terça-feira, 26 de dezembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Governo federal tem dever de enfrentar o crime

O Globo

Ministério da Segurança é necessário para o Brasil poder desbaratar facções criminosas de alcance transnacional

Se algo une hoje o Brasil, é a sensação de insegurança. Cotidianamente o país é sacudido por assassinatos, latrocínios, estupros, feminicídios, sequestros, roubos, furtos e uma profusão de golpes que deixam marcas profundas. Sai governo, entra governo, a situação pouco muda. Avanços e retrocessos costumam acontecer menos como resultado de políticas públicas e mais em razão dos armistícios entre as quadrilhas do crime organizado que amedrontam a população indefesa. A violência se mantém em patamares vergonhosos.

De acordo com a última comparação internacional disponível, o Estudo Global sobre Homicídios 2023, divulgado neste mês pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC), o Brasil registrou 22,4 homicídios intencionais por 100 mil habitantes em 2021, quase quatro vezes a média mundial (5,8 por 100 mil). A taxa supera a média das Américas (15 por 100 mil) e da África (12,7 por 100 mil), as regiões mais violentas. De 458 mil homicídios computados no mundo em 2021, 10,4% aconteceram no Brasil, país que reúne 2,5% da população global. No ano passado, foram 47.400 assassinatos, segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). A cada hora, pelo menos cinco brasileiros foram mortos. Os estupros chegaram perto de 75 mil, mais de 200 por dia. Mais de 22 mil crianças sofreram maus-tratos. Mesmo os crimes de menor gravidade expuseram números exorbitantes: houve quase 1 milhão de furtos ou roubos de celulares e 1,8 milhão de estelionatos. Não se pode achar normal essa calamidade.

Míriam Leitão - A cor do Brasil e a longa travessia

O Globo

A maioria negra registrada pelo Censo é mais do que estatística. É o momento em que os números mostram que o país se afasta da negação

Foi a travessia de uma fronteira a que o Brasil cruzou no último Censo ao se reconhecer majoritariamente como pardo e preto. A caminhada veio de longe e parte dela ocorreu em pouco mais de vinte anos. Do ano 2000 para cá aumentou em 42,3% os que se declaram pretos, 11,9% os que se definem como pardos. Juntos formam a maioria dos brasileiros. Sempre foi assim, sempre fomos um país de maioria negra. Mas o pertencimento veio aos poucos e tem um profundo impacto em todos os níveis da vida pessoal, cívica, social e econômica. Quem viu a intensidade desse processo não pode deixar de ter esperanças de um dia o país vencer o racismo em todas as suas formas e perversidades.

Os negros sempre lutaram por reconhecimento e respeito. Das heroicas lutas da escravidão aos primeiros levantes na República. No fim dos anos 1940 e início de 1950, houve o Teatro do Negro, o jornal Quilombo, um rico movimento cultural liderado, entre outros, por Abdias Nascimento. Nos anos 1970, o Movimento Negro foi voz forte contra o racismo e contra a ditadura e, entre as figuras importantes, a lendária Lélia Gonzalez.

Carlos Andreazza - Papai Noel de plantão

O Globo

Não sei como foi seu Natal. O dos irmãos Batista, Joesley e Wesley, foi ótimo. Em 19 de dezembro, a Aneel aprovou o negócio por meio do qual a Âmbar, dos donos da J&F, será a intermediária na aquisição de energia venezuelana para Roraima.

O Brasil poderia ter feito a operação sem a iniciativa privada. Era o que se imaginava em curso, até duas reportagens, da Folha e da piauí, informarem — em dezembro — o que o governo omitia ao menos desde março.

Ao menos desde março a Âmbar tratava da compra com uma empresa privada venezuelana (de identidade desconhecida). Desde março porque foi o mês em que a companhia comunicou ao governo o início da negociação. Não se sabe por que o governo tratou sigilosamente a participação dos Batistas no negócio.

Em maio, sem mencionar a empresa ou hipótese de intermediação, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciaria a pretensão de retomar a importação de energia da Venezuela. Lula e Maduro se reuniram e declararam a respeito. Em agosto, o presidente assinou decreto em que autorizava a compra. Em setembro, a Âmbar formalizou ao governo a sua proposta, aceita em outubro — e remetida à Aneel. Que a aprovou faz uma semana.

