domingo, 6 de julho de 2008

O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
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EVOLUÇÃO 3X0 REVOLUÇÃO
Alberto Dines


Foi resgate, é certo. Mas surgem suspeitas de que a operação de salvamento de Ingrid Betancout e mais 14 seqüestrados teria sido paga em espécie. A operação militar seria uma operação logística para transportar os reféns com segurança. De qualquer forma, uma insofismável e devastadora derrota do narco-terrorismo colombiano.

Um dia antes, terça, 1º de julho, as comemorações dos 150 anos das teorias evolucionistas apresentadas por Charles Darwin e Alfred Wallace. Na quarta-feira, dia 2 de julho, a constatação de que o continente das revoluções está farto da política temperada com fúria e sangue.

Projetos revolucionários, “criacionistas”, têm vida curta, frutos de ilusões e ilusões não se sustentam, têm prazo de validade limitado. A revolução bolchevique na Europa durou apenas 62 anos com o custo em vidas humanas talvez superior à maior catástrofe bélica já registrada, a Segunda Guerra Mundial. Em compensação, a revolução americana completou nesta sexta, 4 de julho, 232 anos existência. No lapso de quatro dias, uma goleada de 3 x 0 da opção progressiva e progressista, contra os delírios maximalistas.

A revolução americana foi capaz de levar à Casa Branca uma figura tacanha como George W. Bush e também revelou o seu antídoto, o sofisticado Barack Obama. Depois da libertação de Ingrid, o presidente Lula afinal reconheceu que a ação armada não faz mais sentido na América Latina. Bem-vindo ao clube da democracia e da não-violência, mas nosso presidente está atrasado seis anos.

As mudanças através da evolução podem demorar, mas são definitivas. As espécies que sobrevivem não são as mais fortes, são as mais aptas a acompanhar as transformações, mais adaptáveis ao processo evolutivo de aperfeiçoamento.

Movimentos fratricidas – armados com Kalashnikovs ou facões, dá no mesmo – são anti-naturais, bruscos e brutais, não podem dar certo. Os métodos empregados pelas Farc são terroristas. E quem o constata é Fidel Castro ao dizer claramente que civis nunca deveriam ser seqüestrados, nem militares deveriam ser mantidos como prisioneiros nas condições da selva. Eram fatos objetivamente cruéis. Nenhum propósito revolucionário justifica isto”.

A mudança através da evolução é demorada, em compensação é mais sólida. O aperfeiçoamento gradual tanto das espécies como de regimes, civilizações e projetos é irreversível, as características adquiridas ao longo do processo de adaptação incorporam-se ao DNA.

O próprio futuro das Farc é obrigatoriamente darwinista – ou evoluem ou desaparecem. Ainda não foram aniquiladas, ainda contam com uma base territorial, dispõem de um farto arsenal de armamento leve, razoáveis recursos humanos e ilimitados recursos financeiros oriundos do narcotráfico. Mas a sua sobrevivência depende exclusivamente da sua capacidade de adaptar-se às realidades criadas pelo resgate.

A opção terrorista e pseudo-revolucionária deixou as Farc isoladas, com um limitado repertório de opções exclusivamente armadas. Se pretendem sobreviver não lhes resta outro caminho senão uma corajosa reversão política em direção da paz.

Foram certeiras e concatenadas as sucessivas declarações de Ingrid Betancourt depois de libertada. A cabeça política da ousada ex-refém e ex-candidata à presidência se reajustou com extraordinária velocidade às novas circunstâncias. A prisioneira que só pensava em suicidar-se, depois das emoções do reencontro com os filhos e com a liberdade ofereceu propostas muito claras: drástica condenação da barbárie terrorista, união nacional em torno do presidente Uribe, conclamação aos vizinhos (Rafael Corrêa e Hugo Chávez) para juntarem-se ao esforço contra a violência (ou pelo menos que não o sabotem) e prioridade absoluta ao processo de paz.

Ingrid parece a encarnação da evolução. Os enigmas relativos ao seu resgate tornam-se secundários. Ela sai da selva diretamente para o pódio mundial como uma nova Marianne, a celebrada alegoria da República Francesa, hoje símbolo mundial.

Sem o barrete frígio, a franco-colombiana preferiu a jaqueta da guerra na selva para camuflar a sua tremenda carga de energia, amor à vida e determinação. A América Latina tem nova efígie.

» Alberto Dines é jornalista.

NACIONALIZANDO A CAMPANHA
Merval Pereira

O prenúncio de que a ministra chefe do Gabinete Civil, Dilma Rousseff, participará das campanhas petistas "nas horas vagas" mostra que o governo Lula está deixando de lado a tese de que eleições municipais nada têm a ver com as nacionais, para testar a viabilidade de sua candidata preferencial à sucessão presidencial. E foi o PT quem nacionalizou o debate, disposto a checar nas urnas a recuperação de imagem que as pesquisas de opinião apontam. Por elas, o PT voltou a ser o partido político mais reconhecido dos eleitores. Na capital mineira, o PT vetou o acordo formal com o governador do PSDB, Aécio Neves, apenas para não fortalecer sua posição na corrida sucessória.

A eleição paulista, por exemplo, é sintomática dessa nacionalização da campanha eleitoral. Lá estarão em confronto não apenas os candidatos a prefeito, mas dois possíveis candidatos a presidente em 2010: o governador José Serra e a ex-prefeita Marta Suplicy. Confirmando nas urnas os atuais prognósticos, Marta Suplicy surgirá imediatamente como forte candidata a candidata dentro do PT, ofuscando a ainda incipiente candidatura de Dilma Rousseff.

O fato é que a campanha municipal deste ano já está sendo fortemente impactada por questões nacionais, desde a busca do PT pela hegemonia nas grandes cidades até a disposição da oposição de levar para os palanques a inflação, que volta a dar o ar de sua desgraça. Ao lado de repetir a tática de todo governante, que é acusar a oposição de impatriótica quando levanta a questão da inflação como bandeira de campanha eleitoral - o mesmo que o PT fazia quando era oposição, relembre-se -, o governo faz muito pouca coisa para tentar controlar esse problema.

O programa agrícola para ajudar a reduzir o preço dos alimentos é de longo prazo, e as medidas para reduzir os financiamentos que estimulam o consumo são tímidas, tudo porque o governo, na definição crua do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, quer combater a inflação "sem esculhambar a economia".

O presidente Lula tem se queixado a interlocutores de que seu esforço para o governo fazer um superávit primário cada vez maior não é reconhecido. Na verdade, mesmo aumentando o superávit para 4,3%, os gastos do governo continuarão crescendo mais do que o PIB, o que neutraliza qualquer efeito e pressiona a inflação. Segundo o economista Fábio Giambiagi, do BNDES, quando o PIB crescia pouco era compreensível que a relação gasto/PIB aumentasse, porque há custos que crescem demograficamente.

