quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Merval Pereira: ‘Pombini’ de volta

- O Globo

A decisão do Banco Central de não subir os juros pode até mesmo ser sustentada tecnicamente, mas é inegável que o seu presidente, Alexandre Tombini, cometeu uma barbeiragem na condução do anúncio oficial, reavivando a desconfiança que fez o mercado apelidá-lo de “Pombini”, em referência à sua submissão à presidente Dilma.

Os “pombos” são mais condescendentes, enquanto os “falcões”, mais agressivos, estão sempre prontos a tomarem medidas radicais, se necessário. Tombini tornou-se “Pombini” nas mãos da presidente Dilma, durante o período em que ela resolveu levar os juros a taxas históricas mais baixas sem que houvesse condição para isso.

Em abril de 2013, a taxa Selic chegou à mínima histórica de 7,25%. A partir daí, a política voluntarista de queda dos juros teve que ser abandonada diante da realidade inflacionária, e a taxa voltou aos dois dígitos nas reuniões de novembro de 2013, no sexto aumento consecutivo, que depois continuaram até a taxa chegar aos 14,25% de hoje.

Tombini, na decisão de ontem, não quebrou apenas a tradição de membros do BC não se pronunciarem nos dias de reunião, para não dar margem a especulações, como deixou de lado abruptamente o objetivo de conter a inflação no teto da meta inflacionária neste ano, para depois trazê-la ao centro no ano seguinte.

Após uma audiência fora da agenda com a presidente Dilma, negada oficialmente, mas verdadeira para todas as versões brasilienses, o presidente do Banco Central aproveitou a revisão dos números do FMI para se pronunciar extemporaneamente sobre o documento, insinuando que os novos números teriam influência na direção oposta ao que havia sido sinalizado pelo Banco Central até aquele momento.

Não há dúvida de que os números ruins do FMI, piores do que o próprio mercado estava prevendo para este ano — queda de 3,5% do PIB —, poderiam justificar uma reanálise dos dados, mas não havia razão para que Tombini anunciasse isso ao mercado financeiro em meio à reunião que decidiria a trajetória dos juros.

Além do mais, a surpresa com que as autoridades monetárias brasileiras foram apanhadas indica que não havia segurança sobre os números que estavam usando para tomar decisões. O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, disse ontem em Davos que os números do FMI são só “projeções”, e que a economia brasileira pode voltar a crescer antes do que o FMI prevê, mas o fato é que “Pombini” os levou tão a sério que quebrou diversas regras para anunciar a mudança de rota.

A autonomia do Banco Central, considerada fundamental para dar credibilidade à política monetária de qualquer governo, já era vista pelo mercado financeiro como próxima do inexistente, e agora temos a prova concreta de que a presidente Dilma interfere como quer nas decisões do Banco Central, não encontrando resistência em “Pombini”.

Até mesmo as informações dando conta de que o Palácio do Planalto não gostara da nota de Tombini, pois ela poderia dar a entender que houvera interferência de Dilma na decisão, mostra que o presidente do Banco Central não está conseguindo nem mesmo fazer o jogo de cena necessário nesses casos.

Na ânsia de justificar uma mudança de estratégia, agora voltada mais para o nível da atividade econômica, Tombini revelou sua fraqueza diante da presidente, ainda mais porque, dias antes, na carta em que justificou o não atingimento da meta de inflação, o Banco Central reafirmara que sua missão estava focada em combater efeitos da alta da inflação.

Muitos economistas criticavam a tendência do BC de aumentar mais ainda os juros, alegando que a recessão da economia só seria piorada com a medida. Mas há outros economistas, como Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC, que acham que a recessão não é justificativa para não subir os juros. Ele considera que o país cometeu o mesmo erro em 2011, ao reduzir os juros para combater os efeitos da crise europeia, e acabou tendo uma recessão muito maior.

