A opção pelo capitalismo iliberal, defendida canhestramente por Paulo Guedes, seu ministro da Fazenda, emprestou roupagem nova ao capitalismo pirata que teve livre curso, em boa parte pela imobilidade forçada da sociedade pela disseminação da cruel epidemia que se abateu sobre o país. Esse fato funéreo foi comemorado pelo ministro do meio ambiente em tom álacre, Ricardo Salles, em frase imorredoura que aludiu a queda de resistência à passagem de boiadas à doença que mortificava o país. Não houve dimensão ignorada pelo afã destrutivo das hostes bolsonaristas, em especial na área da educação, na da saúde, e de todas as agências reguladoras do meio ambiente, sempre no objetivo declarado de torná-las docemente compatíveis à expansão da acumulação capitalista e seus valores.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
domingo, 28 de agosto de 2022
Luiz Werneck Vianna* - Lembrar Maquiavel
‘A democracia é uma planta que devemos regar todos os dias’, diz ex-presidente do Chile Ricardo Lagos
Por Janaina Figueiredo / O Globo
Aos 84 anos, chileno destaca impacto das
eleições do Brasil para a América Latina, defende políticas de distribuição de
renda e reforça necessidade de fortalecimento das instituições
Não são tempos fáceis na América Latina, e
a eleição presidencial brasileira desperta interesse e expectativa entre
presidentes de outras épocas, que são referências regionais e mundiais. É o
caso do chileno Ricardo Lagos (2000-2006), primeiro presidente socialista a
assumir o poder em seu país depois de Salvador Allende (1970-1973), derrubado
pelo golpe de Augusto Pinochet. Em entrevista ao GLOBO, Lagos afirmou que “as
democracias devem ser cuidadas e mantidas”.
Infectado pela primeira vez pela Covid-19,
o ex-presidente, de 84 anos, falou sobre o drama da desigualdade na região,
defendeu reformas tributárias profundas, a necessidade de que a América Latina
tenha uma única voz para enfrentar os novos desafios globais e de que os
presidentes falem com franqueza de suas limitações e possibilidades. “Um
presidente é o principal comunicador de um país, deve saber se conectar com as
pessoas e deve dizer a verdade”, frisou Lagos.
Qual é sua expectativa sobre a eleição presidencial no Brasil?
Merval Pereira - Cabo de guerra
O Globo
Candidatos à presidência, com exceção de
Bolsonaro, tentam se livrar do orçamento secreto, que dá ao Legislativo o
controle sobre o Executivo
Entre os candidatos à presidência da
República, apenas o presidente Bolsonaro não critica o “orçamento secreto”. É o
seu “mensalão”. Os demais procuram jeito de se livrar da verdadeira tutela
imposta ao Executivo pelo Legislativo, diga-se Centrão. Essa situação não
nasceu da noite para o dia, deu-se como uma reação do Legislativo ao controle
do Executivo sobre o orçamento, mas acabou criando outra disfuncionalidade, o
controle do Legislativo sobre o Executivo.
Como já dizia o ex-deputado Ulysses Guimarães, presidente da Câmara dos Deputados três vezes, na última acumulando com a presidência da Constituinte: “Presidente da República sem o Congresso não governa. Não governa no Brasil nem em nenhuma democracia do mundo. Governo solidário, integrado, condominial, é o que ordena a Constituição. Ela repudia a ingovernabilidade do governo solitário, em que o destino de milhões de seres humanos depende de apenas uma cabeça. O que o presidente da República faz, o Congresso pode desfazer”.
Míriam Leitão - Voto dos pobres e combate à pobreza
O Globo
O Brasil está dividido em várias questões,
mas uma fratura na escolha do eleitor é muito reveladora do país que somos. Os
pobres votam em Lula na esperança de um ambiente econômico que os favoreça, os
não pobres de qualquer nível de renda dão mais votos a Bolsonaro. O Brasil
precisa ter foco no resgate dos pobres, mas isso exigirá do próximo governo
políticas fortes e precisas para atacar o agudo da crise, e muita capacidade de
escolha e decisão sobre o uso dos recursos públicos. O combate à pobreza é uma
emergência.
Nada resolverá quem nega a existência do
problema. O
presidente Bolsonaro em mais uma odiosa declaração negou que a fome exista no
país. Ela é uma realidade gritante e, ao dizer o que disse, Bolsonaro só
mostra que governante desprezível ele é.
