sexta-feira, 29 de maio de 2020

Opinião do dia – Roberto Freire*

Um desabrido antidemocrata e evidente aprendiz de ditador. A democracia está ameaçada. Todo apoio à imprensa livre, ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal. Os democratas reagem com rigor aos ataques autoritários de Bolsonaro, seus filhos, milicianos e crentes do mito. Eles reagem como bichos acuados, que preparam um bote guiados por instintos primitivos. Legislativo e STF têm de deter essa aventura.

*Roberto Freire, Presidente do partido Cidadania 23, ontem na rede social.

Fernando Gabeira* - Algumas notas para resistir

- O Estado de S.Paulo

Depende de nós frear a marcha totalitária, deter o obscurantismo. É só querer

O poeta Carlos Drummond escreveu estes versos: Deus me deu um amor no tempo de madureza/ quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme. Conversando com um político da minha geração, esta semana, lembrei-me do poeta quando ele disse: “Deus nos deu uma luta pela democracia, nos últimos anos de vida”.

Não esperávamos por essa. No entanto, não dá mais para ignorar que o sinal vermelho do regime autoritário está aceso no Brasil.

De um lado, vê-se um presidente falando em armar o povo, como Mussolini ou Chávez, e isso diante de uma plateia de generais indiferentes à gravidade desse discurso; de outro, um general falar em crise institucional porque um ministro do Supremo apenas cumpriu um artigo do regimento interno, despachando um pedido para o procurador-geral da República considerar: a perícia no telefone do presidente da República.

Nossa atenção estava toda concentrada na pandemia, o maior desafio depois da 2.ª Guerra Mundial. Mas um ministro diz na reunião do conselho que é preciso aproveitar nossa atenção no coronavírus para passar uma boiada de medidas que não suportam a luz do sol.

Pois muita coisa está se passando diante dos nossos olhos consternados com a sucessão de mortes e amedrontados com a síndrome respiratória aguda. Bolsonaro seduziu as Forças Armadas com verbas orçamentárias e uma suave reforma da Previdência. E mais ainda, fez um apelo ao salvacionismo que viaja no espírito deles desde a Proclamação da República e abarrotou o governo com militares.

Tudo indica que estão anestesiados. Generais reagem com sonolência a um projeto de milícias armadas. Sabem que Bolsonaro é homem de denunciar fraudes nas eleições que venceu, logo estará pronto para pegar em armas quando for derrotado adiante.

Merval Pereira - Caneta sem tinta

- O Globo

Os membros do Supremo riscaram uma linha de onde não admitirão passar os desmandos do presidente e seus seguidores

O presidente Bolsonaro conseguiu cimentar uma união interna no Supremo Tribunal Federal (STF) que já vinha sendo formada no cotidiano da Corte diante dos riscos à democracia desenhados pela retórica agressiva dos militantes bolsonaristas, em manifestações avalizadas pelo próprio presidente, e em atitudes agressivas das milícias, digitais ou não, contra seus membros.

Para além desse sentimento até mesmo de autopreservação, não fosse a ameaça à democracia, os ataques ao decano do STF, ministro Celso de Mello, tornaram-se exemplares da falta de limites desses militantes, que o decano classificou de “bolsonaristas fascistóides”.

Celso de Mello, aliás, já previa os problemas que a radicalização política poderia causar à democracia no país. Em 2018, com problemas de saúde que o impediam de se locomover normalmente, pensou em se aposentar. Começou mesmo uma conversa sobre seu substituto, e indicou indiretamente ao presidente Michel Temer que se sentiria feliz se a advogada-geral da União, Grace Mendonça, fosse indicada para sua vaga.

Míriam Leitão - Com que forças conta Bolsonaro?

- O Globo

Presidente atacou de novo as instituições dentro do seu projeto autoritário. Limites têm sido colocados, e ele os testa diariamente

O Brasil está em situação grave. Os militares do gabinete e o ministro da Defesa acham que o presidente Jair Bolsonaro tem razão e só fazem reparos ao tom. Acreditam que, sim, o Supremo Tribunal Federal (STF) está exorbitando de suas funções. Não está, mas a opinião dos militares dos quais se cercou o reforça, e ele então decide escalar e assim fortalece sua militância. Por outro lado, na reforma da Previdência foi feito um grande agrado às polícias militares, com a extensão aos PMs do benefício dado às Forças Armadas: a manutenção da integralidade e da paridade. Isso aumentou o apoio das PMs ao presidente. Bolsonaro ontem fez ameaças ao Supremo e ao ministro Celso de Mello. Quem vai impor limites? Perguntei isso a uma alta autoridade, e ouvi que as instituições já estão impondo limites.