Jarbas de Holanda: Economia, Lava-Jato e a sobrevivência do lulismo podem forçar troca de governo

A trégua de longo recesso parlamentar, combinada com as dos festejos do Natal e de Ano Novo e, agora, com as da fase pré-carnavalesca, nada disso – nem mesmo as férias do juiz Sérgio Moro, terminadas esta semana – propiciou à presidente Dilma condições políticas ou administrativas para início, de fato, de seu segundo mandato. Atropelado, nas primeiras semanas de 2016, por indicadores econômicos e sociais cada vez mais negativos. Bem como por desdobramentos das investigações do petrolão e demais escândalos nos outros órgãos da máquina federal também aparelhados pelo lulopetismo. Que já chegaram ao novo chefe da Casa Civil, ou seja, ao núcleo do governo, e envolvem crescentemente o ex-presidente Lula. Investigações cujo bloqueio constitui prioridade conjunta de um e de outro. E entre cujas consequências poderá incluir-se a abertura de processo específico contra este, mesmo no cenário de manutenção do governo Dilma. Do qual, porém, refém que é das gravíssimas crises econômica e fiscal, ele dificilmente arrancará (sem efeitos ainda mais graves) a forte guinada populista que está defendendo, a fim de deter a erosão política e social do petismo. Assim, Lula tem à frente duas contrapostas opções. De um lado, a de sustentação do governo extremamente impopular de Dilma, que sabe ser importante como respaldo à sua luta contra as referidas investigações. De outro, a de terminar forçando-a a uma renúncia, com a aposta de que a retomada do antigo radicalismo oposicionista será indispensável para a recuperação de sua própria liderança política e a sobrevivência do PT. Opção que, a meu ver, ainda mantém como um plano B, enquanto reforça sua equipe de advogados sob crescentes ameaças da Lava-Jato.

Mas cabe reconhecer que Lula e o Palácio do Planalto lograram, a partir de dezembro, resultados significativos numa das frentes de reações à operação Lava-Jato – a do Congresso. A amplitude das investigações – que se estenderam do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, aos caciques peemedebistas do Senado, à frente Renan Calheiros, evidenciando o papel deles como principais cúmplices políticos do lulopetismo nos megaescândalos investigados – essa amplitude reforçou o apelo pluripartidário de Lula às lideranças da Casa para uma aliança contra o “inimigo comum”. Tal aliança não conta ainda nenhuma vitória expressiva contra a própria Lava-Jato, não tendo conseguido barrar a prisão do líder governista Delcídio Amaral, nem o andamento das investigações contra Renan, Fernando Collor, Jader Barbalho, Edson Lobão. Ela obteve, porém, um dividendo político de peso: a contenção das tendências oposicionistas do PMDB, pondo em xeque o presidente do partido, Michel Temer, cuja reeleição passa a depender de uma recomposição de relações com a presidente Dilma. Num contexto, interno, de abandono da proposta de afastamento do governo, retirada da pauta da convenção de março próximo. E, externo, de crescente associação da legenda aos megaescândalos de corrupção. Mudanças que levaram o presidente do PSDB, Aécio Neves, a vincular uma troca de governo à decisão final do TSE sobre a ação oposicionista contra a chapa Dilma/Temer no pleito presidência de 2014 (postura também assumida por Marina Silva, da Rede).

Tanto quanto, ou mais, que os desdobramentos da Lava-Jato são os problemas da economia e seus perversos e múltiplos efeitos sociais que deverão constituir condicionantes decisivas do cenário político-institucional, no semestre que começa – da continuidade ou de uma troca de governo. Tais problemas lamentavelmente apontam para mais um ano de forte recessão, com taxas inflacionárias e de desemprego chegando aos dois dígitos no primeiro semestre, com juros elevadíssimos, com exacerbação da carga tributária, com maior desconfiança dos investidores. E às quais se juntam projeções da extensão desses indicadores a 2017. O que nos remete a duas perguntas básicas. Eles terão de ser suportados até 2018 com respostas precárias e contraditórias, em face da incerteza e das tensões da viabilização de uma alternativa rápida? Ou se imporá a busca dessa alternativa – por meio de um impeachment, da cassação ou de renúncia da presidente –, pois bem mais custoso que tais tensões será a persistência do deplorável quadro atual e da falta de perspectivas consistentes de superação dele? Este será o dilema/desafio a ser enfrentado nos próximos meses pelas forças econômicas, políticas e sociais do país.

