialmente o da União, na medida em que os tentáculos do crime organizado alcançaram todas as regiões do País, como o comprovam os brutais ataques no Ceará.

Nesse cenário, a racionalidade sai prejudicada, o pânico toma o lugar da análise, não se captam com precisão as relações de causa e efeito e se torna mais difícil atentar para o fato óbvio de que a violência é um fenômeno cujas causas são múltiplas e complexas. É quase natural partir para soluções simplistas, mas que poderão mostrar-se ineficazes ou até contraproducentes.

Embora a violência esteja em níveis elevadíssimos e a situação pareça ter saído de controle em vários episódios, os indicadores de criminalidade variam significativamente, no tempo e entre regiões e Estados. Isso demonstra que as diferentes políticas de segurança têm variados graus de eficácia. Experiências mais positivas devem servir de alternativa, com as devidas correções e adaptações.

No Estado de São Paulo, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes caiu abaixo de 10 em 2016, enquanto a média nacional superou 30. Não cito esse dado como autoelogio ou elogio ao meu partido, mas apenas para dizer que é possível, com políticas consistentes, duras e continuadas, combater a criminalidade e reduzir severamente o poder das facções criminosas. Por outro lado, há que se precaver de falsas soluções, como a opção por expandir a posse de armas.

Essa proposta, embora atenue a sensação de medo e crie a falsa sensação de aumento da segurança, trará o efeito contrário: mais violência e mais mortes. E, o que é pior, tendo como as maiores vítimas a nossa população mais jovem, especialmente os homens de 15 a 19 anos de idade. Nesse grupo, os homicídios representam 56% das mortes.

William Waack: Valentia e resultados

- O Estado de S.Paulo

O grande risco internacional é a instabilidade, agravada pelo comportamento de dirigentes

Tirar o Brasil do Pacto Global para Migração é o tipo da valentia que não custa grande coragem, rende muitas frases de efeito e tem pouquíssimo – ou nenhum – efeito prático. Na raiz desse gesto do novo presidente brasileiro está a convicção de que uma grande conspiração internacional trabalha para retirar a soberania, a capacidade de decisão ou até mesmo a vontade de se defender de Estados nacionais. E que grandes instituições multilaterais (como a ONU, onde se tramitou o tal do inócuo pacto de migração) foram aparelhadas pelos tais globalistas.

O cenário que preocupa de verdade um grande número de analistas internacionais, incluindo as grandes consultorias de risco, é outro. É o que chamam quase em uníssono de agravamento da instabilidade nas relações entre os países. “Nada urgente”, escreve uma dessas consultorias, a Eurásia, “ciclos geopolíticos são lentos e leva-se anos, até décadas, para destruir uma ordem, mas a erosão (da atual ordem) está ocorrendo”.

Neste tipo de cenário abre-se ainda mais o espaço para que indivíduos – tais como dirigentes de alguns países – consigam estragar coisas ainda mais depressa. Mas aqui vai uma nota tranquilizadora: a mesma Eurásia, quando olha para os riscos nestas partes do mundo, está preocupada com o México e seu novo presidente populista de esquerda, e muito pouco com o Brasil (em outras palavras, nossa capacidade de causar estragos internacionais no momento é considerada pequena).

Roberto Abdenur*: Retrocesso na política externa

- O Globo

Em seus escritos e no discurso de posse, o novo chanceler, Ernesto Araújo, expressou uma posição de extrema direita. Sustenta que o Ocidente está em decadência e que só os EUA podem salvá-lo, sob a liderança de Trump. Pinta a ordem internacional como adversa ao Brasil e à sua soberania. Essa ordem “globalista” visa a desfazer as nações e impor um mundo avesso a Deus. Cita como governos verdadeiramente nacionalistas, além dos EUA, Israel, Itália, Polônia e Hungria —regimes onde, observo, a democracia está sendo substituída por duras autocracias. Nada que sirva de modelo para o Brasil. Com a adesão agora do Brasil de Bolsonaro, parece estar se formando uma espécie de “Internacional” da extrema direita.

Em outro plano, Ernesto Araújo fez tábula rasa de gerações de diplomatas, ao expressar duras críticas aos colegas, que descreveu como narcisistas, elitistas e alienados do país, afastados do povo. Enganou-se o chanceler. O Itamaraty é hoje composto por gente proveniente das mais variadas regiões e extratos sociais. É também racialmente diverso. E o ministério é ativo, através da diplomacia pública, no sentido de abrir-se à sociedade com o objetivo de atender aos anseios da população e fazer da política externa algo inclusivo, transparente e participativo, com prestação de contas à sociedade e recepção de comentários, críticas e sugestões.

