terça-feira, 11 de outubro de 2022

Merval Pereira - Minando a democracia

O Globo

Proposta de Bolsonaro de aumentar o número de juízes do STF é apenas chantagem política

Se fosse necessária alguma outra demonstração de que a proposta de alteração da composição do Supremo Tribunal Federal (STF) tem o objetivo de controlar as decisões da mais alta Corte jurídica do país, a afirmação do líder do governo, deputado Ricardo Barros, de que seria uma reação à ação ativista do STF, que precisaria “ser enquadrado”, é a confissão de culpa que faltava.

Governos de diversos matizes já usaram essa tática para controlar o Supremo, desde os militares depois do golpe de 64 até governos de esquerda e de direita na América Latina. Nos Estados Unidos, a maior democracia ocidental, em diversas ocasiões houve tentativa de aumentar o número de integrantes da Suprema Corte, tanto para manter medidas consideradas progressistas quanto para conseguir uma maioria conservadora que alterasse decisões.

Entre nós, no regime militar, por meio do Ato Institucional nº 2, de 1965, o presidente Castello Branco aumentou de 11 para 16 o número de ministros do STF, para controlar a maioria, considerada de esquerda pelos militares. Com o AI-5, três juízes foram aposentados — Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Victor Nunes Leal —, e dois renunciaram em protesto: ministros Antônio Gonçalves de Oliveira, presidente do tribunal, e Antônio Carlos Lafayette de Andrada.

Podendo nomear cinco novos ministros, Costa e Silva restabeleceu a composição da Corte com 11 ministros, número vigente até hoje. O presidente Jair Bolsonaro já defendeu o aumento de cadeiras do Supremo de 11 para 21, alegando que a atual composição da Corte é muito esquerdista, tema que retomou agora como mote de campanha. Na América Latina, vários países governados por esquerdistas ou direitistas alteraram a composição da Corte para controlar as decisões e manter uma aparência de normalidade democrática.

Carlos Andreazza - O que é o bolsolão?

O Globo

Bolsolão é como poderia — deveria mesmo — ser chamado o orçamento secreto. Talvez secretão. Não será tarde. Bolsolão: o nome popular do esquema secretão de corrupção — de controle autoritário do poder no Parlamento e de compra de votos, na ponta, em período eleitoral — que produz obras de péssima qualidade, quando entregues, e roubo de dinheiros públicos.

Falo de bilhões. Cuspidos, via laranjas, sem fiscalização, para o ralo de municípios e para o bolso de ratinhos e ratões. Em prol do desequilíbrio da disputa eleitoral e, mais amplamente, da corrosão da própria estrutura republicana.

Não. A mamata não acabou. Orçamento secreto, artifício clandestino, é bolsolão; e é corrupção.

Um ciclo perfeito, que sofisticou a natureza patrimonialista do assalto ao Estado e ungiu senhores feudais em plena República. A barbárie começa no Congresso. Para seduzir votos numa localidade, o parlamentar, um donatário, tem de se manter fiel aos comandos dos donos do Parlamento. E então o dinheiro sai; a erguer propaganda na capitania e cultivar ricos. Um mecanismo que gera concentração de poder, distribui a reeleição de escolhidos e faz ascender novas empreiteiras.

Edu Lyra - Candidatos têm de discutir combate à pobreza

O Globo

A população precisa saber com urgência o que será feito, concretamente, para que sua vida melhore

O Brasil vive uma das eleições mais tensas e polarizadas da sua História. Para quem duvida, basta assistir a um trecho qualquer dos últimos debates presidenciais. Debates são oportunidades preciosas para a sociedade discutir os rumos do país. É o momento em que o eleitor médio, mesmo aquele meio avesso à política, sintoniza sua TV para escutar o que cada candidato tem a dizer.

No primeiro turno, tal oportunidade foi perdida. O debate de propostas deu lugar a uma sequência de ataques, ao clima de tumulto e a jogos de cena elaborados mais para gerar memes na internet do que para ajudar o eleitor a formar sua opinião. Ocorre que o Brasil atravessa a crise social mais grave das últimas décadas, e a população precisa desesperadamente saber o que será feito, concretamente, para que sua vida melhore.