José Roberto de Toledo: Pobres prefeitos pobres

- O Estado de S. Paulo

A pergunta a seguir se refere a São Paulo, mas o exercício para respondê-la vale em grande parte das metrópoles brasileiras. Um prefeito com 55% de avaliação ruim ou péssima a 10 meses da eleição pode se reeleger? Só se não houver oponente. Isto é: se o eleitor vier a achar que os concorrentes são ainda piores. Toda eleição é uma comparação. Mas as últimas têm sido, quase sempre, a busca do mal menor. Votar para não perder.

Uma década passou e milhões de votos foram digitados na urna desde a última vez que a maioria dos brasileiros votou por convicção e com entusiasmo em um candidato. Dilma Rousseff foi reeleita muito mais pelo medo de que Aécio Neves viesse a fazer o que ela está fazendo do que por esperança do eleitor. Há muito que o descrédito superou a confiança, e o ceticismo dominou o discurso político de quem não milita de lado nenhum.

É fácil culpar os políticos profissionais e a falta de lideranças carismáticas - como se ambos surgissem do nada. Cada vez mais a disputa eleitoral gira em torno da economia e da capacidade de consumo de um eleitorado pragmático - às vezes tão pragmático que esbarra no cinismo. "O que eu ganho com isso?" é a pergunta fundamental por trás da decisão do voto. "Eu" é a palavra mais importante da frase, logo à frente de "ganho".

Não cabe aqui julgar os méritos desse tipo de raciocínio, apenas constatá-lo. Afinal, foi assim que o eleitor foi treinado: vote em mim e tenha uma recompensa imediata: mais comida, mais eletrodomésticos, mais carros, mais viagens. Para quem foi privado durante a maior parte da sua vida do básico e das maravilhas propagandeadas na TV, não importa se essa recompensa tem um preço que o próprio eleitor vai pagar mais à frente.

Assim, o voto passou a ser encarado como um empréstimo que não é preciso honrar. Como se a ação política não tivesse custos nem consequência, como se o Estado fosse apenas uma grande provedor.

A fatura chegou, não há dinheiro para liquidá-la nem crédito para rolá-la. O carro fica estacionado porque a gasolina está cara, o ar-condicionado fica desligado porque é melhor passar calor do que levar um choque na hora de pagar a luz, e aquele apartamento meio pago tem que ser devolvido porque os juros cresceram mais que o salário - se é que ainda existe salário.

Não é à toa que o eleitor está cético. Ele vai ter que pagar a conta, mas não está disposto a levar a culpa. Quem vai levar?

Os prefeitos são fortes candidatos porque são os primeiros que serão avaliados nas urnas. Não importa se estão tentando acomodar nas ruas engarrafadas de suas cidades a multidão de carros produzida pelo crédito fácil e por uma indústria subsidiada pelo governo federal. Junto com o carro vendeu-se ao eleitor um status diferenciado. Como convencê-lo a abrir mão de ser condutor para voltar a ser passageiro? A preferir o metrô e o trem que os governos estaduais demoram tanto para melhorar?

Pobres prefeitos pobres - porque a queda da atividade econômica, de quebra, estrangula a arrecadação das prefeituras. É a festa da oposição? Depende da oposição, mais do que dos prefeitos.

Tome-se São Paulo como exemplo. Fernando Haddad (PT) tem pouco mais de 10% das intenções de voto e 13% de ótimo e bom. Parece inelegível. Porém, a eleição não se decidirá em um turno só. Desde 1992 que o segundo turno sempre é necessário nas eleições paulistanas. Celso Russomanno (PRB) está disparado. Se não dissolver como em 2012, é favorito para ir ao segundo turno.