Marcello Averbug* - Falta ímpeto ao governo

O Globo

Nada de relevante foi anunciado em áreas essenciais como educação, saúde, meio ambiente, ciência e tecnologia

No momento em que Luiz Inácio Lula da Silva completa o primeiro ano de mandato, torna-se oportuno destacar a escassez de políticas públicas entusiasmantes anunciadas ao longo desse período. Embora seja inegável o nível satisfatório de inflação e compreensível o modesto crescimento da economia, falta ímpeto empreendedor ao governo.

Até agora, o único objetivo explicitado claramente por um ministro foi o déficit zero, mesmo assim sob contestação dentro do próprio PT. Apesar de ser cedo para avaliar o resultado desse objetivo, Fernando Haddad tem o mérito de haver proposto algo concreto.

No âmbito dos demais ministros, paira um marasmo enfadonho. Duas alternativas podem explicar esse fato: a) o governo vem trabalhando sem divulgar suas atividades; ou b) o governo encontra-se emaranhado numa rotina infrutífera. Se a primeira alternativa é verdadeira, então as autoridades federais vêm se omitindo em manter a população informada sobre o que realizam.

Pedro Cafardo - Maior profeta da economia errou muito sobre 2023

Valor Econômico

Algumas previsões equivocadas feitas por analistas do mercado financeiro chamaram atenção

Não há no Brasil o hábito de conferir o acerto de previsões feitas para o ano. E isso se justifica, porque o ideal é olhar para frente em matéria de economia. Mas, com 2023 ficando para trás, chamaram a atenção nos últimos meses algumas previsões equivocadas feitas por analistas do mercado financeiro.

Quando IBGE divulgou o Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre, por exemplo, foi uma surpresa. Os analistas esperavam em média expansão de 0,3%, mas o resultado veio muito melhor: crescimento de 0,9% na comparação com o primeiro trimestre, impulsionado principalmente pelas commodities industriais. Em relação ao mesmo trimestre do ano passado, a expansão foi de 3,4%, também bastante acima das expectativas do mercado, de 2,7%. Com o resultado, analistas passaram a prever um crescimento do PIB superior a 3% em 2023.

No terceiro trimestre, nova surpresa, embora menos significativa. Na véspera do anúncio oficial, o Valor havia ouvido 71 consultorias e instituições financeiras e a expectativa média era de uma queda de 0,2% no PIB. Mas o resultado veio melhor: 0,1% de crescimento em relação ao trimestre anterior. O que evitou um índice negativo foi a demanda, com o consumo das famílias crescendo 1,1%, algo não previsto pelos analistas.

Andrea Jubé - Lula quer mais ‘Guimarães Rosas’ em 24

Valor Econômico

“Vocês, jovens, gostam de ler livros?”, questionou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a uma plateia de estudantes do Instituto de Matemática Pura Aplicada (IMPA), no Rio de Janeiro. “É bom ler, sabe por quê? Porque se vocês ficarem só no português do Twitter [atual X], vai diminuir o vocabulário de vocês”, alertou em discurso no dia 6 de dezembro.

O IMPA organiza a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep). Lula defendeu que o Brasil forme mais profissionais nas áreas de matemática, engenharia e física. Mas reclamou que “até hoje se fala que a meninada do Brasil não é boa de redação, não consegue interpretar um texto”.

Desde a primeira edição do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), em 2000, o Brasil patina com notas bem abaixo da média da OCDE nas três áreas examinadas: Matemática, Português e Ciências.

Rubens Barbosa* - Integração física sul-americana

O Estado de S. Paulo

Corredores bioceânicos na América do Sul são resposta ao deslocamento do eixo mais dinâmico da economia mundial do Atlântico Norte para o Pacífico

Uma das principais prioridades da política externa do atual governo é a relação com a América do Sul. Políticas equivocadas ao longo dos últimos quatro anos resultaram no isolamento, perda de influência do Brasil na região e redução da participação de produtos brasileiros na pauta de exportação e de importação com os países vizinhos, agravada pela perda de competitividade e pela concorrência com produtos chineses.

Do governo Lula da Silva, esperam-se políticas que apoiem a integração regional, não só através do melhor funcionamento do Mercosul e do aproveitamento da Área de LivreComércio, criada na América do Sul com a rede de acordos comerciais negociados no âmbito da Associação LatinoAmericana de Integração (Aladi), mas também de iniciativas que promovam a integração física na região.

Joel Pinheiro da Fonseca - Por 2024 sem ilusões

Folha de S. Paulo

Coincidem a deterioração da hegemonia americana no mundo e a revolução tecnológica que dá mais poder aos indivíduos

À distância, no oceano, banhistas veem um navio cargueiro. Uma menina comenta que o navio parece estar vindo em direção à praia, mas o pai prontamente rejeita essa opinião; deve ser só impressão. Algumas horas depois, o navio já está bem mais próximo, mas o pai ainda segue dando garantias à família: alguém deve estar tomando conta disso, ninguém iria permitir esse desastre. Até que o navio, gigantesco, está a poucos metros da praia, vindo a toda a velocidade, e só resta à família correr em pânico numa fuga desesperada.