Na visão dessa autoridade, o que os ministros Celso de Mello e Alexandre de Moraes estão fazendo é impondo limites. O plenário do STF tem feito isso também. Câmara e Senado, quando mudam propostas ou rejeitam projetos, estão avisando ao presidente quais são as fronteiras entre os poderes.

— As instituições estão fazendo um risco no chão — disse essa autoridade.

Bernardo Mello Franco - Golpismo no sangue

- O Globo

Na família Bolsonaro, o golpismo passa de pai para filho. Ontem Jair saiu em defesa do descumprimento de decisões judiciais. Eduardo sugeriu uma ação militar para “zerar o jogo”

Na família presidencial, o golpismo passa de pai para filho. Está no sangue. Na noite de quarta, Eduardo disse que Jair pensa em tomar “medidas enérgicas” contra o Supremo Tribunal Federal. Ao lado de dois investigados no inquérito das fake news, o deputado afirmou que o país se aproxima de um “momento de ruptura”. “Não é mais uma opinião de ‘se’, mas de ‘quando’ isso vai ocorrer”, sentenciou o Bananinha.

“A hora da medida enérgica já passou”, retificou o guru do clã. De seu posto avançado na Virgínia, o ideólogo do bolsonarismo passou a atacar dois ministros do Supremo. Segundo ele, ambos deveriam ser “removidos da vida pública”. “Esse seu Alexandre de Moraes tem que ser posto na cadeia e não ter o direito de falar. Eu sou a favor da pena de morte”, acrescentou, depois de se referir ao ministro Celso de Mello com palavrões.

Nelson Motta - Zumbis digitais

- O Globo

Graças à tecnologia, muitos artistas mortos estão revivendo

Agora é só uma questão de tempo. Entre a realidade e a animação digital já não há limites, como se viu no tigre de “A história de Pi”, no dragão de “Game of Thrones”, nos pássaros de “Rio”; e se já fazem animais tão bem (nesses filmes “diretor de pelos” e “diretor de penas” são créditos importantes), quando começarão a fazer humanos? Os atores apenas cederão os direitos de uso de sua imagem, serão escaneados e o resto fica com o pessoal da animação. E com o “diretor de cabelos” e o “diretor de pele”. Os atores só dublarão os seus avatares.

As interpretações do ator digital podem até ser melhores que as de humanos canastrões. O diretor pode fazer com ele o que quiser, sem discussões, quantas vezes quiser. Sem hora extra nem cansaço, sem crises existenciais e sem esquecer o texto. Como um fantoche digital. Não precisa nem ser um ator que já exista, pode ser um novo, criação digital original com personalidade própria, que, nas mãos dos animadores, pode engordar e emagrecer, envelhecer e rejuvenescer, rir, chorar, e até voar.

Ricardo Noblat - Bolsonaro ameaça o país com um golpe, mas recorre à Justiça

- Blog do Noblat | Veja

Bravatas e bravateiros
Magnífico dia, o de ontem, escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro para brincar de marcha soldado, cabeça de papel, se não marchar direito vai preso pro quartel. Ameaçou desatar uma crise institucional com a desobediência a uma ordem da justiça. No fim, recorreu ao Supremo Tribunal Federal contra a decisão de um dos seus ministros. Operou o prodígio de unir os ministros contra ele.

No seu caso, bravata é um mal de família. Eduardo, deputado federal, bravateou no passado que bastariam um cabo e dois soldados para fechar o Supremo. Anteontem, ao lado de dois blogueiros investigados pela fabricação de falsas notícias, que “o momento da ruptura” é só uma questão de tempo. Não faz tanto tempo assim que o vice-presidente batizou o rapaz de Eduardo Bananinha.

Por sua vez, Carlos, o vereador, boca suja igual a do pai, inaugurou seu novo celular mandando o PSOL e demais partidos de esquerda para aquele lugar… O mais calado dos três zeros, parceiro de Queiroz na expropriação de parte dos salários de seus funcionários, Flávio calou-se. Havia celebrado a operação policial de cerco ao governador do Rio. A nova operação foi para cima dos seus amigos.

