SABATINA NA FOLHA DE S. PAULO
"Lula chamava o Bolsa Família de Bolsa Esmola", diz Serra em sabatina
Serra se diz a favor da união civil e da adoção de crianças por gays
Serra diz que governo da Bolívia faz corpo mole e chama de absurda cassação de aliados
Também tenho uma enorme curiosidade de saber quem será meu vice, diz Serra
"Escolha do vice não tem sido estressante", diz Serra
Para Serra, governo errou ao tratar dos royalties em ano eleitoral
SÃO PAULO - O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, afirmou nesta segunda-feira que as privatizações de empresas estatais são usadas como "terrorismo eleitoral" e que sua adversária na disputa, Dilma Rousseff (PT), deve desculpas pelo suposto dossiê contra tucanos.
"Isso [as privatizações] é usado mais como terrorismo eleitoral, do que como realidade", disse ele em sabatina da Folha, em referência a uma suposta intenção sua de privatizar empresas estatais.
Sobre o Banco do Brasil, afirmou que é "terrorismo em estado puro".
Serra também falou sobre o suposto dossiê contra tucanos. Segundo reportagem da Folha, os dados fiscais do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, levantados pelo "grupo de inteligência" da pré-campanha de Dilma, saíram diretamente dos sistemas da Receita Federal, como atestam documentos aos quais a reportagem teve acesso.
"Por que a Receita vai quebrar o sigilo de alguém e fazer vazar isso à toa? Não é à toa", disse Serra. "Diante das evidências, caberia uma atitude mais dramática, de afastar as pessoas, pedir desculpas publicamente", afirmou ele sobre a reação que Dilma deveria ter em relação ao caso.
O jornalista responsável pelo pedido de levantamento de informações saiu da campanha petista, mas Dilma nunca foi a público dizer que houve falha de sua campanha. O presidente Lula chegou a dizer que o caso seria uma "armação".
Outro lado
O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) disse que é Serra quem deve desculpas à Dilma por acusar membros da pré-campanha petista.
"Quem tem de pedir desculpas é quem está buscando relacionar esta história de dossiê com a pré-campanha da ministra Dilma", disse Padilha, após reunião com o presidente Lula, em Brasília.
Casais homossexuais
Ele disse ser a favor da união civil e da adoção de crianças por casais homossexuais. "Tem tanto problema grave de crianças abandonadas no Brasil. Isso vale para qualquer tipo de casal, qualquer tipo de pessoa. Não vejo por que não aprovar isso", disse ele durante sabatina da Folha.
O tucano disse ser a favor, "em geral", de ações afirmativas. Ele defendeu o modelo adotado pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). "Na Unicamp você tem pontos se você veio de escola pública, se tem cor negra. É diferente e tem funcionado bem."
Dilma também defende o direito de os casais gays adotarem crianças. Marina Silva (PV), que é evangélica, sempre escapa dessa pergunta. Há meses, diz que ainda não formou opinião.
Serra afirmou que não é a favor da descriminalização das drogas e disse que não mexeria na atual legislação sobre o aborto. "Liberar o aborto criaria uma verdadeira carnificina no país."
Vice
O tucano afirmou, ao ser questionado sobre o vice que irá compor sua chapa, que também tem uma "enorme curiosidade" em saber o nome do político que vai ocupar a vaga.
"Eu também tenho uma enorme curiosidade. Até o fim do mês resolve. Essa não tem sido uma questão estressante para mim, nem para grande parte do PSDB", disse ele durante sabatina da Folha.
Hoje, os mais cotados são Sérgio Guerra, Tasso Jereissati e Álvaro Dias, todos senadores do PSDB. No DEM, José Carlos Aleluia, deputado baiano, tem chances também.
Respondendo a uma pergunta se seria o candidato da continuidade ou da mudança, o tucano afirmou que será o "candidato do avanço".
Um dos entrevistadores da sabatina, Fernando Rodrigues, citou uma frase do presidente do PSDB, Sérgio Guerra, criticando o programa Bolsa Família, e Serra emendou: "É uma pena que você tenha pesquisado e deixado de ver o que o Lula falou. Antes de ser presidente, Lula e o PT chamavam o programa de Bolsa Esmola".
Serra falou sobre sua relação de congressista com o governo Fernando Collor para dizer que não faz oposição do "tudo ou nada, do quanto pior, melhor".
O tucano acusou o PT de fazer "terrorismo" contra sua candidatura. Ele culpou os petistas por boatos de que acabaria com o Bolsa Família ou o ProUni, marcas de sucesso do governo Lula.
"Isso nunca me passou pela cabeça. É como dizer que é contra a energia elétrica, a água encanada", reclamou. "Tem tanta coisa maluca espalhada que eu não quero nem falar. Depois endureceu o tom: "Esse é o método terrorista. Não violento, mas terrorista".
