sábado, 19 de junho de 2021

Sergio Fausto* - O bicho-papão do comunismo

O Estado de S. Paulo

Hoje é a extrema direita paranoica e obscurantista que representa perigo real

Trinta anos atrás, em agosto de 1991, o comunismo recebeu seu atestado de óbito, com a dissolução da União Soviética. Morreu de morte morrida, provocada pela esclerose múltipla de um sistema político e econômico dirigido por uma burocracia hipertrofiada a serviço de si mesma.

Quando a Cortina de Ferro começou a se entreabrir, o bloco soviético não resistiu à comparação com o nível de bem-estar alcançado pelos países da Europa Ocidental, onde havia mais liberdade e melhores condições materiais de vida. Gorbachev bem que tentou reformar o sistema para evitar a dissolução da União Soviética, mas já era tarde demais. Ela ruiu, assim como havia ruído o Muro de Berlim dois anos antes, marcando o fim do domínio soviético sobre o Leste Europeu.

Mesmo antes de morrer, o comunismo já não representava ameaça ao Ocidente. Com a ascensão de Gorbachev à Secretaria-Geral do Partido Comunista da União Soviética, em 1985, as relações entre a pátria do socialismo e as potências capitalistas mudou definitivamente de natureza. “I like Mr. Gorbachev. We can do business together” (eu gosto do sr. Gorbachev. Nós podemos trabalhar juntos), disse ninguém menos que a conservadora primeira-ministra do Reino Unido Margareth Thatcher, depois de se encontrar em Londres com uma delegação de representantes soviéticos chefiada por Gorbachev, então estrela ascendente no Politburo. Era dezembro de 1984. Bom lembrar que a outra pátria do comunismo, a China, já havia normalizado desde a década anterior as suas relações com os Estados Unidos.

Pablo Ortellado - A esquerda não basta

O Globo

É preciso criar uma ampla coalizão para resistir a tentativa de ruptura institucional que se anuncia

Os protestos anti-Bolsonaro, que têm hoje uma nova rodada, precisam cumprir duas funções. A primeira é tentar apressar a saída do presidente por meio de um impeachment. É uma tarefa difícil, improvável, mas que vale a pena perseguir, por imperativos morais, mas também porque auxilia a segunda função: criar uma ampla coalizão para resistir à tentativa de ruptura institucional que se anuncia em outubro de 2022, caso Bolsonaro perca as eleições. Essas duas tarefas exigem muito mais do que apenas a esquerda nas ruas.

Estamos no mês de junho do ano que antecede as eleições, o que torna o calendário para o impeachment apertado. Ainda que Arthur Lira, presidente da Câmara, aceitasse um dos pedidos, o processo só seria concluído no começo de 2022, a poucos meses das eleições.

A dura verdade é que, embora não faltem crimes de responsabilidade, ainda não temos condições políticas para fazer avançar um pedido de impeachment. Para que fosse aceito, seria preciso que o apoio a Bolsonaro caísse pela metade e que o presidente perdesse o controle do Congresso.

Cristovam Buarque* - O PT é Centro

Blog do Noblat / Metrópoles

O PT é um partido mecânico e analógico, ainda não captou a economia e a sociedade do futuro baseadas no conhecimento na era digital e global

Nesta semana, alguns partidos se reuniram com o propósito de encontrar um candidato à presidência para sair da polarização. Mas se fosse para reunir forças de Centro, o PT deveria ser chamado, porque foi de esquerda no tempo em que o futuro estava na industrialização mecânica protegida nacionalmente, o capital não estava no domínio do conhecimento que vem da educação e o equilíbrio ecológico não estava ameaçado.

Para ser de esquerda hoje, é preciso defender modelo de crescimento subordinado ao equilíbrio ecológico. O PT é um partido do aumento do PIB, não defende um novo indicador de progresso. Prova disto são os projetos de grandes represas para gerar energia elétrica, tanto quanto o fascínio pela indústria automobilística e a adoção de subsídios fiscais e financiamentos públicos para setores econômicos antiquados do ponto de vista ecológico, social e tecnológico.

Outra característica de esquerda é a visão de que o vetor do progresso econômico e da justiça social está na máxima qualidade da educação de base de toda população. O PT não assume o propósito de fazer nossa educação de base estar entre as melhores do mundo e com a mesma qualidade para todos. “O filho do pobre em escola com a mesma qualidade da escola do filho do rico” não é um lema do PT.

