domingo, 7 de fevereiro de 2016

Opinião do dia: Fernando Gabeira

O fluxo de dados vai desvendando a Operação Triplo X e se ela se aproximar de Lula através desses dois fatos secundários, um tríplex e um sítio, repetirá outras ocasiões em que a Justiça acabou chegando por atalhos a estradas mais largas. De qualquer forma, sítio e tríplex são presenças concretas. No imaginário popular pesam mais do que abstratas contas na Suíça. Maluf ou Cunha podem dizer que não têm conta no exterior, e o mundo segue seu curso. Não há imagens.
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Fernando Gabeira é jornalista, ‘O Quádruplo X’ , O Globo, 7.2.2016

Luiz Werneck Vianna: Retomar o fio da meada

- O Estado de S. Paulo

No mês de abril de 2014, ainda antes da infausta Copa do Mundo, este articulista, intrigado com a falta de previsibilidade sobre a natureza da situação que já então nos afligia, arriscou-se a caracterizá-la como esquisita. Passados a sucessão presidencial, os revoluteios presidenciais em matéria econômica – do fiscalismo de Joaquim Levi para o dito keynesianismo do atual ministro da Fazenda, Nelson Barbosa –, a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, as ações que se sucedem em vertigem da Operação Lava Jato, que afetam partidos e políticos e já atingem o ex-presidente Lula, cabe o reparo: a situação está esquisitíssima e é de alto risco para a democracia brasileira.

Vive-se um fim de ciclo e nada garante que o próximo será melhor do que este em via de fechar. Há tempos que nosso mundo gira fora do eixo dos seus gonzos. Estamos, agora, no reino da imprevisibilidade, condenados a marchar nas trevas, uma vez que o passado não mais ilumina o futuro, uma vez que deixamos escapar, por manobras erráticas e ambições de poder, o rico repertório que criamos ao longo das lutas contra o regime militar e nos conduziu à democratização do País.

Não se chegou a esse momento de refundação da vida republicana com as mãos abanando, pois foi antecedido por uma bem-sucedida revisão crítica, por parte das ciências sociais, da nossa história de autoritarismo político e pela ação de movimentos sociais e partidos políticos aplicados na mesma direção.

Um brevíssimo inventário desse tempo de ideias e práticas novas que se aplicaram em pôr a nu as razões de fundo da nossa persistente síndrome autoritária não pode omitir o primeiro congresso dos trabalhadores metalúrgicos de São Bernardo do Campo, em 1974, que denunciou a estrutura corporativa sindical – Lula alçou-se ali à cena pública nacional, como lembrou o ex-ministro Almir Pazzianotto em artigo recente –, nem o documento eleitoral do MDB, também de 1974, solicitado por seus dirigentes a intelectuais de diferentes tendências políticas, norte da campanha eleitoral que infligiu a primeira derrota política ao partido do regime militar na disputa pelo Senado no Estado de São Paulo, naquele mesmo ano.

Podem-se alinhar outras iniciativas significativas, como, entre outras, a publicação de São Paulo – Crescimento e Pobreza (São Paulo, Loyola, 1975), coletânea de textos, produzidos sob a instigação do cardeal Paulo Evaristo Arns, que redigiu a apresentação, onde se pretendeu fixar as linhas de política social da frente democrática de oposição ao regime autoritário. Uma das mais marcantes, pelo tempo de duração – cerca de dois meses –, pela afluência de público e pela representatividade das personalidades envolvidas, foi a dos seminários do círculo de debates no Teatro Casa Grande (Rio de Janeiro) no primeiro semestre de 1978, que foram transcritos e publicados pela Editora Vozes em 1979 com o título de Conjuntura Nacional – o articulista não resiste ao registro de que esteve entre seus organizadores e participantes.

Os temas desses seminários iam da questão imperativa da hora, como a dos obstáculos e exigências para a transição para a democracia, então em embrião, ao da organização sindical, passando pela da indústria, a dos empresários e suas opções políticas, pela agrária, não faltando a da cultura e a nuclear, que deixaram seus rastros na cultura democrática que prevaleceu na Constituinte de 1988 e na social-democracia à brasileira que medrou a partir daí. Vale a lembrança de que, após a democratização do País, dos quase 30 conferencistas desse círculo de debates, 6 se tornaram ministros de Estado e 2, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, ocuparam a Presidência da República.

Hoje, como na Itabira do poeta, esses idos de boa memória, agora apenas um quadro na parede, doem e parecem ser de pouca serventia para orientar a ação. De fato, o passado não mais ilumina, e somos testemunhas da emergência de movimentos juvenis enérgicos e buliçosos – como o dos secundaristas de São Paulo que ocuparam suas escolas em protesto contra processos de reforma educacional e em boa parte se encontram nas ruas contra o aumento das tarifas nos transportes públicos –, sem a memória da cultura democrática que nos levou à Carta de 88.

Por desastres da ação humana, tudo indica que nosso esboço de social-democracia conhece o risco de gorar e, com ela, a concepção generosa e afirmativa do Brasil como um lugar propício, tal como nas linhas traçadas pelas obras de Richard Morse e de Darcy Ribeiro, à recriação da História do Ocidente em bases mais fraternas e solidárias. Estão aí, ecoando essas ameaças, o programa de História que se apresentou no projeto do currículo nacional de iniciativa do Ministério da Educação, e os novos programas partidários, como o da Rede e o do Raízes, que, apesar de trazerem inovações importantes, fazem tábula rasa das nossas conquistas civilizatórias e dos ideais de igual-liberdade que nunca deixaram de vicejar aqui.

O populismo, que acabou por encontrar, em meio aos zigue-zagues da nossa política, um lugar imprevisto no PT, mais como um filho das circunstâncias e do pragmatismo da sua principal liderança, não teve como se apresentar de corpo inteiro em razão das origens desse partido no sindicalismo operário moderno e em estratos intelectuais cultivados. Agora ameaça ressurgir com antigos personagens e narrativas messiânicas de ideólogos que o cultivam sem os constrangimentos que, antes, o PT experimentou ao flertar com ele.