Logo, Haddad não precisa correr mais do que o leão (Russomanno), basta ficar à frente dos outros turistas: Marta Suplicy (PMDB) e o desconhecido candidato do PSDB, seja ele quem for. Se chegar ao turno final, aí a escolha volta a ser pelo mal menor. Logo, Haddad pode até ganhar. Resta saber se ele quer.

César Felício: Alckmin e suas pontes para o futuro

• Enfraquecimento do PT aumenta a competição no PSDB

- Valor Econômico

Com a perspectiva de interrupção do mandato presidencial em baixa, volta a se acelerar a disputa pela hegemonia dentro da oposição. Como já se tornou um hábito dentro do PSDB, o partido não consegue terminar uma eleição presidencial deixando estabelecidos procedimentos para competições internas.

Aécio Neves é o presidente da sigla e sua ascendência dentro da bancada do partido no Senado e na Câmara é incontestável. Também interessado em concorrer à Presidência em 2018, o governador paulista Geraldo Alckmin já avisou que quer regras que retirem da cúpula da sigla o poder de definir o candidato presidencial.

A realização de prévias partidárias para a escolha do candidato tucano à Prefeitura de São Paulo sinaliza para o modelo que Alckmin gostaria de ver implantado em nível nacional.

Será difícil concretiza-lo. Quadros partidários fragmentados como o brasileiro não favorecem a realização de primárias e um dirigente de agremiação com pretensões eleitorais tende a se comportar de modo cartorial. É o dono da ata, o rei do pedaço. Alckmin entra em uma competição interna com Aécio em clara desvantagem.

O governador paulista conta com um instrumento de dissuasão: está facultada para detentores de cargos eletivos no Executivo a troca de partido para disputar uma eleição até seis meses antes do pleito.

Alckmin estabeleceu pontes no PSB, no DEM e no PPS e está disposto a usá-las, caso se sinta atropelado dentro da sigla no processo de escolha do candidato presidencial em 2018 e sem espaço para diálogo. É uma manobra de alto risco, que, levada às últimas consequências, poderia provocar uma pulverização da eleição presidencial em 2018.

A entrada simultânea de Aécio e Alckmin no quadro eleitoral, ao lado de Marina Silva, Ciro Gomes e Jair Bolsonaro iria diluir o antipetismo e estimular a entrada em cena de outros atores, como o senador José Serra. Trata-se de uma aposta que só fará sentido caso o PT, leia-se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, se reduza ainda mais como força eleitoral em razão do vendaval da depressão econômica e da Operação Lava-Jato.

De todas as pontes existentes para que Alckmin contorne Aécio, a mais óbvia é a do PSB, partido de seu vice, Márcio França, que conta com três governadores, 34 deputados estaduais e nenhum nome que seja potencialmente um presidenciável. Daria a Alckmin um verniz de esquerda e ao PSB um projeto de poder, realizando o casamento entre a mão e a luva.

O governador paulista gosta de lembrar que é o filiado número 7 do PSDB, mas o fato é que sempre demarcou uma distância entre si e a legenda. Todas as vezes, e foram muitas, em que Alckmin mencionou a necessidade do PSDB "amassar barro", ou seja, se tornar um partido mais permeável às bases, estava de forma sutil pontuando o caráter elitista da sigla, desde seu ponto de vista.

A eleição presidencial de 2006 deixou cicatrizes dentro do partido. Alckmin na ocasião prevaleceu como candidato sobre a vontade do triunvirato que mandava no PSDB, formado por Tasso Jereissati, Fernando Henrique e o próprio Aécio. O trio havia decidido em um almoço no bairro de Higienópolis que o candidato a presidente seria Serra. Alckmin não se conformou e ameaçou levar a disputa a uma convenção. Ao perceber que não unia o partido, Serra desistiu.