Uma coisa é o Itamaraty integrar a elite do serviço público. Outra seria ter os diplomatas a comportarem-se como uma elite social afastada do povo, o que não é o caso.

Com o ideário apresentado pelo chanceler, a política externa sofrerá processo de retração, de encolhimento. Importantes postulados dessa política serão erodidos ou abandonados: o multilateralismo, os direitos humanos, a sustentabilidade, o apoio às Nações Unidas e aos organismos a ela vinculados. E o Brasil adotará posição defensiva em relação ao sistema internacional. O país até agora não tem sido passivo perante a ordem internacional. Ao contrário, atua intensamente para ajudar a configurar essa ordem através de mecanismos como o G-20, a Organização Mundial do Comércio, o Brics e outros foros regionais e multilaterais.

Ernesto Araújo critica o fato de os colegas acompanharem o noticiário da imprensa internacional, como, entre outros, a CNN, o “New York Times”, a revista “Foreign Affairs”. Ora, os diplomatas assim agem por estrita necessidade funcional. Na velocidade em que hoje se desdobram os acontecimentos internacionais, é importante seguir as notícias a cada momento. Isso não implica alheamento em relação ao que ocorre no Brasil.

Merval Pereira: Identidade nacional

- O Globo

Governo reflete uma visão anacrônica do mundo que não as ideologias, mas a tecnologia levou a não ter fronteiras

No momento em que a construção de um muro na fronteira do México tornou-se responsável por uma crise institucional que se agrava nos Estados Unidos de Trump, a retirada do Brasil do Pacto Global para a Migração, da Organização das Nações Unidas (ONU), é mais um passo simbólico do governo Bolsonaro no reforço da ideia de nação, em contraponto ao globalismo que critica, seguindo os passos de seu colega dos Estados Unidos.

As leis sobre migração e refugiados continuam valendo, pelo menos por enquanto, e são consideradas das mais avançadas existentes. Os refugiados venezuelanos que o digam. A ideia de que “não é qualquer um que entra em nossa casa” parece razoável, mas a insistência em romper os compromissos com organismos internacionais pode nos levar a um isolamento que não afeta os Estados Unidos por ser a maior potência global, econômica e militarmente.

Não é estapafúrdia a definição de que “quem porventura vier para cá deverá estar sujeito às nossas leis, regras e costumes, bem como deverá cantar nosso hino e respeitar nossa cultura”, como disse o presidente Bolsonaro no Twitter.

Mas reflete uma visão anacrônica do mundo que não as ideologias, mas a tecnologia, levou a não ter fronteiras, tudo está “nas nuvens”, sem passar pelas fronteiras físicas, que se transformaram em proteções do território, não da identidade nacional, culturas e hábitos inevitavelmente influenciados por movimentos globais.

Essa discussão sobre identidade nacional traz de volta as teses do cientista político Samuel Huntington, falecido há dez anos, para quem a identidade da América anglo-protestante estava sendo ameaçada pela onda de imigrantes hispânicos, que, ao invés de assimilar a cultura americana, estariam criando uma sociedade bilíngue, multicultural, erodindo e colocando em perigo, segundo ele, a identidade nacional.

Para o cientista político, a imigração mexicana está baseada na “reconquista demográfica” das áreas que a América tomou à força do México entre 1830 e 1840. Ele via o multiculturalismo como ameaça à identidade americana, e definia com uma frase cruel o que entendia por identidade americana: “You can’t dream the american dream in spanish”. (“Não é possível sonhar o sonho americano em espanhol”, em tradução livre).

Matias Spektor*: No extremo

- Folha de S. Paulo

Plataforma diplomática da ultradireita ganha força

Ganha forma pela primeira vez no ciclo democrático uma plataforma de política externa de ultradireita.

Ela não deve ser reduzida às maluquices do chanceler nem deve ser descartada como mero plágio inconsequente das ideias de Steve Bannon e Donald Trump. Tampouco é correto atribuir sua paternidade a Jair Bolsonaro. A eleição do presidente impulsiona esse programa e lhe dá força, mas a plataforma o antecede.

As origens intelectuais do projeto vêm de longa data. O furor antiglobalista é emprestado do ciclo iniciado em 1964.

À época, temerosos pela sobrevivência do regime, os generais e sua diplomacia denunciaram as Nações Unidas e os regimes internacionais de direitos humanos, de não-proliferação nuclear e de preservação ambiental.

O argumento era que tais instâncias seriam parte de um conluio esquerdista transnacional para enquistar o Brasil no atraso.

Na prática, o regime fazia de tudo para evitar que suas entranhas fossem expostas ao público. Os governos da época chegaram a abrir mão de ocupar uma cadeira rotativa no Conselho de Segurança da ONU para ficar longe dos holofotes.