Na realidade, o que se vê é um país que aprofunda suas divisões de renda. Na Central das Eleições da Globonews, o comentarista Mauro Paulino fez uma pergunta à pesquisa Datafolha. O que acontece com todos os outros recortes — religião, cor da pele, região e gênero — se incluirmos a variável renda como o grande divisor. Ou seja, como votam os pobres evangélicos, católicos, negros, brancos, homens e mulheres, e de qualquer parte do país? O resultado foi impressionante, e os números foram analisados na Central sob o comando de Natuza Nery. Em resumo, os pobres votam majoritariamente em Lula. Entre os não pobres há vantagem para Bolsonaro.
Elio Gaspari - Lula precisa de um dublador
O Globo
As regras das entrevistas ao Jornal
Nacional não permitem que a fala dos candidatos venha pela voz de um dublador,
mas ele teria ajudado a Lula. O candidato que disse ser necessário “pacificar
este país”, que política “se faz conversando” e que “adversário não é inimigo”
temperou suas respostas com um tom agressivo, algumas oitavas acima do que pede
um estúdio.
Ecoava mais o líder sindical falando no
estádio de Vila Euclides no milênio passado do que o Lula presidente de 2003 a
2010.
Lula resolveu seguir na campanha carregando
as bolas de ferro da corrupção instalada no seu governo. Primeiro a do
mensalão, depois a sua responsabilidade, ainda que indireta, nas propinas
cobradas em obras públicas, sobretudo na Petrobras.
Erros, (“equívocos”, nas suas palavras)
quem cometeu foi a sucessora, Dilma Rousseff. Logo ela, que tentou limpar a
Petrobras e não conseguiu. Ele, repetiu, foi considerado o melhor presidente
que o país já teve. Nos primeiros meses de seu mandato, áulicos atribuíam aos
seus poderes a remissão do câncer de um amigo. O perigo mora na possibilidade
dele acreditar nisso, mesmo sabendo que o amigo morreu meses depois.
Lula mostrou-se disposto a reverter o rumo
da economia e repetiu uma receita que já deu errado.
A estridência do candidato estragou a resposta em que tratou do agronegócio. A aliança de Bolsonaro com os agrotrogloditas só trouxe constrangimento para os agroempresários. Ele diz a verdade quando afirma que o Movimento dos Sem Terra de hoje é outro. Isso, contudo, não é apanágio dos governos petistas. Já não corresponde aos fatos a afirmação de que o MST só invadia terras improdutivas. Invasores cobravam até resgate para não ocupar fazendas vizinhas.
Luiz Carlos Azedo - Simone Tebet, uma grata surpresa no Jornal Nacional
Correio Braziliense
A candidata do MDB foi muito
cobrada pelos entrevistadores da Globo por seu desempenho como vice-governadora
do Mato Grosso do Sul, cargo que exerceu antes de ser eleita senadora
Para a maioria dos eleitores que
acompanharam as entrevistas dos candidatos à Presidência aos jornalistas
William Bonner e Renata Vasconcellos, no Jornal Nacional (Rede Globo), Simone
Tebet (MDB) foi uma grata surpresa, quando nada porque era muito menos
conhecida do que os seus concorrentes: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), que governou por dois mandatos, o presidente Jair Bolsonaro (PL),
que tenta a reeleição, e Ciro Gomes (PDT), que disputa o comando do Palácio do
Planalto pela quarta vez.
Simpática, bonita, firme, experiente, segura e com boas propostas, a entrevista serviu para que se descolasse dos caciques do MDB, que podem aumentar sua rejeição sem lhe dar um voto, e tentasse uma conexão direta com os eleitores, até porque não tem outra alternativa. Simone está sendo “cristianizada” abertamente pela ala da legenda engajada na volta de Lula ao poder, principalmente no Nordeste e no Sudeste, e as lideranças do Sul, Centro-Oeste e Norte do país que fazem parte da base de sustentação de Bolsonaro. Não foi à toa que citou como referências da legenda, além de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, apenas os ex-governadores Pedro Simon (RS) e Jarbas Vasconcellos (PE), que estão vivos.
Janio de Freitas – Nas bordas do bolsonarismo
Folha de S. Paulo
Ação contra empresários ocorre sem abusos como
os de Moro e Dallagnol
Entre ricos empresários brasileiros, é
comum uma capacidade muito especial, algo como um poder magnético, que se ativa
com presteza automática sempre que seu portador que se vê em encrenca ou
desejoso de novas benesses.