Bolívar Lamounier* - Atração pelo abismo

O Estado de S. Paulo

Temos consciência de nossa estagnação,mas tudo indica que não queremos sair dela

 “Durante anos, puseram-se a fitar a superfície do mar. Aí, resolveram atirar-se à sua última ousadia: ir aos confins do mundo, para ver o abismo. Partiram em viagem, num barco muito pequeno. Entendiam como um sinal de esperança o fato de as aves marinhas seguirem o barco até mar alto” Werner Herzog

 Dias atrás (9/6), o presidente argentino, Alberto Fernández, causou revolta ao afirmar: “Os mexicanos saíram dos índios, os brasileiros saíram da selva, mas nós, os argentinos, chegamos em barcos”. Essa declaração foi feita em entrevista ao lado do primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez.

Em sua inoportuna e disparatada comparação, ao afirmar que seu povo veio para a América do Sul “em barcos”, o presidente argentino omitiu um detalhe importante. Esqueceu-se de que a Argentina se destaca no mundo inteiro como o país que durante décadas e décadas mais cedeu a atração fatal do retrocesso. A atração pelo abismo. Tendo praticamente chegado ao Primeiro Mundo, fez questão de regredir ao subdesenvolvimento. Não sob a pressão de algum fator externo, como uma guerra, ou de alguma catástrofe natural, mas movido apenas por seus desacertos domésticos, regrediu e acomodou-se à pobreza comum em nosso triste Hemisfério.

Mas abstenha-se o roto de rir do esfarrapado. Também no Brasil a atração pelo abismo existe e se manifesta de forma notavelmente sistemática. Temos consciência de nossa estagnação, mas tudo indica que não queremos sair dela.

Nosso desempenho no combate à covid-19 é bem menos que mediano. Tratada com indiferença nas primeiras semanas, a “gripezinha” já ceifou cerca de 500 mil vidas. Temos alguns bons laboratórios e um excelente serviço de atendimento – o SUS –, mas sem os insumos que o resto do mundo relutantemente nos fornece o que eles podem fazer é pouco. Pior ainda é o bate-boca diário entre as autoridades governamentais – encabeçadas pelo sr. Jair Bolsonaro – e os agentes de saúde – médicos, enfermeiros e outros – que se expõem diretamente aos riscos dessa terrível emergência.

No âmbito das elites, públicas e privadas, querelas rigorosamente desprovidas de conteúdo sucedem-se dia após dia, levando o cidadão comum a supor que são apenas uma ópera-bufa concebida para ocultar a apropriação do público pelo privado. Falar de corrupção é chover no molhado. A verdade nua e crua é que os integrantes da atual geração política parecem ignorar a urgência das tarefas que lhes são afeitas, a missão que juraram cumprir e até os elementos litúrgicos que lhes incumbe observar. Na hora atual, o que mais vemos é a esgrima pré-eleitoral, a mais de um ano da data prevista para o pleito.

João Gabriel de Lima - As direitas no redemoinho de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

Para ser protagonistas, as direitas brasileiras têm de se afastar do presidente, que não é liberal nem conservador

Ser de direita no Brasil era como ser de esquerda na Polônia. Lá, a palavra “esquerda” lembra a ditadura comunista e a opressão da antiga União Soviética. Aqui, “direita” esteve associada, por muito tempo, à ditadura militar instaurada para combater uma ameaça socialista inexistente. Em nome desse objetivo, torturou, gastou sem responsabilidade fiscal e entregou aos civis uma economia com a doença da inflação. 

Na Polônia, ainda hoje, a disputa eleitoral se dá entre a direita e a extrema direita. No Brasil, até pouco tempo atrás, a política se organizava em torno de duas siglas nascidas à esquerda. Uma chefiada por um líder sindical e a outra por um professor universitário que, nos anos 1960, capitaneava um grupo de estudos sobre Karl Marx. Em 1978, o professor concorreu ao Senado com o apoio do líder sindical. Mais tarde, os dois se tornaram presidentes. 