Logo, esta coluna é uma espécie de presente aos dois presidenciáveis: uma lista de perguntas decisivas para o futuro do Brasil, que gostaríamos de ver respondidas nos próximos debates, em vez de uma repetição das acusações e ofensas pessoais.

Míriam Leitão - Joio bolsonarista dominou o trigo

O Globo

O agronegócio está dominado pelos defensores da pauta de destruição ambiental. Os que defendem o meio ambiente não se separam do joio

Já não há mais trigo no campo. Se houver algum remanescente, é tão pouco e raro, tão sem voz, que o agronegócio se faz ouvir apenas pelos representantes do joio. Pesquisadores da Embrapa que estão vendo os riscos ambientais e climáticos não têm espaço para seus estudos. Empresários do ramo que apostavam numa atualização das práticas da agropecuária brasileira sempre foram minoritários, mas agora estão perdendo espaço. As grandes indústrias do setor proclamam serem ESG, mas fazem vistas grossas para o rolo compressor da bancada ruralista.

Esse é o caminho da derrota. Em todos os sentidos. Falemos de negócios. Um economista que acompanha com lupa o que acontece nesse setor sustenta que, se os compradores decidirem boicotar o Brasil, em poucos anos conseguem viabilizar concorrentes e redirecionar suas compras.

Luiz Carlos Azedo - O "iliberalismo" não erradica a pobreza

Correio Braziliense

A exclusão social gerou conflitos que foram resolvidos ora com políticas públicas, ora com a força bruta

Na coluna de domingo, intitulada Vamos falar de exclusão estrutural, falamos da exclusão de maioria da população dos benefícios de uma sociedade moderna e democrática e da velha segregação social que herdamos da ordem escravocrata, que não se restringe ao racismo estrutural, mas atinge a população mais pobre de um modo geral. Esse é um diagnóstico quase pacífico, mas as divergências a partir de perspectivas políticas diferentes para enfrentar o problema, como são as alternativas social-democrata e "iliberal", polarizam o debate eleitoral que estamos vivendo neste momento.

O debate ocorre de uma forma que exclui alternativas intermediárias, como as social-liberal ou neoliberal, que corresponderiam às propostas dos candidatos derrotados no primeiro turno. Em busca de apoio na classe média e no empresariado, o petista Luiz Inácio Lula da Silva é o que mais se aproxima da alternativa social-liberal, marcadamente sinalizada pelo apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e dos economistas do Plano Real Pedro Malan, Pérsio Arida, Edmar Bacha e Armínio Fraga. Jair Bolsonaro (PL), em recente entrevista, buscou apoio nos meios empresariais e na classe média defendendo a proposta de Estado mínimo, o modelo neoliberal.

Andrea Jubé - Lula guarda nomes e Bolsonaro repete o time

Valor Econômico

PL quer Tereza Cristina na sigla e no comando do Senado

Líder resiliente das pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não está disposto a ceder à pressão para antecipar nomes e um detalhamento de seus planos para a gestão da economia antes do resultado das urnas no segundo turno.

O clima é de apreensão com o futuro da economia entre setores do empresariado e do mercado financeiro porque o cenário que se avizinha é de imenso rombo fiscal, num contexto externo de desaceleração das economias americana e europeia.

Especialistas preveem impacto orçamentário estimado para 2023, relativo às principais promessas de ambos os presidenciáveis, de dezenas de bilhões de reais. Some-se a este cenário que a PEC do Calote limitou a R$ 40 bilhões o pagamento das dívidas judiciais neste ano, jogando para os próximos anos um remanescente de R$ 49 bilhões relativo a 2022.

Pedro Cafardo - Estranhar o familiar e familiarizar o estranho

Valor Econômico

Fugir de estereótipos, uma sugestão que vale tanto para a educação quanto para outras áreas, como a economia

Como os jornalistas poderiam cobrir melhor a educação na Amazônia? A professora Katia Schweickardt, da Universidade Federal do Amazonas, responde: “Tornando familiar o que é estranho e estranhando o que é familiar”.

O diálogo se deu em recente Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, promovido pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca). Katia dizia que, para garantir a sobrevivência do bioma amazônico, será preciso assegurar educação de qualidade e adaptada à realidade local.