Nos inumeráveis segmentos de atividades, só
militares têm capacidade semelhante, até como característica nacional, e talvez
pelo entendimento mútuo das duas classes.
A busca
policial nas casas de oito integrantes do grupo Empresários & Política desencadeou
uma chuva de urgências de desagrado, de início meio encabuladas, em sites,
blogs, jornais, TVs e rádios.
Escritas e ditas por colunistas,
colaboradores, advogados menos ou mais advocatícios e bolsonaristas não
lembráveis. Todos com ressalvas ou críticas à "ordem" do ministro
Alexandre de Moraes para a ação policial contra os empresários
flagrados em considerações pró-golpe.
"Moraes assumiu um risco alto", "operação controversa da PF", "simples conversa sobre golpe não é crime", "só falas sobre golpes não indicam crimes" —as formas variaram, não a preocupação com a pureza judicial ferida pelo excesso (como dizem os militares) de um ministro do Supremo.
Muniz Sodré* - Demônios na goiabeira
Folha de S. Paulo
Desde a espantosa afirmação de uma ministra
de que viu Jesus Cristo trepado numa
goiabeira, a nação não tinha ouvido informação tão intrigante quanto
a da primeira-dama, segundo a qual o Palácio do Planalto era antes povoado por
demônios.
Até aí, o relato oscila entre o escopo
sobre-humano das crenças e o das exaltações visionárias. É uma questão de
afinidade privada. Torna-se pública quando ela vai mais além para garantir que
o real chefe do governo é aquele já descido, não da cruz (símbolo da entrega
sacrificial), e sim da goiabeira: o próprio Jesus.
Notoriamente, entidades religiosas e articulistas detectaram aí um laivo de terrorismo religioso, por contrariar o pluralismo das crenças e o princípio de laicidade do Estado. Mas o fato ganha uma conotação particular quando confrontado a um pequeno episódio da celebração democrática nas Arcadas do Largo São Francisco: a professora Eunice de Jesus Prudente, uma das leitoras da Carta aos Brasileiros, com pulseira de búzios e blazer amarelo, emocionou a todos ao se descrever como mulher preta, zeladora de Oxum.
Bruno Boghossian – Em busca do voto crítico
Folha de S. Paulo
Ex-presidente trabalha para que eleitor
fora da esquerda continue a seu lado e saia de casa para votar
A campanha de Lula ainda trata com alguma
cautela o que se apresenta como uma espécie de voto crítico na disputa deste
ano. A entrevista ao Jornal Nacional foi um exercício do ex-presidente para
consolidar e tentar ampliar o apoio de um eleitorado que não se considera
totalmente alinhado a seu projeto político e, em alguns casos, chega a operar
nos limites do antipetismo.
Lula levou à bancada do telejornal um discurso contra três conhecidos gatilhos de rejeição nesse segmento: corrupção, alinhamento a ditaduras de esquerda e o governo Dilma Rousseff. O petista reconheceu desvios, falou em alternância de poder e admitiu decisões equivocadas na gestão de sua sucessora.
Hélio Schwartsman - Coração imperial
Folha de S. Paulo
Recepção de órgão de d. Pedro é espetáculo
grotesco (e meio nojento)
Ainda não consegui decidir se acho a recepção
do coração de dom Pedro 1º com honras de Estado um espetáculo
apenas grotesco ou grotesco e nojento. Estamos, afinal, falando de um músculo
cardíaco já meio necrosado, que só não se decompôs inteiramente porque é
guardado num jarro cheio de formol. Surpreende-me que adultos supostamente
racionais dos dois lados do Atlântico cultuem um pedaço de cadáver, baseados na
falsa crença de que o miocárdio retenha magicamente as virtudes de quem o
portou.
Se a exibição do coração imperial tem algo de duvidoso, o fenômeno psicológico que a sustenta, o essencialismo, é dos mais fascinantes. Ele está na origem de algumas das melhores e das piores características de nossa espécie.
Eliane Cantanhêde - Ligando o botão da TV nas eleições
O Estado de S. Paulo
Na TV, religião e ‘bem contra o mal’ versus comida e ‘o pior e o melhor presidente do Brasil’
A televisão entrou com tudo na campanha
eleitoral, a partir da semana passada, com as entrevistas para muitos milhões
de brasileiros no Jornal Nacional, da TV Globo, e o início da propaganda
eleitoral obrigatória, que recupera prestígio, investimento e sua capacidade de
atingir faixas imensas do eleitorado e, assim, pesar no resultado.