Quando a economia está crescendo forte, como em 2007 e neste ano, seria a oportunidade para determinadas rubricas crescerem menos. "Estamos perdendo a chance de reduzir a relação gasto/PIB, e apesar disso o investimento público tem sido inferior ao que era nos anos 80", ressalta Giambiagi.

O que está acontecendo este ano é que as quatro principais rubricas de gasto do governo (transferências para estados e municípios, gasto com pessoal, INSS e outras despesas de custeio e capital) estão se comportando de maneira atípica, o que dá a falsa impressão de que o superávit primário, de 6,5% nos primeiros cinco meses, é um número para ser levado em conta.

A rubrica Pessoal e Encargos Sociais, por exemplo, está crescendo apenas 2% até agora, mas todos os acordos que o governo fez vão impactar fortemente o segundo semestre, e a taxa de crescimento do ano será superior. A receita total das transferências para estados e municípios está crescendo em torno de 11% mas sem CPMF, o que significa, realça Giambiagi, que outros impostos estão crescendo muito. O IPI e o Imposto de Renda, que são a base de arrecadação das transferências para estados e municípios, estão crescendo em torno de 20%.

O gasto com aposentadorias está controlado este ano por conta da maior fiscalização na concessão do auxílio-doença, que nos anos 2005 e 2006 cresceu muito por culpa de fraudes que estão sendo combatidas. O economista Fábio Giambiagi adverte, no entanto, que no ano que vem este fator vai acabar e o aumento do salário mínimo e dos aposentados, com base no INPC, será maior devido à inflação este ano.

Segundo os estudos de Giambiagi, os gastos públicos que mais aumentaram no período 1991/2008 - passaram de menos de 14% do PIB para uma estimativa de mais de 22% este ano - foram aqueles considerados como "gastos sociais". O país vive uma situação paradoxal. Embora seja defensor ferrenho de novas reformas, especialmente a da Previdência, Giambiagi admite que a idéia de que, na ausência de reformas estruturais o país poderá enfrentar um colapso das contas públicas no horizonte dos próximos anos, "poderá se revelar equivocada, se a economia tiver um crescimento anual da ordem de 4% a 5%".

Mas com a crise internacional que se agrava e a inflação aumentando internamente, muito influenciada pelos problemas internacionais, caso a economia tenha um crescimento modesto, abaixo de 4% do PIB, sérios problemas poderão surgir, adverte Giambiagi. Para ele, o risco de não fazer novas reformas está exatamente em "não abrir espaço fiscal para a realização das obras de infra-estrutura de que o país tanto precisa, e que devem em parte implicar uma participação importante do governo". E que são fundamentais para garantir um crescimento sustentado maior, mais próximo de 5% ao ano.

Saio de férias por 15 dias e volto a publicar a coluna na terça-feira, 22, diretamente de Nova York, de onde acompanharei a campanha eleitoral americana no segundo semestre. Estarei na Universidade de Columbia, no Centro de Estudos Latino-Americanos, como visiting scholar.

O DRAGÃO DA MALDADE CONTRA O SANTO GUERREIRO
Luiz Carlos Azedo

Lula é um mito para a maioria da população, mas seu carisma está sendo arranhado entre os jovens, na classe média e nas capitais

O inusitado e às vezes caótico cinema de Glauber Rocha era arrastado, com uma câmera nervosa e música frenética, no qual a inércia da realidade brasileira era apresentada como uma alegoria quase universal — daí seu sucesso no exterior. Foi assim com Terra em Transe, que retrata a crise do governo Jango e o golpe militar de 1964, e Deus e o Diabo na Terra do Sol, que denunciava o coronelismo e o gosto popular por um salvador da pátria, o nosso velho “sebastianismo”. O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro fecha a trilogia, com um embate de vida ou morte. De um lado Antônio das Mortes, caçador de cangaceiros, que havia matado Corisco. De outro, Coraína, um jagunço que se apresenta como a reencarnação de Lampião. O duelo é um confronto entre dois mitos, num enredo no qual os demais personagens são gente desorientada: um professor desiludido, um coronel com manias de grandeza, um delegado com ambições políticas e uma mulher tragicamente solitária. Os contraditórios conceitos de moral e justiça se embaralham no roteiro, uma situação muito recorrente na política, onde os governantes gostam de ignorar que nem sempre os fins justificam os meios. É mais ou menos o que estamos assistindo agora, na batalha do governo Lula contra a inflação.

A Maldade

Foi com uma ponta de ironia que o ex-presidente José Sarney usou a clássica comparação da inflação com um dragão, o único signo imaginário do horóscopo chinês, um mito também presente na cultura ocidental. O dragão-de-komodo, um lagarto da ilha na Indonésia que lhe empresta o nome, e os pterossauros da pré-história são os animais mais parecidos com aqueles que povoam o imaginário popular. “Houve um tempo em que me enchi de esperança e, com a espada do Cruzado, investi contra sua couraça e, quando eu cantava vitória, ele voltou e quase me engole”, lembra Sarney, que perdeu o controle da inflação logo depois das eleições de 1986, quando o PMDB obteve uma espetacular vitória. À época, esse resultado foi considerado um “estelionato eleitoral”.

O Plano Cruzado revelava um certo sebastianismo de Sarney : Dom Sebastião I, rei de Portugal, desapareceu nas Cruzadas durante a batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos, em 4 de agosto de 1578, mas virou um santo redendor. Sarney também lembrou que o ex-presidente Collor de Mello (que se elegeu espancando seu governo) tentou acabar com inflação com um só tiro. Fracassou de maneira ainda mais espetacular, pois acabou renunciando ao cargo para evitar o impeachment. Fernando Henrique, que lançou o Plano Real durante o governo Itamar, passou seus dois mandatos com um olho na inflação e outro nas crises cambiais. Agora, o dragão está de volta, atormentando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O Santo

O fenômeno é mundial. A inflação marca uma mudança na situação internacional, que até recentemente foi muito favorável à economia brasileira. Lula navegou em mar de brigadeiro, mas agora terá que provar sua capacidade de liderar o país num ambiente econômico proceloso. Os bancos centrais dos países desenvolvidos elevarão os juros para conter a inflação, mas terão que usar a dose correta para evitar uma recessão mundial. A maioria dos países será obrigada a seguir essa receita, adicionando um arrocho nos gastos do governo. O Brasil foge à regra.

