Não, o Brasil não está sob uma ditadura
O Estado de S. Paulo
No Rio, Bolsonaro insiste na falácia de que
estamos sob ‘ditadura do Judiciário’. Mas o País sabe o que é uma ditadura: é
justamente aquela que os bolsonaristas tanto querem restabelecer
A manifestação bolsonarista ocorrida no
domingo passado, na orla de Copacabana, esteve alicerçada em uma grande
mentira, qual seja: o País estaria submetido a uma “ditadura”, em particular
uma “ditadura do Judiciário”, materializada por uma série de decisões do
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) Alexandre de Moraes.
Em que pesem as legítimas críticas que possam ser feitas aos métodos de Moraes, nada poderia estar mais distante da realidade. O Brasil não está sob “ditadura do Judiciário” nem sob qualquer outra forma de ditadura. Essa falácia, que de resto banaliza o horror de um estado de violência política real, mal consegue esconder seus desígnios antidemocráticos.
Os simpatizantes que atenderam ao chamado de Jair Bolsonaro para sair de suas casas para defendê-lo naquele dia ensolarado ouviram o ex-presidente questionar em alto e bom som a higidez da democracia no País. Na visão maliciosa de Bolsonaro, só sob uma “ditadura”, afinal, ele poderia ter sido julgado e condenado à inelegibilidade pelo TSE – e não como consequência de seu envolvimento pessoal e direto, na condição de presidente da República, em uma aberta campanha de desinformação sobre a lisura das eleições brasileiras, com o intuito de deslegitimar uma vitória da oposição.
Naquele seu idioma peculiar, Bolsonaro deixou
claro à plateia reunida em Copacabana que a democracia, ora vejam, teria sido
golpeada no País com sua derrota na eleição de 2022. Como corolário natural
dessa “ditadura” inventada, a liberdade de expressão teria sido cassada por
nada menos que o Supremo Tribunal Federal, malgrado se tratar de um dos
direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição de 1988 como
cláusula pétrea.
Não é de hoje que Bolsonaro tem recorrido à
turvação do conceito de liberdade de expressão como subterfúgio para expor o
que é a sua natureza liberticida. Nesse sentido, pregar o fechamento do
Congresso, tecer loas à ditadura militar, exaltar torturadores e defender
publicamente o fuzilamento de opositores, entre outras barbaridades, são
exemplos típicos do que Bolsonaro entende ser nada mais do que a livre
manifestação de opinião e pensamento.
É disso, e apenas disso, que se trata quando
o ex-presidente e seus apoiadores sobem em um carro de som para denunciar a
“ditadura” a que estariam submetidos os brasileiros. Ora, aqui se sabe muito
bem o que é uma ditadura. Sabe-se muito bem o que é ter a voz cassada. Sabe-se
muito bem o que é não poder manifestar críticas ao governo ou às instituições.
Sabe-se muito bem o que é viver com medo do poder estatal. Tudo isso acontecia
sob a ditadura militar, aquela que os bolsonaristas tanto querem restabelecer,
inconformados que são com o restabelecimento da democracia em 1985.
O que se descortina diante dos olhos não
obnubilados pelas paixões ideológicas é a usurpação do conceito de liberdade de
expressão como esteio de uma campanha desavergonhada que nem remotamente passa
por uma genuína defesa da democracia – ao contrário, é uma campanha que visa à
desmoralização das instituições e da própria Constituição, com vista ao
estabelecimento de um regime autoritário.
Os que se apresentam ao País e ao mundo como
orgulhosos campeões da liberdade de expressão – como se viu no constrangedor
pedido de Bolsonaro para que o público em Copacabana desse “uma salva de
palmas” para um oportunista como Elon Musk, chamado de “mito da liberdade” –
são os mesmos que não cansam de emitir sinais de que ainda não se resignaram
com o fim da ditadura militar. Para esses democratas de fancaria, liberdade de
expressão é a liberdade para que eles, e apenas eles, possam dizer o que bem
entendem.