O governador paulista construiu uma narrativa de que é um político de raiz popular, um ex-prefeito de Pindamonhangaba que ganhou três eleições para o governo estadual, convivendo em um meio aristocrático. A ele convém esta distância. Não apenas suaviza sua imagem conservadora, mas o dissocia de um dos pontos fracos tucanos. De quebra, faz com que se duvide se a possibilidade de um movimento ousado como esse seria apenas um blefe.

Não há precedentes, em sua escala de grandeza, para a depredação sofrida pela Petrobras nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Não se levando em conta a proporcionalidade dos escândalos, contudo, há pouco sabor de novidade nas histórias decorrentes das malfeitorias da Operação Lava-Jato. O protagonismo recente na mídia do ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos Pedro Paulo Leoni Ramos reforça a sensação de que o que foi é o que será. Nada de novo debaixo do sol.

Suspeitas e evidências de corrupção na principal estatal do país são parte do noticiário corrente desde a redemocratização. Concentram-se em um eixo: compra e aluguel de plataformas e navios-sonda; venda de derivados de petróleo e operações financeiras da empresa. Essencialmente o mesmo cardápio atual.
O primeiro escândalo de alto impacto midiático envolvendo a Petrobras teve como foco a BR Distribuidora, em 1988, à época dirigida pelo general Alberico Barroso Alves. Um grupo de funcionários da distribuidora estaria extorquindo pequenos e médios bancos para manter nessas instituições o desconto de duplicatas da subsidiária, em troca do pagamento de comissões.

Na reta final do governo de José Sarney, veio à tona outro caso: o suposto superfaturamento no aluguel de sondas e de plataformas de exploração, em uma operação com dispensa de concorrência e sem o aval do setor jurídico da estatal, em março de 1989.

Estrela de primeira grandeza do atual escândalo, Fernando Collor viveu em seu governo dois casos que abalaram a Petrobras, protagonizados pelos seus dois principais operadores, que montaram esquemas se não concorrentes ou complementares, pelo menos paralelos. O de Pedro Paulo; o PP, e o de Paulo César Farias, o PC. O último apareceu pela primeira vez no noticiário ao ser acusado de pressionar a Petrobras para vender petróleo fiado para a Vasp. O segundo montou um esquema de tráfico de influência cooptando funcionários. Sua demissão do governo marcou a última reforma ministerial de Collor e antecedeu apenas em algumas semanas a descida do então presidente para seu colapso político.

Rogério Gentile: Arroubo retórico

- Folha de S. Paulo

Advogados de acusados pela Operação Lava Jato iniciaram uma guerra política a fim de tentar compensar as dificuldades jurídicas ocasionadas pelas delações contra os seus clientes.

Repetindo a estratégia malsucedida da época do mensalão (quando o alvo era Joaquim Barbosa), divulgaram uma carta acusando os investigadores e o juiz Sergio Moro de promoverem uma espécie de "inquisição" –"em que já se sabe, antes mesmo de começarem os processos, qual será o seu resultado".

O exagero argumentativo dos advogados, no entanto, diz mais sobre a debilidade de suas causas do que o próprio insucesso, até aqui, ao menos, da maioria dos recursos impetrados nos tribunais superiores.

O advogado Técio Lins e Silva, que defende um ex-diretor da Odebrecht, chegou a dizer que a Operação Lava Jato é pior do que a ditadura militar. "Estou falando de uma arbitrariedade como nunca se viu no Brasil", afirmou àFolha.

Para contrapô-lo, contudo, basta relembrar o que disse anos atrás sobre a ditadura militar o próprio Técio Lins e Silva, que advogou para presos políticos e conseguiu, literalmente, salvar a vida de vários deles.

"O AI-5 proibiu o habeas corpus para crime político. Você era preso e não podia mais recorrer."; "A lei permitia ao policial decretar a prisão por trinta dias e a incomunicabilidade por dez."; "O preso sumia, era difícil localizá-lo. Muitos nunca mais foram achados."; "Vários clientes ficavam presos encapuzados."; "Ela ficou tantas horas no pau de arara que teve uma ruptura no nervo ciático poplíteo externo, que é o que faz o pé dar sustentação ao corpo."