Com a inflação domada, o governo Lula aproveitou a bonança mundial para contratar funcionários, dar reajustes e crédito aos servidores e aposentados, elevar o salário mínimo e os benefícios do Bolsa Família.Também decidiu ampliar os investimentos públicos em infra-estrutura e nas regiões metropolitanas, mesmo com o sinal fechado da economia global. Agora, já não tem como reduzir os gastos públicos sem grandes desgastes políticos e eleitorais, seja nas eleições municipais, seja na sucessão em 2010, para a qual iniciou a contagem regressiva ao lançar a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

A inércia da inflação é uma corrida contra o relógio. Lula sabe do risco de acompanhar a progressiva erosão do poder de compra da população, principalmente dos mais pobres, até a economia se desacelerar. E tenta evitar que isso ocorra com paliativos, pois sabe que o dragão da inflação pode matar o santo guerreiro que encarnou ao assumir o poder. Lula é um mito para a maioria da população, mas a última pesquisa CNI/Ibope mostra que seu carisma está sendo arranhado entre os jovens, na classe média e nas capitais. Nas regiões Norte e no Centro-Oeste, a inflação já faz estragos. Lula optou por empurrar o problema com a barriga e deixar para o sucessor resolvê-lo. Avalia que tem musculatura para resistir até lá. Será? Pode ser.

AS LEIS ELEITORAIS QUE TEMOS
Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

Enquanto a realidade muda de maneira veloz, nossa legislação sobre o tema parece antediluviana. Ela olha a internet com desconfiança, como “meio de propaganda”, só pensando como discipliná-la e mantê-la sob controle
Começou a campanha eleitoral de 2008 e um debate muito interessante já está em curso. É o primeiro de muitos que, provavelmente, teremos até o desfecho do processo e é relevante não apenas em si mesmo: por meio dele, podemos discutir aspectos mais constitutivos de nosso sistema político.
O que pode e o que é proibido a um candidato fazer na internet? Como ocorrerá a fiscalização do cumprimento das normas estabelecidas? Quais as punições para quem as descumprir? São perguntas típicas sobre o uso da internet nas campanhas, assunto que preocupa a todos, cidadãos e políticos.
A matéria vem aumentando de importância a cada eleição, acompanhando a evolução da internet no Brasil. Hoje, como sabemos, somos um dos 10 países do mundo com maior número de domicílios conectados, sendo que nossas taxas de utilização e de intensidade de uso superam as de muitas outras sociedades.
Em outubro deste ano, deveremos ter mais que o dobro de usuários ativos (aqueles, com mais de 16 anos de idade, que, no mês da pesquisa, se conectaram efetivamente à rede), comparados aos que tínhamos quando da última eleição. Em 2006, na eleição presidencial, a estimativa era de pouco mais de 10,5 milhões de usuários desse tipo. Para este ano, será surpresa se não chegarem a 25 milhões.
Ou seja, quase um, em cada cinco eleitores, muito provavelmente se conectará à internet no mês da eleição municipal. Se vai ou não acessar conteúdos políticos é difícil estimar, mas o certo é que eleitores com esse perfil formam já um contingente de tal tamanho que não pode ser subestimado ou, muito menos, ignorado. Enquanto a realidade muda de maneira veloz, nossa legislação sobre o tema parece antediluviana.
Ela olha a internet com desconfiança, como “meio de propaganda”, só pensando como discipliná-la e mantê-la sob controle. Na Resolução do TSE que regula a próxima eleição, por exemplo, a internet é posta em uma camisa-de-força, amarrada em sites “permitidos” e muitas proibições.
Em nome de algo que faz pouquíssimo sentido, o risco de que ela venha a ser instrumento de desigualdade ilegítima entre os candidatos, impede-se que a internet possa realizar seu verdadeiro papel, ser um meio de reduzir essas desigualdades.
O caso da eleição americana deste ano explica em que isso pode consistir. Barack Obama, segundo toda a melhor análise disponível, é uma espécie de John Kennedy da era da internet. Kennedy foi o primeiro político americano a compreender plenamente a importância da televisão e foi quem estabeleceu o padrão da política de seu tempo, feita por intermédio dela. Obama é seu sucessor, na era que está começando. Ao que tudo indica, será o primeiro presidente dos EUA eleito por ter sabido fazer da internet um instrumento de comunicação e de mobilização.
Há poucos meses, ninguém acreditava que tinha fôlego para superar seus rivais dentro do Partido Democrata ou para enfrentar a eleição contra os republicanos. Era pouco conhecido, não tinha dinheiro para se tornar visível (lembrando que não existe propaganda eleitoral gratuita nos EUA) e não passava de um azarão. Não foi na internet “antiga” que ele começou a ganhar a guerra. Sites pessoais, páginas “oficiais”, coisas parecidas, foram quase irrelevantes.
Foi na “nova internet”, da interatividade, que ele fez diferença, por meio de blogs, sites de relacionamento (como o Facebook e o MySpace), recursos como o YouTube e sua BarackTV.
Assim, ao contrário do que acreditam nossos “legisladores de fato” em matéria eleitoral, é com mais internet e não com menos que um candidato como Obama pode vencer.
Ficar policiando a rede, achando que se está criando uma “disputa mais equilibrada” é, apenas, um equívoco. Aliás, são atitudes como essa, que traduzem um sentimento de que cabe a alguém a tarefa de tutelar a democracia, que mais contribuem para que a nossa seja muito menos ativa e participativa do que seria bom.
VARGAS, LULA E SUAS DIFERENÇAS
Suely Caldas


"Se vivo fosse Getúlio Vargas, hoje defenderia as privatizações", afirmou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso numa entrevista publicada no Estado em 2004, em edição comemorativa aos 50 anos da morte do ex-ditador. Vargas era um governante essencialmente pragmático: entre progresso econômico e ideologia política, ele não hesitava em colocar-se a favor do progresso. Foi assim com a Companhia Vale do Rio Doce, por ele criada em 1942, a partir de um acordo com o governo norte-americano em parceria com a Itabira Iron Ore Company, em tempos de nacionalismo ideológico arraigado. E assim seria hoje com as empresas estatais.

O presidente Lula é igualmente pragmático, tanto que desprezou pregações ideológicas históricas do PT e seguiu a política econômica do rival FHC. Mas difere de Vargas em um ponto central: tanto faz progresso econômico ou afirmação ideológica, Lula fica sempre com o que lhe oferecer maior popularidade política e munição contra o adversário. Foi assim na última campanha eleitoral, quando se aproveitou da desinformação popular e demonizou as privatizações só para acuar politicamente o vacilante adversário Geraldo Alckmin.

Ao longo de sua gestão, não por convicção ideológica, mas para centralizar poder, multiplicar cargos públicos e distribuí-los entre partidos aliados, Lula ampliou o tamanho do Estado, tornando-o mais caro para a população que o sustenta, e demoliu avanços democráticos ao interferir nas instituições, a elas impondo submissão aos desejos e interesses políticos momentâneos de seu governo. Ele deu o tom já na partida, em 2003: criou dez novos Ministérios para acomodar companheiros petistas e aliados. E seguiu em frente.

