domingo, 3 de fevereiro de 2013

OPINIÃO DO DIA – Fernando Henrique Cardoso: esquerda democrática

Passado o momento de convergências, Roberto me perguntou: "Quando vocês (em tese) eram socialistas, o que queriam e no que acreditavam?" Respondi: "Nosso objetivo era maior igualdade, o meio para isso seria eliminar a apropriação privada dos meios de produção, tudo mais era secundário, mesmo a liberdade". Pensei comigo: havia variações na esquerda, os trotskistas há muito denunciavam o terror estalinista, embora alguns de seus líderes também o houvessem praticado; a "esquerda democrática", mais liberal, não era comprometida com práticas contra a liberdade. Fiquei pensando: o que tem a ver esta discussão com os dias atuais? Quem ainda pensa em "controle coletivo" dos meios de produção? Só mesmo os nacional-desenvolvimentistas que amam o capitalismo dirigido e identificam o Estado com o coletivo, mas nem por isso são de esquerda.

In. Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República. Pessoas e histórias, O Globo, 3/2/2013.

Manchetes de alguns dos principais jornais do país

O GLOBO
As últimas 24 horas dos jovens que morreram
Corrupção na fiscalização
PIB patina e revela modelo esgotado
Transgênicos anti-HIV

FOLHA DE S. PAULO
Programa social consome metade dos gastos federais
Em Santa Maria, médico atendeu filho no plantão
Porta dos Fundos atrai 89 milhões de visitas com humor na rede
Na reserva, atacante Pato deve estrear
hoje no Corinthians contra o Oeste
Risco de uso de contraste em exame é muito baixo, dizem médicos

O ESTADO DE S. PAULO
No papel, Brasil é 2 Estados de SP maior do que o oficial
ABC fecha 52 mil vagas na indústria; cresce fatia de serviços
Aumentam queixas contra enfermeiros
Petrobrás pode ser processada por refinaria

CORREIO BRAZILIENSE
Dinheiro e amizade, uma relação perigosa
Luto e protesto
Denúncias de erro ficam sem punição

ESTADO DE MINAS
'Se fosse aqui, tinha morrido todo mundo'
Bafômetro não perdoa nem bombom

O TEMPO (MG)
Dilma prepara candidatura de Pimentel com minirreforma
Lula pede que Dilma defenda o plano do PT para 2014
Mineirão reabre para novos hábitos e antigas sensações
Cidades estão em contagem regressiva para o Carnaval

GAZETA DO POVO (PR)
Caçada aos cientistas
A exuberância e a simplicidade de Superagui
Um clássico quente
Burocracia represa geração de energia
Servidor tem nova previdência amanhã

ZERO HORA (RS)
Zero em prevenção
Os crimes e quem pode ser punido
O plano que é uma farsa

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Frevo em Olinda e Recife
Argentina aprendeu com tragédia


O que pensa a mídia - editoriais de alguns dos principais jornais do país

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

PIB patina e revela modelo esgotado

Quase R$ 50 bilhões em desonerações feitas pelo governo em 2012 não foram suficientes para a economia deslanchar. Analistas criticam modelo baseado no consumo e falta de clareza para investir em infraestrutura.

Remédio sem efeito no PIB

Juros baixos e desonerações não deslancham economia. Para analistas, falta "espírito animal"

Martha Beck, Danilo Fariello e Gabriela Valente

-Brasília- Desonerações tributárias de quase R$ 50 bilhões, juros mais baixos da história e crédito abundante. Esses três elementos estiveram presentes na economia brasileira em 2012, mas não foram suficientes para fazer os investimentos e o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) deslancharem. Isso porque não vieram acompanhados de algo considerado absolutamente essencial por qualquer empresário antes de colocar a mão no bolso: confiança. Economistas, acadêmicos e técnicos da equipe econômica ouvidos pelo GLOBO foram unânimes em afirmar que somente o "espírito animal" dos empresários, acompanhado de investimentos, teria turbinado o PIB no ano passado.

Faltou estabilidade no cenário internacional. Também faltou clareza sobre a capacidade do mercado interno de continuar consumindo, sobre as regras para participar de grandes projetos de infraestrutura e sobre o que o governo pretendia fazer com as desonerações. Diversos incentivos foram dados e prorrogados no último minuto, alíquotas subiram e desceram, e setores foram incluídos a conta-gotas em programas especiais como o de desoneração da folha de pagamento.

O termo "espírito animal", cunhado pelo economista britânico John Maynard Keynes na década de 1930, pro¬paga a ideia de que o investimento depende da confiança dos empresários. E foi esse otimismo que o governo não conseguiu despertar nos industriais.

O economista Júlio Gomes de Almeida, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), lembra que a entrada da nova classe média no mercado de consumo, no segundo mandato do presidente Lula, deu ânimo à indústria, que investiu na produção e no aumento da capacidade insta¬lada num ciclo que durou de 2007 a 2010. Mas, em 2011 e 2012, esse processo esmoreceu, o que significa que o investimento também esmoreceu, num quadro agravado pela crise externa.

— O empresário acaba pensando duas vezes. Se eu não tenho uma boa perspectiva dentro nem fora do país para os meus produtos, vou esperar para investir — explica Almeida.

Invasão estrangeira

Além disso, os importados entraram com força no mercado .doméstico. De acordo com o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, está cada dia mais difícil concorrer com o produto importado, que é livre do chamado custo Brasil. Ele também destaca que não adianta fazer pacotes de incentivo sem reformas estruturais e sem engrenar o investimento em infraestrutura.

— As exportações brasileiras dobraram nos últimos dez anos, mas os portos no Brasil são os mesmos. Está passando o tempo e não tem reforma tributária, redução de burocracia, e o in¬vestimento não deslancha.

Um dos obstáculos aos investimentos em infraestrutura em 2012 foi a falta de clareza nas regras, o que gerou instabilidade jurídica. No setor elétrico, as mudanças feitas pelo governo nos modelos de renovação das concessões para reduzir as contas de luz, por exemplo, preocuparam o setor, que sofreu com quedas bilionárias no valor de mercado das companhias.

— Quem não consegue visualizar claramente o cenário futuro, não vai investir — diz Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib).

Godoy estima que o total investido em infraestrutura hoje no Brasil chega a R$ 173 bilhões, mas precisará atingir R$ 248 bilhões até 2016.

No governo federal, a avaliação é que "não é um fracasso" o fato de a economia ter crescido apenas 1% no ano passado, diante de um cenário externo extremamente adverso, que prejudicou até mesmo setores altamente produtivos, como a mineração.

— Desde o segundo semestre do ano passado, há a tentativa de se recuperar a competitividade da economia brasileira e o "espírito animal" do empresário, até com desonerações horizontais, mas o impacto disso na economia tem uma defasagem — justifica um técnico da equipe econômica.

Falta de previsibilidade

A decisão do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de fazer um road show para apresentar a investidores os grandes projetos de concessão na área de infraestrutura, que somam mais de R$ 300 biIhões, é vista como uma iniciativa positiva pelo empresariado e por analistas.

— Até o fim de 2012, o governo perdia a batalha das expectativas, mas eu sinto que, no início deste ano, ele está que¬rendo virar esse jogo — diz Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-presidente do Banco Central. — Isso passa por restaurar a confiança macroeconômica, que funcionou bem nos governos de Fernando Henrique e Lula, lançando os vetores estruturais que no mundo todo explicam o crescimento maior — acrescenta.

Para o economista-chefe da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco, o governo também deveria apressar o cronograma de concessões e nortear melhor os empresários. O economista lembra que o Conselho Monetário Nacional (CMN) só prorrogou o programa Reintegra, que cobra uma alíquota unificada de 3% sobre as vendas ao exterior, na última semana do ano passado. Os exportadores não sabiam se poderiam contar com essa regra para se programarem.

Uma venda para o exterior é fechada com três meses de antecedência ao embarque da mercadoria. A gente sabe que comércio exterior funciona com um horizonte mais longo. O que a indústria precisa é de previsibilidade — diz Castelo Branco.

Para o ex-presidente do BNDES José Pio Borges, na área de consumo, os incentivos tributários concedidos pelo governo já cumpriram seu papel. Para manter esse mercado em crescimento agora, afirmou ele, seria necessário fazer uma reforma mais ampla na estrutura tributária, reduzindo a taxação in¬direta que existe sobre as mercadorias.

Ele também afirma que o governo precisaria fazer uma política que reduzisse as taxas de juros cobradas dos consumidores em serviços como cartão de crédito e cheque especial.

A Taxa Selic (juro básico da economia) caiu muito, mas os consumidores ainda pagam juros escandalosos — lembra Pio Borges.

Fonte: O Globo

Emprego industrial naufraga no ABC; serviços já têm mais de 50% das vagas

Região viu suas indústrias fecharem 52 mil postos de trabalho em 2012, número é quatro vezes maior que o de toda Grande São Paulo

Marcelo Rehder

SÃO PAULO - O ABC paulista, berço do sindicalismo brasileiro pós-ditadura, viu suas indústrias fecharem 52 mil postos de trabalho formais e informais em 2012, enquanto os serviços passavam a responder, pela primeira vez na história, por mais da metade do saldo de empregos da região. O corte foi quase quatro vezes maior que o executado em todas as fábricas da região metropolitana de São Paulo, que inclui os sete municípios que formam o ABC.