É possível que a Lava Jato tenha cometido ilegalidades –cabe à própria Justiça analisá-las.

De qualquer modo, ainda que isso seja verdade, a comparação com a ditadura é descabida e grosseira. Mais do que um trivial abuso retórico de advogado, o que houve foi um desrespeito às vítimas do regime militar.

‘Não tem uma viva alma mais honesta do que eu’, afirma Lula

• Ex-presidente, que já depôs na Operação Lava Jato, afirmou em conversa com blogueiros nesta quarta, 20, que 'o governo criou mecanismos para que nada fosse jogado embaixo do tapete nesse País'

Por Julia Affonso, Fausto Macedo e Ricardo Brandt

Em café da manhã com blogueiros na manhã desta quarta-feira, 20, no Instituto Lula, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que ‘não tem uma viva alma mais honesta’ do que ele. O petista começou a responder perguntas a partir das 10h. Na primeira resposta, Lula falou sobre investigação de corrupção.

“Se tem uma coisa que eu me orgulho, neste País, é que não tem uma viva alma mais honesta do que eu. Nem dentro da Polícia Federal, nem dentro do Ministério Público, nem dentro da igreja católica, nem dentro da igreja evangélica. Pode ter igual, mas eu duvido”, disse.

Oficialmente, Lula não é alvo da Operação Lava Jato, a maior investigação contra a corrupção já realizada no País e que pegou antigos aliados seus, quadros históricos do PT, como José Dirceu, ex-ministro chefe da Casa Civil, e João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do partido – ambos estão presos em Curitiba, base da missão Lava Jato.

Lula já depôs na Polícia Federal na condição de ‘informante’. “Não existe nenhuma ação penal contra mim, o próprio (Sérgio) Moro (que conduz as ações da Lava Jato na 1ª instância) disse que eu não sou investigado”, afirmou. “Em respeito ao depoimento que eu fiz na Polícia Federal e no Ministério Público, não acho que existe nenhuma possibilidade de ação penal, a não ser que seja uma violência contra tudo o que existe neste País.”

Disse ainda. “Estou muito tranquilo”

O petista disse que ‘o governo criou mecanismos para que nada fosse jogado embaixo do tapete nesse País’. Para Lula, a presidente Dilma Roussef um dia será enaltecida, pelo que ela criou condições para permitir que ‘neste país todos saibam que têm que andar na linha’. Segundo o ex-presidente, isto vale do ‘mais humilde ao mais alto escalão brasileiro’.

Afirmou. “A apuração de corrupção é um bem desse país.”

“Já ouvi que delação premiada tem que ter o nome do Lula, senão não adianta”, declarou. “Duvido que tenha um promotor, delegado, empresário que tenha a coragem de afirmar que eu me envolvi em algo ilícito.”

O ex-presidente afirmou que ‘tem uma tese que o Lula faz jogo de influência’. “As pessoas deveriam me agradecer. O papel de qualquer presidente é vender os serviços do seu País. Essa é a coisa mais normal em um país”, disse. “Como se o papel de um presidente fosse ser vaca de presépio.”

‘Nas delações, o grande prêmio é falar o nome do Lula’

• Ex-presidente diz que Lava-Jato quer chegar até ele, mas afirma que não teme a operação porque não conhece ‘viva alma mais honesta’; petista defende Dirceu e Vaccari

Jaqueline Falcão, Stella Borges - O Globo

SÃO PAULO - Em entrevista a blogueiros, ex-presidente Lula disse que não teme a Lava-Jato. Ele pediu solidariedade a Dirceu e Vaccari, petistas presos. Oex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que está “tranquilo” quanto às denúncias no âmbito da Operação Lava-Jato, e afirmou que “não tem neste país uma viva alma mais honesta” do que ele. Em encontro com blogueiros no Instituto Lula, em São Paulo, o expresidente afirmou que as delações só valem se citarem seu nome:

— Eu já ouvi dizer que nas perguntas, nas delações, o grande prêmio é falar o nome do Lula.