Agora mesmo, diante da necessidade de definir um modelo para explorar os megacampos de petróleo situados abaixo da camada pré-sal, Lula não pensou duas vezes, tomou isso como desculpa para criar mais uma estatal. E para que? A única explicação crível é o desejo de centralizar poder de decisão e dispor de um poderoso meio de distribuir cargos entre apadrinhados do PT e partidos aliados. Estatal é sempre assim: começa com uma pequena estrutura que vai inchando, inchando, abrigando desabrigados políticos, absorvendo favores partidários, engordando a cada governante que chega, até virar um inútil fato consumado difícil de ser desmanchado.

O Ministério de Minas e Energia alega que o papel da nova estatal seria associar-se a empresas privadas e captar rendimentos da comercialização desse óleo, já que os custos das atividades de pesquisa, extração e exploração seriam de responsabilidade da empresa operadora.

E precisa criar uma nova estatal para isso? Se existe a Agência Nacional do Petróleo (ANP) justamente para regular o mercado e definir taxas e impostos que irão remunerar a União pela propriedade das jazidas, para que criar uma estatal com duplicidade de funções? Está escrito na lei do petróleo que a atribuição de elevar taxas e impostos é da ANP, não de uma estatal. E, se no caso do pré-sal, o risco da operadora de não encontrar óleo é quase nulo, o lógico é cumprir a lei e a ANP dobrar para 80% a participação da União no lucro líquido da comercialização (excluídos os custos de produção), como têm sugerido especialistas. Para que uma nova estrutura manipulada por políticos?

No setor de energia elétrica, o governo anterior vendeu a maioria das distribuidoras estaduais.
Mas restaram as da Amazônia e duas do Nordeste, que, em 2007, somaram quase R$ 1,2 bilhão de prejuízos pagos pelos brasileiros. Não há dificuldade em vender as do Nordeste, mas as cinco da Amazônia carregam problemas estruturais, cuja solução depende de intervenção do governo. Por motivos diversos - seja pela baixa densidade demográfica ou pelo alto custo de transmissão por causa da enorme distância entre os consumidores - essas empresas não sobrevivem sem subsídio do governo. Para elas, o diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, tem uma proposta: o governo contrataria uma empresa pelo sistema de Parceria Público-Privada, definiria uma tarifa de subsídio e abriria um leilão: quem oferecesse a tarifa mais baixa levaria a empresa em troca da cobertura de subsídio fixada.

Há arranjos diversos para dar solução a estatais deficitárias, em decorrência da péssima gestão dos políticos. Se vivo estivesse, Getúlio Vargas estaria empenhado em aliviar o contribuinte, eliminando esses déficits estruturais. Mas o empenho de Lula é outro.

*Suely Caldas, jornalista, é professora da PUC-Rio.

DEU EM O GLOBO

LULA TENTARÁ REABRIR O DIÁLOGO COM PSDB
Adriana Vasconcelos

Presidente aproveitará eleição para buscar apoio à aprovação de uma reforma política antes de concluir o mandato

BRASÍLIA. A despeito da resistência de petistas e tucanos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou a fazer sondagens com o objetivo de reabrir um canal de diálogo institucional com o PSDB. Após o encontro com o ex-presidente Fernando Henrique, no velório de Ruth Cardoso, Lula manifestou a intenção de convidá-lo para uma conversa - um recado já chegou aos ouvidos do ex-presidente, que estaria disposto a abandonar o tom ácido dos últimos tempos em relação ao governo. Mas, independentemente desses gestos, PT e PSDB caminham para mais uma acirrada campanha eleitoral, já de olho em 2010.

O gesto de Lula confronta a direção nacional do PT, que vetou aliança do partido com os tucanos em Belo Horizonte alegando que alimentaria a possível candidatura do governador de Minas, o tucano Aécio Neves, à Presidência. Para a cúpula tucana, Lula e Fernando Henrique podem se entender, mas é difícil a aproximação entre os dois partidos na base.

- O veto da cúpula petista à aliança com o PSDB em Belo Horizonte prejudica ainda mais nossa relação geral com o PT. Um partido que age assim não pode falar em relação construtiva e republicana. Esse ato, que não teve apoio do presidente Lula, reforça no PT a imagem de partido sectário - diz o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE).

Ao falar de sua intenção de conversar com Fernando Henrique, Lula disse o quanto o incomoda o sistema político, que impõe, segundo ele, uma relação de barganha do Congresso com o Executivo, e disse que não gostaria de concluir o mandato sem ver aprovada uma ampla reforma política no Congresso. Ele quer discutir o assunto com seu antecessor.

Aécio e Pimentel marcham juntos

Lula conta, publicamente, com dois aliados na estratégia: Aécio Neves e o prefeito de Belo Horizonte, o petista Fernando Pimentel. Os dois pretendem mostrar dia 10 que o veto do PT à aliança na capital mineira não funcionou: eles planejam participar do primeiro grande ato da campanha do candidato do PSB à prefeitura, Márcio Lacerda, convocando militantes de seus partidos para marcharem juntos.

- No campo nacional, PT e PSDB são adversários, mas não precisamos ser inimigos para sempre. Precisamos ter, no mínimo, capacidade para dialogar e Minas está ajudando a dar esse exemplo - diz Aécio.

Embora tenha recebido apoio explícito do presidente Lula à aliança que construiu com Aécio em Belo Horizonte, Fernando Pimentel não estaria em situação confortável no PT. Nos bastidores se especula sobre a possibilidade de o prefeito se filiar ao PSB. Ele nega:

- Isso não existe. Minha contribuição é mais importante dentro do PT do que fora, assim como é a do governador Aécio no PSDB. Não vamos desistir dessa aproximação, até porque tenho aliados fortes como o presidente Lula e uma enorme aprovação popular.

Mas o fato é que que, desde a eleição de 1994, PT e PSDB se consolidaram como alternativas de poder e essa polarização deve ser mantida em 2010. Isso significa que a vitória de um representa a derrota do outro. Por isso mesmo, o presidente nacional do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), não vê chances de aproximação:

- Convivência civilizada eu sempre defendi, até porque PT e PSDB têm quadros importantes.
Mas não vejo muita coisa em comum entre nós.