A esse respeito, não causam estranheza os
apelos recorrentes dos bolsonaristas a uma certa mística religiosa,
divisionista e identitária por definição. Tratado como uma espécie de
instrumento da Providência Divina, Bolsonaro se considera, nessa condição,
acima do bem e do mal. Se prestará contas por isso no Reino dos Céus, não se
sabe. Aqui na Terra, o juízo está próximo.
Descompromisso com o futuro
O Estado de S. Paulo
É hora de os Poderes recuarem dessa
estratégia suicida de ampliação dos gastos, que nada trará de positivo ao País,
e de se unirem por agenda que traga mais eficiência ao setor público
Na semana passada, a sociedade assistiu
atônita à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovar o retorno
do quinquênio para algumas das categorias mais privilegiadas do funcionalismo
público. Se o plenário der aval à proposta, o País terá de gastar R$ 42 bilhões
para garantir reajustes automáticos aos salários de juízes, procuradores e
promotores, entre outras carreiras da elite do serviço público.
Não há outra palavra, senão farra, para
definir a atitude da CCJ do Senado. Além de retomar uma regalia extinta há mais
de 20 anos, os membros da comissão incluíram muitas outras categorias nesse
trem da alegria que premia aqueles que passarem mais tempo vinculados ao
Estado. Afinal, não haverá qualquer contrapartida a não ser os anos de serviço
de cargos que, entre seus vários atrativos, oferecem estabilidade funcional e
vencimentos elevados desde o início da carreira.
O avanço da Proposta de Emenda Constitucional
(PEC) do Quinquênio diz muito sobre a brutal falta de compromisso das
autoridades com o futuro do País. Uma semana antes, o presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco (PSDMG), havia se reunido com os ministros da Fazenda, Fernando
Haddad, e das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Disse, depois do
encontro, que a Casa estava comprometida com o equilíbrio das contas públicas e
que não aprovaria projetos que elevassem despesas da União. Acreditou quem
quis.
Acuado, agora o governo corre contra o tempo
para conter, ainda que parcialmente, a sangria de recursos públicos que a PEC
representa. Para isso, conta com a colaboração dos governadores e a boa vontade
de Pacheco, ignorando o fato de que o próprio Pacheco ressuscitou tal proposta,
arquivada em 2022 e reapresentada pelo senador mineiro no ano passado.
Culpar unicamente Pacheco e os integrantes da
CCJ pela irresponsabilidade com as contas públicas, no entanto, seria injusto.
Afinal, naquela mesma semana, a pedido do governo, a Câmara dos Deputados havia
aprovado um dispositivo para liberar uma despesa extra de R$ 15,7 bilhões neste
ano, arruinando o arcabouço fiscal.
A desculpa oficial para antecipar o crédito
foi a arrecadação recorde no início do ano, mas sabe-se que a decisão está
relacionada à liberação de emendas parlamentares de R$ 5,6 bilhões. Vetadas por
Lula da Silva em janeiro, elas geraram um impasse que levou ao rompimento das
relações entre Padilha e o presidente da Casa, Arthur Lira (PPAL) – outro
personagem que se diz defensor de reformas e da agenda econômica, desde que as
emendas permaneçam intocadas.
Não bastasse a facilidade com que a âncora
fiscal foi ignorada, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, alterou as metas
fiscais de 2025 e de 2026. Para o ano que vem, o superávit de 0,5% foi reduzido
a zero, e o superávit de 1% em 2026 foi rebaixado a 0,25%. Nada garante que os
novos objetivos não serão modificados novamente antes disso.
Alcançar a meta do ano que vem exigirá R$ 50
bilhões extras, mas o Executivo continua a ignorar a resistência que o
Congresso tem demonstrado nos últimos meses às medidas para recuperação de
receitas, enquanto a agenda de redução de despesas segue inexistente.
Nesse cenário em que o Legislativo usa as
carreiras do topo do funcionalismo público, especialmente do Judiciário, para
pressionar o Executivo a abrir o cofre e liberar as emendas parlamentares, o
receio de entidades do setor privado, como a Federação das Indústrias do Estado
de São Paulo (Fiesp), é que o resultado final dessa disputa seja um indesejável
aumento da carga tributária.