As direitas sofreram para exorcizar a pecha autoritária. Nos anos 1990, organizaram-se em seminários sobre liberalismo. Durante o protagonismo de PT e PSDB, abrigaram-se em partidos “de suporte”, na definição do cientista político Carlos Pereira, colunista do Estadão e personagem do minipodcast da semana. Um artigo ainda inédito redigido por ele, Samuel Pessoa e Frederico Bertholini mostra como, em democracias multipartidárias, algumas siglas abrem mão do protagonismo para apoiar governos. Ganham em troca influência e cargos. 

Carlos Alberto Sardenberg - Do excesso de denúncias ao liberou geral

O Globo

O Brasil estava à beira de uma crise fatal no sistema financeiro em 1995. Dito de outra maneira: boa parte dos bancos, públicos e privados, não tinha o dinheiro necessário para honrar os depósitos e aplicações dos clientes.

A origem, paradoxal, dessa crise estava no fim da inflação. Bancos viviam do open market. Pegavam dinheiro dos clientes, remunerados a uma fração da inflação, e aplicavam toda noite em títulos do governo, recebendo taxas que cobriam a inflação plena e mais alguma coisa.

Quando a inflação, com o Plano Real, caiu para 1% ao ano, a farra acabou. Muitos bancos não apenas tinham ativos podres, maus empréstimos (a empresas amigas e familiares), como tinham passivos muito superiores.

O governo FH ficou diante do dilema: deixar a coisa rolar, quer dizer, deixar que a quebradeira ocorresse, na ideia de que isso seria um saneamento “natural” do mercado; ou fazer uma intervenção generalizada, colocando dinheiro para salvar não os banqueiros, mas os clientes e o sistema.

Ascânio Seleme - Nova carta ao povo brasileiro

O Globo

A primeira, escrita por Lula em 2002, foi endereçada ao mercado, a de agora seria destinada aos eleitores

Lula cogita escrever uma nova carta ao povo brasileiro. A exemplo da primeira, de junho de 2002, esta também quer mostrar que o ex-presidente não é o bicho-papão comunista pintado pelas tintas do radicalismo de direita. A primeira foi endereçada ao mercado, a de agora seria destinada aos eleitores. Talvez Lula tenha razão, mas se ficar apenas no conteúdo econômico, a carta será curta. É importante dizer que o candidato do PT não é de extrema-esquerda, quando muito de centro-esquerda, que não vai tomar sua casa nem confiscar sua poupança. Mas isso já se sabe. O que se quer agora ouvir de Lula e do PT é um pouco mais.

Lula precisa dizer ao eleitor que ele e o PT erraram, e mais de uma vez. Embora os equívocos na condução da economia no governo Dilma tenham sido extremamente graves, o que o povo brasileiro quer mesmo ouvir de Lula é que o partido errou ao usar o Estado e o dinheiro público em benefício próprio e de partidos aliados, para consolidar sua permanência no poder. Este é um fato inegável, uma nuvem que sobrevoa o PT e que vai permanecer fazendo sombra enquanto o partido e seu principal líder não afirmarem categoricamente que erraram e que se arrependem.

O fato de o Supremo ter anulado a condenação de Lula o exonera, mas não o inocenta. Talvez Lula não seja condenado outra vez pelos casos do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia e jamais se prove que ele foi beneficiado diretamente pelos desvios da Petrobras. Mas isso não significa que a estatal não tenha sido efetivamente dilapidada pelos partidos da base do governo, que usavam as diretorias da empresa para arrecadar. As confirmações foram feitas por tesoureiros do PT, presidentes de partidos aliados, funcionários da empresa e empreiteiros. Além de doleiros que faziam as remessas desse butim para o exterior.

Ricardo Noblat - Reeleição de Bolsonaro depende de Lula aparecer como favorito

Blog do Noblat / Metrópoles

Conclusões extraídas de pesquisas indicam que enfraquecimento de Lula prejudicaria Bolsonaro

Ninguém mais do que Jair Bolsonaro deve torcer para que nada elimine as chances de Lula de ser candidato no ano que vem. Porque ninguém mais do que Bolsonaro só tem a ganhar se os dois se enfrentarem no segundo turno da eleição presidencial.

(A recíproca é verdadeira, mas não vem ao caso agora. É por isso que Ciro Gomes, candidato dele mesmo e do PDT, oscila entre bater em Lula ou em Bolsonaro. Ciro acha que Bolsonaro é mais vulnerável do que Lula, mas Lula e o PT são sua obsessão.)

