Armênio Guedes
FONTE: GRAMSCI E O BRASIL
Giuseppe Vacca. Por um novo reformismo. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira; Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 2009. 258p.
Este livro de Giuseppe Vacca não é mais um lançamento convencional no “mercado das ideias”. Como o leitor logo vai perceber, existe aqui uma grande audácia teórica e política: a partir do conceito de “reformismo”, Vacca nos convida a reconstruir democraticamente as convicções da esquerda, apontando novos modos de conceber a mudança social e por ela lutar.
O marxismo de Vacca aparece inteiramente reconciliado com as formas da democracia política, que não é nem nunca foi “burguesa”. Historicamente, o que ampliou as fronteiras do liberalismo foi a luta mais do que secular dos “grupos subalternos”, para usar a linguagem de Gramsci. Vacca argumenta que o papel destes grupos não é se apoderar do Estado e dar a este uma forma ditatorial qualquer, supostamente progressista. Nada de ditadura do proletariado ou de qualquer forma de ditadura. Classes subalternas e Estado Democrático de Direito devem estar numa relação privada de qualquer relação ambígua ou instrumental.
Diria explicitamente, e mais uma vez apoiado em Gramsci e em Vacca, que não se pode mais pensar em “assaltar” o Estado e usar a máquina estatal para transformar a sociedade de modo autoritário e cesarista. Neste sentido, a Revolução de Outubro, que por tanto tempo nos serviu de modelo, deve ser considerada a última revolução do século XIX. E a “revolução democrática” dos nossos dias, quer dizer, os modos de se desenvolver a luta revolucionária depois do “grande ato metafísico” de Outubro, está rigorosamente por ser inventada.
Há neste livro mais ousadias teóricas, que só de passagem posso mencionar. Para Vacca, socialismo e capitalismo, por assimétricos, não são termos antagônicos: o primeiro é um modo de regulação, o segundo um modo de produção. Não vejo nisso nenhum espírito de “conciliação”, mas um convite desafiador a imaginar o conteúdo desta possível regulação de tipo socialista, indissociável, como é evidente, de lutas e conflitos sociais bastante complexos. A democracia é sempre difícil! Tema que é aprofundado, quando Vacca analisa a trajetória da esquerda italiana de 1989 ao nascimento do Partido Democrático — análise indispensável para compreender a complexidade das questões que este partido deve equacionar e resolver para retomar a posição hegemônica que, com avanços e tropeços, marcou a presença do PCI na vida política da Itália depois da Segunda Guerra Mundial.
Não fico surpreso com a amplitude destas reflexões. Mais uma vez, é o marxismo político italiano que nos estimula a renovar nossos caminhos, como tantas vezes já aconteceu. Vacca, mesmo quando aborda questões da atualidade, é um pensador que “vem de longe”: insere-se criadoramente na tradição de Gramsci, Togliatti e Berlinguer, teóricos e políticos que, em diferentes circunstâncias, constituíram fundamentais pontos de referência no combate das ideias entre nós, e até muito além das fronteiras da esquerda.
No momento da primeira grande crise da globalização — que requer sobretudo criatividade e capacidade de autorrenovação —, a contribuição de Vacca reabilita a corrente reformista do socialismo, que, no fundo, pretende interpretar com mais lucidez o movimento real das coisas, e sobre ele agir, rumo a níveis sempre mais altos de civilização. Essa também a sua importância para os democratas brasileiros.
Armênio Guedes foi membro do Comitê Central (1943-1954 e, novamente, 1967-1983) e da Comissão Executiva do Comitê Central (1973-1983) do Partido Comunista Brasileiro. Atualmente, é presidente de honra da Fundação Astrojildo Pereira. Este texto é a “orelha” do livro.
FONTE: GRAMSCI E O BRASIL
Giuseppe Vacca. Por um novo reformismo. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira; Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 2009. 258p.
Este livro de Giuseppe Vacca não é mais um lançamento convencional no “mercado das ideias”. Como o leitor logo vai perceber, existe aqui uma grande audácia teórica e política: a partir do conceito de “reformismo”, Vacca nos convida a reconstruir democraticamente as convicções da esquerda, apontando novos modos de conceber a mudança social e por ela lutar.
O marxismo de Vacca aparece inteiramente reconciliado com as formas da democracia política, que não é nem nunca foi “burguesa”. Historicamente, o que ampliou as fronteiras do liberalismo foi a luta mais do que secular dos “grupos subalternos”, para usar a linguagem de Gramsci. Vacca argumenta que o papel destes grupos não é se apoderar do Estado e dar a este uma forma ditatorial qualquer, supostamente progressista. Nada de ditadura do proletariado ou de qualquer forma de ditadura. Classes subalternas e Estado Democrático de Direito devem estar numa relação privada de qualquer relação ambígua ou instrumental.
Diria explicitamente, e mais uma vez apoiado em Gramsci e em Vacca, que não se pode mais pensar em “assaltar” o Estado e usar a máquina estatal para transformar a sociedade de modo autoritário e cesarista. Neste sentido, a Revolução de Outubro, que por tanto tempo nos serviu de modelo, deve ser considerada a última revolução do século XIX. E a “revolução democrática” dos nossos dias, quer dizer, os modos de se desenvolver a luta revolucionária depois do “grande ato metafísico” de Outubro, está rigorosamente por ser inventada.
Há neste livro mais ousadias teóricas, que só de passagem posso mencionar. Para Vacca, socialismo e capitalismo, por assimétricos, não são termos antagônicos: o primeiro é um modo de regulação, o segundo um modo de produção. Não vejo nisso nenhum espírito de “conciliação”, mas um convite desafiador a imaginar o conteúdo desta possível regulação de tipo socialista, indissociável, como é evidente, de lutas e conflitos sociais bastante complexos. A democracia é sempre difícil! Tema que é aprofundado, quando Vacca analisa a trajetória da esquerda italiana de 1989 ao nascimento do Partido Democrático — análise indispensável para compreender a complexidade das questões que este partido deve equacionar e resolver para retomar a posição hegemônica que, com avanços e tropeços, marcou a presença do PCI na vida política da Itália depois da Segunda Guerra Mundial.
Não fico surpreso com a amplitude destas reflexões. Mais uma vez, é o marxismo político italiano que nos estimula a renovar nossos caminhos, como tantas vezes já aconteceu. Vacca, mesmo quando aborda questões da atualidade, é um pensador que “vem de longe”: insere-se criadoramente na tradição de Gramsci, Togliatti e Berlinguer, teóricos e políticos que, em diferentes circunstâncias, constituíram fundamentais pontos de referência no combate das ideias entre nós, e até muito além das fronteiras da esquerda.
No momento da primeira grande crise da globalização — que requer sobretudo criatividade e capacidade de autorrenovação —, a contribuição de Vacca reabilita a corrente reformista do socialismo, que, no fundo, pretende interpretar com mais lucidez o movimento real das coisas, e sobre ele agir, rumo a níveis sempre mais altos de civilização. Essa também a sua importância para os democratas brasileiros.
Armênio Guedes foi membro do Comitê Central (1943-1954 e, novamente, 1967-1983) e da Comissão Executiva do Comitê Central (1973-1983) do Partido Comunista Brasileiro. Atualmente, é presidente de honra da Fundação Astrojildo Pereira. Este texto é a “orelha” do livro.