A região metropolitana perdeu 11 mil vagas na indústria, de acordo com a pesquisa de emprego e desemprego da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Não fosse o ABC, o nível de emprego metropolitano poderia ter ficado positivo em 41 mil postos no setor industrial.

"Foi um período complicado em que passamos da euforia para a depressão várias vezes", diz Alexandre Loloian, coordenador de análises de pesquisa da Fundação Seade.

O movimento de altas e baixas no ABC teve início em agosto de 2011, quando o governo começou a reverter a política econômica de contenção, na tentativa de retomar o crescimento da atividade por meio da redução dos juros e ampliação do crédito.

O emprego industrial deu um salto, particularmente no ABC, onde foram abertas 40 mil novas ocupações. O nível de emprego industrial atingiu em dezembro um pico considerado fora do normal. Tanto que durou pouco.

"Criou-se uma expectativa absolutamente irreal e a ocupação cresceu muito", conta Loloian. "Chegou no primeiro trimestre de 2012 e deu aquela capotada, porque não se confirmou a retomada." Em março, as fábricas da região já tinham eliminado 58 mil vagas, 18 mil além das que tinham sido abertas.

A situação se complicou, também, porque o emprego industrial no ABC está concentrado no setores que mais sofreram com a crise mundial, como o metalomecânico, que reúne de fabricantes de máquinas para escritório a veículos e autopeças e máquinas e equipamentos.

Responsável por 58% da ocupação na indústria no ABC, o setor metalomecânico fechou 33 mil postos de trabalho em 2012. Na Região Metropolitana de São Paulo, cuja estrutura industrial é mais diversificada, o emprego ficou praticamente estabilizado. Perto de 38% dos empregos da região metropolitana estão nesse setor.

Atordoado. O técnico mecânico Luís Antonio Alves, de 40 anos, conhece de perto a sensação de insegurança que os processos ciclotímicos causam nas pessoas. Em 16 de outubro de 2012, nasceu sua filha Maria Vitória. Menos de dois meses depois, o empresário Robert Mangels, presidente da metalúrgica Mangels, de São Bernardo do Campo, onde Alves trabalha há 17 anos, reuniu os 360 funcionários para comunicar que a empresa seria fechada. Ele encerra suas atividades em São Bernardo no dia 28 deste mês.

"Fiquei atordoado. Minha filha tinha acabado de nascer e eu ia perder o emprego e ficar sem convênio médico", conta.

A situação ficou um pouco menos dramática porque o sindicato negociou com a empresa um acordo que prevê indenização adicional de 40% do salário por ano trabalhado, seis meses de plano médico e cesta básica por quatro meses, entre outras compensações.
A participação da indústria no emprego do ABC caiu de 28%, em 2011, para 22%, em 2011, segundo a Fundação Seade. Já os serviços passaram a responder por 51% de todos postos ocupados na região, ante 47% em 2011. "É uma tendência natural de todas as aglomerações em estágio de desenvolvimento no mundo", diz Loloian. Para ele, o fenômeno não significa necessariamente que a indústria esteja perdendo substância em termos de geração de riqueza e dinamismo econômico. "Ela pode ampliar o valor agregado com muito menos gente empregada".

Na avaliação de Paulo Francini, diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o ABC tem o azar de ter uma concentração de setores industriais que mais perdem na atual conjuntura. "Temos um ambiente que é de pobreza, e dentro da pobreza tem a miséria. Pobreza é o Estado de São Paulo, que perdeu milhares de empregos. A miséria são as áreas, como o ABC, que concentram os setores que mais perderam."

Fonte: O Estado de S. Paulo

Pessoas e estórias - Fernando Henrique Cardoso *

Após os dias tórridos da passagem do ano, São Paulo tornou-se mais amena. As férias escolares, o trânsito menos atormentado, os cinemas mais vazios e a temperatura agradável convidavam ao lazer. Assisti a um filme admirável, Amour, no qual dois atores, Emmanuelle Riva e Jean-Louis Trintignant, dirigidos por Michael Haneke, desenvolvem a trama do relacionamento de um casal de velhos músicos que leva uma vida confortável para os padrões europeus, embora sem serviços domésticos e isolado dos familiares. Além do mais, contratempos na velhice podem ser sofridos. O derrame da senhora não abala a ternura do marido. Mas o cotidiano é duro: ela tem de ir ao banheiro carregada, o marido tem de lhe dar de comer na boca, etc. Diante da piora da saúde da mãe a filha tem dificuldades para entender e lidar com a situação, denotando mais angústia do que afeição e, quiçá, alguma preocupação material com o que possa sobrar. O genro é insuportável e os netos nem aparecem. Resultado: os dois velhos vão se consumindo num mundo que é só deles, entre boas recordações e desespero, até um derradeiro gesto de amor.

São assim as relações humanas. Ambíguas, cambiantes, cheias de paixão e ódio. Mas em cada geração, mesmo na tensão e na discórdia, um entende a linguagem do outro. A vivência das mesmas situações cria referências culturais que acolchoam a razão. Foi sob o impacto emocional de Amour que participei de um jantar com o casal Grécia e Roberto Schwarz, amigos de mais de 50 anos. De tempos em tempos nos vemos, mantendo a amizade, embora no campo político estejamos apartados.

Por coincidência, no dia aprazado para o jantar, José Serra (outro amigo com quem convivo há mais de cinco décadas) marcara um encontro em minha casa. Minhas conversas com Serra são longas, de horas a fio. E raramente terminam no mesmo dia, posto que não seja notívago. Serra chegou indisposto. Imaginei que a conversa seria amarrada. Mas logo, com franqueza suficiente para cada um saber o que o outro pensa, fluiu bem. De repente olhei o relógio e adverti: daqui a pouco chegará o Roberto. Serra permaneceu.

No jantar, num restaurante, começamos a conversa lembrando um amigo comum, Albert Hirschman. O grande intelectual recentemente falecido teve influência enorme sobre todos nós, como pessoa e como intelectual, o que tornava amena a conversa. Ele era uma espécie de renascentista contemporâneo, bricoleur de palavras e ideias, que não apreciava as "grandes teorias", mas que com suas miniaturas lançava luz sobre a história e a natureza dos conflitos sociais e humanos.

Passado o momento de convergências Roberto me perguntou: "Quando vocês (em tese) eram socialistas, o que queriam e no que acreditavam?". Respondi: nosso objetivo era maior igualdade, o meio para isso seria eliminar a apropriação privada dos meios de produção, tudo o mais era secundário, mesmo a liberdade. Pensei comigo: havia variações na esquerda, os trotskistas há muito denunciavam o terror stalinista, embora alguns de seus líderes também o tivessem praticado; a "esquerda democrática", mais liberal, não era comprometida com práticas contra a liberdade.

Fiquei pensando: o que tem a ver esta discussão com os dias atuais? Quem ainda pensa em "controle coletivo" dos meios de produção? Só mesmo os nacional-desenvolvimentistas que amam o capitalismo dirigido e identificam o Estado com o coletivo, mas nem por isso são de esquerda.

Noutro momento, Roberto, mais fiel às teses clássicas da esquerda, comentou: "Você não acha que mesmo sem referência explícita às classes sociais e suas lutas elas existem e é preciso uma teoria que as situe em função da forma contemporânea de acumulação de capital, inclusive na China?". Respondi: acho, sim, mas teria de ser proposta uma nova teoria geral do capital e das relações de produção, pois a globalização alterou muita coisa.

Não parece que a oposição burguesia/proletariado tenha a vigência que teve no passado. A dissolução do conceito de classe nas "categorias de renda" chamadas classes A, B, C, D, ou nesta "nova classe média", dificilmente se sustenta teoricamente, acrescentei. Outra vez, olhando a atualidade, quem, na esquerda, no centro, na direita, ou seja, em qualquer lugar do espectro político vigente, pensa nessas questões? O governo do PT é o primeiro a se jactar da expansão das "novas classes médias" e a comemorar os êxitos do capitalismo, ficando envergonhado quando o "pibinho" parece comprometê-los.

Passando de considerações abstratas para terrenos mais concretos, Serra criticou duramente a desindustrialização em curso, os desmandos na administração pela penetração de interesses políticos e clientelísticos, enfim, a condução do PT. Ao que Roberto redarguiu como era de esperar: "Mas houve avanços sociais inegáveis". E eu acrescentei que começaram no meu governo... "Está bem", disse, "mas ganharam maior dimensão com o PT. Vejam o acesso às universidades com as cotas."

Por fim, xeque-mate: e o mensalão? Ah, mas é a "direita" que se regozija com as condenações, embora sem elas a Justiça estivesse comprometida. Serra, mais incisivo: "E o PT é 'de esquerda'?". Silêncio geral. As categorias com que concordávamos nos inibiam de classificar partidos atuais na escala antiga na qual fôramos formados.