É hora de os Poderes recuarem dessa
estratégia suicida, que nada trará de positivo ao País, e de se unirem por uma
agenda que traga mais eficiência ao setor público. Isso passa por um esforço
coletivo que envolve muitas iniciativas, a começar pela redução das gritantes
desigualdades entre as carreiras do serviço público, o oposto do que propõe a
PEC do Quinquênio, e por um modelo que traga alguma racionalidade às emendas
parlamentares, sobretudo em um ano de eleições municipais. Ao governo, cabe dar
o exemplo e cumprir as metas fiscais, e não modificá-las ao sabor do vento.
Freio ao isolacionismo
O Estado de S. Paulo
Câmara dos EUA aprova pacote financeiro
contra ambições das potências autocráticas
Uma vitória da Rússia não será só uma derrota
da Ucrânia, mas um passo para submeter o Direito Internacional à lei do mais
forte. No sábado, a Câmara dos Deputados dos EUA deu um passo na direção
oposta, ao aprovar um projeto de lei conferindo uma ajuda de US$ 61 bilhões a
Kiev. Em três outros projetos foram aprovados auxílios a Israel e Taiwan, e a
exigência de que mídias sociais sejam dirigidas por empresas não chinesas para
operar nos EUA. Os projetos devem ser brevemente aprovados pelo Senado e sancionados
pelo presidente Joe Biden.
O pacote ilustra o modo como os EUA, à frente
de seus aliados no mundo que formam o chamado “Ocidente”, entendem seu papel na
nova ordem mundial. Foram seis meses de hesitações. Uma porção dos democratas
votou contra a ajuda a Israel; 112 republicanos votaram contra a ajuda à
Ucrânia. Mas, ao fim, o presidente da Câmara, o republicano Mike Johnson,
articulou maiorias bipartidárias e todos os projetos foram aprovados com mais
de 300 votos dos 435.
Há uma bancada republicana genuinamente
isolacionista. No pior dos casos, alguns compraram a propaganda de Vladimir
Putin: que a Ucrânia é governada por nazistas e a Rússia luta por valores
judaico-cristãos contra o globalismo progressista. Para outros, o país
simplesmente não deveria gastar um centavo com conflitos distantes.
A possibilidade de uma retração dos EUA é
real, mas precisa ser relativizada. Mesmo entre os republicanos, ninguém
defende a redução do orçamento militar. Até Donald Trump, visto como líder
isolacionista, concedeu seu aval tácito ao pacote. Com efeito, a política de
Trump, até onde se pode discernir de sua incoerência e seu estilo transacional,
seria mais bem descrita como “unilateralista” do que “isolacionista”. Foi ele,
afinal, que autorizou o assassinato de um general iraniano e disparou mísseis
na Síria. A propósito da Ucrânia, talvez tenha percebido que a confusão
geopolítica iria parar na sua mesa em um segundo mandato. E há amplo consenso
bipartidário a respeito da ameaça da China.
O desafio dos “adultos na sala” é convencer
uma parcela da população que medidas como as aprovadas pela Câmara servem ao
seu próprio interesse. Uma vitória de Putin seria um convite a novas aventuras
imperialistas, incluindo uma agressão à Otan. A China se sentiria encorajada a
invadir Taiwan. Israel e Arábia Saudita buscariam de forma desconcertada conter
o Irã, e uma dissuasão volátil poderia degenerar rapidamente em confronto. Os
aliados dos EUA perderiam a confiança, e tanto eles quanto seus adversários
buscariam desenvolver arsenais nucleares.
Mesmo os americanos com uma visão mais
materialista e economicista podem ser convencidos de que rupturas nas cadeias
de produção e distribuição globais teriam um custo alto, e que dar de ombros
para a realidade geopolítica hoje pode custar muito mais caro amanhã – como
aconteceu na 2.ª Guerra.
É incerto se os isolacionistas americanos
conseguirão mais votos para suas pautas. Por ora, ao menos, o país agiu em
favor do Direito Internacional e de seu interesse nacional.