Tornar familiar o que é estranho significa se desfazer de estereótipos sobre a Amazônia e aceitar um ensino que abranja também a cultura local, o que parece pouco relevante aos formuladores de diretrizes educacionais dominantes do Sudeste.

Cristina Serra - Lula, o mercado e a Folha

Folha de S. Paulo

É hora de reconhecer as credenciais democráticas do ex-presidente

O mercado fez o possível para emplacar um candidato de terceira via. Queria alguém limpinho, que saiba usar os talheres, para aprofundar a pauta ultraliberal de Paulo Guedes, dono de uma fortuna offshore, que caiu em conveniente esquecimento nas páginas da imprensa.

Como não deu certo, agora, em tom de ultimato, o mercado tenta impor sua própria lógica e agenda a Lula, atropelando dinâmicas inerentes à política, num momento em que o candidato busca ampliar ainda mais sua base de sustentação. Não só para se eleger, mas para conseguir governar o país fraturado que sairá das urnas, na hipótese de ser o vencedor.

É lamentável que este jornal assuma papel de porta-voz da insensatez, ao cobrar de Lula o reconhecimento de que "a agenda liberal dos últimos anos trouxe avanços duradouros" e ao exigir que o candidato indique quem será seu ministro da Economia.

Alvaro Costa e Silva – Ditador de republiqueta

Folha de S. Paulo

Captura do STF iguala Brasil à Venezuela e Nicarágua

Uma das maiores conquistas de Bolsonaro é ter ainda quem acredite ou finja acreditar que poderá haver moderação caso ele seja reeleito. Desde 2018 não existe essa possibilidade. Não há compostura possível para quem tem por objetivo tornar-se um ditador de republiqueta à maneira de Maduro, na Venezuela, ou Ortega, na Nicarágua.

Logo após o primeiro turno, ele chamou Tebet de "estepe" e Soraya de "trambique". Deu para ouvir as gargalhadas nos grupos de zap. Não satisfeito, associou o Nordeste ao analfabetismo, pegando carona na corrente de ódio e ofensa contra nordestinos disparada nas redes por seus apoiadores: "imbecis", "jumentos". O repertório presidencial é farto; quando se cansa da xenofobia, parte para o racismo, a misoginia ou a aporofobia, e assim vai monopolizando as atenções.

Joel Pinheiro da Fonseca - Bolsonaro pode transformar o Brasil numa Venezuela

Folha de S. Paulo

O apoio do PT a ditaduras é condenável, mas nunca se traduziu em tentativas de replicá-las

Muitos, com razão, ficam apreensivos ao ver Lula apoiar ditaduras de esquerda. Esse suposto apoio é às vezes aumentado pela propaganda de direita. Mesmo assim, há uma evidente condescendência quando o regime é de esquerda: Cuba, Venezuela, Nicarágua. A política de cooperação econômica nos anos PT tinha a mesma benevolência.

Por pior que seja a condescendência petista com ditaduras de esquerda, contudo, é preciso reconhecer: não houve, nos treze anos de governo PT, tentativa de replicar aqui o que foi feito em Cuba, Venezuela ou Nicarágua.

Eliane Cantanhêde - Janones e Nikolas, os fundamentais

O Estado de S. Paulo

Economia? Políticas públicas? Não, só ataques, desconstrução e fake news

Como estava escrito nas estrelas e na história das eleições, os dois candidatos a presidente no segundo turno partiram para a ignorância, ou melhor, para o vale-tudo, ataques e fake news sem pudor. Não eles, diretamente, mas seus assessores, aliados e massas de manobra, principalmente, na internet.

É aí que a guerra sai dos comitês de campanha e põe na linha de frente dois personagens: André Janones, da tropa do ex-presidente Lula, que foi reeleito deputado em Minas, e Nikolas Ferreira, o “Janones do presidente Jair Bolsonaro”, deputado mais votado do País, com 1,5 milhão de votos. Os dois são de Minas, segundo maior colégio eleitoral, que se orgulha de que nenhum presidente se elegeu sem vencer no Estado.

Pedro Fernando Nery - Lula mais radical

O Estado de S. Paulo

A ciência revela que a desigualdade é um veneno para o próprio crescimento da economia

Lula precisa ser mais radical. Não menos.