Essa cena, parte do segmento de abertura do filme "O Mundo Depois de Nós" da Netflix —um filme-catástrofe com subtexto político—, retrata bem o momento em que vivemos. O navio que se aproxima é 2024. O mundo assiste incrédulo às preparações para as eleições americanas. Poucos se permitem reconhecer o que é cada vez mais provável: Trump vai vencer e sua volta ao poder terá um impacto profundo tanto na democracia americana quanto na ordem mundial.

Dora Kramer - De pernas para o ar

Folha de S. Paulo

Cenário em SP confirma o dito de que a política se movimenta ao ritmo das nuvens

Não é mero chavão aquela história de que a política se movimenta ao ritmo das nuvens. É expressão da realidade: a gente olha, está de um jeito, e no minuto seguinte está de outro.

Assim ocorre no quadro pré-eleitoral em São Paulo, onde se desenhava disputa consolidada entre Guilherme Boulos (PSOL) e Ricardo Nunes (MDB). Agora não há mais certeza de nada.

Em matéria de eleição, nunca convém tomar como definitivos cenários antecipados. As pesquisas, que tampouco são oráculo de Delfos, ainda não registram alterações, mas a entrada de novos e significativos personagens em cena indica a possibilidade de reviravoltas.

Até outro dia o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) considerava inabalável seu apoio à reeleição do prefeito. Pois há uma semana sinalizou possível revisão do acordo. Não quer entrar em bola dividida.

Hélio Schwartsman - Epicuro na veia

Folha de S. Paulo

Lançamento de Política Nacional de Cuidados Paliativos é boa notícia, mas é preciso mudar a cultura

"A morte não é nada para nós, pois, quando existimos, não existe a morte, e, quando existe a morte, não existimos mais." A frase, de Epicuro, captura o que há de mais essencial sobre a morte. Seu corolário é que precisamos aproveitar a vida, buscando prazeres, cultivando amizades e tentando sempre agir de forma virtuosa. É preciso também evitar a dor e o sofrimento.

Nesse último item, o Brasil fracassa miseravelmente. No ranking de qualidade de morte da Universidade Duke, o Brasil ocupou, em 2022, a 79ª posição entre os 81 países estudados. O índice é bem ecumênico. O item que mais pesa é o controle da dor, mas também entram acesso a tratamentos, gentileza da equipe de saúde e até conforto espiritual para quem deseja. O Reino Unido, primeiro colocado na lista, obteve 93,1 pontos. O Brasil fez míseros 38,7, ficando à frente apenas do Líbano e do Paraguai.

Alvaro Costa e Silva - A cultura segundo Nikolas e Janones

Folha de S. Paulo

No país que não lê, deputados lançam livros que silenciam sobre seus problemas na Justiça

Pesquisa da Câmara Brasileira do Livro aponta que apenas 16% da população consome livros, e o principal motivo para motivar a compra é o preço. Na classe com maior poder aquisitivo, há quase um desprezo pela leitura: 66% não compraram nenhum livro nos últimos 12 meses. Mesmo assim, dois deputados, entre os mais influentes e midiáticos do país, resolveram publicar brochuras culturais neste fim de ano.

Nikolas Ferreira lançou "O Cristão e a Política: Descubra Como Vencer a Guerra Cultural". O autor, de acordo com a resenha de Anna Virginia Balloussier, investe contra o feminismo, o movimento LGBT e as universidades: "Sobra também para Paulo Freire, Karl Marx, Antonio Gramsci e a Escola de Frankfurt". Obrigado, mas eu passo.

Com enfado, li "Janonismo Cultural: O Uso das Redes Sociais e a Batalha Pela Democracia no Brasil". Ao longo de 172 páginas, André Janones faz de tudo para se colocar num pedestal de herói da pátria. Um herói dos tempos atuais: "Afinal, sei como as redes funcionam". Só faltou dizer que, se não fosse pelo seu desempenho digital, Lula teria fracassado nas eleições de 2022.

Poesia | Gato que brincas na rua - Fernando Pessoa com narração de Mundo dos Poemas

 

Música | Incompatibilidade de Gênios (João Bosco e Aldir Blanc) - Duda Maia e Orquestra Som do Nordeste