Se 2018 foi um ponto fora da curva sob vários aspectos, com a internet sendo decisiva para o improvável Jair Bolsonaro, 2022 mantém a força das redes, mas recoloca a importância da TV, como sempre. Geraldo Alckmin somou o PSDB, os tradicionais aliados e o Centrão, com mais de cinco minutos na propaganda na TV, mas teve menos de 5% de votos. Já Bolsonaro captou a força da internet e, com a facada, acrescentou a isso uma fantástica exposição em rádios, televisões e jornais.
Affonso Celso Pastore* - Estados Unidos e Europa
O Estado de S. Paulo
O Brasil deixará de contar com o impulso da economia mundial para crescer
Em junho, o FMI voltou a reduzir a projeção
de crescimento mundial em 2023, e novos dados dos EUA e da Europa indicam que
outras reduções devem ocorrer. Uma das consequências é que o Brasil não poderá
contar com o impulso da economia mundial, que em 2022 contribuiu para o
crescimento do PIB acima de 2%.
Em Jackson Hole, Jerome Powell reafirmou que o Fed continuará elevando a taxa de juros, mantendo-a em território restritivo até que a inflação seja dominada. A significativa desobstrução das cadeias de suprimento revelada pelo indicador do NYFED joga por terra a tese de que a inflação atual seria de custos. E, no entanto, esta é a hipótese surpreendentemente defendida por Stiglitz, um ganhador do Prêmio Nobel, e publicada com destaque na última quinta-feira, sob a alegação de que, ao inibir os investimentos necessários para normalizar a produção e domar uma inflação supostamente de custos, a taxa de juros mais alta elevaria a inflação.
Bernardo Mello Franco – Um perdão para Olga
O Globo
Militante comunista foi morta há 80 anos na
câmara de gás; tribunal concordou que ela fosse entregue à Alemanha nazista
pelo governo Vargas
A ministra Cármen Lúcia propôs que o
Supremo Tribunal Federal peça perdão pela deportação de Olga Benário. A
militante comunista estava grávida quando o tribunal autorizou o governo de
Getúlio Vargas a entregá-la à Alemanha nazista. Sua morte na câmara de gás
completou 80 anos em abril.
O processo de Olga reúne algumas das
páginas mais sombrias da história do Supremo. Em março de 1936, a
revolucionária alemã foi presa no Rio com o marido, Luís Carlos Prestes. Os
dois eram procurados desde o levante frustrado na Praia Vermelha, no ano
anterior. Para atingir Prestes, o governo resolveu expulsar Olga. Nas palavras
do então ministro da Justiça, Vicente Rao, ela seria “perigosa à ordem pública
e nociva aos interesses do país”.
Na tentativa de salvá-la da Gestapo, o advogado Heitor Lima apostou numa estratégia incomum. Em vez de alegar sua inocência, apenas reivindicou que ela continuasse presa no país. Argumentou que a alemã estava grávida de um brasileiro, e que o bebê também seria punido com a deportação. Ele ainda sustentou que a cliente teria desistido da revolução para se dedicar à maternidade. Assim, seria a única pessoa capaz de “regenerar” o lendário Cavaleiro da Esperança.
Flora Süssekind: ‘Senti necessidade de observar o Brasil sob a extrema-direita’
Uma das principais críticas literárias do país, autora lança 'Coros, contrários, massa', seu primeiro livro em 10 anos
Por Bolívar Torres / O Globo
Há reflexões que acompanham a vida de um
pesquisador por muitos anos. Uma das maiores críticas literárias do país, Flora
Süssekind levou uma década para reunir em livro os seus anseios intelectuais
mais recentes. O resultado é “Coros, contrários, massa” (Cepe), que põe fim a
uma longa espera por lançamentos da professora e pesquisadora. Com 20 textos
ampliados e dois ensaios inéditos, o livro explora diversos desdobramentos
sobre a questão do coro, ao qual a autora vem se dedicando.