DEU EM O GLOBO

OPOSIÇÃO TEM 50 CANDIDATOS A PREFEITO NAS CAPITAIS
Luiza Damé

PT concorrerá com 19, e base governista está rachada em muitas das principais cidades

BRASÍLIA. A partir de hoje, 169 candidatos a prefeito vão disputar o voto do eleitorado das 26 capitais brasileiras, mas este número ainda pode mudar por causa de ações na Justiça Eleitoral.
Desse total, 50 são filiados aos principais partidos de oposição ao Palácio do Planalto - PSDB, DEM, PPS e PSOL. Na sua primeira eleição municipal, o PSOL é o partido com maior número de candidatos a prefeito nos grandes centros: encabeça chapa em 21 capitais. O PT, partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vem logo em seguida, com 19 candidatos próprios. Mas a base governista está rachada em muitas das principais capitais brasileiras, inviabilizando a presença de Lula nesses palanques.

Em Porto Alegre, os primeiros lugares são disputados por três governistas: o prefeito José Fogaça (PMDB), a petista Maria do Rosário e Manuela D"Ávila (PCdoB). Pelo menos no primeiro turno, nenhum deles deverá ter Lula como cabo eleitoral. O presidente já disse que não fará campanha em cidades onde os governistas são adversários.

Seis prefeitos de capitais não disputarão a reeleição. Cesar Maia (Rio), Fernando Pimentel (Belo Horizonte), João Henrique Pimentel (Macapá), Tadeu Palácio (São Luís), João Paulo (Recife) e Carlos Eduardo Alves (Natal) foram reeleitos em 2004 e estão fora deste pleito.

Rio e São Paulo têm 11 candidatos cada

O mapa da disputa nas capitais mostra dados curiosos. O petista João Coser, prefeito de Vitória, reuniu 19 partidos em torno da sua reeleição - é a maior coligação. Vitória, Rio Branco e Boa Vista têm o menor número de candidatos a prefeito - são três em cada uma delas. Já Rio e São Paulo têm onze candidatos cada uma.

O PSOL, partido que não tem nenhum prefeito de capital, só não terá candidato próprio em Macapá, Rio Branco, Teresina, Campo Grande e Palmas. A estratégia do partido é lançar candidatos a prefeito em todas as cidades onde houver "estrutura organizada, militância animada e quadros qualificados", com preferência para alianças com o PSTU e o PCB - uma forma de puxar votos para vereadores. Estão vetadas coligações com PT e PMDB e com o PSDB e DEM, além dos partidos envolvidos nos escândalos do mensalão e das ambulâncias.

- Esta é a primeira eleição municipal do PSOL e servirá para enraizar o partido - afirmou o deputado federal Chico Alencar, líder do PSOL na Câmara e candidato a prefeito do Rio.

Com 12 candidatos próprios nas capitais, o DEM tem apostas para conquistar prefeituras importantes, como o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Em Florianópolis, com a chapa formada pelo deputado estadual César Júnior (DEM) e o vereador tucano Doutor Juca, o DEM quer desbancar o favoritismo do ex-governador Esperidião Amin (PP) e superar o atual prefeito, Dario Berger (PMDB).

A chapa reúne a juventude de César Júnior, um advogado que dava conselhos sobre direitos do consumidor num popular programa de televisão, e a história do vereador tucano, um negro criado em abrigo, ex-jogador de futebol e médico comunitário.

DEU EM O GLOBO

FICHAS SUJAS EM 37% DAS CÂMARAS FLUMINENSES
Fábio Vasconcellos


Vereadores são investigados por crimes como estupro, tentativa de homicídio e formação de quadrilha no estado

Responsáveis pelo julgamento dos registros de candidaturas, os 92 juízes do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio têm até o dia 16 de agosto para decidir o futuro dos pretendentes a prefeito e vereador. E a tarefa não será fácil.

Levantamento feito a partir do cadastro do Instituto Félix Pacheco (IFP) mostra que pelo menos 37% das 92 câmaras de vereadores do Estado do Rio têm um ou mais membros com passagens pela polícia.

São diversos tipos de crimes, como tentativa de estupro, tentativa de homicídio, apropriação indébita, estelionato, formação de quadrilha e desrespeito à lei eleitoral. Há ainda casos como o dos 15 vereadores do Rio investigados pelo Ministério Público estadual por suspeita de enriquecimento ilícito. Depois da Câmara do Rio, a de Campos tem o maior número de vereadores com passagem pela polícia (cinco).

Eleito em 2004 com 488 votos para uma vaga na Câmara de Vassouras, o vereador Elias Gonzaga dos Santos Filho foi condenado a cinco meses de detenção por tentativa de estupro. Em Tanguá, o vereador Valter Tostes Padilha tem passagem por receptação, furto e tentativa de homicídio, este último ocorrido ano passado. No Sul do estado, o vereador Antônio Porto Filho foi eleito em 2004 para uma vaga na Câmara Municipal de Paraty. Ele foi investigado por formação de quadrilha e homicídio.

Em Valença, vereador é investigado até por furto

Em Valença, no Vale do Paraíba, o vereador Celso Gomes Graciosa tem passagem por violação de domicílio e furto. Pelas regras, candidatos a prefeito e vereador são obrigados a apresentar ao TRE suas fichas da Justiça estadual e federal. De posse dos documentos, os juízes vão analisar se as candidaturas atendem aos preceitos do TRE, que este ano decidiu ser mais rigoroso com registros de pessoas com passagens pela polícia.

- Faremos valer a Constituição, mas com a preocupação muito grande de não comentar injustiças. Mas também não queremos punir a população com apresentação de candidatos que ostentem uma ficha penal absolutamente incompatível com o exercício do mandato eletivo - afirma o juiz coordenador do registro de candidaturas, Sérgio Ricardo de Arruda.

O magistrado explica que os registros serão analisados individualmente levando em consideração o tipo de crime, sua repercussão na sociedade e o número de indícios contra os candidatos.

- Os candidatos serão chamados a se explicar, caso o juiz encontre algum indício - diz Fernandes.

DEU EM O GLOBO

NO RIO, ELEITORES TROCAM POLÍTICA POR FAVORES
Chico Otavio

Na Câmara Municipal, galerias ficam vazias durante debates; enquanto isso, centros sociais de vereadores lotam

GALERIAS DA Câmara do Rio completamente vazias e plenário com poucos vereadores: desinteresse dos eleitores pelo trabalho da Casa, mesmo quando são votadas questões importantes para a cidade, é crescente

Na última sessão antes do recesso, semana passada, a pauta da Câmara Municipal do Rio prometia barulho. Dois projetos que cancelariam a licitação para a concessão de linhas de ônibus iriam a votação. Certamente, a matéria mais polêmica do ano. Os vereadores, agitados, se devotam a intensas negociações. Mas o burburinho não ultrapassa as rodas de conchavo. As galerias estão vazias. Não aparece um único passageiro de ônibus para saber o que acontece ali. No plenário, ninguém nota o silêncio.