Para enfrentar nossos males não bastam os bons resultados da Operação Lava Jato, pois, como sempre, nosso destino vai depender da batalha de ideias, que, aliás, já começou. Lá atrás, há um fio de meada a ser retomado para nos guiar nesse terreno baldio que se tornou a política brasileira a fim de barrar o caminho dos cavaleiros da fortuna que vêm por aí.
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*Luiz Werneck Vianna é sociólogo, PUC-Rio

Fernando Henrique Cardoso: O certo e o errado

- O Estado de S. Paulo

O castelo de areia das grandezas do lulopetismo está desabando ao sopro da crise econômica e da Lava Jato, como tantas vezes escrevi. Em meio ao desmoronamento, o lulopetismo procura embaçar a vista de quem assiste à sua queda dizendo que tudo não passa de uma trama “da direita” para desacreditá-lo por ser “de esquerda”.

Para desmontar a farsa vale a pena ler a entrevista dada às páginas amarelas da Veja, na semana passada, por José de Sousa Martins, importante sociólogo e insuspeito de ser “de direita”. Martins diz que, no caso do PT, a dicotomia direita/esquerda provém da metamorfose do pensamento católico, que separa os bons dos maus, os fiéis dos que não creem. Há na matriz do petismo um reducionismo que transforma os adversários em inimigos e tem dificuldade de lidar com nuances de opinião. É a essa matriz que o lulopetismo busca retornar, agora como farsa.

Sobre a “esquerda” e a “direita” no Brasil, há anos eu repito a frase que ouvi do historiador Sérgio Buarque de Holanda quando examinava uma tese de livre-docência sobre a política brasileira no Império. No trabalho, o autor confrontava o pensamento liberal, o conservador e o progressista. Sérgio, referindo-se a um personagem simbólico de nossos conservadores naquele período, perguntou com certa ironia ao candidato: você acredita que Bernardo Pereira de Vasconcelos lia Edmund Burke (um clássico do conservadorismo inglês, que via com maus olhos a Revolução Francesa)? Não, respondeu o próprio Sérgio, ele não era um verdadeiro conservador, não defendia ideias; ele era apenas um “atrasado”. Boa parte dos atuais lulopetistas tampouco são de esquerda, defendem ou creem apenas em noções atrasadas.

Mas a disputa política não é uma batalha para ver quem são os mais bem informados. Ela sempre envolve percepções. Assim, o chavão dos “pobres versus ricos”, por mais que seja tosco, pode funcionar. Do mesmo modo pode aliciar muita gente o embuste de que a Lava Jato seja uma manobra para perseguir os deserdados da fortuna em favor dos poderosos, como se os poderosos nos últimos 13 anos não tenham sido eles, em ligação corrupta com parte da elite econômica e política.

Por isso cabe aos políticos de oposição, na luta ideológica, continuar a desmantelar as fortalezas do atraso. Além de desmontar o argumento da “armação jurídica”, é preciso reduzir ao ridículo a ladainha de que a crise atual decorre de fatores externos. Vejam só, dizem eles, estávamos certos, foram as ondas externas (não mais marolas, mas tsunamis) que nos afetaram. Tão certos pensam que estavam que, ao derrubar o ministro Joaquim Levy, renasceu a esperança do “mais do mesmo”, ou seja, mais crédito e mais consumo (por quem já está endividado, muitas vezes com menos renda e não raro sem emprego).

O que está claro para quem tem alguma noção das coisas e da História pode ser turvo para o cidadão comum. Por isso a repetição petista de uma argumentação descabelada pode parecer inútil, mas não é: é uma tentativa de preservar a imagem de que só o PT defende os pobres e só ele se opõe ao capitalismo desumano. Convém persistir em mostrar que o que foi feito na política econômica petista não foi obra do inevitável, mas produto de erros crassos.

Erros que não remetem à divisão esquerda/direita, mas se explicam pelo atraso na compreensão da política econômica e pelo interesse em manter o poder e os bolsos dos partidos e de alguns de seus dirigentes recheados com dinheiro alheio, dinheiro do povo. Que medida no presente pode ser mais “de esquerda”, mais progressista, do que recuperar o emprego e o poder de compra da maioria da população? E como fazer isso sem debelar a inflação? E como debelar a inflação sem ajuste fiscal? E como garantir o emprego futuro sem reconquistar a confiança do setor privado, já que o Estado sem os capitais privados não pode assegurar a retomada do investimento?

Qual a alternativa “de esquerda” a essas medidas? O novo “pacote de crédito público”, versão envergonhada da política que pedalou a ilusão da prosperidade em 2013 e 2014 rumo à reeleição e resultou em mais dívida para as famílias e mais desarranjo das finanças públicas, essa preocupação “de direita” que obceca os “neoliberais”?

Houve quem escrevesse, e o fez em inglês, que às vezes há uma confusão no senso comum entre os conceitos políticos de esquerda e de direita (right) e as noções corriqueiras de certo (right) e errado. As políticas de crescimento econômico do lulopetismo não foram “de esquerda”, mas certamente foram erradas.

É importante repisar isso para mostrar que as políticas de distribuição de renda precisam ser sustentáveis para produzir resultados duradouros. Muito do que foi conquistado desde o Plano Real está hoje ameaçado. Para amenizar o drama da terrível crise atual é preciso manter a rede de proteção social que foi tecida em meu governo e reforçada no governo Lula. Mas é urgente corrigir os desatinos fiscais do lulopetismo, desaparelhar o Estado, reconquistar a confiança da sociedade e retomar a agenda de reformas que o lulopetismo abandonou em favor de anabolizantes pró-crescimento que produziram medonhos efeitos colaterais para o País. Só assim será possível retomar a trajetória que corresponde às aspirações da Constituição de 1988, contra a qual o PT votou, por julgá-la conservadora: um Brasil democrático, não apenas mais desenvolvido, mas, sobretudo, socialmente mais justo.