Um pai miliciano e seus três pivetes tumultuam o Brasil com seus delírios. E logo no dia em que o país registrou um total de 26.754 mortos e de 438.238 pessoas contaminadas pelo Covid-19. Já morreu mais gente só no Rio do que na China inteira, berço do vírus. O desemprego cresceu 12,6% no primeiro trimestre do ano. Agora são quase 13 milhões de pessoas em busca de trabalho.

Dora Kramer - De 8 a 80

- Revista Veja

De um lado, os defensores do imediato impedimento do presidente da República; do outro, os convictos da reeleição em 2022

Nesta era de extremos em que vivemos, a segunda vítima (depois da verdade, a primeira) de vozes e olhares radicais é o espaço existente entre o oito e o oitenta. Nele vicejam atitudes moralmente condenáveis e/ou criminalmente enquadráveis. Não obstante, avoluma-se a aglomeração nos polos opostos. De um lado, os defensores do imediato impedimento do presidente da República; do outro, os convictos da reeleição em 2022.

O atual epicentro da discussão é a notória reunião de abril. O vídeo ensejou interpretação mais ou menos generalizada de que ali não havia prova cabal das pressões do presidente sobre a Polícia Federal, apontadas por Sergio Moro.

Por essa óptica, na ausência da tal da “bala de prata”, o procurador-geral da República não teria razão para oferecer denúncia ao Supremo Tribunal Federal contra Bolsonaro, que estaria, assim, livre da ameaça do impeachment.

O raciocínio materializou-se na reação do “mercado”. Os financistas, parceiros de empresários na falta de perspicácia política, respiraram aliviados ante a queda do dólar e a subida das ações na bolsa. Na versão de seus analistas, não havia nada ali de mais grave além das grosserias. Muitos até fora da bolha dos súditos do Jair concordaram.

José de Souza Martins* - Conspiração do jaguapoca

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Os palavrões do presidente em reunião revelam um homem que só interage agredindo. Seu inimigo invisível tem o nome da onça que é menos onça do que deve ser

A reunião dos ministros, de 22 de abril, agora acessível a todos, foi convocada pelo general Braga Netto, ministro-chefe da Casa Civil, para o estabelecimento de um pacto em favor do Plano Pró-Brasil, de retomada do crescimento econômico. Um Plano Marshall brasileiro, explicou, aludindo equivocadamente ao plano americano que, após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), assegurou o dinheiro para a recuperação e o progresso econômico dos países derrotados.

Braga Netto se referia à política do New Deal, que o presidente Franklin Roosevelt pôs em prática para recuperar a economia americana da grande crise econômica de 1929.

Seu plano é, no fundo, um plano de investimentos estatais em infraestrutura, para criar emprego e renda e seus multiplicadores. Um plano de desenvolvimento econômico com efeitos sociais diretos em oposição ao plano neoliberal de Paulo Guedes, que é um plano só de crescimento econômico, com efeitos sociais indiretos. E o objetivo político de eleger Bolsonaro em 2022, proclamou ele.

O plano de Braga Netto não parece limitado a tentar salvar o PIB e os lucros do grande capital, como é o de Guedes. O é, porém, de forma indireta. Induz a interiorização dos centros de decisão do desenvolvimento econômico. Há aí, em germe, um potencial neonacionalismo, oposto à geopolítica bolsonarista de satelização do Brasil em relação aos EUA.

Claudia Safatle - Dúvidas sobre a solvência da dívida

- Valor Econômico

A situação é extremamente dramática, diz o economista Edmar Bacha

A saída para a economia, no período pós- pandemia, é retomar a agenda de reformas com foco na solvência da dívida interna. A dívida bruta como proporção do PIB terá uma escalada, saindo de 75,5% para a casa dos 90% do PIB este ano. Os sinais já são inquietantes. A dívida mobiliária teve resgate líquido de R$ 240 bilhões nos primeiros quatro meses do ano e os prazos dos títulos estão se encurtando.

Essa preocupação ficou clara durante o debate ontem, na Câmara, entre os economistas Arminio Fraga, Ilan Goldfajn, ambos ex-presidentes do Banco Central, Ana Paula Vescovi, ex-secretária do Tesouro Nacional, e Edmar Bacha, um dos responsáveis pelo Plano Real.