Nenhum balanço destes três anos e meio de legislatura ilustra melhor a rotina da Câmara do que a cena da semana passada. Enquanto as galerias ficam despovoadas, fruto do crescente desinteresse popular pela agenda da Casa, as salas de espera e os centros sociais dos vereadores estão apinhados de eleitores, cada qual com um pedido no bolso, um problema particular para resolver. A população trocou as grandes questões pelas pequenas causas.

Orçamento anual da Casa é de quase R$270 milhões

Em tese, não faltam elementos para situar a Câmara no centro do debate político. A Casa tem 50 vereadores (o número pode crescer para 51), mais de mil funcionários e enorme capacidade financeira, com um orçamento anual de quase R$270 milhões (5% das receitas municipais). Além disso, tem poderes constitucionais para iniciar projetos de caráter urbano (segmento mais poderoso nas grandes cidades) e de posturas municipais (de interesse da rotina da população).

Mas os próprios vereadores preferem as pequenas causas, muito próximas de seu eleitorado. O médico clínico Aloísio Freitas (DEM), de 62 anos, ao assumir a presidência da Câmara ano passado, entendeu que investir pesado nas comissões permanentes, como a que combate o consumo de drogas e a de defesa do consumidor, ajudaria a melhorar a combalida imagem da Casa.

Semana passada, quando a aprovação dos projetos que cancelaram a licitação dos ônibus lançava a Câmara num clima de fim de festa, pois o recesso coincide com o início da campanha eleitoral, Aloísio procurava apresentar números que sustentassem um balanço positivo da atual legislatura. Segundo ele, a Câmara votou 110 matérias por mês - "uma produtividade enorme, considerando que alguns destes projetos são polêmicos" - e registrou média de 20 presentes por sessão - metade mais um.

- Mesmo ausente, o vereador trabalha. Quando não está na Câmara, está em sua base - defendeu o presidente.

Até a semana passada, apenas um dos vereadores cariocas anunciou que não disputaria a reeleição. Se a taxa de renovação continuar baixa, o próximo mandato consagrará o fim dos chamados vereadores de opinião, ou temáticos, substituídos pelos prestadores de serviços. Experiente político carioca garante que é rara a lei que tramita com debate sobre o conteúdo.
- O sistema que se generalizou foi o de serviços sociais. Para mantê-los, se faz uma vinculação entre a tramitação de leis e o funcionamento dos serviços- comenta.

Levantamento indica que pelo menos metade dos atuais vereadores conta com centros sociais. Um deles pertence ao decano da Casa, Sami Jorge (PDT), de 84 anos, que completará o seu oitavo mandato. Ele garante que o seu serviço, no Alto da Boa Vista, é um dos mais antigos e sem objetivos eleitoreiros.

- Acredito na força divina e tenho uma missão: vencer para dividir. Obter para utilizar em benefício dos outros.

Partido do prefeito tem maioria: são 14 vereadores

Seja como for, a definição clássica do papel do vereador está longe desse modelo de atendimento. De acordo com o professor François Bremaeker, consultor do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam), dois pontos são essenciais na responsabilidade do vereador: legislar sobre assuntos de interesse do município e fiscalizar o Executivo - verificar, por exemplo, se orçamento está de acordo com a lei de diretrizes e o plano plurianual.

- O vereador não precisa ter conhecimento de todos os assuntos. Para isso, tem assessoria, própria ou do congresso parlamentar - diz.

O DEM, partido do prefeito Cesar Maia, tem 14 vereadores e uma maioria oscilante na Casa - já foi mais confortável.

A legislatura caminha para o último ciclo, deixando pelo menos dois vereadores eleitos em 2004 no meio do caminho. Um assassinado: o bispo Dr. Monteiro de Castro, em 7 de julho daquele ano.
Outro está preso e não deve disputar a reeleição: Jerônimo Guimarães, o Jerominho, acusado de formação de quadrilha armada e de chefiar a milícia "Liga da Justiça", que atuaria na Zona Oeste. Há pelo menos mais um vereador suspeito de envolvimento com milícias: Nadinho de Rio das Pedras, investigado por encomendar a morte de um policial.

Indagado se os casos ajudariam a ferir ainda mais a imagem da Câmara, o presidente Aloísio Freitas resguarda-se:

- Se o vereador é eleito, foi com o voto da população. Ela define quem merece e quem não merece.

DEU EM O GLOBO

AS PEDRAS NO CAMINHO DOS CANDIDATOS
Chico Otavio

Hoje é dia de sorrisos e gestos confiantes. Diante do olhar dos eleitores, os candidatos à sucessão do prefeito Cesar Maia farão o melhor possível para iniciar a disputa com alegria e otimismo. Uma pedra, contudo, os aguarda no caminho. Todos terão a sua. O professor Marcus Figueiredo, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), analisou o calcanhar de Aquiles de sete candidatos e suas estratégias para neutralizá-lo e evitar tropeções.

Marcus prevê confronto ideológico na campanha, opondo Marcelo Crivella (PRB) aos candidatos de esquerda. Outro dado relevante será, provavelmente, o que chama de fim do maiismo ou da era Cesar Maia. Para ele, não será tarefa fácil para Crivella desvincular-se da Igreja Universal e superar o teto eleitoral no Rio:

- Na República, há uma clara separação de Estado e Igreja. Crivella pode se inspirar na ideologia da igreja, mas não transformar o Estado em veículo de pregação religiosa.

O calcanhar de Aquiles de Fernando Gabeira (PV) e o de Jandira Feghali (PCdoB) são parecidos: superar preconceitos:

- Jandira tem direito de defender causas como o aborto, mas bateu de frente com os católicos em 2006. Sua melhor atitude será dizer que, como prefeita, pretende cumprir o que a lei prevê. Quanto a Gabeira, o fato de ser alguém que já usou maconha não destruiu sua reputação. A tentativa de colar essa pecha depende da reação do candidato. Ele é experimentado e não vai cair na armadilha de ser arrastado para o embate preconceituoso.

Alessandro Molon (PT) e Eduardo Paes (PMDB) enfrentarão obstáculos dentro de seus próprios partidos.

"Molon, sem a aliança com o PMDB, ficou sozinho"

Ele acha que Paes terá de correr contra o tempo e ainda não falou o que tem para oferecer à cidade.

- Já Molon, com o fracasso da aliança com o PMDB, ficou sozinho, como o PT fazia 20 anos atrás. Sendo o partido do presidente, com projeto político para a cidade, teria de ter feito tudo por alianças.

Para Marcus Figueiredo, Solange Amaral (DEM) enfrentará o vínculo com Cesar Maia:

- É a candidata do final da era Cesar Maia e vai pagar o ônus desta fase. É impossível se livrar disso. Pode enfrentar os mesmos problemas de José Serra com FH em 2002.

