Quase R$ 50 bilhões em desonerações feitas pelo governo em 2012 não foram suficientes para a economia deslanchar. Analistas criticam modelo baseado no consumo e falta de clareza para investir em infraestrutura.
Remédio sem efeito no PIB
Juros baixos e desonerações não deslancham economia. Para analistas, falta "espírito animal"
Martha Beck, Danilo Fariello e Gabriela Valente
-Brasília- Desonerações tributárias de quase R$ 50 bilhões, juros mais baixos da história e crédito abundante. Esses três elementos estiveram presentes na economia brasileira em 2012, mas não foram suficientes para fazer os investimentos e o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) deslancharem. Isso porque não vieram acompanhados de algo considerado absolutamente essencial por qualquer empresário antes de colocar a mão no bolso: confiança. Economistas, acadêmicos e técnicos da equipe econômica ouvidos pelo GLOBO foram unânimes em afirmar que somente o "espírito animal" dos empresários, acompanhado de investimentos, teria turbinado o PIB no ano passado.
Faltou estabilidade no cenário internacional. Também faltou clareza sobre a capacidade do mercado interno de continuar consumindo, sobre as regras para participar de grandes projetos de infraestrutura e sobre o que o governo pretendia fazer com as desonerações. Diversos incentivos foram dados e prorrogados no último minuto, alíquotas subiram e desceram, e setores foram incluídos a conta-gotas em programas especiais como o de desoneração da folha de pagamento.
O termo "espírito animal", cunhado pelo economista britânico John Maynard Keynes na década de 1930, pro¬paga a ideia de que o investimento depende da confiança dos empresários. E foi esse otimismo que o governo não conseguiu despertar nos industriais.
O economista Júlio Gomes de Almeida, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), lembra que a entrada da nova classe média no mercado de consumo, no segundo mandato do presidente Lula, deu ânimo à indústria, que investiu na produção e no aumento da capacidade insta¬lada num ciclo que durou de 2007 a 2010. Mas, em 2011 e 2012, esse processo esmoreceu, o que significa que o investimento também esmoreceu, num quadro agravado pela crise externa.
— O empresário acaba pensando duas vezes. Se eu não tenho uma boa perspectiva dentro nem fora do país para os meus produtos, vou esperar para investir — explica Almeida.
Invasão estrangeira
Além disso, os importados entraram com força no mercado .doméstico. De acordo com o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, está cada dia mais difícil concorrer com o produto importado, que é livre do chamado custo Brasil. Ele também destaca que não adianta fazer pacotes de incentivo sem reformas estruturais e sem engrenar o investimento em infraestrutura.
— As exportações brasileiras dobraram nos últimos dez anos, mas os portos no Brasil são os mesmos. Está passando o tempo e não tem reforma tributária, redução de burocracia, e o in¬vestimento não deslancha.
Um dos obstáculos aos investimentos em infraestrutura em 2012 foi a falta de clareza nas regras, o que gerou instabilidade jurídica. No setor elétrico, as mudanças feitas pelo governo nos modelos de renovação das concessões para reduzir as contas de luz, por exemplo, preocuparam o setor, que sofreu com quedas bilionárias no valor de mercado das companhias.
— Quem não consegue visualizar claramente o cenário futuro, não vai investir — diz Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib).
Godoy estima que o total investido em infraestrutura hoje no Brasil chega a R$ 173 bilhões, mas precisará atingir R$ 248 bilhões até 2016.
No governo federal, a avaliação é que "não é um fracasso" o fato de a economia ter crescido apenas 1% no ano passado, diante de um cenário externo extremamente adverso, que prejudicou até mesmo setores altamente produtivos, como a mineração.
— Desde o segundo semestre do ano passado, há a tentativa de se recuperar a competitividade da economia brasileira e o "espírito animal" do empresário, até com desonerações horizontais, mas o impacto disso na economia tem uma defasagem — justifica um técnico da equipe econômica.
Falta de previsibilidade
A decisão do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de fazer um road show para apresentar a investidores os grandes projetos de concessão na área de infraestrutura, que somam mais de R$ 300 biIhões, é vista como uma iniciativa positiva pelo empresariado e por analistas.
— Até o fim de 2012, o governo perdia a batalha das expectativas, mas eu sinto que, no início deste ano, ele está que¬rendo virar esse jogo — diz Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-presidente do Banco Central. — Isso passa por restaurar a confiança macroeconômica, que funcionou bem nos governos de Fernando Henrique e Lula, lançando os vetores estruturais que no mundo todo explicam o crescimento maior — acrescenta.
Para o economista-chefe da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco, o governo também deveria apressar o cronograma de concessões e nortear melhor os empresários. O economista lembra que o Conselho Monetário Nacional (CMN) só prorrogou o programa Reintegra, que cobra uma alíquota unificada de 3% sobre as vendas ao exterior, na última semana do ano passado. Os exportadores não sabiam se poderiam contar com essa regra para se programarem.
Uma venda para o exterior é fechada com três meses de antecedência ao embarque da mercadoria. A gente sabe que comércio exterior funciona com um horizonte mais longo. O que a indústria precisa é de previsibilidade — diz Castelo Branco.
Para o ex-presidente do BNDES José Pio Borges, na área de consumo, os incentivos tributários concedidos pelo governo já cumpriram seu papel. Para manter esse mercado em crescimento agora, afirmou ele, seria necessário fazer uma reforma mais ampla na estrutura tributária, reduzindo a taxação in¬direta que existe sobre as mercadorias.
Ele também afirma que o governo precisaria fazer uma política que reduzisse as taxas de juros cobradas dos consumidores em serviços como cartão de crédito e cheque especial.
A Taxa Selic (juro básico da economia) caiu muito, mas os consumidores ainda pagam juros escandalosos — lembra Pio Borges.
Fonte: O Globo