Janio de Freitas: Onde está a inteligência

- Folha de S. Paulo

A melhor medida que Jair Bolsonaro tomou até agora foi o cala a boca dirigido aos seus circunstantes

A melhor medida que Jair Bolsonaro tomou até agora, apesar de infrutífera, foi o cala a boca dirigido aos seus circunstantes. Inaugurado com o vice Mourão, não parou de repetir-se com vários outros, por reconhecida necessidade e total inutilidade.

Um erro de princípio, aliás, contribuiu para o fracasso: Bolsonaro não se incluiu na conveniência do mutismo. E as asneiras e inverdades destrinchadas pelo noticiário não abarcam a safra diária.

O general Augusto Heleno, por exemplo, diz que “fizeram um auê disso aí sem nada”, sendo o “disso aí” a possibilidade de instalação de uma base militar americana no Brasil. O “auê” foi a simples notícia proveniente de Bolsonaro.

O general mostra sua firmeza: “Ele falou comigo que não falou nada disso. Foi um comentário quando falaram de base russa, não sei quê, aí saiu esse assunto, de repente é base americana.”

A tal base russa foi uma hipótese da guerra verbal contra a Venezuela. Mas se “aí saiu esse assunto” que é a base americana, o general diz, de modo indireto, que o assunto foi falado.

E, de fato, Bolsonaro disse no SBT que poderia negociar com os Estados Unidos a instalação aqui de uma base americana.

Se a ideia foi uma leviandade a mais ou se teve algum propósito definido, negar sua ocorrência na TV não é inteligente. E atribuí-la a um “auê” da imprensa é uma tentativa de tapear a opinião pública. O que em poucos dias já mostra mais uma deformidade dos novos governantes.

Onyx Lorenzoni demite em massa na assessoria da Presidência: “É a despetização do governo”. Daí decorrentes, dois títulos da Folha informam sobre o resultado: “’Caça a petistas’ de Onyx desarticula todo o corpo técnico da Casa Civil” e “Exonerações de Onyx paralisam Comissão de Ética da Presidência” (dias 7 e 8).

Bruno Boghossian: Ignorância não tem ideologia

- Folha de S. Paulo

Agenda do governo Bolsonaro tangencia obscurantismo e revisionismo barato

O disparatado edital de livros didáticos que permitia a compra de obras com erros e sem referências bibliográficas mostra como a educação é um setor vulnerável aos cavalos de pau da política. Basta uma canetada para acrescentar anos de atraso ao ensino no país.

Em 2 de janeiro, o Ministério da Educação sumiu com itens que proibiam publicidade e mencionavam a violência contra mulheres no material didático. Também desapareceram exigências de que os livros estivessem livres de erros de revisão e contivessem a origem da informação.

O ministro Ricardo Vélez Rodríguez diz que o edital foi alterado no governo Michel Temer, em 28 de dezembro, mas o ex-ministro Rossieli Soares afirma que as mudanças nunca foram discutidas em sua gestão.

Os dois fizeram reuniões de transição por quase 30 dias. Se essa medida absurda não foi discutida no período, há algo errado com as prioridades da política educacional.

Roberto Dias: Ouvidos nada moucos

- Folha de S. Paulo

Diálogos tensos entre eleitores e ministros de Bolsonaro ajudam a testar nossa coerência de argumentos

“Por que o Queiroz não é pauta? A roubalheira do PT é pauta, mas a do PSL não é pauta do governo? Você quer me censurar por isso também?” É um comprador num supermercado de Brasília dirigindo-se a Marcos Koren, segurança do ministro Sergio Moro (Justiça). Ele tentava amedrontar a dupla de eleitores —no que não teve sucesso.

Moro, que estava na fila do caixa, é um dos dois integrantes do governo já cobrados em vídeos públicos. A outra foi a ministra Damares Alves(Direitos Humanos), criticada em um shopping após postular sobre cores e gênero. É bom toda a Esplanada já ir se acostumando.

As conversas amargas entre eleitores e agentes públicos podem não ser as cenas mais bonitas da democracia, mas são democráticas. Essas duas de agora ajudam, ademais, a testar nossa coerência de argumentos.

No passado, nenhuma reação foi mais absurda do que a de Ricardo Lewandowski. Ao ouvir críticas ao STF em um avião, não mediu o troco: “Você quer ser preso? Chama a PF”. E, de fato, a polícia apareceu e levou seu interlocutor. Lewandowski foi logo socorrido pelas vozes do corporativismo e do alinhamento político. Gente que defendia o uso da força do Estado para censurar um eleitor e que agora se cala —ainda bem.