O tucano afirmou que governo não precisa ter uma marca específica. "Eu não acho que tenha que ter uma marca. Acho que tem que trabalhar muito. A minha marca foi trabalhar muito."
O presidenciável citou suas principais realizações no Ministério da Saúde, como genéricos, programa contra a Aids e campanha de vacinação contra a gripe, para dizer que nenhuma delas foi uma marca de sua gestão, e o famoso vídeo em que orienta a população a tomar cuidado com o porquinho para evitar a gripe suína. "Essa é uma das grandes gozações que eu sofri na minha vida pública, a coisa do porquinho."
PV
Após o PSDB nacional oficializar apoio neste fim de semana à candidatura de Fernando Gabeira (PV) ao governo do Rio de Janeiro, o tucano afirmou hoje que Gabeira é "um grande quadro" de sua geração. O palanque do deputado no Rio está dividido entre ele e Marina.
Questionado sobre se acha que herdará os votos de Marina num eventual segundo turno com Dilma, Serra afirmou que adoraria. "Eu adoraria ser o herdeiro, mas a decisão não é minha, é dos eleitores."
O tucano disse não concordar com a hipótese levantada de que Marina está lhe poupando na campanha."Eu até toparia uma tabelinha, mas eu não acho que a Marina esteja fazendo algum viés, não. Agora, eu tenho uma proximidade grande com a área ambiental. Me considero um ambientalista. Mas não há nenhum tipo de entendimento político", afirmou Serra.
PP
O candidato disse que não perdeu a esperança de atrair o PP para sua coligação. O partido flertou com Serra, mas agora indica que ficará neutro na disputa. "Ainda não acabaram as coisas, temos até o fim do mês. O PP tem alianças no Rio Grande do Sul, com o PSDB. O Brasil é heterogêneo, os partidos também são. Estamos trabalhando", disse Serra.
Perguntado sobre as chances matemáticas de fechar com o PP, o tucano arriscou uma metáfora futebolística, no estilo do presidente Lula: "Não sei qual é a chance, mas, se soubesse, não diria. Se numa partida de futebol o técnico diz: 'Acho que a chance do Kaká entrar pela esquerda e cruzar para o Elano é de 80%'. Isso não ocorre. Porque vão marcar o Kaká e o Elano."
Ele ainda evitou comentar sua participação como protagonista do programa do PSDB, na última quinta-feira. "A Justiça vai julgar."
Em seguida, atacou o PT e candidata Dilma. Segundo ele, está havendo "uso da máquina". "Por exemplo, falar de crack e no dia seguinte vir um programa contra o crack", disse, referindo-se ao episódio em que sua adversária levantou o problema da disseminação do vício e, em seguida, o governo federal lançou um plano nacional de enfrentamento da droga.
Serra ainda defendeu o fim da reeleição, mas disse que não transformará a ideia em "programa de governo".
Bolívia
Serra afirmou que o governo da Bolívia faz corpo mole contra as drogas. Segundo ele, a alegada "cumplicidade" do governo daquele país com o tráfico é só um fator do problema.
"São vários fatores. Nada contra o povo boliviano. É um país que tenho muito carinho. Agora, que o governo lá faz corpo mole, faz", disse ele durante sabatina da Folha.
O tucano também chamou de "absurdas" as cassações de dois aliados: os ex-governadores Cássio Cunha Lima (PSDB), da Paraíba, e Jackson Lago (PDT), do Maranhão.
"É um absurdo. O Jackson foi cassado porque o governador o apoiava e ele foi numa solenidade em que o governador disse não sei o quê."
Ambos podem ser impedidos de concorrer este ano pela Lei Ficha Limpa, o que causa apreensão na campanha tucana. Segundo Serra, a lei não deve ser usada contra os dois aliados.
"A lei teve como objetivo pegar malandro que rouba. Eles foram cassados, já foram punidos. Agora, diante da interpretação do TSE [Tribunal Superior Eleitoral], cada caso terá que ser julgado individualmente", disse. "Presumo que a Justiça fará uma via rápida para resolver isso a tempo. Se não, vai ser uma grande confusão no país."
Banco Central
Serra voltou a explicar hoje a afirmação de que o Banco Central não é a Santa Sé. "Eu disse algo muito óbvio. Acho que tem que funcionar direito, tem que ser entrosado."
Em uma alfinetada no governo, ele afirmou que terá uma equipe entrosada, sem divergências públicas entre o BC e os ministérios da Fazenda e do Planejamento. "Não pode ter uma política que vai para um lado e uma que vai para o outro. Com esse entendimento, vamos conseguir fazer uma bela política econômica."
Ditadura
Perseguido pelos militares, Serra disse que era contra a luta armada e não poderia ficar no Brasil como clandestino. "Viver na clandestinidade, se você tem cara conhecida, é praticamente impossível."
