Bolsonaro responde a protestos com a publicação de um vídeo obsceno — uma reação despropositada que fere a compostura do cargo e joga o governo no ridículo
Por Edoardo Ghirotto, Eduardo Gonçalves e Nonato Viegas / Veja
Aprovar a reforma da Previdência em um país com a economia ainda claudicante e mais de 12 milhões de desempregados é um processo político custoso. O governo tem de formar uma base de apoio coesa no Congresso e, ainda por cima, convencer a população da necessidade de certas medidas amargas. E a reforma é só um dos temas que deveriam ser prioritários na comunicação do presidente com a população brasileira. No entanto, em seu canal de preferência, o Twitter, Jair Bolsonaro fez só seis publicações sobre a Previdência. Suas obsessões ideológicas há muito ganham relevo desproporcional, acima dos temas cruciais da economia, da saúde, da educação e até da segurança. Na Terça-Feira de Carnaval, essa fixação na irrelevância militante chegou ao escândalo. No esforço de denunciar os excessos da maior festa popular brasileira, o presidente postou, no Twitter, um vídeo escatológico e obsceno: em um bloco de rua de São Paulo, um folião mexe no próprio ânus e depois outro urina na cabeça dele.
Ainda que, no dia seguinte, uma nota da Secretaria de Comunicação afirmasse que a postagem na “conta pessoal” de Bolsonaro não era um ataque genérico ao Carnaval, mas apenas a distorções do “espírito momesco”, a intenção clara era apresentar aquele episódio particular como representativo fiel da festa — uma evidente retaliação contra as críticas ao governo que tomaram as ruas em mais um Carnaval politizado. O saldo da ressaca veio na Quarta-Feira de Cinzas: no Brasil e no mundo, repercutiu mal o episódio do chefe do Executivo que enxovalhou a dignidade do cargo ao divulgar um vídeo pornô na conta que, na verdade, não é pessoal — é do presidente da República Federativa do Brasil.
A intolerável quebra do decoro resultou da longa fermentação dos rancores do presidente ao longo do fim de semana carnavalesco. Bolsonaro passou o feriado no Palácio da Alvorada, onde recebeu, de assessores, informes sobre as manifestações críticas — e xingamentos — que vários blocos país afora vinham fazendo contra seu governo. Decidiu revidar. Na terça-feira 5, depois de falar com auxiliares — e, por telefone, com o filho Carlos, desde sempre seu orientador nas redes sociais —, tuitou, às 9h19, o vídeo de uma marchinha defendendo restrições na Lei Rouanet, entre as quais o fim da renúncia fiscal para financiar o Carnaval. O cantor do vídeo, ao dedicar sua singela composição a Caetano Veloso e Daniela Mercury, diz aos artistas baianos: “chupa”. Em face do que viria adiante, o insulto aos dois músicos parece trivial. Pouco mais de duas horas depois, o presidente escreveu que “tão importante quanto a economia é o resgate de nossa cultura, que foi destruída após décadas de governos com viés socialista”. Àquela altura, Bolsonaro já recebera de amigos imagens que demonstrariam, segundo sua visão, a imoralidade que predomina no Carnaval. Na tarde do mesmo dia, chegou a seu WhatsApp o vídeo com a performance escatológica de São Paulo. O presidente hesitou em postá-¬lo. Mas um auxiliar em seguida repassou a Bolsonaro outro vídeo desaforado, embora sem atividades excretórias explícitas: em coro, foliões do bloco carioca Boi Tolo entoavam “Ei, Bolsonaro, vai tomar no …!”. Foi a gota d’água: Bolsonaro decidiu denunciar a indecência do Carnaval.