Luiz Carlos Azedo: Caminho aberto para Renan

- Correio Braziliense

“Supremo faz um movimento de reaproximação com o Congresso, ante a ameaça de uma hipertrofia da relação com o Executivo”

Cada macaco no seu galho, digamos assim. Esse foi o sentido da decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que ontem negou o pedido para que eleição da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados fosse realizada com votos abertos. O pedido havia sido feito pelo deputado federal eleito Kim Kataguiri (DEM-SP), que se lançou candidato ao comando da Casa, contra seu atual presidente, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). A decisão foi um recado de que o Supremo não pretende interferir em assuntos que são prerrogativas do Congresso.

O voto secreto não é uma garantia de que Maia terá vida mais fácil para ser reconduzido ao comando da Câmara, apesar do apoio de 12 partidos que já contabiliza, entre os quais, a bancada do PSL, a segunda da Casa. O apoio do PT, que tem a maior bancada, subiu no telhado depois que Maia fechou com os governistas. No seu caso, o voto aberto talvez fosse até mais vantajoso, haja vista que seu principal adversário, o deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG), tem amplo trânsito no chamado “baixo clero”, que é formado pela maioria dos deputados. Se houver traição, as chances do adversário aumentam muito, porque Maia costurou seus apoios via cúpulas dos partidos.

Por tabela, a decisão de Toffoli beneficia, sobretudo, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que pretende voltar ao comando do Senado. Uma decisão liminar do ministro Marco Aurélio Mello determinava que a votação no Senado fosse aberta, mas acabou derrubada por Dias Toffoli, cuja decisão encerrou um ciclo de intervenções do Supremo em assuntos regimentais do Congresso:

“A escolha da Mesa Diretiva importa, para além de uma seleção do dirigir administrativo da Casa, uma definição de ordem política, intimamente relacionada à natural expressão das forças político-ideológicas que compõe as casas legislativas — que se expressa, por exemplo, na definição das pautas de trabalho e, portanto, no elenco de prioridades do órgão — impactando diretamente na relação do Poder Legislativo com o Poder Executivo. Essa atuação, portanto, deve ser resguardada de qualquer influência externa, especialmente de interferências entre Poderes”, sustenta o presidente do STF.

Maria Cristina Fernandes: Teto de Guedes encontra o muro de Trump

- Valor Econômico

Um e outro veem a paralisação do governo como saída

Já se conhecem as cores de preferência da ministra dos Direitos Humanos para os enxovais de bebês, mas não se sabe como o ministro da Economia, Paulo Guedes, pretende financiar a transição para um sistema de capitalização na Previdência. O tema foi discutido durante toda a campanha sem que o economista, a despeito de reconhecer o custo elevado, revelar como pretende bancá-lo.

Os benefícios previdenciários hoje custam ao país R$ 648 bilhões. A arrecadação para mantê-lo é de R$ 402 bilhões. A diferença é o buraco nosso de cada dia equivalente a 4% de toda a riqueza produzida pelo Brasil. A capitalização pressupõe que os trabalhadores que hoje sustentam a Previdência passariam a contribuir para um fundo que custearia sua própria aposentadoria no futuro. Mas se o Tesouro perde essa fonte de receita, como os benefícios serão honrados?

No seu discurso de posse, o ministro respondeu. Elencou a reforma da Previdência como prioridade máxima. Anunciou que mandaria o projeto para o Congresso e que "se der errado, pode dar certo". Quis dizer com isso que o capitão teria a possibilidade de reabilitar a política ao lhe oferecer a oportunidade de decidir de onde tiraria recursos para bancar a Previdência, desde que o teto de gastos fosse cumprido. "Se não cumprir o teto, paralisa o governo e aí tá ótimo, faz superávit", disse. Quando todo mundo pensava que o aprendiz de Donald Trump é o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Economia pede a primazia. Um pelo muro e o outro, pelo teto, veem a paralisação do governo como saída.

Ribamar Oliveira: Corra, Bolsonaro, corra!

- Valor Econômico

Receita do petróleo pode tirar urgência das reformas

Não mereceram a atenção devida as projeções feitas, no final do ano passado, pelo diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Décio Oddone, sobre a evolução futura da indústria do petróleo no Brasil. Se em 2018 a receita da União, Estados e municípios com royalties do petróleo, participações especiais, bônus de assinatura e óleo-lucro ficou em R$ 60 bilhões, Oddone estima que ela subirá para R$ 300 bilhões em 2030. Atenção: este valor será por ano, a partir de então!

Só como referência, vale observar que a quantia é superior à arrecadação do Tesouro com a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) no ano passado. Isto significa que a receita com o petróleo será uma das principais do setor público brasileiro na próxima década.