Pode parecer que o desentendimento era geral. Mas, não. Conversávamos como quem vivera uma mesma história política e cultural. Era um diálogo entre pessoas da mesma geração, apesar das discordâncias eventualmente existentes. Será que o tipo de diálogo que tivemos faz sentido para as novas gerações? Ou Fernando Gabeira tem razão: as diferenças contemporâneas são comportamentais (ser ou não evangélico, aceitar ou não o casamento gay, ser "verde" ou "jurássico", etc.)? O diálogo caloroso e, para nós, interessante, que nos levou insensivelmente a recuar no tempo terá algum sentido para as novas gerações ou, para elas, nós seremos "os outros"?

* Sociólogo, foi presidente da República

Fonte: O Globo, O Estado de S. Paulo, Zero Hora(RS)

Oposição tenta encontrar um rumo

Com discursos desafinados e à procura de projeto forte, partidos contrários ao PT ingressam em 2013 ainda sem candidato

Letárgica na primeira metade do governo Dilma Rousseff, a oposição tenta despertar. Sem rosto, discurso e carente de articulação, sabe que precisa se encontrar para impedir que o PT confirme o quarto mandato consecutivo no Palácio do Planalto.

Principal vertente de resistência, o PSDB reconhece as dificuldades criadas pela falta de sintonia. A oposição tradicional, formada ao lado de DEM e PPS, não consegue minar a popularidade de Dilma, apesar do fraco desempenho da economia e do protagonismo do julgamento do mensalão, que condenou petistas ilustres, na agenda nacional. Isoladas pela ampla base aliada no Congresso, as siglas também patinam para impor derrotas políticas ao governo.

– Em dois anos, nossas principais dificuldades no parlamento, Código Florestal e royalties, não foram obra da oposição, foram discussões mais amplas, como o atrito entre ambientalistas e ruralistas – avalia um integrante do alto escalão petista.

Na abertura do terceiro ano do governo Dilma, o cenário parece não ter mudado. A tentativa fracassada de impor um nome alternativo à candidatura do governista Renan Calheiros (PMDB-AL) à presidência do Senado é um exemplo. Sem um candidato, só referendou o apoio a Pedro Taques (PDT-MT) na quinta-feira, véspera da votação que reconduziu Renan ao cargo.

Discurso é pautado pela imprensa, diz analista

Parlamentares creditam os insucessos à falta de um líder que catalise as forças contrárias ao governo. Presidente tucano, o deputado Sérgio Guerra (PE) define 2013 como ano decisivo para que os partidos definam um presidenciável e afinem suas prioridades.

– Hoje a oposição peca por não ter um discurso nacional. Cada partido tem sua própria agenda – critica.

Resolver a lacuna da liderança é apenas parte dos problemas, avalia Pedro Fassoni Arruda, professor do departamento de Ciência Política da PUC-SP. Além de um contraponto ao PT, a oposição precisa trazer suas bandeiras para o debate nacional, saindo das asas da imprensa e do Ministério Público.

– Hoje temos uma oposição sem discurso e pautada pela imprensa. Se a gasolina sobe e os jornais batem, a oposição bate na carona – critica.

Os destaques

- Aécio Neves (PSDB-MG) – O senador e ex-governador de Minas é a principal aposta dos tucanos para tentar barrar o ciclo do PT no governo federal.

- Marina Silva (sem partido-AC) – Sensação da eleição presidencial em 2010, quando teve 20% dos votos, a ex-senadora encabeça movimento pela criação de novo partido.

- ACM Neto (DEM-BA) – Tornou-se a principal liderança de sua sigla após vencer a disputa pelo comando de Salvador em 2012.

- Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) – senador em primeiro mandato, ganhou destaque durante a CPI do Cachoeira, no ano passado.

- Roberto Freire (PPS-SP) – Deputado federal por seis mandatos e senador entre 1995 e 2002, é o comandante nacional do partido que critica o PT pelas alianças com "as velhas ideias".

Partidos carecem de nomes fortes

Nome mais cotado para ocupar a lacuna de líderes da oposição, o senador Aécio Neves (PSDB) deixa a toca aos poucos, usando da mineirice que o mantém afastado de bolas divididas, evitando se indispor com siglas de envergadura, a exemplo do PMDB.

Presidente do DEM, o senador Agripino Maia (RN) é contrário a pressa na escolha do oponente de Dilma, justamente de olho em aliados insatisfeitos no governo. Ele considera fundamental "oxigenar" a tradicional aliança PSDB-PPS-DEM, seduzindo siglas da base aliada, como PDT, PTB e PP.

– Não se pode sentar para discutir tendo candidato posto. Nossa articulação precisa ser mais elástica – diz.

Aliado histórico dos tucanos, o DEM ganhou sobrevida com a conquista de ACM Neto em Salvador. Por outro lado, Marina Silva tenta criar a própria sigla e o PSOL articula chapa com chances nanicas de sucesso, liderada pelo senador Randolfe Rodrigues (AP).

Tal carência de nomes faz com que atuais aliados de Dilma, como o governador Eduardo Campos (PSB-PE), sejam capazes de assustar mais os petistas que os nomes da oposição.

A situação reforça uma convicção do professor Pedro Fassoni Arruda: depois do julgamento do mensalão, o Supremo Tribunal Federal (STF) goza de mais apelo junto ao eleitorado do que os partidos contrários ao PT.

Fonte: Zero Hora (RS)

Aécio Neves: "Jamais coloco o carro na frente dos bois"

Presidenciável, o ex-governador mineiro Aécio Neves começa 2013 na tentativa, ainda tímida, de se legitimar como o líder da oposição. No PSDB, é aconselhado a substituir o perfil avesso a polêmicas por um estilo mais combativo. No entanto, conduz sua candidatura sem atropelos.

Auxiliado pelo ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, o senador busca, primeiro, presidir o partido e dominar a ala paulista, que há três pleitos reveza José Serra e Geraldo Alckmin na tentativa reconquistar o Planalto. Em Brasília, Aécio conversou com ZH sobre os seus planos.

Zero Hora – O senhor é candidato à presidência em 2014?

Aécio Neves – Sou mineiro e, como bom mineiro, jamais coloco o carro na frente dos bois. Primeiro, é preciso consagrar a unidade do PSDB e consolidar o discurso do partido. Não temos pressa de encontrar um candidato, mas asseguro: o PSDB terá em 2014 um projeto alternativo para o Brasil, diferente do que faz o PT.

ZH – Qual o projeto do PT?

Aécio – O PT abdicou de pensar o Brasil. O que move o PT e sua agenda é a manutenção do poder. Onde estão as prometidas reformas?

ZH – E o que o PSDB pretende oferecer aos eleitores?

Aécio – Temos de construir uma nova agenda nacional para os próximos 20 anos, que aumente a distribuição de renda para municípios e Estados. A agenda que o PT coloca em curso hoje foi estabelecida pelo governo do PSDB. É a agenda da estabilidade econômica, do superávit primário, da meta de inflação, do início dos programas de transferência de renda. Não houve inovação.

ZH – O choque de gestão que o senhor introduziu em Minas é um exemplo?

Aécio – O choque de gestão é algo que a população mineira aprovou. É substituir o governo da companheirada, marca do PT, pelo governo da meritocracia. Em Minas Gerais, o funcionário público é avaliado, precisa ter qualificação e tem metas a cumprir.

ZH – Qual a sua avaliação do desempenho da oposição no governo Dilma?

Aécio – Um dos papéis da oposição é cobrar do governo os compromissos assumidos com a sociedade. A saúde pública é uma tragédia, na segurança os índices de criminalidade seguem crescendo, as obras do PAC estão paradas. Vai passando o tempo e as cobranças vão ficando mais acentuadas.

ZH – A oposição carece de sintonia?

Aécio – Não vejo assim. Há uma pulverização muito grande no parlamento, as alianças do governo são elásticas, mas com os resultados fracos, como o baixo PIB, a crítica vai ficando mais clara. Só entendo que, antes de fazer alianças partidárias, é preciso sintonizar com a sociedade.

ZH – Uma forma de sintonizar é percorrer o país? O senhor pretende assumir a presidência do PSDB e percorrer o Brasil neste ano?

Aécio – Presidir o PSDB nunca foi um fim que busquei, mas precisamos prezar pela unidade do partido e de seu discurso. Temos feito consultas a importantes membros do partido para unificar o PSDB. Nós, em uma eventual presidência da sigla, temos condições de rodar o país, de ouvir os brasileiros, o que também será feito por outras lideranças do PSDB.

Fonte: Zero Hora (RS)

Planalto já calcula o preço a pagar ao fortalecido PMDB

Débora Bergamasco

BRASÍLIA - Sem adversários fortes para ameaçar suas vitórias, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) foi eleito presidente do Senado, na ultima sexta-feira, e o deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) deve ser o escolhido como presidente da Câmara amanhã. O Planalto chancelou a opção pelas duas candidaturas em nome da manutenção do PMDB como aliado preferencial dentro da base parlamentar e na campanha presidencial de 2014.