Já Chico Alencar (PSOL), ao formar com Heloísa Helena o PSOL, um partido micro, reúne uma capacidade de mobilização muito pequena, ainda mais para um partido cujo tempo de TV é quase nada:

- O PSOL ainda é um projeto em andamento.

MARCELO CRIVELLA

A ligação com a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), da qual ele foi bispo, é o calcanhar de Aquiles do candidato. Crivella procura desvincular-se disso, na tentativa de superar o teto eleitoral, atribuído, entre outras razões, à sua relação com a igreja, que causaria restrições aos católicos e aos que não concordam com a exploração política da religião.

JANDIRA FEGHALI

O apoio de Jandira ao direito ao aborto legal é o seu calcanhar de Aquiles. O confronto com a Igreja Católica em 2006, por causa disso, foi erro mencionado como uma das razões de sua derrota para Francisco Dornelles na vaga no Senado. Seus adversários podem tentar provocá-la mais uma vez, para deixá-la mal com setores religiosos do eleitorado.

SOLANGE AMARAL

A vinculação com Cesar Maia é o que pesa. Seus adversários certamente insistirão nisso, confrontando-a com os problemas da administração municipal. Como a influência do prefeito na cena política está em declínio, ela terá, assim, de fazer malabarismo para não aparecer como a candidata da situação e, ao mesmo tempo, não ferir o seu padrinho.

EDUARDO PAES

O candidato terá duas batalhas pela frente, uma delas no tribunal. Ele é acusado de se desincompatibilizar do cargo de secretário de Esportes fora do prazo, o que será argüido pelos adversários. Outro calcanhar de Aquiles será dentro do PMDB, pois sua candidatura foi lançada após o rompimento com o PT e teve resistências internas.

FERNANDO GABEIRA

Aliado de grupos que defendem a união civil entre pessoas do mesmo sexo e a legalização do consumo da maconha, Gabeira terá de ter jogo de cintura para manter tais posições, em sintonia com o seu eleitorado mais fiel, sem assustar aqueles que precisam ser conquistados para alavancar a sua candidatura, incluindo os mais conservadores.

CHICO ALENCAR

O PSOL é um partido pequeno, sem estrutura. E esse é o maior calcanhar de Aquiles do candidato. Ele tentará, para superar o problema, usar as estratégias que o PT adotou no Rio há 20 anos, com festas, criatividade, empolgação da militância. Mas a realidade hoje é outra, e a campanha de rua influencia cada vez menos o voto.

ALESSANDRO MOLON

Precisará afirmar a legitimidade de sua candidatura e seduzir os petistas, depois de um desgastante episódio com o PMDB, que o abandonou recentemente. Caciques petistas de São Paulo e Brasília não esconderam que queriam a cabeça de Molon em sacrifício, em nome de uma aliança com o PCdoB que ajudasse o PT no restante do país.

DEU EM O GLOBO

MARATONA DE R$45 MILHÕES
Maiá Menezes

Candidatos buscam formas alternativas de arrecadação, como as doações pela internet

Para disputar os votos dos 4,5 milhões de eleitores do Rio, na campanha que oficialmente começa hoje, os 11 candidatos a prefeito movimentarão até R$45 milhões. É dinheiro para ser gasto na propaganda na TV e no rádio, com material de campanha, agências de publicidade e nas peregrinações pelas ruas da capital. Mais importantes que o montante, porém, serão a forma de captação e a prestação de contas das doações, num esforço por transparência provocado pela crescente cobrança da sociedade por eleições limpas.

Marcado por levantar no Congresso a bandeira contra o caixa dois, o deputado federal Fernando Gabeira, candidato pela coligação PV/PPS/PSDB, planeja inaugurar a arrecadação pela internet, numa adaptação do modelo do candidato democrata às eleições americanas, Barack Obama. O recibo, exigência do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), será entregue ao doador pelo correio. O tesoureiro da campanha, cujo teto de gastos foi fixado em R$7 milhões, será o ex-deputado tucano Márcio Fortes.

- O uso da internet é um avanço, porque é nesse processo de arrecadação que nasce a corrupção - defende a empresária Neila Tavares, coordenadora da campanha e mulher de Gabeira, que promete dar aos internautas acesso diário ao detalhamento das doações.

A primeira prestação de contas das doações terá que ser entregue ao TRE no dia 6 de agosto, e a segunda, um mês depois.

Molon defende doação com cartão

Candidato do PT, o deputado estadual Alessandro Molon lamenta o rigor do TRE, que limita a participação dos pequenos doadores. Ele lembra que, nos Estados Unidos, é possível fazer doações em valores pequenos com cartão de crédito. Molon, que escolheu o deputado federal Antônio Carlos Biscaia (PT) como supervisor de finanças da campanha e planeja gastar até R$8 milhões, diz:

- Sob hipótese alguma aceitarei doação de empresa de ônibus.

Candidata do prefeito Cesar Maia, a deputada federal Solange Amaral (DEM) diz que a captação será feita de forma "explícita e transparente", mas não descarta receber recursos de prestadoras de serviço do município. Para ela, que prevê gastar R$6,5 milhões, a análise será caso a caso.

O ex-secretário Eduardo Paes (PMDB), com o maior tempo de TV - cerca de seis minutos -, apresentou também a maior previsão de despesas: R$12 milhões.

- Não quer dizer que a gente vá gastar tudo. O importante é que a população poderá acompanhar a prestação de contas - diz o tesoureiro da campanha de Paes, Antonio Pedro Viegas Figueira de Mello.

O candidato do PRB, Marcelo Crivella, estimou o custo da campanha em R$6,8 milhões. O tesoureiro da campanha do senador foi escolhido ontem: será Mauro Barata.

O setor naval deverá ajudar a financiar a campanha da ex-deputada Jandira Feghali (PCdoB), diz o coordenador financeiro da campanha, Caíque Tibiriçá. Ele lembra que o setor é uma das áreas de atuação de Jandira. O teto da campanha é de R$5 milhões.

- Sendo lícito, vamos fazer. Para entrar com chances de ganhar, é preciso, infelizmente, fixar valores altos - disse Caíque.

O deputado federal Chico Alencar (PSOL), que apresentou a menor previsão de gastos (R$400 mil), defendeu um pacto por campanhas baratas:

- Financiamento de campanha se tornou a matriz da corrupção política no país. Portanto, a exigência é transparência e austeridade.


Marcelo Crivella
Vice: Jimmy Pereira (PRTB)
Coligação: PRB/PR/PSDC/PRTB

Quem é

O então bispo da Igreja Universal estreou na política em 2002, quando se elegeu senador. A vinculação com a fé, que garantiu a eleição, se tornou obstáculo para o crescimento entre o eleitorado não-evangélico. Foi derrotado, nas últimas eleições, no primeiro turno, pelo prefeito Cesar Maia. Nesta campanha, procura respaldo em setores díspares, como o mundo do samba e a Igreja Católica. Já usou o nome da TV Record, ligada à Universal, para promover sua pré-campanha. Aos 50 anos, Crivella tem três filhos e um neto.