Na construção do pensamento crítico de
Flora, o coro é uma chave para entender as multiplicidades de vozes que formam
a nossa experiência contemporânea. A autora mira o inquieto horizonte cultural
e político, sem tirar os olhos do retrovisor. Sobrepondo passado e presente,
cinema, artes plásticas e literatura, vai de João Cabral de Melo Neto e Clarice
Lispector às tirinhas de André Dahmer, passando pela produção de escritores da
atualidade como Veronica Stigger e Angélica Freitas.
Contracoro
O livro chega um ano após a polêmica saída
da autora da Casa de Rui Barbosa, onde ela atuou como pesquisadora por quase
quatro décadas. Era o auge da tensão entre os servidores e
a presidente da entidade, Letícia Dornelles. Ao ser empossada, em
2019, ela
exonerou de seus cargos Flora e outros quatro chefes de pesquisa. Flora
poderia ter ficado, mas resolveu se aposentar da Casa Rui.
— É claro que a conjuntura política do país teve papel decisivo na demora (em lançar o livro) — conta Flora. — Eu perdi um coro de que fazia parte desde bem jovem, o centro de pesquisa da Casa Rui. Isso é muito forte, claro. Mas senti sobretudo necessidade de observar o que aconteceria no Brasil sob um governo de extrema-direita, de observar os coros da ultradireita. E contrastá-los aos contracoros trabalhados em experiências artísticas que, nesse contexto, se imporiam com inteligência crítica e autonomia. Assim como ao desânimo, à paralisia, à espera que acometeriam a muitos de nós.
Cacá Diegues - Política criação
O Globo
'Qualquer que seja o nosso candidato, somos
obrigados a lembrar o que fez e sobretudo o que pensa sobre nós'
O cinema brasileiro sempre teve problemas
com o Estado e era normal que fosse assim. Os políticos sempre têm críticas à
criação, pois cabe aos políticos tentar convencer a população de que ela se
comporta do jeito que precisa se comportar; enquanto à criação cabe dizer que
ainda há um futuro a percorrer. Enquanto aos políticos é natural afirmar que
aquilo que a população desejava deles está sendo cumprido, aos criadores cabe
propor cenários inéditos de acordo com sua imaginação e ideologia pessoais. Ao
diálogo de quem está no poder, equivale uma reação dos que sonham em inventar
um novo mundo. Se aos políticos cabe justificar os votos que receberam, aos
criadores cabe inventar novas alternativas, sem ser obrigado a acertar em todas
elas.
Desde o início da redemocratização do Brasil, de Sarney a Temer, esse embate produzia a energia necessária para que as forças de cada lado acertassem suas preferências. E essas se tornavam sugestões à população, que as podia aceitar ou não.
Cristovam Buarque* - Felizmente temos Lula
Blog do Noblat / Metrópoles (27/8/22)
Lula demonstra que está mais experiente e
em condições de corrigir equívocos durante seus dois governos
O Brasil está sem coesão no presente e sem rumo para o futuro. Entre os candidatos atuais à Presidência da República, Lula tem mais habilidade, liderança e experiência para reunir políticos de diversos partidos, empresários e trabalhadores, universitários e iletrados, ambientalistas e agronegócio, com o intuito de buscar esta coesão. Demonstra mais capacidade para usar esta coesão com o propósito de retomar rumo para o Brasil: aproveitar as janelas de oportunidade que a crise mundial oferece e usar os recursos que dispomos para a promoção de um desenvolvimento sustentável, justo, democrático e com eficiência.
Marco Antonio Villa - O que aconteceu com o Brasil?
Revista IstoÉ
O País hoje é quase
como um daqueles problemas matemáticos que permanecem séculos para serem
decifrados
Não será tarefa fácil para o pesquisador quando se debruçar sobre o Brasil de 2022 como objeto de estudo. O historiador poderá contar com fontes primárias e secundárias, com arquivos pessoais e com depoimentos, se assim o desejar, de atores – protagonistas ou não – da conjuntura política. Apesar disso, não creio que conseguirá obter respostas imediatamente. Pode ser que o tempo, o desenrolar da nossa história seja um aliado. Pode ser. Contudo, a complexidade do momento histórico vai levar o pesquisador para alguns temas de difícil explicação.
Como compreender historicamente – no sentido de Lucien Febvre – as eleições de 2018? O que aconteceu com o Brasil? E, mais concretamente, o que aconteceu conosco? Que País era aquele que elegeu um incapaz para a Presidência da República? No primeiro turno foram apresentados diversos candidatos que tinham história, programa e compromisso com a democracia. Mas o eleitor desconsiderou. Qual a razão? Foi só um voto de protesto ou algo mais?