O governo sabe, porém, que em acordos com o PMDB há sempre um preço a ser pago: Henrique e Renan pretendem lançar suas candidaturas a governador em seus Estados e para isso querem o apoio do PT e da presidente Dilma Rousseff. A cúpula do partido também espera manter Michel Temer na vice-presidência com Dilma, quer mais um ministério - o de Ciência e Tecnologia para o deputado Gabriel Chalita (SP) - e ainda reivindicará a cabeça de chapa para o governo de São Paulo, daqui a um ano e oito meses.

Durante os próximos dois anos, o que inclui o período de campanha presidencial, o PMDB terá farta munição para cobrar essas faturas dentro do Congresso. Os dois novos presidentes da Casa comandarão toda a agenda legislativa e terão o poder para facilitar ou transformar em inferno as pautas que interessam ao governo.

Embora saiba que, a médio prazo, a eleição de Renan e de Henrique poderá representar um fator de incerteza dentro do Congresso, nesse momento, o governo federal fez a opção por apoiar suas escolhas. Na prática, Dilma e seus principais assessores estão muito mais focados nas dificuldades na agenda econômica do País. Enquanto Renan e Henrique acertavam suas últimas alianças, o centro das atenções estava voltado para a queda no valor das ações da Petrobrás na Bolsa de Valores e o impacto do anúncio do aumento no preço da gasolina.

Por causa disso, a estratégia foi esquadrinhada no Planalto: Dilma está ciente das contrapartidas que terá de oferecer para manter a simpatia dos congressistas. Mas já calculou que o , PMDB está no comando de um jogo em que ela não terá tantas fichas a perder.

Ao dar o aval para eleição de dois peemedebistas alvos de denúncias de corrupção e malversação de recursos públicos, a presidente calcula que irá negociar com dois parlamentares enfraquecidos. Denunciado pelo Ministério Público ao Supremo Tribunal Federal, Renan deverá ter de dedicar o início de seu mandato a usar o rolo compressor no Senado para mandar arquivar os possíveis pedidos de abertura de processo contra ele, que deverão começar a pipocar no Conselho de Ética da Casa.

Além disso, a avaliação no Palácio do Planalto é a de que os temas de maior importância ao governo estarão mais vinculados às decisões do STF do que às do Poder Legislativo. O principal exemplo é a deliberação sobre a divisão dos lucros os royalties e, particularmente, sobre a vinculação desses rendimentos à Educação. Por mais que se discuta o assunto em plenário, a polêmica deve acabar sendo decidida pelo Supremo. Se conseguir emplacar uma injeção de investimentos desta magnitude em Educação, Dilma terá aí a força motriz para sua campanha à reeleição no ano que vem.

Outro tema delicado para o governo é a questão dos vetos presidenciais que aguardam apreciação parlamentar. No Planalto, a expectativa é a de que dificilmente um peemedebista consiga atrapalhar mais o meio de campo do que fez o "fogo amigo" do presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), no ano passado, quando propôs a apreciação de cerca de três mil vetos para serem votados em uma tacada só.

Um fator que pode provocar tensão nas relações entre Executivo e Legislativo é a eleição de um terço do Senado no pleito de 2014. Com apenas uma vaga por Estado, o parlamentar que está com seu mandato de oito anos chegando ao fim, empenhará sua fidelidade nas votações pró-govemo em troca de apoio na disputa de 2014. São os casos do senador Francisco Dornelles (PP-RJ) e de Eduardo Suplicy (PT-SP), por exemplo.

Henrique Eduardo é conhecido por representar uma ala fisiológica do Congresso. Renan também faz parte do PMDB que gosta de pedir verbas e cargos. Mas, mesmo com todas as manchas em seu currículo, pesa em favor do alagoano o empenho com que relatou a Medida Provisória 579 para prorrogar as concessões do setor elétrico e permitir o celebrado anúncio nas reduções das tarifas de energia elétrica feito com pompa pela Presidência.

Nos dois anos em que conviveu com José Sarney, Dilma conseguiu manter um relacionamento sem grandes problemas. O peemedebista se manteve como um interlocutor afinado com o Planalto - em troca de cargos, como o Ministério de Minas e Energia.

A pão e água. Já o petista Marco Maia teve problemas com o Planalto e atravessou os dois anos a pão e água em termos de atendimento do governo. Apesar de ocupar a Presidência da Câmara, não conseguiu obter nenhum cargo expressivo -uma vice-presidência do Banco do Brasil que tinha tudo para virar sua cota de nomeações foi repassada para outro.

Historicamente o PMDB sempre deu provas que pode complicar a vida de qualquer governo, se estiver contrariado, o que torna a futura relação um teste de habilidade política para a presidente Dilma Rousseff.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Professor Leonardo Avritzer, da UFMG: ‘Sem um projeto nacional, PMDB despolitiza debate’

Gabriel Manzano

A volta de Renan Calheiros (PMDB-AL) à presidência do Senado e, como se espera amanhã, a chegada do deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) ao comando da Câmara só são possíveis porque há "uma completa despolitização nas relações entre Executivo e Legislativo". Despolitização patrocinada, em grande parte, por um partido - o PMDB -que, ao mesmo tempo, é um sócio poderoso do governo, mas "não tem projeto político claro, reduzido que está a uma enorme federação de interesses locais". Ao fazer essa avaliação, o cientista político e professor Leonardo Avritzer, da Universidade Federal de Minas Gerais, traz uma pergunta provocadora: "Qual é o programa que Renan Calheiros vai executar no comando do Senado?"

Vive-se um xadrez complicado, admite Avritzer. O governo precisa de um parceiro forte para construir sua maioria, "mas esse parceiro também é forte o suficiente para defender interesses variados e despolitizar qualquer debate". E agora controla um Legislativo "completamente dependente do Executivo e submisso ao Judiciário".

E por que se chegou a isso? Como explica Avritzer, nesta entrevista ao Estado, o problema começou em 1988, quando a Constituição "falhou ao manter o status quo do sistema político, que já era insustentável”. Passou por 2007, quando o Supremo Tribunal Federal “errou feio ao vetar a cláusula de barreira”. Em compensação, ele acha que o julgamento do mensalão “deitou raízes” e terá impacto importante em futuras eleições, nas quais os doadores se sentirão vigiados.

O aval do Planalto e do PT às candidaturas de Renan e Henrique Alves, a despeito da biografia dos dois, traduz a falência do presidencialismo de coalizão?

Esse aval é uma evidência de sérios problemas nesse modelo. Um deles é o presidencialismo de coalizão, em si. Outro é o papel do PMDB nesse projeto. Ele é hoje um partido sem um projeto nacional claro. Teve força : no início da redemocratização, quando reunia grandes nomes, como Ulysses Guimarães e Franco Montoro, mas já vivia dividido. Não lança candidatos à Presidência desde Orestes Quércia, em 1994. Virou uma federação de interesses locais diferenciados. A candidatura Renan é uma evidência disso. Não dá para imaginar qual programa ele defende no Senado.

O Executivo tem alguma culpa pelo descrédito em que caiu o mundo político?

As opções do Executivo federal são pequenas. Não tem outro partido grande com que possa se aliar e o que há disponível, como já disse, não tem projeto - o que faz dele um parceiro instável, que rompe a aliança quando tem outros interesses em jogo, por mais que alguns líderes peemedebistas se esforcem para manter o grupo unido. Romperam na votação do Código Florestal. Romperam no debate dos royalties do petróleo. Michel Temer tem feito enorme esforço para fazê-lo mais confiável. Nem sempre consegue.

Com Executivo e Judiciário fortes e Legislativo desacreditado, cria-se um desequilíbrio.

O Executivo sempre foi, por tradição, o poder mais forte. O Judiciário ganhou mais espaço depois de 1988, com a Constituinte. Mas o Congresso, que perdeu muitas prerrogativas durante o regime militar, não soube acompanhar as mudanças da sociedade. Ficou espremido entre os dois outros Poderes e não conseguiu se reestruturar. Veja o episódio dos 3 mil vetos acumulados e não votados durante vários anos, que veio a público no final de 2012. Isso foi uma confissão da falta de exercício das prerrogativas.

O desgaste atual é um produto de todos os partidos. É preciso mudar o sistema partidário?

Sim, e quanto a isso creio que o Supremo Tribunal Federal errou feio ao vetar a cláusula de barreira, em 2006. Ela teria sido um primeiro passo na modernização do sistema político brasileiro. Simplificaria a construção de coalizões. Ajudaria na administração pública, pelo impacto menor no loteamento dos cargos. Sem a cláusula, ficamos com um sistema fragmentado que dificulta a formação de maiorias e é custosa para governo e sociedade, já que o povo é que paga a conta das negociações pelos espaços de poder.

Todos dizem que é urgente a reforma política, mas o mundo político não quer fazê-la. Essa armadilha tem saída?

O Brasil não vai escapar de fazer essa reforma. O fato é que a Constituição de 88 acertou em muitas coisas, mas não inovou na organização do sistema político: preferi manter o status quo que, já naquela época, era insustentável. Agora, não dá pra fazer tábula rasa, começar tudo do zero. Tem de avançar por partes, e talvez retomar a cláusula de barreira. Há estudos do Ministério da Justiça mostrando que, exigindo-se apenas 1% de representação nos Estados (e não 5%, como no projeto anterior), o total de partidos cairia para dez. Pode-se começar daí.