Será importante, também, redesenhar os programas sociais para focá-los em quem realmente precisa da ajuda do Estado. A crise da covid-19 mostrou que é necessário fazer o ajuste de forma “justa”, salientou Vescovi.

O auxílio emergencial de R$ 600 que teria, segundo dados oficiais, atingido cerca de 38 milhões de brasileiros que não tinham qualquer ajuda estatal, deverá ser prorrogado por mais um par de meses, em menor valor. Em um novo formato, ele poderia transformar-se em um programa de renda básica como resultado de mudanças, inclusive, no seguro-desemprego.

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), deixou, durante o debate, uma informação relevante: Hoje a grande discussão que divide o governo é se a retomada da economia terá que ser feita com base em investimentos públicos ou se deve-se priorizar o investimento privado. Essa é uma divisão que sempre se apresenta nos momentos mais graves de crise, a despeito da absoluta falta de recursos do Tesouro Nacional para investir.

Humberto Saccomandi - Epidemia deve levar a aumento de impostos

- Valor Econômico

Países terão déficit público recorde. Essa conta terá de ser paga

Governos por todo o mundo estão fazendo esforços hercúleos para conter a devastação causada pela epidemia de covid-19 na economia e na saúde. Nunca se gastou tanto em tempos de paz. Passado o pior dessa crise, a ressaca fiscal deverá resultar igualmente desafiadora.

Será difícil escapar de uma onda de aumento de impostos para reajustar as contas públicas. Haverá muita movimentação nesse sentido nos próximos meses. E esse processo de alta da carga fiscal, se não bem conduzido, pode gerar tensão social, política e mais dano econômico.

Neste momento de guerra ao coronavírus, os governos estão aumentando incrivelmente os seus gastos, de um modo que é até difícil de controlar, para financiar o setor de saúde e para ajudar empresas e pessoas que perderam faturamento e renda.

Os governos estão sofrendo ainda com uma queda sem precedentes da receita. A atividade econômica desabou, e a arrecadação de impostos caiu junto. Além disso, os programas de socorro incluem medidas de alívio fiscal. Muitos países adiaram o recolhimento de impostos ou reduziram seu valor. Possivelmente, parte desses impostos nunca serão pagos.

Rogério L. Furquim Werneck* - Cenas de desgoverno

- O Estado de S.Paulo / O Globo

Teria sido menos deprimente se os participantes da reunião tivessem se limitado a não contestar os acessos de primitivismo de Bolsonaro

É impossível ver o vídeo da fatídica reunião ministerial de 22 de abril sem ser tomado por avassaladora apreensão com a forma como o País vem sendo governado. Calam fundo não só os gritos, como os silêncios. Entre muitas outras barbaridades, o presidente da República confessou aos brados, com todas as letras, para quem quisesse ouvir, que está ostensivamente empenhado em levar adiante um projeto com o objetivo deliberado de “armar o povo” para que possa confrontar autoridades constituídas dos governos subnacionais.

Já houve tempo – e não me refiro às duas décadas de regime militar – em que tal confissão faria soar todos os alarmes nas Forças Armadas. Não foi o que se viu. Nenhum dos muitos oficiais-generais presentes na reunião sequer piscou. Mas o que de fato importa, no caso, é o que o Supremo e a Procuradoria-Geral da República terão a dizer sobre tão desafortunada confissão. Acuado como está, o presidente não perde oportunidade de se encalacrar cada vez mais.

Teria sido menos deprimente se os participantes da reunião tivessem se limitado a não contestar os acessos de primitivismo de Bolsonaro. Mas o que se viu foi um torneio de capachismo, em que ministros e outras autoridades presentes se revezavam em louvores aos despropósitos vociferados pelo presidente, sem descuidar do estilo primitivo que parecia ser de uso protocolar na reunião.

Celso Ming - No escuro contra o vírus

- O Estado de S.Paulo

A flexibilização da quarentena em São Paulo, o epicentro da epidemia no Brasil e no auge da crise, pode passar a ideia de que a crise está passando. Mas é falsa.