Em conversa com o Valor, o diretor-geral da ANP destacou um elemento a mais das projeções: o montante subirá para R$ 400 bilhões se também for considerado o pagamento de Imposto de Renda das empresas do setor de petróleo em 2030.

Ficou faltando incorporar no cálculo o pagamento pelas empresas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), do PIS/Cofins e da Cide sobre combustíveis. Em 2017, a Petrobras pagou R$ 35 bilhões só de ICMS, de acordo com o balanço da empresa.

As projeções da ANP foram feitas considerando que a produção de petróleo bruto do país passará dos atuais 2,5 milhões de barris por dia para 7,5 milhões de barris por dia em 2030. Atualmente existem 107 plataformas em operação no Brasil. Elas subirão para 170, estimou Oddone. As exportações brasileiras de petróleo bruto podem sair de 1 milhão para 4 milhões de barris no período. "A indústria do petróleo no Brasil vai mudar de patamar", ressaltou o diretor-geral da ANP. E isso vai ocorrer em pouco tempo.

Vinicius Torres Freire: Bolsonaro e o salário mínimo

- Folha de S. Paulo

Logo começa a batalha do reajuste zero para o mínimo e para os servidores

Na economia, o governo parece dedicado a fechar um plano de reforma da Previdência, sem o que a economia ficará desgovernada. Está certo.

Quase nada sabemos desse projeto. O que vaza para a mídia é disparatado ou insuficiente para basear qualquer estimativa razoável de efeitos fiscais ou políticos.

De menos vago, sabemos apenas que se pretende endurecer o projeto de Michel Temer, que passou ainda por uma lipoaspiração no Congresso.

Nos termos vazados por aí, a intenção de encurtar a transição para a idade mínima de aposentadoria deve chocar quarentões e cinquentões.

Não deve ser a única discussão política difícil em economia, claro.

No rumo e no ritmo em que vão as contas do governo, o teto de gastos, o limite para despesas federais, começaria a ruir no ano que vem. O gasto não pode aumentar mais do que a inflação. Isto é, em termos reais, fica na mesma, congelado. Mas despesas obrigatórias gigantes, como a da Previdência, ainda crescerão (a não ser na hipótese de revolução nas aposentadorias).

O gasto crescerá menos, por exemplo, se o governo não der reajuste real (além da inflação) para o salário mínimo, que também é o piso dos benefícios previdenciários.

A regra de reajuste do mínimo venceu no ano passado. A nova fórmula tem de ser definida até abril, quando o governo apresenta uma espécie de pré-projeto de Orçamento de 2020 (Lei de Diretrizes Orçamentárias).

Carlos Alberto Sardenberg: Liberal

- O Globo

Na pauta política e social, direitas se encontram no antiliberalismo. E não raro se encontram com a esquerda brasileira

Na comemoração dos seus 175 anos, em setembro último, a revista “The Economist” produziu magnífico material sobre a situação global do liberalismo, começando pela definição mais atualizada do termo. Não se trata, diz, do “progressismo” esquerdista dos campi universitários americanos (e brasileiros, acrescentamos) nem do “ultraliberalismo” direitista excomungado pela intelectualidade francesa (e brasileira). Liberalismo, eis a definição, é um compromisso com a dignidade individual, mercados abertos, governo limitado e fé no progresso humano realizado pelo debate e por reformas.

Não faltou progresso nos séculos de prevalência do liberalismo e do capitalismo, seu lado econômico. Por exemplo: expectativa global de vida em 1850 era de apenas 30 anos; hoje, acima de 70 anos. População vivendo na extrema pobreza, 80%; hoje, 8%. E o número absoluto de pobres caiu, mesmo com a população mundial passando de cem milhões para 6,5 bilhões. Os direitos civis são mais respeitados do que nunca.

Claro que há diferenças entre os países, mas o mundo todo melhorou de vida. O progresso começou pelo Ocidente e, dado o sucesso, acabou se espalhando, no fenômeno conhecido por globalização.

De uns tempos para cá, entretanto, surgiu um claro mal-estar com o liberalismo. A questão principal está na desigualdade —os ricos avançam mais —e numa bronca contra as elites dominantes na política e na economia.

Essa onda antiliberal leva, na Europa e nos Estados Unidos, a um populismo de extrema direita. Na economia, isso leva a uma demanda por mais controle do governo para, por exemplo, defender indústrias locais, mesmo ineficientes, caso de Trump.

Na política, vem uma descrença na democracia, já que os sistemas eleitorais permitiram o contínuo comando das mesmas lideranças partidárias (que aliás, estão sendo varridas na Europa).