O estágio da corrupção no País é o mais grave da história?

O desprestígio da política é grande, mas entendo que esse problema é global. É bom lembrar, contudo, que o Brasil já avançou muito - com a ação de órgãos como a Controladoria-Geral da União, o Tribunal de Contas, a Polícia Federal, as denúncias na imprensa, o grande número de servidores investigados e afastados.

O mensalão, nesse panorama, é um marco importante?

Sim. Lembremos que desde 1988 não havia condenações no foro especial - a primeira foi em 2011. O julgamento do mensalão terá impacto em todas as eleições daqui por diante, A maneira como se faz o financiamento de campanhas tornou-se insustentável. Doadores, prestadores de serviço, em tudo os interessados terão de pensar na forma de financiar os gastos eleitorais. É um aprimoramento institucional.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Lula pede que Dilma defenda o plano do PT para 2014

O objetivo é acabar com boatos de que ex-presidente sairá como candidato

BRASÍLIA - O ex-presidente Lula aconselhou sua sucessora, Dilma Rousseff, a entrar de cabeça na política de defesa do projeto do PT neste ano. Em encontro reservado, os dois combinaram uma agenda de viagens conjunta para mostrar união. O objetivo é eliminar boatos de distanciamento e desfazer rumores de que será o petista, não ela, o candidato à Presidência em 2014.

A reunião ocorreu na sexta-feira retrasada em São Paulo. Também participaram o marqueteiro João Santana, o ex-ministro Franklin Martins, o presidente do PT, Rui Falcão, e o ministro da Educação, Aloizio Mercadante.

Todos fizeram um "forte reconhecimento" ao pronunciamento da presidente em rede nacional do dia 23.

No discurso, ela não só anunciou a redução média de 20% na tarifa de energia elétrica como atacou a oposição de forma dura, porém indireta.

No encontro de São Paulo, Lula e os demais sugeriram que o Planalto invista nesse embate e que reforce sua comunicação institucional. No caso da conta de luz, consideram a medida um dos principais ativos eleitorais de Dilma e, portanto, uma das maiores fraquezas do PSDB.

O ex-presidente Lula também atua nos bastidores para tentar convencer o governador de Pernambuco e presidente nacional do PSB, Eduardo Campos, a não sair como candidato em 2014. Campos é visto hoje no PT como a grande ameaça ao projeto de poder do partido.

Nem a presidente Dilma Rousseff conseguiu arrancar de Campos a garantia de que ele não vai disputar o Planalto no ano que vem. Indagado sobre suas pretensões, o governador disse à presidente que é aliado fiel em 2013. Mas não poderia fazer promessas para 2014.

"O PT não pode ficar à frente da cabeça de chapa o tempo todo. Uma hora temos de abrir mão. E acho que 2018 é um bom ano, porque a presidente Dilma Rousseff, se reeleita, poderá terminar os projetos sociais e de serviços para a nova classe média iniciados por Lula", disse o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS).

De acordo com petistas, Lula sabe que só na base da conversa não será suficiente para tirar de Campos a disposição de disputar o Planalto. É preciso oferecer-lhe mais, mas não a vaga de vice na chapa de Dilma.

Fonte: O Tempo (MG)

Lula cobra a ministros metas do governo Dilma

Ex-presidente alerta que 2013 definirá eleições e teme que sucessora chegue fraca à campanha de reeleição

Fernanda Krakovics

BRASÍLIA - Não é só da articulação política do governo Dilma Rousseff que o ex-presidente Lula resolveu cuidar. Ele já chamou quatro ministros da cota do PT recentemente para fazer o acompanhamento de programas e políticas federais, além de cobrar o cumprimento de metas e dar orientações. A preocupação de Lula, ele justifica, é com a reeleição de Dilma em 2014. A avaliação do ex-presidente é que o governo está patinando na gestão. O sinal amarelo acendeu com o baixo crescimento da economia no ano passado.

O ex-presidente tem alertado que 2013 definirá as eleições de 2014 e que, se o governo patinar, Dilma não vai ter o que mostrar na campanha de reeleição. Seu temor é que ela chegue fraca na disputa eleitoral. Lula tem dito nessas conversas que falta no governo uma "Dilma da Dilma", ou seja, uma pessoa que cuide da gestão e a libere mais para fazer política. Ele também tem cobrado que ela viaje mais.

Dilma e Lula tiveram uma dura conversa em Paris no início de dezembro. A presidente estava na capital francesa em missão oficial, e o ex-presidente, participando de um fórum organizado por seu instituto. Nesse encontro, Lula expôs seu ponto de vista para a presidente. E os dois se encontraram novamente em São Paulo no último dia 25.

Lula já chamou para conversar os ministros Guido Mantega (Fazenda), Alexandre Padilha (Saúde), Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e Gleisi Hoffmann (Casa Civil). Ele ainda pretende procurar Miriam Belchior (Planejamento), principal responsável pela gestão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Lula também tem recebido muitos prefeitos do PT e encampou, por exemplo, o pedido deles para que o governo federal permita que médicos formados em outros países possam exercer a profissão no Brasil, onde faltam profissionais, principalmente no interior e na periferia das grandes cidades. A proposta encontra forte resistência nas corporações médicas e nas universidades brasileiras.

Lula tenta arbitrar uma divisão dentro do governo sobre essa proposta. Alexandre Padilha (Saúde) é a favor, e Aloizio Mercadante (Educação) seria contra. Mercadante teria recebido o médico Adib Jatene e encampado suas críticas ao plano. Mercadante é hoje um dos ministros mais ouvidos por Dilma. Padilha é um dos nomes sonhados por Lula para disputar cargo majoritário em 2014.

- Que governo é esse que tem coragem de enfrentar o setor energético, reduzindo a conta de luz, e não tem coragem de enfrentar as corporações dos médicos? - disse Lula a um prefeito petista.

Em reunião no último dia 21 com diretores do Instituto Lula, Lula afirmou que vai se empenhar a partir de fevereiro na articulação política da base de apoio da presidente Dilma.

Sua principal tarefa seria a manutenção do PSB na aliança. Quer conversar com o presidente do PSB, governador Eduardo Campos (PE), após o carnaval, na tentativa de dissuadi-lo do plano de disputar a Presidência da República em 2014.

Ao mesmo tempo que trabalha para viabilizar essa candidatura em 2014, conversando com empresários e tentando nacionalizar seu nome, Campos tem evitado falar abertamente sobre suas pretensões eleitorais.

Isso porque o PSB continua no governo - ocupa dois ministérios - e tem dito que ainda é muito cedo para esse tipo de discussão.

Fonte O Globo

Um aliado que tira o sono do governo

Governador do PSB medirá forças com PMDB e Lula já cogita oferecer a Vice ao pernambucano

João Domingos

BRASÍLIA - Aliado dos petistas desde a primeira candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, em 1989, o governador de Pernambuco e presidente nacional do PSB, Eduardo Campos, é visto hoje no PT como a grande ameaça ao projeto de poder do partido. Nem a presidente Dilma Rousseff conseguiu arrancar de Campos a garantia de que ele não vai disputar o Planalto no ano que vem. Indagado sobre suas pretensões, o governador disse à presidente que é aliado fiel em 2013. Mas não poderia fazer promessas para 2014.

A preocupação com as movimentações de Campos são tão grandes que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi acionado a, desde já, convencer o governador de que é mais interessante abrir mão de uma disputa daqui a um ano para ter a certeza do apoio petista em 2018. “O PT não pode ficar à frente da cabeça de chapa o tempo todo. Uma hora temos de abrir mão. E acho que 2018 é um bom ano, porque a presidente Dilma Rousseff, se reeleita, poderá terminar os projetos sociais e de serviços para a nova classe média iniciados por Lula”, disse o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), que está deixando o cargo.

De acordo com petistas, Lula sabe que só o gogó não será suficiente para tirar de Campos a disposição de disputar o Planalto. É preciso oferecer-lhe mais. E Lula, informam os petistas, poderia negociar a vaga à vice-presidência para o presidente do PSB.

0 problema é que Lula não tem autorização para fazer a oferta, porque Dilma já teria fechado a vaga com o atual vice, Michel Temer (PMDB). Marco Maia disse que o PT poderia oferecer um superministério para Campos, que teria então condições de trabalhar sua candidatura para 2018.

Por ora, todos quebram a cabeça sobre como demover Campos de se candidatar. “Eu não posso garantir se o Eduardo será ou não candidato, porque os fatos mudam. Mas hoje ele é uma figura do primeiro plano da política.

- Pensar na eleição de 2014 é pensar também no Eduardo”, disse o senador Armando Monteiro (PTB-PE), aliado de Campos.

Status. Para o deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), não há como fugir da candidatura de Campos em 2014. Ele enumerou os motivos. Em primeiro lugar, houve um forte crescimento do PSB nas últimas eleições; em segundo, há uma percepção de que o eleitorado quer um candidato jovem, gestor experimentado, bem avaliado e com inserção no mundo econômico. Para ele, Campos reúne esses requisitos. “Pesa contra o status quo a longa trajetória tucano-petista, que vai chegar a 20 anos.”