Há forças capazes de corrigir os desatinos cometidos. Para isso é preciso que lideranças não comprometidas com o lulopetismo, apoiadas pelos grupos sociais que nunca se deixaram ou não se deixam mais seduzir por seu falso encanto, assumam a sua responsabilidade histórica, dentro da Constituição, para fazer o certo em benefício do povo e do País.
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*Fernando Henrique Cardos é sociólogo e foi presidente da República

Fernando Gabeira: O Quádruplo X

- O Globo

Para proteger a cúpula, calam-se. Durante a semana, falou-se muito da operação Triplo X. O centro das operações foi o edifício Solaris, no Guarujá, onde Lula tem um tríplex, teria um tríplex, ou acha que teve um tríplex, ou possivelmente só contemplava um tríplex. Não é esse Triplo X que me interessa tanto. O prédio caiu nas malhas da Operação Lava-Jato e o tríplex com suas múltiplas explicações continuará em cartaz.

Traduzindo o X por uma incógnita, gostaria de acrescentar mais um, que escapa da rede da Lava-Jato, mas foi brandamente recebido. É o fato de os dirigentes da Bancoop terem seus apartamentos e deixarem centenas de famílias ao relento. Era um projeto comum, que eles lideravam, no entanto abandonaram o navio como aquele comandante do Costa Concordia, transatlântico que afundou na costa da Itália. Ele foi condenado a 16 anos de prisão. Ali no Costa Concordia havia vida em jogo. No Bancoop, apenas sonhos e economias para a casa própria.

Nada mais corrosivo para uma proposta política que se pretende igualitária : em caso de naufrágio, salvam-se os líderes, a galera que se dane. Surgiram inúmeras defesas de Lula para livrá-lo das garras da Lava-Jato. Como sempre, algumas falam de um suposto apartamento de Fernando Henrique. Ele é o norte moral: se fez, podemos fazer também.

O advogado de Lula, Nilo Batista, busca uma outra linha: o apartamento é pequeno, um Minha Casa Minha Vida, as obras de R$ 770 mil no sítio de Atibaia, apenas um puxadinho. Até que ponto tudo isso não é um preconceito? Com tantos blogs por aí, defensores ardorosos, o PT não encontra uma única versão para esse quarto X: a deslealdade da cúpula com os mutuários. Tudo por um apartamento diante da praia de Guarujá. Na verdade era um futuro melancólico que foi abortado pelas denúncias.

Vaccari era o presidente da Bancoop e tem um tríplex no Solaris. Ele está preso. Mas por outros motivos. O silêncio do PT diante da Bancoop revela um pouco como o respeito, o medo, ou mesmo uma vontade de proteger a cúpula a qualquer custo minaram seus fundamentos. Se não fosse tríplex mas um simples quarto e sala, se a empresa não fosse envolvida no Petrolão, a cúpula do Bancoop, os seletos donos de apartamentos escapariam das malhas do Lava-Jato, mas não das malhas da decência comum, negadas por comandantes que se salvam enquanto os outros se ferram.

Embora exista um processo na Justiça, a oposição deu pouca importância ao episódio. Mais um esqueleto num armário tão grande como a sala de um museu de história natural. Existe um outro X para mim. Houve grande empenho para soltar o empresário Leo Pinheiro. O objetivo era afastá-lo da delação premiada. Zavascki, Lewandowski, Lebowski, alguém o soltou no Supremo. Quando tudo parecia resolvido, surgem as mensagens de Pinheiro. Seu telefone contava em mensagens parte do que contaria em delação premiada.

O Triplo X traz de novo Pinheiro à cena. O Solaris foi comprado pela OAS. O tríplex que Lula ocuparia foi reformado pela OAS. Tanto esforço para soltar o homem e ele reaparece em cena. Seus tornozelos devem estar ardendo em regime de prisão domiciliar. O que adiantou soltar Pinheiro? O volume de informações sendo processado é muito grande e talvez a Lava-Jato não dependa tanto de novas delações.

O fluxo de dados vai desvendando a Operação Triplo X e se ela se aproximar de Lula através desses dois fatos secundários, um tríplex e um sítio, repetirá outras ocasiões em que a Justiça acabou chegando por atalhos a estradas mais largas. De qualquer forma, sítio e tríplex são presenças concretas. No imaginário popular pesam mais do que abstratas contas na Suíça. Maluf ou Cunha podem dizer que não têm conta no exterior, e o mundo segue seu curso. Não há imagens.

Quando não são meras montagens, as fotos tendem a reaparecer com mais nitidez e frequência quanto mais nebulosas forem as explicações. Só a verdade pode devolvê-las, no seu tempo, ao silêncio dos arquivos.

Se o edifício é Solaris, que se faça luz. Por enquanto, as sombras o cobrem, desde a origem quando os bancários foram passados para trás.

Curioso é que Solaris também é nome de um oráculo cuja função é exatamente fazer perguntas. E com a seguinte advertência: perguntas irrelevantes, do tipo “Vai chover hoje?”, não serão consideradas. Infelizmente, a consulta se faz num tempo difícil, dominado por uma pergunta que o próprio oráculo não sabe responder: como sair dessa maré?

Ferreira Gullar: Novos tempos

- Folha de S. Paulo

Digo com franqueza que não tenho nenhum prazer em ver alguém na cadeia, impedido de sair à rua livremente, ir dar uma volta a toda ou entrar num cinema. Ficar trancado numa cela é barra. Mas, infelizmente, em certos casos, não há alternativa. Pior é no Irã, que não só encarcera como executa os condenados às centenas.

Se digo isso é porque penso assim, embora admita que, sem punição, a criminalidade de todo tipo tomaria conta do país. É o caso da corrupção, que atinge nível nunca alcançado antes, pelo que se saiba. E o pior é que não se trata apenas de roubar o celular do transeunte, mas de assaltar os cofres públicos, seja se valendo de contratos fajutos, seja pelo suborno, que montam a milhões, se não a bilhões de reais.