Na sociedade, há o retorno do conservadorismo. Por exemplo: o casamento entre pessoas do mesmo sexo é um avanço liberal evidente; a pessoa tem o direito (a liberdade) de escolher com quem quer viver. Já para o populismo de direita, casamento se dá entre homens e mulheres —e ponto final.

Essa onda bateu no Brasil, mas de um modo, digamos, enviesado. O que torna o debate confuso e raivoso —sendo nosso propósito aqui tentar colocar um pouco de bom senso.

Zeina Latif*: Devagar com o andor

- O Estado de S.Paulo

Desmontar políticas industriais fracassadas está na ordem do dia

Volto ao tema da fraqueza da indústria, pela sua importância na dinâmica da economia e pelos cuidados que inspira na condução da política econômica.

A produção industrial está estagnada. Ela pouco reagiu ao corte inédito de juros promovido pelo Banco Central. É verdade que o estímulo monetário promovido pode ser menor do que se imagina (discuti esse assunto em março de 2018). Mas isso parece muito pouco para explicar o fraco dinamismo da indústria. Não seria uma taxa Selic 1 ponto porcentual mais baixa que mudaria radicalmente a situação da indústria.

São muitas as consequências desse quadro: o empresário da indústria está inesperadamente menos confiante do que o do comércio (índice de confiança em 94,8 em dezembro de 2018, ante 105,1); investiu menos na aquisição de máquinas e equipamentos (-0,5% até novembro de 2018) e gerou poucos empregos (apenas 11 mil empregos com carteira nos últimos 12 meses, e perdendo fôlego).

O mercado de trabalho sofre impacto em função da importância da indústria na geração de emprego formal. Apesar de o número de ocupados total já ter recuperado o patamar pré-crise, o mesmo não ocorre com o emprego com carteira (10% abaixo do patamar pré-crise). Isso acaba limitando o aumento do consumo, um ponto já analisado por Affonso Celso Pastore e Marcelo Gazzano. Com renda mais incerta por conta da informalidade, o consumidor tende a ser mais conservador.

Míriam Leitão: A Embraer nas asas da Boeing

- O Globo

Ministério da Economia terá até a semana que vem para dar o parecer sobre a venda da Embraer. Visão interna é de que não há nada que impeça o negócio

Até o próximo dia 16, quarta-feira que vem, o Ministério da Economia terá que dar o seu parecer sobre a operação da Embraer com a Boeing. Ele foi consultado em dezembro, com 30 dias para dizer se o acordo fere as regras previstas na golden share .A impressão até agora é que não fere. Pelas regras da ação de classe especial é o Ministério que diz isso, e não a Presidência, mas evidentemente a palavra final será a do presidente Jair Bolsonaro.

Até agora, na área técnica, a convicção é que a primeira proposta feita pela Boeing era muito ruim. O governo Michel Temer deixou claro que não havia gostado. A nova proposta, contudo, tem sido vista com bons olhos pelos economistas do governo.

A primeira informação relevante é que não faz sentido falar em desnacionalização da Embraer porque em torno de 85% das ações já são detidas por investidores estrangeiros. Como tenho escrito aqui desde o começo desta negociação, os maiores acionistas da empresa brasileira são fundos americanos. Mesmo assim, como escrevi em coluna recente, dados do BNDES mostram que a companhia nos últimos 15 anos recebeu bilhões do banco, em diversos tipos de operação. Foram R$ 1,95 bilhão de financiamento tecnológico, R$ 6 bi para pré-embarque de exportações e US$ 22 bilhões para financiar compradores estrangeiros de seus produtos.

A golden share nas mãos do governo pode ser exercida para impedir: 1) mudança de nome da companhia e mudança de objeto social; 2) alteração da logomarca; 3) transferência de controle acionário; 4) risco de afetar programas militares, como reposição de peças para as aeronaves brasileiras e capacitação de terceiros em tecnologia para programas militares.

Bernardo Mello Franco: Gleisi em Caracas e o PT no mundo da lua

- O Globo

A presidente do PT vai viajar para a posse de Nicolás Maduro. É difícil imaginar uma ideia tão desastrada. Cerca de cinco mil venezuelanos deixam o país todos os dias

A presidente do PT vai a Caracas para prestigiar a posse de Nicolás Maduro. É difícil imaginar uma ideia tão infeliz. A não ser que Gleisi Hoffmann tenha resolvido ajudar os bolsonaristas a desgastar ainda mais o próprio partido.

Maduro foi reeleito num pleito marcado por suspeitas de fraude. Mais de metade do eleitorado não apareceu para votar. Os dois maiores rivais do presidente foram impedidos de concorrer. A oposição que restou contesta o resultado oficial das urnas.