Lula também saiu em defesa dos companheiros de partido presos no esquema de corrupção na Petrobras e afirmou que o PT vai “ressurgir das cinzas mais forte”.

— Tenho endereço fixo, todo mundo conhece minha cara. Se tem uma coisa que me orgulho é que não tem, neste país, uma viva alma mais honesta do que eu (sic). Nem dentro da PF, do MP, nem dentro da Igreja Católica, nem da igreja evangélica e do sindicato. Pode ter igual, mas eu duvido — disse o ex-presidente.

Lula ainda defendeu o extesoureiro do PT João Vaccari Neto e o ex-ministro José Dirceu, presos na Lava-Jato e pediu “solidariedade” aos companheiros de partido.

— Você acha justo o Vaccari estar preso sem ter sido julgado? O Zé Dirceu já estava condenado e agora está lá fazendo o quê? Não é porque o companheiro da gente cometeu um erro que temos que execrar ele. Espero que sejam julgados com lisura e isenção — disse.

O ex-presidente afirmou ainda que a partir de agora vai passar a processar jornalistas “para ver se retomamos a dignidade profissional da categoria”. Durante o encontro, lembrou ação que move contra jornalistas do GLOBO. No mês passado, a Justiça do Rio negou pedido de indenização por danos morais feito por Lula.

O ex-presidente admitiu também que o PT cometeu práticas que sempre condenou, mas disse que a sigla tem reconhecido seus erros e que “todos os partidos receberam dinheiro da mesma fonte”.

— Os empresários dão dinheiro para todos os partidos. Ninguém vai na favela pedir dinheiro. Agora, tentar passar a ideia de que propina só o PT? É como se o PT fosse imbecil. Os outros só iam no honesto e o PT só ia no errado? — indagou Lula.

O petista ainda disse que estará atuante nas eleições municipais de 2016, destacando que o partido “não está acabado”, e não descartou uma possível candidatura à Presidência da República em 2018.

Sobre a política econômica do país, Lula afirmou que a presidente Dilma Rousseff tem que ter como “obsessão” a retomada do crescimento, o controle da inflação e a geração de emprego. Para o expresidente, o governo também terá que anunciar mudanças que justifiquem a troca de Joaquim Levy por Nelson Barbosa no comando do Ministério da Fazenda.

— Em algum momento se acreditou que fazendo um discurso para o mercado ia melhorar, não conseguimos ganhar uma pessoa do mercado. Nem o Levy, que era representante do mercado, ganhou. E perdemos a nossa gente. A Dilma tem um desafio, agora. Em algum momento neste mês vão ter que anunciar alguma coisa, até para explicar por que o Levy saiu, o que vai mudar.

Em Davos, o ministro Nelson Barbosa reconheceu que o ex-presidente é uma liderança importante para o governo, mas ressaltou que um plano de reequilíbrio da economia e recuperação do crescimento já foi traçado.

O asceta de Garanhuns – Editorial / O Estado de S. Paulo

“Se tem uma coisa que eu me orgulho, neste país, é que não tem uma viva alma mais honesta do que eu. Nem dentro da Polícia Federal, nem dentro do Ministério Público, nem dentro da Igreja Católica, nem dentro da Igreja Evangélica. Pode ter igual, mas mais do que eu, duvido.” Lula continua achando que o brasileiro é idiota. Reuniu ontem blogueiros amigos para um café da manhã em seu instituto e, a pretexto de anunciar que vai participar “ativamente” do próximo pleito municipal, aderiu pessoalmente – já o havia feito por intermédio de seu pau-mandado Rui Falcão – à campanha promovida por prósperos advogados e seus clientes, apavorados empresários e figurões da política, para desmoralizar a Operação Lava Jato, que procura acabar com a impunidade de poderosos corruptos.