As últimas pesquisas de opinião mostram que o povo está indignado com a corrupção e exige que os ladrões sejam punidos. Eis por que eu, que não gosto de ver ninguém preso, sou obrigado a aprovar a atuação da Lava Jato, que põe na cadeia gente fina, presidentes de grandes empreiteiras, senador, altos funcionários do Estado. Ver esse pessoal entrando algemado num camburão, confesso que me dá alguma esperança no futuro deste país.

Dizer que tenho esperança não significa que tenha certeza. E se não tenho certeza é porque esse pessoal não desiste, tanto que passaram a afirmar que a Lava Jato é uma operação antidemocrática, pior do que fazia a ditadura militar. Tiveram a coragem de dizer isso num manifesto assinado por dezenas de advogados, muitos deles pagos pelos corruptos.

A verdade é que os processos instaurados pela Lava Jato têm sido conduzidos em estrito respeito às normas processuais –tanto assim que, com exceções, foram todos aprovados pelo Supremo Tribunal Federal. A delação premiada, que possibilita à Justiça conhecer as tramas criminosas, é um instituto legal e, por isso mesmo, constitui o pavor dos corruptos e a derrota dos advogados que os defendem.

Daí o manifesto, forjado por iniciativa da Odebrecht, tentando desautorizar a Operação Lava Jato.

Um manifesto! Fazia tempo que não se via manifesto político em nossos jornais. Eu, que ajudei a redigir alguns, lembrei-me naturalmente dos manifestos daqueles anos da ditadura, quando denunciávamos o arbítrio dos militares e exigíamos a libertação de nossos companheiros. Os presos daquela época eram dirigentes partidários, militantes das áreas universitária e sindical, artistas e intelectuais, que lutavam contra os militares.

Os tempos mudaram! O manifesto de agora não foi escrito para defender os defensores da democracia, e sim os inimigos da ética e do bem público, ou seja, empresários, políticos e burocratas corruptos.

Pois é, quando a trapaça vira moda, a gente se depara, a cada momento, com esse tipo de desfaçatez. Outro dia, a presidente Dilma Rousseff não se comparou a Getúlio Vargas?! É muita cara de pau, pois se sabe que Getúlio criou a Petrobras, enquanto ela, Lula e seu partido, apropriaram-se da empresa para saqueá-la, quase levando-a à falência.

Lembro-me da época em que Lula e sua turma acusavam os adversários políticos de quererem privatizar a Petrobras. Essa privatização nunca houve, mas eles fizeram pior: saquearam-na em sociedade com a Odebrecht, a Andrade Gutierrez, a Camargo Corrêa e vigaristas como Youssef, Cerveró, Paulo Roberto Costa, Renato Duque...

Um dos exemplos mais descarados desse período foi o escândalo do mensalão, quando Roberto Jefferson denunciou a compra pelo governo de deputados federais.

Tomado de surpresa, Lula declarou: "Fui traído". Traído por quem? Ficou comprovado que os deputados tinham sido subornados com dinheiro do Banco do Brasil e que os executores dessa tarefa foram José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares, todos eles da total confiança de Lula.

E em que consistiu a tal traição? Comprar deputados para que votassem a favor de tudo que Lula quisesse. Este é um raro exemplo de uma traição que, em vez de prejudicar o traído, beneficia-o.

Como se vê, Lula dá azar, pois agora mesmo se sabe que novos traidores lhe deram de presente um apartamento tríplex e um sítio que valem milhões.

Eliane Cantanhêde: Prova dos 9

- O Estado de S. Paulo

Cá entre nós, baixinho, a mais estridente entre tantas perguntas que não querem calar em Brasília é o que está por trás da brusca guinada do presidente do Senado, Renan Calheiros, que era radicalmente contra o Planalto, a ponto de devolver de forma malcriada uma medida provisória, e virou radicalmente a favor, a ponto de ser considerado o principal aliado da presidente Dilma Rousseff no Congresso.

Numa questão objetiva, dessas de marcar “X”, poderíamos perguntar o que levou Renan a virar tão governista: a) uma grande simpatia pessoal por Dilma; b) uma profunda preocupação com a governabilidade; c) contrapor-se ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e, por tabela, ao vice-presidente Michel Temer; d) nenhuma das anteriores.

Se o senhor e a senhora cravaram a resposta “d”, é porque estão como os políticos, jornalistas e curiosos em geral que, em maioria, trabalham com a hipótese de Renan ter se aproximado de Dilma para tentar escapar da Lava Jato – primeiro, da denúncia da Procuradoria-Geral da República e, depois, de uma investigação no Supremo Tribunal Federal.

Isso leva a uma nova pergunta: que poder teria a presidente do Executivo sobre a Procuradoria e principalmente sobre o Poder Judiciário? Formalmente, nenhum. Na prática, nunca se sabe. O regime presidencialista brasileiro é fortíssimo e o presidente pode quase tudo, mesmo com a popularidade baixa e sofrível apoio parlamentar.

Portanto, fica confuso o procurador Rodrigo Janot ir com tudo para cima de Eduardo Cunha e Fernando Collor, mas não mexer uma palha contra Renan Calheiros. Janot certamente tem sólidos motivos jurídicos, mas, nas circunstâncias, os leigos ficam com a pulga atrás da orelha. A alegação nos bastidores é que há provas contra Cunha e Collor, não contra Renan, mas os juristas lembram que bastam indícios fortes para encaminhar ao Supremo, porque colher as provas cabe à investigação seguinte.

Agora, a confusão piorou muito, muitíssimo, depois que o ministro Luiz Edson Fachin liberou para entrar na pauta do plenário do Supremo aquele processo de Renan, de oito anos atrás, em que ele caiu na esparrela de uma ex-amante. Cabe ao presidente da Corte, Ricardo Lewandowski, determinar a data do julgamento. É a prova dos 9 do presidente do STF.