‘Emendas Pix’ significam mau uso do dinheiro
público
O Globo
Recursos enviados a prefeituras sem projeto
nem critério técnico são deformação do Orçamento
Em democracias, a execução do Orçamento é
prerrogativa do Executivo, e há bons motivos para isso. Presidentes e
governadores têm visão do todo e, sobretudo, mandato para determinar
prioridades levando em conta critérios técnicos transparentes. Desde a redemocratização,
o Brasil seguiu essa regra pela maior parte do tempo. Em 2014, o Congresso
tinha controle sobre 4,65% dos recursos livres no Orçamento da União. Neste ano
serão 20%. Só para comparar: são 2,4% nos Estados Unidos, 0,5% em Portugal e
0,1% na França.
Como revelou
reportagem do GLOBO, essa deformação da democracia brasileira
na esfera federal, agravada no governo Jair Bolsonaro por meio das célebres
emendas do relator, contamina também a relação entre governadores e assembleias
nos estados. As emendas de deputados estaduais somaram R$ 9,5 bilhões no ano
passado, mostra pesquisa realizada pela ONG Transparência Internacional, com
apoio da Fundação Konrad Adenauer. O destaque negativo é Minas Gerais, com R$
2,4 bilhões em emendas, o dobro de São Paulo, segundo colocado.
Minas também foi o primeiro a reproduzir o
modelo perverso conhecido como “emenda Pix”: recursos enviados às prefeituras
sem necessidade de definir projeto ou critério de acompanhamento. Desde a
adoção pelos mineiros em 2019, Alagoas, Rio Grande do Norte, Roraima, Santa
Catarina, Sergipe, Amazonas, Mato Grosso, Piauí, São Paulo, Tocantins, Ceará,
Goiás, Paraíba, Acre, Maranhão, Pernambuco e Rondônia o reproduziram.
Uma das preocupações apontadas no estudo é o
risco de corrupção. Outra é a alocação ineficiente de recursos. Até ser eleito
senador por Minas, em 2022, Cleitinho Azevedo (Republicanos) era deputado
estadual e enviou, numa única emenda, R$ 4,5 milhões a Divinópolis, cidade
governada por seu irmão. “Quando eu era vereador, o que mais se cobrava lá era
infraestrutura. Quando virei deputado, falei que faria de tudo para arrumar
recursos e pavimentar ruas. Hoje meu irmão é prefeito, mas, se amanhã não for,
continuarei mandando”, diz. Cleitinho desconsidera que outros municípios
mineiros têm deficiências mais graves ou demandas mais urgentes.
As emendas podem fazer sentido político, por
servirem de trampolim aos deputados. Para a população mais necessitada, são um
contrassenso. Cidades sem representante específico ficam desamparadas. Mesmo
num cenário hipotético em que toda prefeitura ganhasse verba, não seria
aconselhável seguir o modelo. O arranjo que permite a deputados beneficiar suas
bases sem estudos ou critérios técnicos é um contrato que garante o mau uso do
dinheiro público. É absurdo abrir postos de saúde num município com bom atendimento
médico, quando há vários outros sem pronto-socorro. A prevenção de desastres e
obras de infraestrutura exigem coordenação estadual ou entre prefeituras. Rios
e estradas não respeitam limites municipais.
O ministro Flávio Dino,
do Supremo Tribunal Federal, faz bem em pedir explicações a Executivo e
Legislativo sobre as “emendas Pix”, ainda mais opacas que as emendas do
relator, declaradas inconstitucionais. O envio de dinheiro a prefeituras e
estados sem definir finalidade incorre, ao que tudo indica, em ilegalidade.
Emendas distribuídas sem critério técnico na esfera estadual são tão
prejudiciais quanto as federais. A diferença é só de tamanho.
É retrógrada a oposição ao uso de
inteligência artificial nas escolas
O Globo
Tecnologia trará produtividade aos
professores e permitirá aumentar nível de instrução dos alunos
Não fazem sentido as críticas ao uso da inteligência
artificial (IA) pelos professores da rede pública de São Paulo.
Sindicatos e Ministério Público estadual questionam a decisão da Secretaria
de Educação de
incentivar o uso de tecnologias de IA na preparação de aulas. É compreensível
que avanços tecnológicos causem estranheza, mas é evidente que os novos
recursos representarão mais produtividade para os professores e, em
consequência, permitirão avanços no nível de instrução dos alunos.