Não me refiro à revogação da reforma trabalhista (que ameaçaria o bom momento do mercado de trabalho, com recordes sucessivos de emprego – inclusive, formal). Nem ao desfazimento total do teto (que incentivou o controle do gasto com Previdência e funcionalismo, facilitando a expansão permanente das transferências de renda). Refiro-me ao combate à desigualdade de renda que, por uma ótica, ficou estagnado em seus primeiros governos.

“É verdade. Banqueiro ganhou dinheiro. Empresário ganhou dinheiro. Os produtores rurais ganharam dinheiro”, respondeu Lula a Ciro no último debate. Em outra oportunidade, já havia afirmado: “Eles sabem que nunca na história do Brasil eles ganharam tanto dinheiro como ganharam quando eu fui presidente da República desse País”.

Entrevista | Antonio Lavareda: 'Votos válidos derivados das pesquisas são apenas ilações'

Em entrevista ao Pulso, sociólogo e cientista político do Ipespe defende análise baseada em votos totais, que incluem nulos, brancos e abstenções

Por Bianca Gomes / O Globo

O senhor defende que as pesquisas eleitorais sejam lidas por meio dos votos totais, e não dos votos válidos, como é feito mais tradicionalmente na véspera das eleições. Por quê?

Quando saiu o resultado da eleição, no domingo à noite, eu acompanhei os comentários e críticas e constatei que estava havendo um grande equívoco. As pessoas estavam comparando literalmente alhos com bugalhos. Alhos eram os votos válidos. Bugalhos, os votos totais. A pesquisa é baseada numa amostra extraída do total dos 156,5 milhões de eleitores. Então, o resultado das pesquisas precisa ser comparado com o resultado da eleição levando-se em conta os 156,5 milhões de eleitores. Qualquer outra comparação não faz sentido. Os votos válidos derivados das pesquisas são apenas ilações, porque a pesquisa não consegue captar a abstenção na sociedade. É importante que não se repita esse erro no segundo turno.

Por que predomina a cultura de olhar para votos válidos em vez de votos totais?

É um problema que os institutos e os veículos de comunicação precisam refletir. É preciso melhorar a qualidade da divulgação, para que o eleitor compreenda que os números da véspera são números sob o total e que entre aquele número e o resultado das eleições há um espaço de mudança, pois as pesquisas não são prognóstico, elas medem atitude, não medem comportamento. A única pesquisa que pode medir o comportamento é a boca de urna, que não foi feita este ano. Quando você compara o resultado das pesquisas sob o total e o resultado do TSE sob o total, você vê que a votação do Bolsonaro é dentro do que a fotografia das pesquisas na véspera das eleições estavam mostrando. 

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Chantagem golpista

Folha de S. Paulo

Bolsonaro flerta com adulteração do STF, que teria dificuldade em levar adiante

É difícil imaginar uma tese golpista que Jair Bolsonaro (PL) não esteja disposto a abraçar ou, no mínimo, a permitir que prospere. Assim se dá agora com o projeto para elevar o número de ministros do Supremo Tribunal Federal.

A proposta foi retirada do baú autoritário na esteira das vitórias de bolsonaristas e assemelhados nas disputas para o Legislativo. Um desses casos foi o do próprio vice-presidente da República, Hamilton Mourão (Republicanos), um general da reserva saudoso dos confortos da ditadura e eleito senador pelo Rio Grande do Sul.

Se Mourão defendeu sem pudores a adulteração da principal corte do país, Bolsonaro entrega-se a rodeios desde sexta-feira (7), quando despejou mais uma saraivada de ataques sobre os tribunais superiores. Naquele dia, disse que examinaria o tema após o segundo turno da corrida presidencial.

O mandatário retomou o assunto neste domingo (9), em tom abertamente chantagista. "Se eu for reeleito e o Supremo baixar um pouco a temperatura", condicionou, em seu estilo tortuoso, "talvez você descarte essa sugestão".

Na hipótese de reeleição, recordou, terá a oportunidade de ampliar de 2 para 4 seus indicados entre os 11 ministros do STF; pelo projeto aventado, haveria outras 5 novas indicações a fazer.

Poesia | Bertolt Brecht - Tempos Sombrios

 

Música | Edu Lobo. - O Trenzinho Caipira (Heitor Villa-Lobos, letra de Ferreira Gullar)