O governador do Estado de São Paulo, João Doria, apresentou um programa multicolorido que pretende ser uma flexibilização inteligente do isolamento social a partir de 1.º de junho, baseada na ponderação de critérios técnicos. Mas a iniciativa é uma demonstração das enormes dificuldades a serem enfrentadas na escolha de políticas públicas no meio da incerteza.

Em princípio, a flexibilização seletiva deveria se basear em levantamentos sobre o comportamento do vírus, sobre o índice de contaminação, de capacidade do atendimento da rede hospitalar e do grau de imunização da população. Foi por isso que a Organização Mundial da Saúde (OMS) vinha recomendando testes, testes e mais testes.

Vinicius Torres Freire - Vírus matou mais emprego que recessão

- Folha de S. Paulo

Número de empregos perdidos desde a epidemia é maior que na crise de 2014-2016

A Grande Recessão brasileira levou mais ou menos dois anos para dizimar 2,5 milhões de empregos, que desapareceram entre dezembro de 2014 e dezembro de 2016. A Grande Catástrofe da epidemia já destruiu mais de 3 milhões de empregos (na comparação com abril do ano passado).

Depois da Grande Recessão, o número de pessoas ocupadas em algum tipo de trabalho ainda continuou a cair até chegar ao fundo do poço em março de 2017. Levou mais dois anos, até 2019, para que tivéssemos um março dos tempos do pico do emprego.

Do saldo de empregos criados nesse tempo, dois de cada três eram de assalariados sem carteira assinada e “por conta própria” sem CNPJ, informal de todo, a julgar pelos dados da Pnad, a pesquisa do IBGE.

O emprego formal jamais voltou àqueles tempos pré-Grande Recessão. Pelos dados do registro de empregos formais do Ministério da Economia (Caged), ainda em dezembro do ano passado estavam desaparecidos 1,7 milhão de empregos com carteira assinada. Apenas neste ano, se foram mais 860 mil empregos com carteira assinada.

Hélio Schwartsman – É bom Jair obedecendo

- Folha de S. Paulo

Democracia é o regime dos erros sucessivos

Faz bem o Supremo Tribunal Federal em impor limites a Jair Bolsonaro e a seus asseclas. Eles já deram repetidos sinais de que, deixados livres, não se deteriam diante de nada em seu intento de transformar o país em uma monarquia terraplanista.

A trupe bolsonarista tem o estranho dom de desmoralizar tudo de que se aproxima. Em alguns casos, o movimento é voluntário, como se vê nos esforços do grupo para erodir instituições como Legislativo, imprensa e o próprio Judiciário.

Em vários outros, a perversão não é pretendida, mas fruto de incompetência. É disso que foram vítimas a saúde pública, as perspectivas para a economia, que só pioram, e a própria Presidência da República, rebaixada a enredo de filme pastelão na reunião ministerial a que tivemos acesso por decisão do STF.

Institucionalmente, o ideal seria que fossem a PGR ou o Congresso a cortar-lhes as asinhas. Como Aras e Maia se acovardam, só resta mesmo o STF. Daí não decorre que o processo ocorra sem asperezas.

Bruno Boghossian – Jair subiu no tanque

- Folha de S. Paulo

Presidente amplia ameaças de intervenção militar e recorre a uma base cada vez mais fervorosa

Jair Bolsonaro é hoje consideravelmente mais impopular do que era um mês atrás. Atualmente, há muito mais brasileiros que consideram o governo ruim ou péssimo do que gente que aprova seu desempenho. O presidente agora se equilibra em cima de tanques e diante de uma base cada vez mais fervorosa.

O governo nasceu sob a expectativa positiva de 65% dos brasileiros, segundo uma pesquisa feita antes da posse. Bolsonaro rapidamente jogou fora essa boa vontade e se acomodou sobre uma divisão dos brasileiros em três terços, que consideravam o governo bom, regular e ruim.

O arranjo estava longe de ser confortável para qualquer político, mas deu alguma estabilidade a um presidente que cometeu barbaridades diárias e se mostrou incapaz de apresentar um programa minimamente coerente para o país.

Reinaldo Azevedo - O inquérito é legal; ilegal é o golpismo

- Folha de S. Paulo

Não use, ó moralista da isenção, a investigação como desculpa para sua covardia

Havendo quem queira usar a suposta irregularidade do inquérito 4.781 para flertar com o golpismo de Jair Bolsonaro ou, diante dele, omitir-se, decretando um empate moral entre as partes, fique à vontade. Mas é falso. Quando no exercício das competências penais originárias, previstas no artigo 102, inciso I, alínea "b", da Constituição, o STF preside o inquérito e exerce a supervisão judicial. Qual a novidade?