O antipetismo é vital para que Bolsonaro se reeleja. Um candidato, qualquer outro, capaz de credenciar-se a disputar o segundo turno, seria o maior perigo que deve ser afastado quanto mais cedo melhor para Bolsonaro. Ele parece estar convencido disso.

Se já estava antes, mais convencido ficou depois de uma reunião, esta semana, com ministros que lhe expuseram dados e conclusões tiradas de recentes pesquisas encomendadas pelo governo, ou a ele presenteadas por entidades parceiras suas em negócios.

Marco Antonio Villa - 500 mil mortos: o Brasil vai acordar?

Revista IstoÉ

A tensão passou a fazer parte do nosso dia a dia, como se fosse algo natural, e não uma ação planejada de uma mente doentia

Jair Bolsonaro promove o caos no País. Não há dia sem que ele não faça alguma ação que leva à desorganização de alguma peça na estrutura do Estado ou na relação entre os Poderes ou, ainda, jogando incerteza na população. É um bombardeio ininterrupto desde o início do seu desgoverno e que se acentuou com a pandemia. A tensão passou a fazer parte do nosso dia a dia, como se fosse algo natural, e não uma ação planejada de uma mente doentia.

O Brasil está chegando ao limite da tolerância. Como não temos uma tradição histórica de enfrentamento político, há uma tendência de suportar o insuportável. Sempre é encontrada alguma justificativa para explicar uma situação inexplicável. Diferentemente de outras crises, a de 2020-2021 (2022 também?) tem um componente adicional – e que componente! -, a pandemia do coronavírus. É o teste definitivo da paciência do cidadão, algo para entrar na galeria da tipologia da definição do que é ser brasileiro.

Oscar Vilhena Vieira - Plantando tempestade

Folha de S. Paulo

Voto impresso colocará democracia em xeque

voto impresso, se aprovado pelo Congresso Nacional, dará às milícias, oficiais ou clandestinas, uma poderosa arma para controlar o sufrágio de uma parcela significativa dos eleitores. Como na Velha República, em que o voto era aberto —em bico de pena—, chefes locais poderão exigir comprovação de lealdade daqueles que se encontram sob a mira de suas armas, mantos religiosos ou relações de subordinação, no trabalho ou na caserna.

O voto impresso também poderá ser empregado para promover uma maliciosa judicialização dos resultados eleitorais, criando um ambiente de desconfiança favorável a insurgências, como a incentivada por Donald Trump nos Estados Unidos após sua derrota eleitoral —ressaltando que nossas classes armadas não têm a tradição de lealdade à Constituição demonstrada de forma unânime pelos comandantes militares norte-americanos, ao repudiar a investida das hordas trumpistas contra o Capitólio.

Demétrio Magnoli – Segundo turno

Folha de S. Paulo

Polarização entre Lula e Bolsonaro indica fracasso de lideranças da terceira via

O PSDB marcou suas prévias para as calendas de novembro, num gesto celebrado como exercício democrático —“um avanço”, na opinião desta Folha— e exibido como mecanismo de definição de um candidato de “terceira via”. Na prática, porém, a decisão só contribui para cristalizar a polarização entre Lula e Bolsonaro na corrida de 2022.

O lugar de Lula no segundo turno está virtualmente assegurado pelo peso político do PT. O lulismo, como ficou comprovado em todas as eleições, desde 1989, não é capaz de triunfar no primeiro turno, mas invariavelmente atinge o turno final, algo que se repetiu até com Haddad nas circunstâncias extremas criadas pelo impeachment e pela prisão de Lula. Não existe, contudo, garantia de que o atual presidente ultrapasse a barreira do turno inicial.

A estratégia eleitoral bolsonarista imita a de Donald Trump: assegurar a coesão de uma minoria fiel. O presidente aposta que sua base é suficiente para conduzi-lo ao turno final, quando tentaria obter os votos de um majoritário antipetismo. O problema é que o Brasil não é os EUA e Bolsonaro não é Trump.

Lá, há um sistema bipartidário com eleição em turno único que se conclui no Colégio Eleitoral. Aqui, um sistema pluripartidário com voto popular direto em dois turnos. Trump representava o Partido Republicano, que comanda o apoio de cerca de dois quintos do eleitorado. Bolsonaro carece de partido forte e seu desgoverno provoca erosão crescente em suas taxas de popularidade.