Eugênio Bucci - Alguma coisa no eleitor ainda é analógica
O Estado de S. Paulo (27/8/22)
Para começar, tenhamos bem claro: até aqui, o evento de maior impacto na campanha eleitoral para a Presidência da República foram as sabatinas com os candidatos no Jornal Nacional. Foi a TV, não foram as redes sociais. Não foram os canais no Youtube, não foram as correntes de baboseiras no Whatsapp ou no Telegram, mas a velha televisão de sinal aberto que gerou o fato mais determinante da corrida eleitoral. As duas entrevistas de maior repercussão, a de Bolsonaro, na segunda-feira, e a de Lula, anteontem, foram vistas por cerca de 42 milhões de pessoas (a audiência do primeiro ficou pouca coisa acima, mas, em ordem de grandeza, ambos alcançaram o mesmo patamar). Com elas, o Jornal Nacional bateu recordes de público. Algo como um quinto ou um quarto dos habitantes do País grudou na tela para ver Renata Vasconcellos e William Bonner entrevistando (e bem) o atual presidente e seu maior rival, o ex-presidente Lula.
Luiz Carlos Azedo - Lula nadou de braçada na entrevista do JN
Correio Braziliense (27/8/22)
Nas redes sociais, 15 milhões
de pessoas acompanharam as postagens sobre a entrevista de Lula ao JN, mais do
que a audiência de Bolsonaro, que foi de nove milhões
Quem esperava uma entrevista pesada, como a
do presidente Jair Bolsonaro, na segunda-feira, certamente ficou surpreso com a
sabatina do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos jornalistas William
Bonner e Renata Vasconcellos, no Jornal Nacional (TV Globo), na quinta-feira. O
clima de grande expectativa em torno da entrevista, decorrente do histórico de
desentendimentos entre o líder petista e a emissora, foi desanuviado logo no
começo, quando o âncora do programa jornalístico de maior audiência da televisão
brasileira, ao formular sua pergunta sobre a corrupção nos governos petistas,
fez a ressalva de que o ex-presidente não devia nada à Justiça.
Daí para a frente, Lula ficou à vontade, ora sorridente, ora veemente, respondendo às perguntas de acordo com sua conveniência. Algumas vezes, tergiversou; outras, mandou recados aos diferentes públicos que pretende seduzir na campanha eleitoral. Foi o caso da nomeação do novo procurador-geral da República, caso seja eleito. O petista deixou no ar se aceitará a lista tríplice tradicionalmente eleita pelos procuradores, como fez durante seu governo. Sem nunca perder a elegância, foi mais atencioso com Renata Vasconcellos do que com Bonner. O Lula ressentido dos palanques eleitorais deu lugar à nova versão do Lulinha Paz e Amor, 20 anos depois. O petista estava de bem com a vida e convicto de que sua volta ao poder, em parceria com o ex-tucano Geraldo Alckmin, é a chave para resolver os problemas do país.
O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões
Editoriais / Opiniões
Privatizar é bom
Folha de S. Paulo
Cumpre desfazer falsas noções sobre o
bem-sucedido programa de desestatização
O enriquecimento dos povos depende da
produtividade do trabalho. Quanto mais bens e serviços produzidos por hora
trabalhada, mais próspera será a sociedade.
A fórmula historicamente mais eficaz de
impulsionar a produtividade é deixar a tarefa de empreender a indivíduos
livremente associados em organizações privadas, as quais competem entre si para
obter o maior lucro possível.
Aos governos cumpre zelar pelos bens
públicos —saúde, educação, renda mínima, segurança, infraestrutura, isonomia e
competição— seja diretamente, seja por intermédio de operadores privados
devidamente monitorados e fiscalizados por agências reguladoras.
Se o mercado funcionar adequadamente,
haverá mais bem-estar material a ser partilhado pelo Estado. Se o setor público
for eficiente nas suas tarefas precípuas, indivíduos instruídos, a despeito de
sua origem familiar, catapultarão a produtividade, e as desigualdades serão
reduzidas. Os dois polos completam uma engrenagem que se autoalimenta rumo ao
progresso.
Cerca de três décadas depois de iniciado o bem-sucedido processo de venda de empresas estatais e concessões de serviços públicos, no entanto, o tema ainda suscita controvérsias na sociedade brasileira.