Tempo na TV

Cerca de um minuto e meio
Que eleições já disputou

Em 2002, pelo extinto PL, foi eleito senador; em 2004, concorreu à prefeitura do Rio, também pelo PL, e foi derrotado.


Jandira Feghali
Vice: Ricardo Maranhão (PSB)
Coligação: PCdoB/PTN/PHS/PSB

Quem é

Médica e baterista profissional, é filiada ao PCdoB desde 1981. Aos 50 anos, mãe de um casal de filhos, foi deputada federal por quatro mandatos sucessivos. Em 1986, foi deputada estadual. Em 2004, disputou a prefeitura do Rio pela 1ª vez. Em 2006, concorreu a uma vaga no Senado e amargou uma inesperada derrota para o então deputado federal Francisco Dornelles (PP). Foi relatora na Câmara de um projeto para descriminalizar o aborto, tema usado contra ela na campanha para o Senado.

Tempo de TV

Cerca de três minutos
Que eleições já disputou
Em 1986, elegeu-se deputada estadual; foi eleita deputada federal em 1990, 1994, 1998 e 2002. Em 2004, concorreu à prefeitura do Rio. Em 2006 tentou o Senado e perdeu.

Eduardo Paes
Vice: Carlos Alberto Muniz (PMDB)
Coligação: PMDB/PTB/PP/PSL

Quem é

O ex-deputado federal ganhou projeção com a CPI dos Correios, em 2005. Parlamentar por dois mandatos, surgiu na política pelas mãos de Cesar Maia, de quem hoje é desafeto. No começo dos anos 90, foi subprefeito da Barra e de Jacarepaguá. É bacharel em Direito, tem 38 anos e dois filhos. Ex-secretário-geral do PSDB, foi para o PMDB apadrinhado pelo governador Sérgio Cabral e irritou o partido ao sair pré-candidato. Cabral desistiu e apoiou Alessandro Molon, para depois relançar Paes.

Tempo de TV

Cerca de seis minutos

Eleições que disputou

Em 1996, foi eleito vereador no Rio. Em 1998, elegeu-se deputado federal, reeleito em 2002. Em 2006, disputou o governo do estado pelo PSDB.

Solange Amaral
Vice: Pedro Fernandes (DEM)
Coligação: DEM/PTC/PMN

Quem é
Psicóloga, 55 anos, foi secretária de Habitação do prefeito Cesar Maia e subprefeita. Vinculou sua imagem à do projeto Favela-Bairro, mas hoje tenta se descolar da atual gestão e se apresenta como uma candidata pós-Cesar Maia, que vai aproveitar o que deu certo na administração do aliado e aprimorar o que não deu. Com perfil técnico, a deputada federal tenta imprimir à sua imagem um tom mais leve. Mudou os cabelos e aparecerá mais acessível no horário eleitoral do DEM na televisão.

Tempo de TV

Entre quatro e cinco minutos

Eleições que disputou

Em 1994, elegeu-se deputada estadual; em 2000, foi reeleita. Em 2002, disputou o governo do estado e perdeu. Em 2006, elegeu-se deputada federal.

Alessandro Molon
Vice: Léa Tiriba (PT)
Coligação: PT

Quem é

Mais jovem dos principais candidatos, tem 36 anos e nenhuma experiência administrativa. É advogado e professor de História. Entrou para o PT quando estudava na PUC. É católico carismático e iniciou a atuação parlamentar como opositor ao governo Garotinho e depois ao governo Rosinha. Seu partido corre sozinho na disputa. Chegou a ser lançado pelo governador Sérgio Cabral e pelo presidente da Alerj, Jorge Picciani, mas estes desistiram da aliança para apoiar Eduardo Paes.

Tempo de TV

Cerca de quatro minutos

Eleições que disputou

Em 2000, Molon foi candidato a vereador no Rio e perdeu; em 2002, foi eleito deputado estadual, sendo reeleito em 2006.

Fernando Gabeira
Vice: Luiz Paulo C. da Rocha (PSDB)
Coligação: PV/PSDB/PPS

Quem é

Deputado no quarto mandato, destacou-se em 2005 ao pedir a renúncia do então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, que defendera pena branda para o crime de caixa dois. Deixou o PT antes dos escândalos ligados à legenda. Mineiro, 67 anos, duas filhas, diz que se considera carioca. Em 1969, participou do seqüestro do embaixador dos EUA no Brasil, Charles Elbrick. Defensor da união civil entre pessoas do mesmo sexo e da discussão sobre aborto, tem votação concentrada na Zona Sul.

Tempo de TV

Quatro minutos e 40 segundos

Eleições que disputou

Em 1986, concorreu ao governo do Rio; em 1989, candidatou-se à Presidência da República; em 1994, elegeu-se deputado federal e foi reeleito em 1998 e 2002.

Chico Alencar
Vice: Vera Nepomuceno (PSTU)
Coligação: PSOL/PSTU

Quem é

Decepcionado com o PT depois do escândalo do mensalão, em 2005, foi um dos fundadores do PSOL. É historiador, professor e autor de 26 livros, alguns sobre fé. É católico. Em sua atuação parlamentar como vereador e deputado estadual, defendeu prioridade dos governos para a educação. Aos 58 anos, é pai de quatro filhos, um menino e três meninas. Nunca exerceu cargo majoritário, apesar da longa experiência no Legislativo.

Tempo de TV

Um minuto e 20 segundos

Eleições que disputou

Foi eleito vereador em 1988 e reeleito em 1992. Em 1996, disputou a prefeitura do Rio. Elegeu-se deputado estadual em 1998 e federal em 2002, reeleito em 2006.

OUTROS NOMES: Ainda figuram na lista de candidatos nas eleições quatro concorrentes à sucessão do prefeito Cesar Maia. O deputado estadual Paulo Ramos concorre pelo PDT, em uma chapa puro-sangue, que traz o capitão do tricampeonato da Seleção Brasileira, em 70, Carlos Alberto Torres, como vice. Partidos menores, como o PSC, o PTdoB e o PCB também decidiram pela candidatura própria: no PSC, o deputado federal Felipe Pereira sai candidato. O advogado Vinícius Cordeiro será o nome do PTdoB. E, em convenção no último dia 30, o PCB decidiu lançar o nome do secretário político do partido, Eduardo Serra. Os quatro candidatos terão, cada um, entre um minuto e meio e cinqüenta segundos no horário eleitoral gratuito.