Lewandowski é amigão do ex-presidente Lula, tido por gregos e troianos como o maior aliado do PT no Judiciário desde o mensalão. Se puser o processo de Renan na pauta, cria um problemão para Dilma, que enfrenta o pedido de impeachment com Cunha na Câmara e precisa de Renan no Senado. Se não puser, vira alvo da opinião pública, tendo de justificar, tintim por tintim, em que baseia sua decisão de poupar Renan numa hora dessas. Se alegar que há muitos outros processos na fila e esse é só mais um, vai colar?

A favor de Lewandowski, é simplesmente inimaginável cooptar um ministro do Supremo, a última trincheira da cidadania. Mas essa premissa remete à história da mulher de César. Não basta ser honesto, impecável e impermeável, mas também parecer. E estar acima de qualquer suspeita diante da sociedade.

O STF conquistou enorme visibilidade, respeito e admiração com o julgamento do mensalão, mas ganhou dois novos ministros, perdeu precocemente a força e a irreverência de Joaquim Barbosa e, não bastasse, quem o substituiu na presidência foi justamente Lewandowski, seu maior opositor. Agora, no petrolão, o tribunal está atrasadíssimo em relação à primeira instância do Paraná e ao juiz Sérgio Moro. Por tudo isso, o processo contra Renan tem imenso significado. Com a palavra, Ricardo Lewandowski. A nação é toda ouvidos.

Insegurança. A violência no Rio é o que é, mas o jornal O Globo informa que o orçamento da segurança no Estado terá corte de 32%. Ai, que medo!

Vinicius Torres Freire: "D" de depressão

- Folha de S. Paulo

Circula na praça do mercado uma versão da velha piada tétrica sobre a diferença entre recessão e depressão. Na recessão, seu vizinho perde o emprego. Na depressão, você também perde o emprego. Recuperação é quando a Dilma perde o emprego.

A aversão a Dilma Rousseff entre gente graúda de empresa e finança não é novidade, embora nem sempre tenha sido assim. A alergia grave espraiou-se de modo fulminante entre 2012 e 2013, ano em que o país quase inteiro descobriria que "era infeliz e não sabia", na frase do cientista político André Singer.

Nova é a conversa sobre depressão, espécie teratológica de recessão, que nem é o caso do Brasil, embora não exista definição geral desse desastre econômico. Mas a depressão dos ânimos de consumir e investir é profunda, se prolonga de modo raro e dificulta muito a saída do atoleiro. A desesperança abissal deve ser agravada neste 2016, em que a dor maior da crise vai chegar ao cidadão comum.

Os diversos índices que medem a confiança do consumidor divergem quanto ao registro de quando começou a tendência de baixa contínua dos ânimos: abril de 2012, fevereiro de 2013. Não há dúvida sobre a derrocada sem fim que começou com o choque da virada para 2015, quando, em palavras e atos, a presidente reeleita demonstrou que mentira na campanha (vieram alta de juros, notícia de arrocho, golpe da conta de luz etc.). Qualquer que seja a medida, é uma longa desesperança.

O empresário demonstra seu desânimo no fato de que o investimento produtivo recua desde a metade de 2013. São dois anos e meio de declínio, provavelmente três anos e meio ao fim de 2016, raridade histórica.

As estimativas de crescimento continuam a piorar rápido. No início de dezembro, previa-se recessão de 2% em 2016. No fim de janeiro, de 3%. Na sexta, os economistas do Itaú previam queda de 4% em 2016.

Caso se confirmem tais previsões, pode se estimar baixa de 10% no PIB per capita no triênio 2014-16, desastre menor apenas que o da ditadura, 1981-83. Pior que isso, agora a baixa do PIB vai escorrer pelas ruas, ressalte-se: maior desemprego em uma década, queda dolorosa da renda média, piora dos serviços públicos, de saúde em particular. O sofrimento ainda será maior por causa dos preços.

O aumento da inflação está associado às variações de ânimo do consumidor. Pouco antes de junho de 2013, a inflação de comida e bebida chegou a 14% (a inflação média, geral, era de 6,5%), derrubando a confiança, marcando o começo do fim da pacificação dos anos petistas. A inflação da comida em janeiro deste 2016 foi a quase 13%, embora a média geral seja agora de 11%, pressionada por itens mais essenciais, como energia e transporte.

Inflação, os indícios de colapso da atividade econômica em janeiro e a baixa do número de pessoas empregadas, que começou em outubro, nos assustam ainda mais.

O Brasil padece de doença econômica rara e muito grave, uma combinação de inflação alta, recessão profunda e descontrole da dívida pública, agravada por desprestígio presidencial de duração e tamanho recordes e falta de rumo de governo. Difícil chamar de depressão econômica. É certo que há depressão da esperança.

Míriam Leitão: As novas criações

- O Globo

Na economia, há ideias simples que servem para famílias, firmas e governos. Uma delas é que quem está com dívidas e déficit tem que demostrar compromisso com o pagamento das dívidas e redução do déficit. E há ideias que tentam contornar essa realidade. Do segundo grupo faz parte a proposta de ter metas fiscais flexíveis, que está saindo da mesa do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa.

O ministro está formulando duas propostas. A de estabelecer limites de gastos e a de ter metas que podem ser ou podem não ser. A primeira parece boa, mas tem algumas complicações. O governo está indicando que quer incluí-la na Lei de Responsabilidade Fiscal. E aí mora o perigo. Hoje, a LRF é vista como uma camisa de força por todos os gestores públicos. Reabri-la pode ser perigoso em temporada de jabutis soltos no Congresso.

Nelson Barbosa sabe bem o que um jabuti e uma base parlamentar fragmentada e sem liderança podem fazer em um projeto com boas intenções. Foi dele a decisão de propor a MP 664. Ela iria reduzir o gasto da Previdência pelas bordas, diminuindo o benefício das viúvas e viúvos muito jovens. Economizaria pouco, mas seria a mudança de um princípio, segundo dizia o ministro. Acabou se transformando no maior vetor de aumento dos gastos da Previdência, ao derrubar o fator previdenciário. Melhor seria se tivesse feito a proposta óbvia: a de reforma da Previdência, da qual agora se fala.