Os responsáveis pela educação em São Paulo
apenas seguem o que já fazem as melhores escolas particulares. No Colégio
Bandeirantes, escola paulistana de elite, vários programas de IA já são usados
para ajudar a consultar biografias e gerar imagens, como ChatGPT, Perplexity,
Dall-E ou Animated Drawings. Obviamente não substituem os professores, e todos
os resultados são submetidos a supervisão humana antes do uso em sala de aula.
Mesmo entre os alunos o uso da IA é incentivado, com apoio do corpo docente.
“Foi organizado um grupo de estudo para todos os professores participarem e
compartilharem suas impressões. Acreditamos que o local melhor para nossos
alunos experimentarem, e talvez até errarem, é com nossos orientadores”, disse ao
GLOBO Emerson Bento Pereira, diretor de Tecnologia Educacional do Bandeirantes.
Uma pesquisa da Associação Nova Escola com 20
mil professores revela que quase dois terços já consideram o uso da IA na sala
de aula. É um caminho sem volta. As principais finalidades são, segundo a
pesquisa, fazer planos de aulas (47,5%), aprimorar conhecimentos específicos
(46,6%), elaborar novas atividades (37,4%), adaptar aulas a necessidades
específicas de alunos (25,7%) e planejar avaliações (21,5%). A IA se tornará
imprescindível aos professores, não importa se da rede particular ou pública.
Isso não quer dizer que todos os temores
sejam infundados. As autoridades educacionais ainda não estipularam normas
sobre os limites éticos do uso das plataformas de IA, e as escolas têm
elaborado seus próprios manuais, com base em tentativa e erro. “O ideal é nunca
acreditar 100% na plataforma. O professor precisa estar na ponta para conferir
os resultados gerados e passar para o aluno que a IA é apenas uma ferramenta de
consulta”, afirma Lucas Chao, professor de inteligência artificial do Liceu de
Artes e Ofícios. Chao desmente o mito de que o aluno ficará preguiçoso se usar
tais plataformas: “Ele ainda precisa aprender para conseguir fazer a prova, que
segue nos moldes tradicionais: papel e caneta”.
Na rede paulista, as aulas preparadas com IA ajudarão a ensinar 3,5 milhões de alunos do 6º ao 9º ano e do ensino médio. No Espírito Santo, uma plataforma é usada para acompanhar a evolução dos alunos em redações. Ser contra a inovação, como certos sindicatos, equivaleria a vetar programas comuns como editores de texto ou softwares de apresentação. Não passa de oportunismo político contra o governo estadual.
Já se estimam efeitos do clima em renda e
saúde
Folha de S. Paulo
Transição energética lenta provoca perdas na
economia global, hoje e nos próximos 25 anos, conforme apontam estudos
Quando a Convenção da ONU sobre Mudança
Climática foi adotada em 1992, no Rio de Janeiro, fixara-se
para o final do século 21 o horizonte de riscos à população pelo aquecimento
global. Passados 32 anos, pouco se fez de eficaz para combater a crise do clima,
e agora as ameaças batem à porta.
Parte dos desastres que se avolumam
—enchentes, epidemias, secas, fomes, incêndios, deslizamentos— ainda se pode
atribuir à variabilidade natural do clima, embora a ciência venha subtraindo
peso desse fator. E o que ela aponta de negativo no futuro encolheu para o
intervalo de uma única geração.
Faltam só 25 anos para 2049, quando a renda
mundial terá ficado 19% menor do que seria de esperar sem tal agravamento do
efeito estufa. A previsão
lúgubre apareceu na revista científica Nature, em artigo de
especialistas do Instituto para Pesquisa sobre Impacto do Clima de Potsdam, na
Alemanha.
Os autores coletaram dados sobre danos
causados por anomalias de temperatura e precipitação, ao longo de 40 anos, de
mais de 1.600 regiões espalhadas pelo globo. Com essa base, projetaram perdas
econômicas no próximo quarto de século considerando só o aumento de calor causado
por emissões passadas de carbono.
Dito de outro modo: a economia mundial
perderá um quinto do valor que poderia gerar, em 25 anos, não importa quanto
governos e empresas logrem reduzir gases do efeito estufa daqui em diante.