Hélio Schwartsman - A reforma que não faremos

Folha de S. Paulo

A adoção do voto preferencial permitiria obter resultados semelhantes aos de um 2º turno com apenas uma visita às urnas

Em vez de piorar a qualidade da democracia brasileira com a introdução do chamado distritão, os parlamentares deveriam discutir formas de aprimorá-la. Fugindo um pouco à tradição jornalística de só criticar, ouso hoje fazer uma sugestão.

Numa época em que tanto se fala em igualdade, o sistema eleitoral brasileiro cria uma injustificável distinção entre cidadãos. Habitantes de cidades com mais de 200 mil eleitores podem tentar exercer seu poder de veto em eventuais segundos turnos de pleitos para prefeito, enquanto aqueles que vivem em municípios menores estão privados disso. Até onde sei, tal recorte foi estabelecido apenas por uma questão de custos.

A boa notícia é que existe uma medida simples que não só poria fim a essa iniquidade eleitoral como também permitiria ao poder público economizar bastante dinheiro, eliminando as despesas operacionais com os returnos e reduzindo a conta do financiamento público de campanhas.

Cristina Serra - Guedes e o ódio aos pobres

Folha de S. Paulo

As políticas excludentes e de base eugenista da dupla Bolsonaro-Guedes também compõem a causa mortis

Paulo Guedes não falha. Sempre oferece variações sobre o mesmo tema, qual seja, sua aversão às pessoas pobres. Mas, agora, ele se superou. Disse que as sobras e os excessos dos almoços da classe média e dos restaurantes podem ser utilizados para alimentar mendigos e desamparados.

Ele enunciou tamanho absurdo sem corar, muito à vontade, sabendo que expressa ponto de vista de setor bastante representativo da sociedade brasileira, do qual é porta-voz. É a mesma visão de mundo por trás da famigerada “farinata”, ração feita com produtos próximos da data de vencimento e que o então prefeito João Doria tentou oferecer a famílias carentes.

É isso também que explica as pedras pontiagudas sob viadutos para afastar pessoas sem teto para bem longe da vista, medida revista pela prefeitura paulistana. O incômodo com o pagamento de direitos trabalhistas às empregadas domésticas, o desgosto de ver pobres viajando de avião, expresso em redes sociais, tudo isso é ódio de classe. E encontra sua síntese em Paulo Guedes.

Alvaro Costa e Silva - Republiqueta das mentiras

- Folha de S. Paulo

Só uma republiqueta permite que perfis falsos propaguem o golpe e inverdades que levam à morte

De olho na reeleição, o presidente de uma republiqueta convoca um passeio de motos a favor do coronavírus pelas ruas da maior cidade do país. Em sua maioria, os motoristas vestem cores escuras, não usam máscara, cobrem a placa das máquinas e trazem bandeiras e cartazes pedindo intervenção militar e o fechamento do STF. Um deles cai espetacularmente e fratura a coluna. A força policial é convocada para garantir a segurança do candidato e a fluidez no trânsito. O cortejo fúnebre dura quatro horas, ao fim das quais os cofres públicos estão mais leves em R$ 1,2 milhão.

O melhor vem depois. Apoiadores do presidente correm às redes sociais, postam as fotos mais cheias e falam em 1,3 milhão de veículos no evento, e que esse número, que ultrapassa a frota de São Paulo, havia entrado no livro dos recordes. A informação é logo desmentida pelo Guinness World Records. Um ridículo total, mas eles não se importam.

Marcus Pestana* - Pandemia no Brasil: números e sequelas

O Brasil se aproxima das 500 mil vidas perdidas. São 12,9% das mortes em todo o mundo, número totalmente desproporcional aos 2,7% da população global que representamos. Nunca é demais repetir, não são estatísticas frias, e sim pessoas e famílias duramente afetadas pela pandemia em nosso país.

Mas quando parece que as polêmicas inúteis estão afastadas, novos temas afastam a opinião público do essencial. A mais recente, levantada por um estranho parecer não oficial de um auditor do TCU, introduzido furtivamente no sistema da instituição, levanta absurda tese sobre a veracidade dos números e a possível supernotificação. O pior é que a informação improcedente foi repercutida pelo Presidente da República.