Desde que assumiu o poder, há quase seis anos, o presidente conduz o país na direção do autoritarismo. Já esvaziou o Parlamento, perseguiu juízes e mandou prender adversários políticos. Também pressionou o Conselho Nacional Eleitoral a anular um referendo que ameaçava revogar seu mandato.

Em relatório recente, a Human Rights Watch afirmou que a “repressão implacável do governo tem resultado em milhares de detenções arbitrárias, centenas de casos de civis julgados por tribunais militares, casos de tortura e outras violações”.

Ricardo Noblat: O encanto do PT por ditaduras

- Blog do Noblat |Veja

O partido não aprende com seus erros

A deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT, desembarca, hoje, em Caracas para a posse pela segunda vez de Nicolás Maduro como presidente da Venezuela.

Manda a Constituição venezuelana que Maduro preste juramento perante a Assembleia Nacional, o Congresso de lá, mas ele o fará diante do Tribunal Supremo de Justiça. Por quê?

Porque Maduro controla o tribunal e não reconhece a Assembleia eleita 2015 cuja maioria se opõe ao governo. O tribunal despojou a Assembleia de suas funções depois de meses de protestos que deixaram 150 mortos.

Existe uma outra assembleia, eleita sem a participação dos partidos de oposição. Assim como existe no exílio um outro Tribunal Supremo de Justiça ignorado pelo governo de Maduro.

A posse de Maduro, em breve, implicará num rompimento de relações com os Estados Unidos, a Comunidade Econômica Europeia e a maioria dos países da América Latina dispostos a não reconhecer o seu governo.

Guinada para o retrocesso: Editorial | O Estado de S. Paulo

O sombrio ideário que até agora se afigurava como um prenúncio de retrocesso na política externa brasileira começou a se concretizar em medidas do governo do presidente Jair Bolsonaro. A menos que haja profunda reflexão no Palácio do Planalto e no Itamaraty sobre os seus efeitos nocivos, a tal “guinada” liderada pelo chanceler Ernesto Araújo – que bem poderia ser chamada de “cruzada” – tem potencial para acabar de vez com o que ainda resta da boa reputação do Brasil no mundo civilizado.

A Organização das Nações Unidas (ONU) foi comunicada oficialmente pelo governo brasileiro, na terça-feira passada, de que o País está fora do Pacto Global pela Imigração, ao qual o Brasil havia aderido no dia 10 de dezembro do ano passado. A saída do pacto, por si só muito ruim para o País e, principalmente, para os cerca de 3 milhões de brasileiros que vivem no exterior – mais que o dobro do número de imigrantes estrangeiros que vivem aqui –, é ainda pior pela razão alegada pelo governo: o pacto violaria a soberania nacional.

“A defesa da soberania nacional foi uma das bandeiras de nossa campanha e será uma prioridade do nosso governo. Os brasileiros e os imigrantes que aqui vivem estarão mais seguros com as regras que definiremos por conta própria, sem pressão do exterior”, escreveu o presidente Jair Bolsonaro no Twitter.

Em primeiro lugar, caso o presidente da República estivesse tão preocupado com a soberania nacional não teria sequer aventado a possibilidade de ceder uma porção de nosso território para uma base militar dos Estados Unidos no País, como o fez em entrevista ao SBT. Em segundo lugar, o chamado Pacto de Marrakesh não viola a soberania nacional. Aliás, diga-se que a decisão de aderir ao pacto foi um ato soberano do Estado brasileiro, então representado pelo ex-chanceler Aloysio Nunes.

O Pacto de Marrakesh foi aprovado por 160 das 195 nações que fazem parte da ONU. No início de dezembro, o ex-chanceler Aloysio Nunes foi enfático ao defender a adesão do Brasil. “Eu o aprovei porque ele simplesmente contém recomendações de cooperação internacional para combater a migração irregular e conferir tratamento digno aos migrantes, entre os quais cerca de 3 milhões de brasileiros que vivem no exterior”, disse o ex-ministro das Relações Exteriores. É exatamente disso que se trata. O título integral do acordo fala por si só: Pacto Global da ONU para Migração Segura, Ordenada e Regular.

Confirma-se pressão em defesa do meio ambiente: Editorial | O Globo

Editorial do ‘Washington Post’ alerta governo sobre ações voltadas à Amazônia e a índios

Duas décadas de rodízio no poder entre tucanos e petistas, com mais ou menos os mesmo aliados, fizeram a nação se acostumar com um padrão de comportamento em Brasília. Com a chegada ao Planalto de Jair Bolsonaro, à frente de assumidos direitistas, é necessário recalibrar os instrumentos de aferição do poder.