O tucano disse que salvou o petista Marco Aurélio Garcia, coordenador do programa de Dilma, no Chile. "Eu o ajudei no Chile, quando teve o golpe lá [em setembro de 1973]. Chamei o Paulo Renato [Souza] para ele levar o Marco Aurélio a uma embaixada que eu mesmo tinha aberto."
Ele ainda brincou com o aliado Aloysio Nunes Ferreira, candidato ao Senado pelo PSDB, sentado na primeira fila do Teatro Folha. "Luta armada, eu nunca acreditei. Tem amigos meus que acreditaram. Vou olhar de levinho aqui..."
Aposentados
Serra também falou sobre o reajuste de 7,7% para os aposentados, sancionado na semana passada pelo presidente Lula. "Quem está lá tem o domínio dos números."
Ele defendeu, sem entrar em detalhes, uma reforma previdenciária que não mexa em direitos adquiridos. O tucano lembrou de sua época de constituinte, em que diz ter defendido "um novo sistema, pra quem está nascendo hoje".
CPMF
Questionado sobre a extinção da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) e se ela voltaria num eventual governo tucano, Serra se esquivou de responder.
"A CPMF, quando foi extinta, já não estava mais vinculada à saúde. Essa história de que prejudicou a saúde é conversa. O dinheiro da saúde já vinha escasseando, porque o governo deixou de mandar."
O tucano afirmou que só pode falar de criação ou extinção de imposto no contexto de uma reforma tributária. Sobre essa reforma, repetiu um mantra de campanha: "É como eletricidade e água encanada. Todo mundo é a favor".
Segundo Serra, o governo precisa de um projeto claro a respeito. "A primeira coisa que um governo deve ter é um projeto. Segundo: batalhar pelo projeto. E, em terceiro, ganhar a opinião pública."
O tucano repetiu que "temos a maior carga tributária no mundo em desenvolvimento, a maior taxa de juros". "Tem algo errado aí. Com toda essa grana, se gasta mal o dinheiro."
Para ele, a preocupação com a eficiência no gasto público é "pequenininha" e fica "lá no horizonte".
Serra prometeu ainda fazer a Nota Fiscal Brasileira, nos moldes do programa Nota Fiscal Paulista, criada por ele em São Paulo. Segundo ele, não é promessa, é um "anúncio".
Royalties
Serra afirmou que o governo errou ao tratar da polêmica sobre os royalties de petróleo em ano eleitoral. "A questão dos royalties nunca poderia ter sido levantada em ano eleitoral. Para que?
Criou-se a sensação de que o pré-sal está aí na esquina. Levantar em ano eleitoral é trazer a discórdia e a desavença para o país."
O tucano diz que discorda do modelo de partilha, aprovado pelo Congresso, que tira recursos do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.
"Lógico [que discordo]. Tira tudo do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, que estão crescendo com isso. Você não pode chegar para a cidade de Campos e dizer que a partir de amanhã isso acabou.
Você vai criar um colapso. Óbvio que há uma reação muito forte. A troco de que? Não faz sentido."
Serra disse ainda que não se opõe à criação da nova estatal que administrará o pré-sal. "Em princípio, não sou contra criar nenhuma nova estatal, se ela for imprescindível. Neste caso tenho dúvidas, mas já é uma decisão tomada."
Copa-2014
O candidato tucano também falou sobre a exclusão do Morumbi da Copa-2014. "Por mim, teria feito no Morumbi. Não teria acontecido nada", disse. "As obras que cabiam ao governo do Estado, nós nos encarregamos. Aquilo que precisava do governo, nós garantimos tudo."
Ele ainda reclamou da Fifa: "Acho que há muita exigência também."
Cuba e Irã
Serra avalizou a relação do Brasil com Cuba e disse que o bloqueio americano à ilha é "uma coisa odiosa", mas afirmou que o respeito aos direitos humanos deve ser defendido pelo Brasil. "Se o Brasil votar para censurar a falta de direitos humanos em Cuba, vai votar sim."
Ele ainda defendeu as sanções ao Irã e comparou o presidente Mahmoud Ahmadinejad ao líder nazista Adolf Hitler. "O Brasil entrou num caminho que não tinha mais volta. Eu não teria feito essa negociação", disse, chamando Ahmadinejad de ditador. "Não é alguém confiável. Guardando as proporções, é como o pessoal que confiou em Hitler."
Debate
Antes de se despedir, Serra deu uma alfinetada em Dilma, que cancelou sua participação no debate, alegando uma viagem internacional.
"Um debate como esse não tira pedaço de ninguém. O ideal seria que todos comparecessem."
Ele ainda se desculpou pelo atraso de 40 minutos. Prevista para as 11h, a sabatina só começou por volta das 11h40. "Peço perdão sem esperança de obtê-lo."
Questionado sobre seus atrasos, Serra admite o problema, mas relativiza. "Quando eu chego na hora, não acontece nada."