Lula conseguiu escapar penalmente ileso do escândalo do mensalão e, por enquanto, não está oficialmente envolvido nas investigações sobre o assalto generalizado aos cofres públicos. Os dois casos juntam-se numa sequência das ações criminosas que levaram dinheiro sujo para os cofres do PT e aliados e “guerreiros” petistas como José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares para a cadeia.

O que é inacreditável é que, como presidente da República e dono do PT, Lula não tivesse conhecimento do mensalão e do petrolão que desfilavam sob seu nariz. Assim, é notável o atrevimento – talvez mais estimulado pelo desespero do que por sua índole de ilusionista – com que o personagem, que ficou rico na política, se apresenta como monopolista das mais prístinas virtudes.

Só mesmo alguém empolgado pelo som da própria voz e pelas reações da plateia amiga cairia no ridículo de se colocar como referência máxima e insuperável em matéria de honestidade. “Pode ter igual, mas mais do que eu, duvido.”

Apesar de inebriado com as próprias virtudes, Lula encontrou espaço para a modéstia – infelizmente de braços dados com a mendacidade, que alguns chamam de exagero retórico – ao se referir ao combate à corrupção. Fez questão de dar crédito a sua sucessora, deixando no ar a pergunta sobre a razão pela qual os petistas esperaram oito anos, até que o chefão deixasse a Presidência, para se preocuparem com os corruptos: “O governo criou mecanismos para que nada fosse jogado embaixo do tapete nesse país. A presidente Dilma ainda será enaltecida pelas condições criadas para punir quem não andar na linha nesse país”. E arrematou, falando sério: “A apuração da corrupção é um bem nesse país”.

Lula não se conforma, no entanto, com a mania que os policiais e procuradores têm de o perseguirem, obstinados pela absurda ideia fixa de que ele tem alguma coisa a ver com a corrupção que anda solta por aí: “Já ouvi que delação premiada tem que ter o nome do Lula, senão não adianta”. Ou seja, os homens da Lava Jato ou da Zelotes não vão sossegar enquanto não obrigarem alguém a apontar o dedo para o impoluto Lula. Mas, confiante, o chefão do PT garante que não tem o que temer: “Duvido que tenha um promotor, delegado, empresário que tenha coragem de afirmar que eu me envolvi em algo ilícito”.

Lula falou também sobre a fase mais financeiramente próspera de sua carreira política, quando, depois de ter deixado o governo, na condição de ex-presidente faturou alto com palestras aqui e no exterior patrocinadas por grandes empresas. Explicou que é comum ex-chefes de governo serem contratados para transmitir suas experiências ao mundo. Quanto a palestrar no exterior para levantar a bola de empreiteiras que para isso lhe pagam regiamente, Lula tem a explicação que só os mal-intencionados se recusam a aceitar: “As pessoas deveriam me agradecer. O papel de qualquer presidente é vender os serviços do seu país. Essa é a coisa mais normal em um país”.

De fato, é muito louvável que um ex-presidente da República se valha de seu prestígio para “vender” os serviços e produtos de grandes empresas brasileiras aptas a competir no mercado internacional. Resta definir quando essa benemerência se transforma em tráfico de influência.

“Nesse país”, porém, qualquer um que manifeste dúvidas em relação à absoluta integridade moral do asceta de Garanhuns é insano ou mal-intencionado.

Fernando Pessoa: Ah, a frescura na Face de não cumprir um dever!

Ah, já está tudo lido,
Mesmo o que falta ler!
Sonho, e ao meu ouvido
Que música vem ter?

Se escuto, nenhuma.
Se não ouço ao luar
Uma voz que é bruma
Entra em meu sonhar

E esta é a voz que canta
Se não sei ouvir...
Tudo em mim se encanta
E esquece sentir.

O que a voz canta
Para sempre agora
Na alma me fica
Se a alma me ignora.

Sinto, quero, sei que
Só há ter perdido -
E o eco de onde sonhei-me
Esquece do meu ouvido.

Teresa Cristina - O Sol Nascerá