Em época de dificuldades fiscais nos estados e no governo federal, qualquer ideia que for ao Congresso tem que ser blindada contra os projetos que ficam nas gavetas e que são pendurados no que está tramitando. Se ele tem segurança de que não haverá jabutis a bordo do seu projeto de limites dos gastos dentro da lei fiscal, deve ir em frente. Antes, contudo, tem que se certificar se dá para fazer, diante da rigidez orçamentária do Brasil. Já a ideia de metas flexíveis — que poderão ser descumpridas caso haja queda de receita — essa será muito bem-vinda pelos governos, já que significa ter uma desculpa oficial e automática para não cumprir a meta.

O problema é que o compromisso firme com uma meta fixa é a forma de reduzir temores dos credores e desconfiança de investidores. E eles não são os estrangeiros de sobrecasaca. A dívida pública é sustentada por milhões de brasileiros que aplicam as suas economias em produtos financeiros lastreados por títulos do Tesouro.

O ministro tem, no passado, registro de apoio a muitas ideias criativas. Estavam erradas. Em março de 2010, publicou um artigo neste jornal dizendo assim: “Esta resposta bem sucedida deve-se sobretudo ao novo tripé que orienta a política econômica dos últimos anos: crescimento econômico, inclusão social e redução da vulnerabilidade a choques internacionais.” Era o auge da nova matriz macroeconômica que trouxe o país ao mais longo período recessivo da história. A nova matriz tentou substituir o tripé tradicional que garantiu ao Brasil a estabilidade monetária: superávit primário, câmbio flutuante e metas de inflação. A nova tese era que pelo crescimento tudo poderia ser feito, inclusive a agressiva política de desonerações e isenções para setores, que provocou rombos enormes nas contas públicas. Esses rombos, a antiga equipe econômica tentou esconder com as pedaladas.

O princípio incluído na Lei de Responsabilidade Fiscal é simples: bancos públicos não podem financiar o Tesouro. As pedaladas tentaram contornar isso criando fórmulas complexas, alquimias, contabilidade criativa. Tudo foi desmascarado pelo TCU, e o governo foi obrigado a pagar as pedaladas. Agora, economistas se debruçam sobre as operações para tentar entender o mecanismo financeiro usado para pagar as pedaladas. A suspeita é que tenha sido feita uma triangulação para contornar a proibição de que o Banco Central financie o pagamento, pelo Tesouro, de despesas correntes. Em nota, o BC negou.

O Brasil está numa situação fiscal de extrema delicadeza. A dívida bruta e o déficit nominal tiveram aumentos explosivos nos últimos anos. O resultado primário que era positivo virou um déficit de 2% do PIB. O que se espera do ministro da Fazenda é que ele tenha uma fórmula crível de enfrentar esse problema. De preferência, uma ideia universalmente aceita.

Dora Kramer: República de murici

- O Estado de S. Paulo

Envolta em desordem e regresso, nossa República faria jus à realidade atual se adotasse como dístico o provérbio sobre os tempos de murici. Neles, cada um cuida de si. Fora de cogitação o recurso ao lema “e Deus por todos”. As divindades representadas nas figuras do ex-presidente Lula e da presidente Dilma encontram-se indisponíveis para a tarefa, enredadas que estão cada qual com seus problemas.

Fruto do muricizeiro, árvore resistente a solos áridos e atmosferas de baixa umidade, Murici é também o nome do município alagoano onde manda e desmanda a família Calheiros, berço político do presidente do Senado que poderá se tornar réu de ação penal por peculato, falsidade ideológica e uso de documentos falsos, em decorrência da denúncia oferecida há três anos pela Procuradoria-Geral da República e na semana passada liberada para votação no Supremo Tribunal Federal.

Alvo da operação Lava Jato, cujos investigadores procuram provas de participação no esquema de corrupção na Petrobrás, Renan Calheiros responde agora a acusações datadas de 2007 sobre a concessão de favores legislativos em troca do pagamento da pensão de uma filha pela empreiteira Mendes Júnior.

Seu companheiro de partido e de comando no Congresso, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, também está sob o risco de se tornar réu no Supremo. Segundo o ministro Teori Zavaski, é possível que a denúncia contra ele por corrupção passiva e lavagem de dinheiro seja votada ainda neste mês, antes mesmo do exame do pedido da PGR de afastamento do cargo por suspeita de obstrução dos trabalhos do Conselho de Ética da Casa.

Assim, temos no horizonte a hipótese concreta de o Poder Legislativo vir a ser comandado por dois réus em ações criminais. Ambos integrantes da linha de sucessão direta da Presidência da República. Nunca se viu nada parecido neste País. Não fosse essa situação já bastante grave, ao cenário acrescentam-se duas frentes de questionamento sério à presidente da República por irresponsabilidade fiscal e supostas irregularidades no financiamento de campanha eleitoral, e a entrada de Luiz Inácio da Silva no radar das autoridades como investigado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público em São Paulo (o tríplex) e no Distrito Federal (tráfico de influência).

O Palácio do Planalto dá notícia de um plano de “blindagem” de Lula, com mobilização de parlamentares para o contra-ataque nas tribunas do Congresso, escalação de petistas para pedir “respeito à história” do ex-presidente e criação de CPIs para intimidar a oposição. Esforço inútil. Comissões de inquérito perderam a eficácia de tanto serem desmoralizadas e os integrantes de antiga tropa de choque estão, em boa medida, no rol dos investigados (no PT e outros partidos aliados).

O governo nada pode fazer em prol dos seus, Lula em particular, a fim de não fazer com que a crise sente praça de uma vez por todas no Palácio. Na primeira manifestação de um porta-voz da defesa, o ex-ministro Gilberto Carvalho não encontrou argumento melhor que o de considerar “a coisa mais natural do mundo” o ex-presidente receber de presente de uma empreiteira responsável por grandes obras em seu governo uma reforma completa numa propriedade rural a fim de proporcionar a Lula maior conforto em seus momentos de descanso e lazer.