E eles não estão cumprindo com o compromisso
assumido quase uma década atrás, no Acordo de
Paris (2015), de tentar limitar o aquecimento global
antropogênico a 1,5ºC. As emissões globais de CO2 com produção de energia
tiveram novo recorde em 2023, o ano mais
quente já registrado num planeta em média 1,2ºC mais aquecido.
Isso tudo apesar dos avanços em direção a
energias limpas, como eletricidade de fontes eólica, fotovoltaica e hidráulica.
Porém, para atingir o objetivo de Paris, o mundo precisaria triplicar o
investimento anual nesses setores de US$ 1,8 trilhão (2023) para US$ 4,5
trilhões nos próximos seis anos.
A população afetada também vê a saúde
prejudicada pelo clima transtornado, com calor excessivo, radiação ultravioleta
e doenças transmitidas por insetos. Segundo a Organização Internacional
do Trabalho, 2,4 bilhões
de pessoas, mais de 70% da força de trabalho, já estavam expostas em 2020.
Em 1992, no Rio, tomadores de decisão
contavam que não estariam vivos quando o pior da crise do clima se
manifestasse. Hoje, ao se omitirem diante do imperativo econômico e ético da
energia limpa, condenam seus próprios contemporâneos e filhos a uma vida mais
pobre e insalubre.
Linha-dura continental
Folha de S. Paulo
Como El Salvador, Equador pode endurecer
política de segurança após referendo
No domingo (21), os equatorianos responderam
"sim" a 9 de 11 perguntas de um referendo que
versava principalmente sobre segurança pública. Trata-se de um
exemplo de como a violência urbana
pode ser capturada por interesses eleitoreiros e, assim, contribuir para a
erosão paulatina do Estado de Direito.
Dentre as questões mais controversas,
aprovou-se o "apoio complementário das Forças
Armadas nas funções da Polícia Nacional
para combater o crime organizado".
Na prática, significa que decretos de estado
de exceção e declarações de conflito armado interno (como a vigente no país
desde janeiro) não são mais necessários para que militares atuem em operações
de segurança pública —basta a decisão do presidente e do chefe de polícia
local.
O principal risco se refere ao fato de que o
Exército não está preparado para agir entre civis, o que pode levar a abusos de
força —que já têm sido relatados pela população
O país vive um onda de violência causada pela
expansão do narcotráfico. O número de homicídios por 100 mil habitantes saltou
de 6 em 2018 para 43 no ano passado.
Daniel Noboa chegou à Presidência em outubro
de 2023, depois da dissolvição do Parlamento pelo ex-presidente Guillermo
Lasso. Em janeiro, após uma escalada de episódios violentos, assinou
decreto que autoriza operações militares. Mesmo assim, novos ataques
deixaram 15 mortos em apenas dois dias no mês de março.
A proposta linha-dura de Noboa segue os
passos de Nayib Bukele,
presidente de El Salvador que
em 2022 decretou um
estado de exceção que solapa direitos civis. Javier Milei,
na Argentina,
também indicou que pretende adotar o modelo de Bukele. Tal populismo
autoritário na área de segurança, contudo, serve apenas para vencer eleições.
Em vez de colocar interesses políticos à
frente dos da população, o governo equatoriano deveria fortalecer o Ministério
Público e investir em inteligência, tanto para conter fontes de financiamento e
lavagem de dinheiro quanto para coibir e punir a corrupção policial.
Colocar militares nas ruas é somente um paliativo que coloca em risco os direitos humanos.
Desigualdade segue alta, apesar de renda
maior e Bolsa Família
Valor Econômico
Dependência do Bolsa Família é enorme, sendo
urgente complementar o programa com portas de saída
Os indicadores da Pnad Contínua: Rendimento
de Todas as Fontes 2023, do IBGE, mostram que o presidente Lula não conseguiu,
em seu primeiro ano de mandato, reduzir a desigualdade de renda, que ficou
estagnada exatamente no patamar do fim do governo Bolsonaro. Um Bolsa Família
turbinado e a recuperação do mercado de trabalho apenas evitaram que a
desigualdade avançasse.
O estudo do IBGE constatou que a desigualdade
de renda permanece elevada no Brasil, qualquer que seja o indicador utilizado.