O sistema de informações epidemiológicas sempre foi central para o correto planejamento das ações. O SUS é rico em bancos de dados. A confiabilidade dos dados é fundamental para a credibilidade, transparência e eficiência na produção das políticas públicas de saúde. Um dos indicadores mais importantes é a estatística anual do perfil das causas de mortalidade.

Flávia Oliveira - Vacinar-se é ato político

O Globo

Quinze meses de isolamento social, sem escola de samba, alimento do espírito, sem abraço, conforto da alma, sem festa, combustível da vida, aguardei com ansiedade juvenil a hora da vacina. Cinquentona, sem doença crônica, de ofício não prioritário, percorri um hiato de 150 dias entre a estreia da vacinação contra a Covid-19 na cidade do Rio de Janeiro — dona Terezinha da Conceição, 80 anos, em 18 de janeiro, aos pés do Cristo Redentor — e minha primeira dose, ontem. Convoquei a família, escolhi o figurino, perdi o sono como na véspera do vestibular, avô do Enem. Com a agulhada, chorei. De alegria, pela perspectiva de saúde; de pesar, pelo meio milhão de brasileiras e brasileiros, alguns muito próximos, que ficaram pelo caminho. Sob Jair Bolsonaro, o que era ação corriqueira de política pública universal tornou-se ato político de defesa da vida. Vacinar-se é o verbo.

Foi Maria Bethânia, 75 anos hoje, quem melhor elencou os desejos brasileiros da temporada de doença e desgoverno: “Quero vacina, verdade, respeito e misericórdia”, pronunciou na única apresentação virtual com que nos presenteou na era do recolhimento. A ela, vida longa e farta. Faltou imunizante, sobrou mentira. Respeito não há, tampouco misericórdia. Está aí a CPI da Covid a nos assombrar diariamente com depoimentos, e-mails, ofícios e estudos que comprovam a estratégia criminosa de enfrentamento à pandemia: em vez de vacina, cloroquina; de distanciamento, aglomeração; de saúde, economia, como se oponentes fossem.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Em busca da estabilidade política

O Estado de S. Paulo

Em meio a um clima de grande apreensão em razão da instabilidade política promovida pelo bolsonarismo e do espectro do possível retorno de Lula da Silva à Presidência, os defensores do regime semipresidencialista entenderam que se trata de um bom momento para retomar o debate sobre esse sistema híbrido de governo, bem-sucedido em países como Portugal e França.

Com dois impeachments nas três décadas desde o restabelecimento da democracia e das eleições presidenciais diretas, e levando-se em conta que os presidentes que terminaram o mandato também foram ameaçados de afastamento, está claro que o atual sistema é propício a crises agudas. Há mais de uma centena de pedidos de impeachment contra Jair Bolsonaro, e tudo indica que o próximo presidente também enfrentará essa perspectiva sombria.

A instabilidade do regime presidencialista brasileiro é, portanto, evidente. Duas razões concorrem para esse tumulto permanente. A primeira delas está na generosidade da Constituição de 1988, que, a título de fazer justiça social por lei, criou as condições para a ocorrência periódica de crises fiscais, que por sua vez minam a capacidade política do governo de turno. A segunda é a grande fragmentação política, que obriga o presidente a articular coalizões em geral frágeis, cuja durabilidade depende diretamente da distribuição de verbas e cargos e é abalada ao menor sinal de risco eleitoral.

A experiência do governo de Michel Temer (2016-2018), contudo, aponta um possível “caminho do meio” para a tão desejada estabilidade. Nas piores condições imagináveis – em meio a uma grave crise econômica e política, na sequência de um traumático impeachment e com popularidade de apenas um dígito –, Michel Temer conseguiu as façanhas de sobreviver no cargo e de aprovar importantes reformas e ajustes que ajudaram a recolocar a economia nos trilhos e a estabilizar o País.

Isso foi possível, segundo escreveu o ex-presidente em artigo publicado no Estado (O semipresidencialismo, A2, 12/6), porque seu breve governo já teria sido uma experiência semipresidencialista. Sendo um político afeito ao Parlamento, Michel Temer inclinou-se naturalmente para um governo compartilhado com o Congresso, cerne do semipresidencialismo. “Chamei o Congresso para governar comigo”, disse Temer no artigo, que propõe uma emenda constitucional que instaure o semipresidencialismo a partir de 2026.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Amar (na voz de Paulo Autran)

 

Música | Geraldo Azevedo, Elba Ramalho - Bicho de sete cabeças