Tal elogio à naturalidade diz muito a respeito do conjunto da obra dos governos petistas, ora em processo de investigações tendo o próprio Gilberto Carvalho como um dos alvos. Por essas e várias outras não há, nessa conjuntura, quem possa salvar alguém sem correr o risco de produzir um abraço de afogados no lodaçal de muricis.

Testemunha diz que OAS pagou em dinheiro cozinha do sítio

• Segundo depoimento, empresa pediu para não aparecer na compra

- O Globo

- SÃO PAULO - O pagamento de itens de cozinha para o sítio usado pelo ex-presidente Luiz Inácio da Silva em Atibaia, interior de São Paulo, foi pago em dinheiro pelo ex-executivo da empreiteira Paulo Gordilho. A nota fiscal foi emitida em nome de um dos proprietários do imóvel, Fernando Bittar.

As informações constam do inquérito do Ministério Público de São Paulo que investiga a reforma feita entre 2010 e 2011 no sítio Santa Bárbara. O jornal "O Estado de S.Paulo" divulgou neste sábado um trecho da investigação que cita o depoimento de um funcionário da empresa Kitchens confirmando que os pagamentos foram feitos em espécie.

“Em relação aos móveis da cozinha e área de serviço do sítio, além do pagamento do sinal em pecúnia (de R$ 50 mil), que presenciou, obteve, ao levantar informações documentais para entrega ao MPF (Ministério Público Federal), que as demais parcelas também foram quitadas mediante pagamento em espécie, na loja”, divulgou o jornal.

Na semana passada, o GLOBO conversou com um funcionário da área comercial da Kitchens que acompanhou o caso da compra para o sítio. Ele confirmou à reportagem, sob a garantia de preservação de sua identidade, que os pagamentos foram feitos em dinheiro. Ao todo, foram R$ 130 mil.

Segundo disse ao Ministério Público o funcionário, cujo nome foi mantido em sigilo, a empreiteira pediu que Fernando Bittar, dono do sítio, figurasse como o comprador dos equipamentos da cozinha.

MPF: defesa de Odebrecht é afeita a “teorias da conspiração”

• Procuradores rebatem a tese de advogados de que provas suíças não valem

- O Globo

- SÃO PAULO- Os integrantes do MPF que compõem a força-tarefa da Lava-Jato rebateram ontem a defesa da Odebrecht, que tenta invalidar provas suíças contra seus executivos. No último dia 2, uma decisão do Tribunal Federal de Belinzona, na Suíça, considerou irregular a transferência para o Brasil de documentos de movimentações financeiras em offshores atribuídas à empreiteira.

A Justiça suíça, no entanto, rejeitou decretar a anulação dos documentos, que ligam a empresa a pagamento de suborno a funcionários da Petrobras. A decisão abriu nova batalha entre a defesa da Odebrecht e os procuradores da Lava-Jato. O argumento dos advogados é que, se o envio das provas por meio da cooperação internacional foi irregular, tais documentos não podem servir para condenar os reús.

Na manifestação à Justiça brasileira, os procuradores afirmam que a defesa da Odebrecht é afeita a “teorias da conspiração” e argumentam que a decisão da Suíça não tem qualquer impacto no Brasil. Segundo eles, não houve violação dos direitos fundamentais de Marcelo Odebrecht ou demais executivos. “Não havendo violação à soberania, ordem pública ou bons costumes, não cabe ser mais realista do que o rei. Decidir diferente seria dar à defesa o que não conseguiu na Suíça”, argumentam os procuradores em pedido para que o juíz Sérgio Moro recuse a anulação das provas.

Procurada, a empresa afirmou que “a defesa (do executivo) Márcio Faria se pronunciará no momento oportuno".

Bumlai ataca 'caciques do PT' e pede fim de confisco

Para ter bens desbloqueados, amigo de Lula ataca ‘os caciques do PT’

• Por seus advogados, pecuarista José Carlos Bumlai pede a juiz da Lava Jato que libere seus ativos - confiscados desde novembro de 2015 -, e diz que 'seria mais coerente' que sequestro atingisse dirigentes do partido, Banco Schahin e ex-executivos da Petrobrás

Por Ricardo Brandt, Fernanda Yoneya e Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

O pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula, pôs um fim nas relações muito próximas que mantinha com o PT. Por meio de seus advogados, ele pediu ao juiz federal Sérgio Moro que libere seus bens – confiscados desde novembro, quando foi preso na Operação Passe Livre, desdobramento da Lava Jato. A defesa alega que todos os ativos que Bumlai amealhou “possuem origem comprovadamente lícita”.

Eles partem para o ataque a outros protagonistas do episódio que envolve um enigmático empréstimo milionário do próprio Bumlai realizado em outubro de 2004 no Banco Schahin e a contratação para operar o navio-sonda Vitória 10.000.

“Seria mais coerente impor a constrição aos corréus, os afagados e protegidos donos do Banco Schahin, aos caciques do PT ou ainda aos que compunham a Diretoria Internacional da Petrobrás pois, se existe alguém que teve ganho patrimonial com a pouca-vergonha da contratação fraudulenta do tal navio-sonda, certamente não foi o peticionário (Bumlai)”, afirmam os criminalistas Arnaldo Malheiros Filho, Daniella Meggiolaro, Conrado de Almeida Prado e Lyzie de Souza Andrade Perfi, defensores do amigo de Lula.

O ataque de Bumlai escancara o rompimento com o partido que seu amigo fundou no início dos anos 1980. Admirador de Lula, a quem conheceu em 2002, o pecuarista se prestou a fazer o empréstimo que o levou à prisão no dia 24 de novembro de 2015, sob acusação formal de gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. Isolado, na iminência de uma pesada condenação que o juiz da Lava Jato poderá lhe infligir, Bumlai foi para cima do PT.

A origem da acusação ao pecuarista é exatamente o empréstimo de R$ 12,17 milhões no Schahin, dinheiro que, segundo Bumlai, foi integralmente destinado ao PT. Na ocasião, afirmou, o partido de Lula atravessava dificuldades de caixa e necessitava de reforço para saldar dívidas de campanha.