Os 10% mais ricos, com um rendimento médio domiciliar per capita de R$ 7.580,
mantiveram dianteira, ganhando 14,4 vezes mais do que os 40% da população com
rendimento menor, de R$ 527 em média. No topo da pirâmide, a vantagem é ainda
maior. O 1% mais rico, com R$ 20.664 em média por pessoa por mês, ganha 39,2
vezes mais do que os 40% mais pobres.
Outro indicador tradicional, o índice de
Gini, que mede a concentração da distribuição de renda em uma população, ficou
estável em 0,518 em 2023, o mesmo patamar de 2022. O IBGE chamou a atenção para
o fato de que o Índice de Gini do Brasil vem melhorando desde a década passada.
O índice de 0,518 de 2022-2023 é o menor da série, mas alinha-se com países
como Angola (0,513) e Moçambique (0,505).
A desigualdade somente não piorou no ano
passado por conta do reforço do Bolsa Família e da recuperação do mercado de
trabalho. O governo Lula retomou o Bolsa Família, cujo nome Bolsonaro havia
mudado para Auxílio Brasil, e manteve o valor de R$ 600, que o ex-presidente
havia elevado em plena campanha eleitoral de 2022 na esperança de angariar
votos. Lula ainda criou benefícios complementares conforme o número e a idade
das crianças das famílias beneficiadas. Desse modo, o valor médio do rendimento
per capita nos domicílios que recebiam o Bolsa Família em 2023 cresceu 42,4% em
comparação com 2022, para R$ 635. Nos domicílios que não recebiam o benefício o
rendimento per capita aumentou 8,6%.
O número de domicílios beneficiados também
foi ampliado, de 16,9% em 2022 para 19% em 2023, maior nível da série. Em
termos absolutos, 14,7 milhões de domicílios, de um total de 77,7 milhões do
país, tinham pessoas que recebiam o Bolsa Família em 2023. O benefício injeta
no mercado ao redor de R$ 14 bilhões por mês ou perto de R$ 170 bilhões anuais.
O Bolsa Família passou a ser a fonte de renda
de maior peso na conta de outros rendimentos, que inclui ainda o BCP/Loas,
aplicações financeiras e bolsas de estudo. Para o IBGE, as transferências como
o Bolsa Família contribuíram para elevar a renda de camadas mais pobres da
população. Contrabalançaram ainda o efeito do mercado de trabalho, que acentuou
a desigualdade ao favorecer o topo da pirâmide da população.
A expansão do mercado de trabalho garantiu
emprego para mais 4 milhões de pessoas em 2023. A população com rendimento
habitualmente recebido do trabalho passou de 44,5% (95,2 milhões de pessoas) em
2022 para 46% (99,2 milhões) em 2023. Com isso, a massa de rendimento mensal
cresceu 11,7% em relação a 2022 e 8,8% em comparação com 2019, alcançando R$
295,6 bilhões, o maior valor da série histórica da Pnad Contínua.
Nem todos saíram ganhando da mesma forma. A
população de renda mais elevada conseguiu melhores salários, o que contribuiu
para ampliar a desigualdade. A pesquisa do IBGE constatou que os trabalhadores
de nível superior e os empregadores, especialmente os que realizam serviços
mais sofisticados nos setores financeiro, de comunicação, informação e
administrativo, que são mais bem remunerados, recuperaram o espaço que haviam
perdido durante a pandemia. Já os trabalhadores menos escolarizados haviam
conseguido retomar o mercado anteriormente e ficaram para trás em 2023. Assim,
o rendimento do trabalho dos 10% mais ricos avançou 10,4%, enquanto os 10% com
menor rendimento da população conseguiram apenas 1,8% a mais sobre o ano
anterior, apesar do reajuste do salário mínimo.
A dependência do Bolsa Família é enorme.
Retirados os ganhos com o programa, a desigualdade voltou a piorar em 2023. Da
mesma forma, ele foi fundamental para reduzir o número de pessoas na extrema
pobreza no país. Sua extensão a mais 8 milhões de pessoas (21,1 milhões de
pessoas), depois de duas décadas de sua existência, mostra que a pobreza
continua avançando. Os recursos para o Bolsa Família triplicaram nos últimos
dois anos, mas sua ampliação com recursos públicos será mais difícil pelos
desequilíbrios fiscais que se avolumam.