Na visão de Albuquerque, há espaço para duas candidaturas da esquerda. O atual governo depara-se com problemas antigos e não consegue resolvê-los, como o pacto federativo. “Prefeitos e governadores continuam a carregar o ônus da Federação e o governo federal o bônus.”

Albuquerque lembrou que o País está sem Orçamento para 2013 (só deve ser votado na semana que vem), o Fundo de Participação dos Estados (FPE) foi extinto, e há uma crise energética, seja pelo uso de termoelétricas para evitar o apagão, seja pela crise na produção de gasolina e álcool, com prejuízos para a Petrobrás. “A crise está batendo à porta, não há dúvida.”

O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) reconhece o crescimento de Campos, mas acha que o governador não está tão forte como pensa. “O grande problema do Eduardo é São Paulo. Ele não é conhecido lá. Também não vai bem nos Estados do Sul nem no Rio de Janeiro. E o eleitorado dessa região resolve qualquer eleição”, analisou.

“Ao contrário, Dilma é muito bem avaliada nesses Estados com maior número de eleitores. Isso a toma favorita.” Do lado de Campos, existe a informação de que ele poderia disputar 2014 mesmo sem chances de vencer. O objetivo seria ganhar visibilidade com a campanha. Desse modo, em 2018 seria um candidato competitivo - e sem depender da promessa de apoio do PT.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Eduardo Campos faz visita a Fernando Lyra em SP

Recebido pela família do ex-ministro, governador passa cerca de meia hora no hospital. Quadro permanece estável

Depois de visitar, oficialmente, pela manhã, a Campus Party Brasil, no Anhembi Parque, em São Paulo, o governador Eduardo Campos (PSB) visitou, no início da tarde de ontem, o ex-deputado e ex-ministro da Justiça, Fernando Lyra, que está internado desde 5 de janeiro na Unidade Coronariana do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da USP. De acordo com o boletim médico, divulgado às 17 horas de ontem, Lyra permanecia com quadro clínico estável, ainda em "estado crítico, sedado, sob cuidados intensivos e com necessidade de auxílio respiratório mecânico".

Acompanhado pela esposa, Renata Campos, e pelo prefeito do Recife, Geraldo Julio (PSB), o governador foi recebido por familiares de Fernando Lyra e por um dos médicos da equipe que cuida do ex-ministro. Nos cerca de 30 minutos que permaneceu na Unidade Coronariana, Eduardo entrou na UTI e recebeu informações sobre o quadro clínico da parte do médico e dos familiares do ex-ministro. Consciente do momento difícil vivido por Lyra, um dos principais aliados políticos do ex-governador Miguel Arraes (PSB) – avô do atual governador –, Eduardo apresentou solidariedade à família.

A comitiva do governador foi recebida, às 12h30, pela esposa do ex-ministro, Márcia, e filhas do casal Patrícia, Renata e Juliana. Estavam presentes, também, a irmã de Fernando Lyra, Angelice, e as filhas do irmão e vice-governador, João Lyra Neto, Paula e Nara. Filho do ex-deputado caruaruense, João Lyra Filho, o ex-ministro foi um dos "autênticos" do MDB, o grupo de parlamentares mais resistentes do partido de oposição ao governo militar de 64. Fernando está internado no Incor para tratar da "descompensação de insuficiência cardíaca congestiva grave", doença do coração que o atinge há quase 20 anos, associada a um quadro de infecção sistêmica e a uma insuficiência renal aguda.

Ao visitar a sexta edição da Campus Party Brasil 2013, no Anhembi Parque, Eduardo Campos – que cuida de projetar, nacionalmente, a sua imagem, como potencial candidato a presidente em 2014 – convidou os participantes para estarem na segunda edição do mesmo evento, em Recife, que deverá ocorrer em julho deste ano. Na ocasião, o governador prometeu fazer do Campus Party Recife um evento "muito maior e muito melhor".

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

PMDB consolida papel de escudo de governo

Apesar de comandar o Congresso, partido abdicou de tentar o Planalto e segue vocação de servir ao Executivo

Quando políticos fazem análises sobre 2014, ninguém cogita o PMDB como postulante ao Palácio do Planalto

Fernando Rodrigues

BRASÍLIA - Criado pela ditadura militar para ser um grupo de oposição consentida, o Movimento Democrático Brasileiro nasceu de forma anômala. Foi formado em 1966 e passou a abrigar uma frente de políticos expelidos dos partidos proscritos pelo regime.

Esse agrupamento desengonçado estava em todo o país, mas cada facção local tinha seus interesses. A falta de sintonia persiste até hoje.

Quando a ditadura extinguiu todas as siglas políticas, o Brasil passou a ter só duas agremiações legais. De um lado ficou a governista e pró-ditadura Arena. Do outro, o MDB, no papel de oposição emasculada.

A Arena e o MDB foram forjados da mesma matéria-prima. Herdaram políticos de todas as siglas extintas.

Em 1980, com a falência iminente da ditadura, o multipartidarismo voltou. O MDB incorporou a palavra "partido" à sigla e virou PMDB.

Tanto no regime de exceção como no retorno à democracia, a legenda funcionou como um grande amortecedor de mudanças bruscas.

O partido sempre foi do diálogo e da conciliação. Sua maior estrela, Ulysses Guimarães (1916-1992), era um grande negociador.

Logo depois do golpe de 1964, os moderados no Congresso se apressaram para encontrar uma forma de legitimar o novo governo. Uma lei começou a ser preparada, mas não foi votada.

Na proposta dos congressistas, entre os quais Ulysses, abria-se a possibilidade de cassar direitos políticos por 15 anos. No AI-1 os militares foram mais modestos e fixaram a as cassações em 10.

Em 1973, os militares preparavam a eleição indireta de mais um general. Seria a vez de Ernesto Geisel no Colégio Eleitoral, dominado pelo regime. Para contestar o processo, o MDB decidiu lançar Ulysses como anticandidato.

A combinação era renunciar antes da votação, denunciando o processo. Ulysses foi até o fim. Acabou chancelando a escolha de Geisel na votação indireta, em 1974.

Como se fosse um ônibus no qual todos entravam, o PMDB passou a acumular vitórias com a fragilização da ditadura -mas sempre infenso a radicalismos.

Em 1984, na campanha das diretas, muitos peemedebistas não fizeram o esforço devido para que a Constituição fosse alterada. Nesse episódio, Ulysses foi voto vencido.

O momento de ouro do PMDB foi em 1985, quando chegou ao Planalto. Mas foi por meio de José Sarney, que só se filiou à legenda para ser candidato a vice de Tancredo Neves -que morreu sem tomar posse.

O partido tentou duas vezes eleger um dos seus para o Planalto. Fracassou com Ulysses, em 1989, e com Orestes Quércia, em 1994. Tiveram desempenhos de nanicos.

A partir daí, o PMDB se resignou à condição de partido de feudos regionais. Só que facções da sigla passaram a disputar o controle nacional.

Dividido nas cidades e no Estados, descobriu sua vocação maior: servir aos governos no Congresso. Apoiou sucessivamente Itamar Franco, FHC, Lula e Dilma Rousseff.

Agora, volta a comandar o Senado com Renan Calheiros (AL), eleito na sexta, e deve conquistar o comando da Câmara amanhã com Henrique Eduardo Alves (RN).

Quando políticos em Brasília fazem análises sobre 2014, ninguém menciona o PMDB como partido que possa ter candidato ao Planalto. Nem dentro do PMDB essa possibilidade é cogitada.

Fonte: Folha de S. Paulo

Política estéril - Merval Pereira

A vitória consumada do senador Renan Calheiros no Senado e a provável do deputado federal Henrique Alves na Câmara amanhã parecem dar razão aos defensores do pragmatismo político que faz com que partidos tão heterogêneos (serão mesmo?) formem juntos a mesma coalizão governamental. Ou, mais ainda, que senadores do PSDB acabem votando em Renan Calheiros aproveitando-se do segredo do voto, para garantir ao partido um lugar na Mesa Diretora.

As vitórias e as traições são consequências da esterilização da política levada a efeito pelo governo petista primeiro através da abortada operação mensalão. Quando não foi mais possível comprar os 300 picaretas com dinheiro vivo, buscou o governo Lula montar uma maioria que fosse forte o suficiente para prevenir qualquer nova possibilidade de impeachment, presente na esteira do escândalo do mensalão, que ainda se arrasta como um cadáver insepulto pela política brasileira. Uma "maioria defensiva", não criativa, que serve para evitar, não para realizar reformas.

Em vez de dinheiro vivo, ministérios inteiros foram sendo doados a partidos políticos, fossem de que ideologia fossem. No governo Dilma, na ausência do grande demiurgo, tratou-se de ampliar ainda mais essa maioria, até o cúmulo de incentivar a formação de um novo partido, o PSD, que desidratou de vez a pequena base oposicionista.