Também o artigo 2º da lei 8.038 e os artigos 230 a 234 do regimento interno do STF, que tem força de lei, disciplinam a questão. Essa conversa de ilegalidade do inquérito é papo furado. De resto, está, claro: Alexandre de Moraes não vai oferecer a denúncia. O conteúdo do inquérito será remetido ao Ministério Público, que continua titular da ação penal.

"Ah, não poderia ter sido aberto de ofício, e o relator não poderia ter sido escolhido pelo presidente do STF". Poderia, como dispõe o artigo 43 do regimento interno do tribunal. "Mas se fala ali em 'infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal'". É o mais ridículo de todos os óbices.

Como bem lembrou André Mendonça, atual ministro da Justiça quando advogado-geral da União, "os fatos que atingem essa Corte Suprema e seus Ministros são preponderantemente praticados pela internet (espacialidade delitiva não prevista na literalidade da norma, dada a data de sua edição: 27/10/1980). Ou seja, a abrangência da previsão regimental ora sob análise equivale à jurisdição da Corte, que, nos termos do artigo 92, § 2º, da Constituição Federal, alcança todo o território nacional."
Ignorância se corrige, má-fé, não.

Ruy Castro* - Talentos no confinamento

- Folha de S. Paulo

A ponto de me tornar campeão carioca de descascar laranjas, regar as plantas e passar o aspirador

Entre as surpresas com que o confinamento nos tem brindado, estão os talentos que muitos de nós estamos exibindo. É assim, por exemplo, que, depois de surgirem nos primeiros dias com os cabelos espavoridos e de raízes subitamente brancas, nossas belas comentaristas da televisão já voltaram à forma que as consagrou. Como as profissionais com que se cuidavam também estão em casa, tudo indica que as moças da TV desenvolveram habilidades que o dia a dia não lhes permitia explorar. Para nós, espectadores, o melhor foi descobrir que nossa admiração por elas não se alterou nos dias de descabelo.

Homens e mulheres que, até há pouco, não sabiam nem abrir uma lata ou ferver água estão se revelando mestres no preparo de saladas, omeletes, nhoques e brigadeiros. Os mais ousados começaram a se aventurar na complexidade dos suflês, moquecas e crêmes brulés, e estou sabendo de uns poucos que, nestes dois meses, já pensam em produzir o Ph.D das iguarias: uma bouillabaisse. Tanta sofisticação não elimina, claro, um problema que, agora, todos estamos tendo de encarar —lavar os pratos.

Monica de Bolle* - A reabertura inevitável e fatal

- Revista Época

O Brasil, que longe está de poder reabrir sem risco, começará a fazê-lo a partir da semana que vem. Teremos mais meses de tragédia pela frente, e, para completar o quadro, a economia não será poupada

O Brasil tem quase 400 mil casos de Covid-19. Já é o segundo no mundo depois dos Estados Unidos. As mortes continuam a subir, os recursos hospitalares já estão no limite, acima do limite, ou muito próximos do limite, a depender da localidade. O fator de contágio, o que os epidemiologistas chamam de R0, permanece acima de 1: provavelmente bem acima de 1, a julgar pelas conhecidas subnotificações e testagem para lá de insuficiente. Com o fator de contágio acima de 1, a epidemia recrudesce no instante em que o isolamento social começa a ser relaxado. Por esse motivo, os países europeus que estão reabrindo lentamente sua economia só o fazem porque o R0 está, hoje, abaixo de 1. Para mantê-lo nesse patamar sem vacinas, será preciso um enorme esforço dos governos, a readequação dos locais de trabalho, uma mudança de comportamento.

São Paulo anunciou a reabertura para o dia 1º de junho. Aqui em Washington, DC, onde moro, a reabertura gradual só será considerada — considerada, não feita — no dia 8 de junho.