Seria mais que urgente complementar o programa com portas de saídas, o que só se dará pela qualificação massiva que dê profissão, emprego ou uma fonte de renda autônoma para seus integrantes. Um crescimento robusto, distinto do medíocre dos últimos anos, seria essencial para fortalecer o mercado de trabalho e o ingresso de novos contingentes nele. Isso só será possível com políticas econômicas sensatas, especialmente no campo fiscal, que busquem ampliar a formação da mão de obra, o emprego e a produtividade. Deveria ser esse o rumo do governo.
Cigarro eletrônico desafia autoridades
Correio Braziliense
Experiência para lidar com essa questão não
falta ao Brasil. Temos um sólido programa de controle de tabagismo, reconhecido
internacionalmente e responsável por quedas expressivas no número de fumantes
ao longo de décadas
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) decidiu, na sexta-feira, manter a proibição para distribuição,
armazenamento, transporte e propaganda de dispositivos eletrônicos para fumar,
também chamados de vapes. A medida, respaldada por 32 associações científicas,
segundo o diretor-presidente da agência reguladora, Antonio Barra Torres, era
esperada, mas sinaliza a carência no país de medidas mais robustas para lidar
com essa questão.
Uma das evidências do desafio é que o consumo
desses artefatos, proibidos desde 2009, cresce vertiginosamente no Brasil —
levantamento do Ipec indica um aumento de 600% nos últimos seis anos, chegando
a 3 milhões de adultos usuários. Outro sinal, enfatizado por profissionais de
saúde e da educação, é que as pessoas têm experimentado os vapes cada vez mais
cedo. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), em todas as regiões que a
integram, o uso de cigarros eletrônicos é maior entre crianças de 13 a 15 anos
do que entre os mais velhos. Não se trata, portanto, de um modismo, ainda que o
consumo seja estimulado por celebridades.
Além de manter a restrição, a Anvisa
sinalizou a necessidade de um enfrentamento mais eficaz aos cigarros
eletrônicos. Acrescentou 27 pontos a serem aprimorados. Entre eles,
intensificar a fiscalização da venda dos dispositivos, principalmente em
regiões fronteiriças. Esse tipo de operação, aliás, é reconhecido como eficaz
estratégia para impedir a entrada de cigarros tradicionais contrabandeados no
país e, de certa forma, faz parte de um dos principais argumentos dos
defensores dos eletrônicos. Segundo representantes da indústria do tabaco, no
Brasil, as pessoas que usam diariamente os vapes não têm a possibilidade de
buscar alternativas de menor risco e consomem um produto sem qualquer tipo de
controle de qualidade.
Para os contrários aos cigarros eletrônicos,
o que falta é conscientização sobre os seus malefícios. A Anvisa também
recomendou, na nova regulamentação, a realização de mais campanhas educativas
sobre os riscos atrelados a esses dispositivos. Há até a previsão de um acordo
com o Ministério da Educação para que o assunto seja levado às salas de aulas.
A legislação brasileira proíbe o fumo em locais coletivos fechados, o que, na
prática, não afasta os cigarros de todos os ambientes escolares.
Experiência para lidar com essa questão não
falta ao Brasil. Temos um sólido programa de controle de tabagismo, reconhecido
internacionalmente e responsável por quedas expressivas no número de fumantes
ao longo de décadas — segundo o governo, quando a iniciativa foi criada, em
1989, 35% da população brasileira era fumante. Em 2021, 9,1%. E não foi apenas
investindo em medidas de controle que chegamos a esse patamar.
O programa de combate ao tabagismo prevê "ações articuladas" entre órgãos do governo, incluindo "ações educativas, de comunicação, de atenção à saúde", além de "adoção ou cumprimento de medidas legislativas e econômicas" para prevenir a iniciação do tabagismo e promover a cessação de fumar, entre outros objetivos. Cabe às autoridades apostar nessa base forte e adequá-la ao novo, e urgente, desafio de saúde pública.
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