Pontos fortes e fracos ainda precisam ser mapeados com precisão. Se a equipe econômica tem dado o recado em termos do diagnóstico da crise, há uma esfera do governo — agricultura, meio ambiente, índios, mulheres, educação, saúde — em que o pedigree ideológico do Planalto é bem mais visível. Este conjunto de áreas sensíveis tem ficado em relativo segundo plano, o que não significa que não seja fonte de encrencas sérias para o país.

Um alvo do governo é o “politicamente correto” , e, dentro desta visão, especificamente, a proteção do meio ambiente, dos povos indígenas e similares. Por isso, um foco de tensão, desde a campanha eleitoral, tem sido a possível preponderância da atividade agrícola sobre a preservação ambiental. Tudo isso envelopado por críticas, no estilo Trump, ao Acordo de Paris, e também pela recusa a provas científicas do aquecimento global.

Precisa chamar a atenção dos novos governantes editorial publicado na sexta-feira da semana passada pelo “Washington Post” , sob um título sintomático: “Jair Bolsonaro rasgará as proteções ao meio meio ambiente, colocando em perigo a Amazônia?”

Não há riscos novos, mas bolsas começam ano mal: Editorial | Valor Econômico

As bolsas internacionais iniciaram o ano do jeito que terminaram 2018 - com perdas. O pessimismo dos investidores se intensificou, assim como a sensação de que a economia americana caminha com mais rapidez para a recessão. Não há riscos novos no horizonte e sim uma reapreciação de até onde pode ir o ciclo de altas dos juros pelo Federal Reserve, de até que ponto a economia da China poderá desacelerar, dos possíveis transtornos à frente com o mal parado Brexit e as estripulias fiscais da Itália, sob comando de uma inédita aliança entre anarquistas e a extrema-direita e da extensão e duração da guerra comercial declarada pelo presidente Donald Trump à China.

Os indicadores mais recentes confirmam a desaceleração na China, nos EUA e na zona do euro, embora os números, principalmente os dos Estados Unidos, não sejam unívocos. Na semana passada, o índice de gerente de compras americano recuou ao menor nível desde novembro de 2016, mas as estatísticas da ADP mostraram que contratação de mão de obra disparou em dezembro. Os mercados, no entanto, estão precificando mais pessimismo. Nos contratos futuros, os investidores apontam que há pelo menos 60% de chance de que o Fed interrompa a alta dos juros durante todo o ano, enquanto cresce (mais de 30%) a expectativa agora de que o Fed reduzirá os juros.

Muito do que vai acontecer depende da China. Se o comportamento das ações têm algum significado ele mostra que as perspectivas econômicas do país tornaram-se incertas. Com perda de valor de 25%, as bolsas chinesas tiveram o pior desempenho entre suas congêneres globais em 2018. Para evitar uma abrupta perda de dinamismo e amortecer a desaceleração, o Banco Central chinês já reduziu compulsórios várias vezes e a taxa de juros, algo que lhe foi permitido pela inflação cadente (2%) e pela necessidade de injetar liquidez na economia para estimular os negócios.

Nova posse chavista: Editorial | Folha de S. Paulo

Nicolás Maduro inicia novo mandato sob maior pressão externa e mantém venezuelanos reféns

Quase oito meses separam as últimas eleições presidenciais na Venezuela da posse de Nicolás Maduro, que inicia nesta quinta (10) um novo período de seis anos no poder. O hiato insólito, que nada tem de acidental, é apenas um dos reflexos da anomalia institucional produzida pelo regime chavista.

Cumpre recordar que o pleito em questão deveria ter ocorrido em dezembro último, mês em que historicamente o país realizava votações. A injustificada antecipação para maio de 2018 deu-se por uma decisão da infame Assembleia Constituinte, órgão 100% oficialista constituído após um processo fraudulento nas urnas.

Em verdade, havia motivos para o chavismo mudar o calendário. A principal coalizão opositora recusara-se a apresentar candidatos à disputa pelas prefeituras, em dezembro de 2017, e expunha divergências internas quanto a participar do pleito presidencial.

Não interessava ao regime, pois, manter a eleição no fim do ano. Poderia a oposição se reestruturar até lá, sem contar o fato de que a catástrofe social e econômica vivida pelos venezuelanos só faz se agravar. Ao adiantar o voto, Maduro corria menos risco de alguma surpresa nas urnas como reação à situação calamitosa do país.

Samba União da Ilha 2019

Vinicius de Moraes: Pátria Minha

A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos…
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu…

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda…
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha… A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
“Liberta que serás também”
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão…
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
“Pátria minha, saudades de quem te ama…
Vinicius de Moraes.”