Mesmo essa base não escapa da cooptação quando a necessidade é grande. Lá estava o governador tucano de Alagoas, Teotônio Vilela Filho, para levar sua solidariedade ao ex-presidente Lula quando as novas denúncias do lobista Marcos Valério surgiram, incriminando-o no mensalão. É essa, na prática, a consequência da esterilização política que o petismo no poder produziu: um ambiente cada vez mais cínico onde só os "espertos" têm vez.

Por isso, Paulo Maluf está no palanque petista em São Paulo, cantando "Lula-lá" como se fosse da turma, e a candidatura de Renan Calheiros vira uma questão de honra para o PT. É desse modo que tentam colocar o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, no córner, como se representasse o lado ruim da história, e o ex-presidente da República cassado pelo Congresso, sob a liderança do PT, como o grande aliado e acusador do Ministério Público.

É o mesmo MP de que tanto se serviu o próprio PT quando na oposição, agora transformado em "inimigo do povo". Faz sentido tentar transformar o Supremo Tribunal Federal (STF) em um grupo golpista quando não se conseguiu transformá-lo em um tribunal subserviente ao governo de plantão, mesmo que tenha sido esse governo a nomear oito dos 11 ministros que o compõem.

Nesse clima de loas aos vitoriosos costumeiros, não havia lugar mesmo para o espírito de Darcy Ribeiro, citado pelo anticandidato senador Pedro Taques: "Eu detestaria estar no lugar de quem venceu." Poucos ali naquele plenário pensam realmente assim, a maioria quer estar ao lado do vitorioso do momento, mesmo que a História os denuncie mais adiante.

O mesmo acontecerá na Câmara, onde a anticandidatura do deputado Chico Alencar, do PSOL, não encontrará eco, pois nega "a política como administração de poder entre elites e aceitação do existente como natural". Ao lançar-se candidato, um documento do PSOL apresentou diversas razões para não aceitar o fato consumado anunciado pela coligação governista. "Nem mesmo as ordens sociais mais opressivas conseguem abafar a vitalidade que sobrevive na dinâmica social e na movimentação política".

A "Política com P maiúsculo, a política que é História", como definia Joaquim Nabuco, sempre renasce, garante, esperançoso, o documento do PSOL. Nessa luta, não se trata de checar ideologias ou apoiar programas partidários. Trata-se de unir os poucos que ainda acreditam nessa política para "acertar o passo do Legislativo Nacional com as grandes questões que afetam a vida do nosso povo". Mas isso não passa de um sonho. O pragmatismo de Lula tratou de colocar os 300 picaretas, que um dia denunciou, ao seu lado, não para garantir a governabilidade como apregoam, mas o pedaço de cada um no imenso butim nacional.

Fonte: O Globo

Massa de manobra - Dora Kramer

A maioria das pessoas no Brasil não está nem aí para os partidos, corrobora o que se constata a olho nu uma pesquisa recente encomendada pelo Estado ao Ibope.

Partindo do princípio de que os partidos, descontados os períodos eleitorais, não estão nem aí para as pessoas, um índice até surpreendentemente baixo: 56% não têm preferência partidária, contra 44% que ainda nutrem alguma simpatia por essa ou aquela legenda.

Quando da redemocratização, a situação era inversa: 61% declaravam identificação com algum partido e 38% eram indiferentes. Culpa da democracia? Não, esta fez a sua parte, culpa de quem não sabe direito o que fazer com ela. E que não se responsabilize apenas os políticos nem se exima o chamado povo.

Aqui entra a segunda pesquisa que de certa forma tangencia questão assemelhada: uma consulta, publicada pelo jornal Valor Econômico, feita pelo instituto Barômetro das Américas em 18 países sul-americanos sobre o interesse da população no embate de ideias políticas.

Os números revelam uma redução acentuada na disposição de ouvir o que tem a dizer a oposição sobre os governos dos respectivos países - 50,9 pontos contra o índice mais baixo até então registrado, de 52,3, em 2008. Ou seja, cresce a intolerância à discórdia. A maioria não gosta de críticas, não valoriza o pluralismo de opiniões e, portanto, considera a liberdade de expressão um fator secundário.

Campo fértil para governos que alimentam campanhas contra os meios de comunicação e instituições independentes. Ou, como acreditam analistas do Barômetro, consequência da ação desses mesmos governos que fomentam a intolerância a qualquer tipo de crítica.

Não por acaso o grau de aceitação do exercício do contraditório é mais baixo em países como Venezuela (queda de 66,5 para 54,2 nos últimos cinco anos), Equador (43,4) e Honduras (36,6).

Na Argentina, país de opinião pública forte, o índice ainda é razoavelmente alto (58,6), mas houve um recuo de 8,8 pontos desde a ascensão de Cristina Kirchner, refratária assumida a discordâncias.

A boa notícia é que o Brasil está na antepenúltima colocação na escala da intolerância com o exercício da oposição (57 pontos), ainda que se enquadre entre os países cujos governos consideram que a atividade democrática se resume a vitórias eleitorais.

Podemos facilmente nos reconhecer na explicação que o professor da faculdade latino-americana de Ciências Sociais, Simón Pachano, deu sobre o aumento da intolerância à oposição no Equador de Rafael Corrêa.

"O conceito de democracia se reduz ao triunfo nas eleições. Não está presente aí o enorme componente liberal da democracia contemporânea que garante a discrepância, sustenta o pluralismo, permite o desempenho da oposição e torna possível a alternância", diz ele.

E acrescenta: "Isso nos leva a que aspectos positivos desse governo passem a um segundo plano em razão de uma clara deterioração da convivência democrática".

Degradação que se expressa na interpretação do eleito de que a delegação popular o desobriga de respeitar o arsenal democrático citado acima pelo professor e o autoriza a induzir as pessoas a confundir crítica com falta de apreço à pátria.

Lição do abismo. Experiente ator e arguto crítico da cena política, Luiz Carlos Santos, que morreu quinta-feira aos 80 anos, quando ministro encarregado da articulação política de Fernando Henrique Cardoso dizia em meio à euforia da aprovação da emenda da reeleição: "Tudo dá certo até que começa a dar errado".

Ali começava o desgaste político que acompanhou todo o segundo mandato de FH e resultou na vitória do PT.

A observação vale hoje para exorbitâncias de toda sorte que se cometem sob a interpretação equivocada de que ao poder tudo é eternamente permitido.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Renan e Dilma - Vinicius Torres Freire

Eleição de Calheiros segue o padrão da política dos últimos 25 anos. A presidente é que muda

Renan Calheiros aboletou-se de novo na Presidência do Senado. Substituiu José Sarney. Faz diferença?

Sarney manda no Maranhão, Estado dos mais miseráveis e primitivos, terra que infelicita sem parar faz 46 anos. Calheiros é um agregado mais recente de quem manda noutro dos Estados mais miseráveis e primitivos do país, Alagoas, faz pelo menos uns 80 anos.

Ambos enriqueceram quando na política. Não são oligarcas patrícios ou de alguma linhagem, gente que na verdade desapareceu como casta política lá por volta dos anos 1970 na maioria do país.

Sarney e Calheiros, por assim dizer, vieram de baixo.

Calheiros, principalmente, tem uma carreira muito semelhante à de tantas figuras de escol do PMDB, gente da pequena classe média, ou ainda menos que isso, que ascendeu com as vitórias do PMDB nos anos 1980. Ironia da história, subiram na vida "combatendo a ditadura" e/ou as elites carcomidas de seus Estados. São, por assim dizer, "homens novos", plebeus enriquecidos.

Fizeram a carreira da política como empreendimento gente como Orestes Quércia (SP), Iris Rezende (GO), Jader Barbalho (PA), Geddel Lima (BA), para citar uns poucos, quase todos ex-governadores.

Pode-se dizer, de modo apenas um pouco sarcástico, que a democratização permitiu a ascensão de novas elites, dos "homens novos" do PMDB aos mensaleiros e similares no PT e agregados.

Em particular nos Estados do centro-norte, tais figuras, seus sucessores e agregados se tornam os grandes agenciadores do favor, de prebendas do Estado, de negociações de subsídios para o empresário local e patronos de novos carreiristas. Tais lideranças definiram o padrão de negociação e negócios entre Executivo e Congresso pelo menos desde a Constituição de 1988.

Calheiros. Adepto de Collor. Amigo de usineiro enrolado. Fugido do Senado em 2007 por rolos. Indicado por Barbalho para suceder Rezende como ministro da Justiça no governo FHC. O ministério só não chegou tão baixo nos dias da ditadura militar, quando esteve sob advogados fascistas que ensinavam na USP, ou na ditadura Vargas.

Sarney e Calheiros estão associados a um dos momentos mais baixos do governo brasileiro -a Presidência hiperinflacionária e caótica, para ficar na crítica mais amena, de Sarney, e o governo Collor, que dispensa comentários.

Quase nada vai mudar no Senado de Calheiros. O que muda, para pior, é o governo Dilma Rousseff, que desce um pouco mais, dada a sua tolerância compromissada com a candidatura do PMDB, mais uma das tolerâncias da presidente.

Dilma Rousseff tolerou sem mais a gente que Lula colocou no ministério dela, e em tantos outros cargos públicos.