Mas voltando ao Brasil. Tenho acompanhado, sob sugestão de amigos infectologistas aqui nos Estados Unidos, este site. Nele há projeções sobre o curso da epidemia no Brasil, bem como as estimativas de óbitos por Covid-19. Desde março, as projeções para o país têm se confirmado. Caso se confirmem para junho e julho, em meados de junho teremos 50 mil óbitos e em meados de julho o número chegará à catastrófica marca dos 100 mil, patamar em que estão os EUA. A diferença é que, nos EUA, as medidas de isolamento ainda estão em vigor em várias partes do país, mesmo que a curva epidemiológica tenha melhorado. O Brasil haverá de suspendê-las muito antes do ponto mais ou menos seguro (segurança absoluta sem vacina é algo que não existe).

Guilherme Amado - Como Fukuyama, Levitsky e Mounk veem a situação do Brasil

- Revista Época

Conversei nos últimos dias com três dos maiores especialistas mundiais em democracias. Suas respostas mostram como a visão do presidente entre a nata da ciência política mundial é ainda pior do que a que grande parte da população brasileira tem hoje

Jair Bolsonaro costuma dizer que jornalistas e analistas brasileiros são demasiadamente críticos com seu governo, por considerar injusto que se apontem os erros de sua gestão e os excessos e irregularidades cometidos por alguns de seus familiares. Mas o Bolsonaro 2020 está muito pior do que o Bolsonaro 2019, e nada sugere que um Bolsonaro 2021 vá ser melhor do que o atual. Não bastasse o descaso com as mais de 25 mil mortes por Covid-19, doença cujo combate ele mais atrapalha que ajuda, o presidente passou, neste ano, a flertar ele mesmo com uma ruptura democrática, volta e meia usando as Forças Armadas como um espantalho, como se colocasse medo no restante da sociedade. Ou se faz o que ele quer, sem Supremo Tribunal Federal ou Congresso se contrapondo, ou ele usa os militares para dar um golpe. É quando esse tipo de comportamento é criticado que o presidente se irrita. Pensando em dar mais pluralidade à análise do governo, conversei nos últimos dias com três dos maiores especialistas mundiais em democracias. Perguntei aos americanos Francis Fukuyama e Steven Levitsky e ao alemão Yascha Mounk como eles veem a crise atual do governo do ex-capitão e o combate à Covid-19 no Brasil.

As respostas mostram como a visão do presidente entre a nata da ciência política mundial é ainda pior do que a que grande parte da população brasileira tem hoje.

O que a mídia pensa - Editoriais

• Inaceitáveis pressões sobre o Supremo – Editorial | O Globo

Bolsonaro e família atacam a Corte, aumentam o desrespeito à Carta e o desprezo à democracia

O presidente Bolsonaro tem exercitado com grande competência a capacidade de criar tensões políticas, característica marcante de seu comportamento, acompanhada de uma irascível posição anti-Ciência, que foi ficando mais exposta no agravamento da crise de saúde pública da Covid-19.

Agora, cresce em irresponsabilidade no enfrentamento inaceitável que passou a fazer ao Supremo, a mais alta Corte do país. Afrontá-la é um ataque à Constituição, à democracia.

O Planalto se insurge contra as buscas e apreensões ordenadas à Polícia Federal pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, no inquérito que preside sobre a produção de fake news e ataques nas redes sociais contra juízes da Corte, no qual foi incluído o ministro da Educação, Abraham Weintraub, pelas agressões de baixo nível que fez ao Supremo na reunião ministerial de 22 de abril. Alexandre de Moraes já tinha passado a ser alvo da ira do radicalismo bolsonarista ao atender a pedido do PDT e impedir a posse, na direção-geral da PF, de Alexandre Ramagem, próximo a Bolsonaro e filhos. Por “desvio de finalidade”, dada esta proximidade nada republicana.

Em reunião com ministros e assessores na noite de quarta, Bolsonaro decidiu que o ministro da Justiça, André Mendonça, e não a Advocacia-Geral da União, como de praxe, encaminharia pedido de habeas corpus em favor de Weintraub e de todos os atingidos pelos mandados de busca e apreensão. Outro acinte. O governo assumiu, assim, além da defesa de seu ministro, que atacou de forma baixa os ministros da Corte, também o lado de políticos, de militantes e de empresários acusados de usar as redes sociais para difamações e de financiar toda essa operação. Outro desvio de finalidade.

Música | Tom Jobim: Chovendo na roseira

Poesia | Manuel Bandeira - O Bicho

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.