Enrolados, os ministros lulo-dilmianos caíram em série, o que ajudou a tornar ainda mais ridículo o investimento federal, aliás um dos motivos do pibinho dilmiano.

Dilma Rousseff não move uma palha para reformar o Estado. A presidente-gerente aceita um sistema de 20 mil nomeações para o que deveria ser a elite do serviço público, muita vez nomeação bandida.

Calheiros, enfim, não muda grande grande coisa. Está onde sempre esteve. Dilma é que vai mudando.

Fonte: Folha de S. Paulo

Renan e as profecias - Tereza Cruvinel

Contados os votos e confirmada a eleição de Renan Calheiros para presidente do Senado, a pergunta óbvia perpassou o plenário lotado na sexta-feira, verbalizada ou só pensada: e agora, ele aguentará o tranco? Conseguirá impor respeito e garantir a estabilidade política na Casa, ou voltará a ser troféu de caça? Neste caso, agora terá mais força para resistir do que em 2007? Daquela feita, açoitado por denúncias, trocou o anel pelos dedos. Renunciando à presidência, evitou a cassação do mandato.

É certo que raramente um político tão alvejado, depois de descer aos infernos conseguiu emergir e reconquistar a posição perdida. Esta façanha de Renan, um político que combina frieza, cálculo e habilidade, é agora seu bem e seu mal. Dá-lhe força com os aliados, atiça o ódio dos adversários. Mas, não fosse por seus antecedentes, sua vitória não acrescentaria nada de novo à história das eleições internas no parlamento brasileiro. Desde os primórdios da República, elas não passam de arranjos de poder entre as forças dominantes no Legislativo e os ocupantes do Poder Executivo. Por isso, a regra da proporcionalidade entre as bancadas. Aos maiores partidos, os melhores postos nas Mesas. Nunca foram ditadas por qualquer principismo, como inocentemente pensam os signatários de abaixo-assinados contra Renan. Como em outras disputas pelo mesmo cargo, em que a oposição sempre perdeu, não se tratou também agora da escolha entre um nome imaculado e outro manchado por denúncias. Tratou-se apenas da preservação do comando do Congresso nas mãos do grupo que compartilha o poder no governo Dilma.Por isso, Renan estará novamente com o cargo e a cabeça na linha de tiro dos adversários.

Adversários que não são apenas seus, mas do bloco de poder como um todo. Se não há denúncias contra Dilma, o fato de a presidente ter um aliado perseguido por elas ajudará a enfraquecê-la na disputa que se avizinha, a de 2014. Se contra o PT, o chicote do mensalão vai perdendo força, depois de ter abatido quadros da vanguarda do partido, o surgimento de aliados vulneráveis do PMDB, maior partido aliado, vem a calhar.

Contra as profecias de que a eleição de Renan abrirá a Caixa de Pandora para o Senado (e para o governo Dilma, embora a associação seja omitida), os governistas invocam a diferença entre a conjuntura de hoje e a de 2007. Lá, o ex-presidente Lula fora reeleito, mas seu governo e o PT lambiam as feridas do mensalão. Seu mandato caminhava para o fim. Agora, há um governo forte com perspectiva de um novo mandato, no qual a aliança PT-PMDB é mais sólida do que antes. Por isso mesmo, o novo presidente do Senado e também o da Câmara, que deve ser eleito amanhã, estarão no pelourinho e devem enfrentar novas denúncias. O que não quer dizer que a profecia do caos se cumprirá necessariamente.

Ela surgiu como retórica de campanha e ganhou densidade quando o procurador-geral Roberto Gurgel, na semana anterior ao pleito, apresentou denúncia ao STF contra Renan, derivada de inquérito aberto nos idos de 2007. A poucas horas do pleito, o inteiro teor da denúncia, pedindo o enquadramento do ainda candidato nos crimes de peculato, falsidade ideológica e uso de documentos falsos, foi publicado por uma revista. O vazamento elevou a tensão, mas não tirou votos de Renan, que obteve 56, para o concorrente Pedro Taques, do PDT, também procurador. Suas relações com Gurgel são amplamente conhecidas no Senado. É certo que a existência de uma denúncia no STF contra o presidente do Congresso acirrará a tensão já existente. Se ela for acolhida pelo Supremo, a oposição apresentará nova representação contra Renan no Conselho de Ética, conforme Tanques antecipou. O julgamento da ação penal seria o fim da linha.

Mas o relator, ministro Ricardo Lewandowski, avisou que examinará o assunto na ordem cronológica. E ele tem dezenas de processos a examinar. Em breve, a composição do STF será bastante alterada, com a nomeação de dois novos ministros. Em agosto, Gurgel deixará o cargo sem apresentar as alegações finais. Se nada acontecer em dois anos, Renan pode ter cumprido o mandato. Pode ter implementado parte da agenda que propôs ao tomar posse, composta de quatro eixos: modernização, transparência, autonomia em relação ao executivo e ajustes legais para melhorar o ambiente econômico. Falou rapidamente sobre ética. “A ética não é um objetivo em si mesmo. A ética é meio para se atingir o bem comum, é obrigação de todos.” Em 1998, numa aula inaugural no Hospital Sarah, o ex-presidente Fernando Henrique apresentou-nos este pensamento. Recorrendo a Weber, falou da diferença entre a ética da responsabilidade e a ética da convicção. Foi muito aplaudido.

Legado de Sarney

Vastas emoções acompanharam o senador José Sarney nas horas finais de seu quarto mandato como presidente do Senado, após 50 anos de vida parlamentar. Seu papel na transição, suprindo a ausência de Tancredo e honrando seus compromissos, como o de convocar a Constituinte, tem sido tisnado pelas lutas políticas do presente. Os historiadores tratarão dele. A última presidência machucou-o mais. Enfrentou denúncias, perdeu popularidade. Ao seu redor todos dizem. Foi o preço por ter apoiado Lula.

Aécio e Serra

A troca de Cássio Cunha Lima por Aloysio Nunes Ferreira no posto de líder do PSDB no Senado foi um gesto de Aécio Neves para o PSDB paulista, em sinal de que sua candidatura será de unidade. Tratou do assunto com Serra e Alckmin na visita da semana passada, mas faltava conversar com Cássio. Que, bom aliado, aceitou na hora o papel de primeiro vice-líder.

Fonte: Correio Braziliense

No auge da vida - Míriam Leitão

Uma semana depois, não conseguimos parar de pensar no mesmo assunto. Cada pessoa passou os últimos dias com o pensamento sendo atravessado pelas dúvidas sobre como devem ter sido aqueles terríveis minutos dentro da casa noturna de Santa Maria.

Como sociedade, temos falhado na trabalho de proteger os jovens do pior dos riscos: o de perder a própria vida.

A morte coletiva é como um choque que acorda para a realidade. Mas ela está na nossa frente todo o tempo. As estatísticas mostram que o perigo de morte por causas não naturais aumenta muito depois dos 15 anos. O gráfico por idade das vítimas e a frequência das mortes se descola fortemente a partir dessa faixa etária.

Vejam o gráfico abaixo, com dados do IBGE, que registra as mortes por acidente, homicídio, suicídio, trânsito. O número salta seis vezes e meia entre a faixa de 10 a 14 anos para a de 15 a 19 anos. Depois, uma nova alta de 40% entre os de 15 a 19 anos para os de 20 a 24 anos.

Temos perdido jovens demais, na faixa etária dos que morreram em Santa Maria, nos acidentes de trânsito ou nas estradas, e na violência urbana. Temos perdido jovens por incúria e descuido. O número é escandaloso: no ano de 2011, perderam a vida de forma violenta 53.780 jovens de 15 a 34 anos.

Cada pessoa tem uma forma de se abrigar numa época em que a notícia é devastadora como essa: 236 jovens de uma cidade universitária vão para uma balada de sábado à noite e morrem queimados, asfixiados numa armadilha montada pelos erros dos donos do local, pela irresponsabilidade de quem lançou o fogo pirotécnico e pelas falhas da fiscalização.

Os culpados em cada evento devem responder pelos seus erros e omissões, mas é preciso remover outras armadilhas para as quais jovens podem estar indo nas suas baladas.

Mas, para além até do divertimento dos sábados à noite, é preciso parar e pensar como temos falhado como pais e como país em estabelecer uma rede eficiente de proteção que poupe vidas quando elas estão florescendo.

Cada pessoa que perdeu um daqueles jovens carregará sua dor irreparável, e um dia, por cruel que seja dizer isso, a comoção passará e a solidariedade ficará mais rara. Mas a boate Kiss em Santa Maria é um grito de alerta que não podemos deixar de ouvir. Uma política para juventude teria que avaliar cuidadosamente todos os perigos e reduzi-los. Por que não nos damos conta, tão distraídos estamos, que essa mortandade de jovens é completamente inaceitável?

Todos eles, colhidos fora da hora, representaram o investimento de anos dos pais. Houve o tempo de esperar pelo nascimento, ensiná-los a andar, falar, levá-los à escola, acompanhar os anos da formação e vê-los entrar na universidade. É antinatural que nesse tempo em que começa a colheita eles percam a vida. Justamente na juventude; o momento mais emocionante e promissor da vida.

Fonte: O Globo