Em troca do “socorro” financeiro ao PT, o Grupo Schahin foi contratado pela Petrobrás, em 2009, ao preço de US$ 1,6 bilhão, sem licitação, para operar o navio-sonda, conforme as investigações.

“Conquanto tenha admitido sua participação na tomada do empréstimo junto ao Banco Schahin, não restam dúvidas de que o montante de R$ 12.176.850,80 (doze milhões, cento e setenta e seis mil, oitocentos e cinquenta reais e oitenta centavos) foi repassado integralmente pela instituição financeira ao Partido dos Trabalhadores e utilizado posteriormente como moeda de troca para realização de negócio espúrio, uma bandalheira entre o Grupo Schahin e então dirigentes da Petrobrás, ao qual o peticionário é totalmente alheio, não tendo disposto de nenhum centavo desse dinheiro nem tampouco usufruído dos proveitos obtidos com a contratação da operação da sonda Vitória 10.000”, dizem Malheiros Filho e sua equipe.

Bloqueio. A reação de Bumlai ocorre apenas alguns dias depois que o juiz da Lava Jato, em 22 de janeiro, ampliando os efeitos da decisão de bloqueio de ativos financeiros em contas do pecuarista e de suas empresas, determinou o arresto de seus bens e de seus filhos visando à recuperação imediata do valor de R$ 56,63 milhões.

Segundo Moro, o confisco visava a “recuperar o produto dos crimes” e a “reparar o dano” deles decorrente, podendo recair sob seus familiares “porquanto presentes os indícios de confusão entre o patrimônio de José Carlos Bumlai com o de seus filhos e de que estes participaram objetivamente dos crimes em apuração”.

Segundo os advogados de Bumlai, “em que pese já ter sido informada nos autos sua pretensão de oferecer um imóvel em substituição aos já bloqueados como garantia do valor pretendido, o requerente não pode deixar de consignar seu inconformismo com a constrição patrimonial determinada”.

Os defensores do amigo de Lula fazem da ironia um argumento. “Se algum dos acusados possui ‘capacidade econômica financeira’ certamente são os donos do Grupo Schahin, que ainda se refestelam com proveitos do contrato de operação da sonda Vitória 10.000, tendo um deles, inclusive, informado a esse Juízo que passará o carnaval em Paris, que continua a ser uma festa… O que lhes falta em dignidade sobeja em bom gosto.”

Bumlai atravessa pesadas dificuldades financeiras, dizem seus advogados. “A verdade, hoje mais propagada do que seria de seu agrado, é que a situação econômica de José Carlos Bumlai e das empresas de sua família já há algum tempo pode ser classificada como ‘crítica’. Assim, o fato de ‘o resultado do bloqueio’ de valores em suas contas bancárias ter sido ‘pífio’, diferentemente do que equivocadamente suspeitam o Ministério Público Federal e esse Juízo, é apenas a comprovação de que o peticionário já não dispõe de recursos líquidos significativos”, afirma a defesa.

Segundo a defesa, “outra prova da condição financeira precária de José Carlos Bumlai é que a grande maioria de seus bens, inclusive aqueles mencionados pelo Ministério Público Federal no pedido de bloqueio, já é objeto de garantia de dívidas com instituições financeiras e de outras obrigações”. “Cabe registrar mais uma vez que não existe qualquer ‘confusão’ entre o patrimônio de Bumlai e de seus quatro filhos”.

Ao fim da petição, os criminalistas pedem a reconsideração da medida de constrição patrimonial imposta a Bumlai e familiares, “com a conseqüente liberação dos ativos financeiros apreendidos e bens sequestrados/arrestados”.

Lula se queixa de Dilma e do avanço das investigações

• Ex-presidente avalia que Ministério da Justiça deveria coibir ‘abusos’ cometidos pela PF para devassar sua vida

Vera Rosa, Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se queixou com amigos, nos últimos dias, da ausência de manifestação mais contundente da presidente Dilma Rousseff em sua defesa desde o recrudescimento do bombardeio contra ele. Na avaliação de Lula, o Ministério da Justiça deveria coibir “abusos” da Polícia Federal para devassar sua vida nas investigações.

Em reunião com dirigentes do PT, deputados e advogados, anteontem, Lula argumentou que, diante do desgaste sofrido, é preciso uma nova estratégia de comunicação. A ideia do PT para estancar a crise é montar uma rede de apoio ao ex-presidente, na linha “somos todos Lula” – incluindo políticos de outros partidos e representantes de movimentos sociais –, com ações de rua e de mídia.

Dilma confirmou presença na comemoração dos 36 anos do PT, marcada para os dias 26 e 27, no Rio, quando a cúpula do partido fará um desagravo a Lula. No ato, os petistas baterão na tecla de que há uma “caçada política” contra o ex-presidente para interditar o PT, inviabilizar o governo e derrotar a esquerda nas eleições de 2018. Lula sempre foi o “plano A” do PT para a sucessão de Dilma, mas agora tudo depende dos desdobramentos das investigações.

O Palácio do Planalto foi informado da insatisfação do ex-presidente no último dia 28, um dia depois de Dilma ter voltado de viagem a Quito. Na ocasião, ao ser questionada se a Operação Lava Jato se aproximava de Lula, Dilma criticou as “insinuações” contra ele e disse achar “extremamente incorreto” esse tipo de vazamento, mas não quis se alongar no assunto.

Embora o ex-presidente esperasse mais solidariedade da sucessora, um integrante do Instituto Lula tentou pôr panos quentes. “Como é que a Dilma vai defender o Lula se ela própria não consegue se defender?”, perguntou ele, sob a condição de anonimato, em referência ao cerco contra o Planalto.

Lula é alvo da Operação Zelotes, que investiga um esquema suspeito de “compra” de medidas provisórias em seu governo. O Ministério Público de São Paulo, por sua vez, apura a suspeita de ocultação de patrimônio relacionada à compra de um tríplex no edifício Solaris, no Guarujá, no litoral paulista. Lula admite ter visitado o condomínio com o então presidente da empreiteira OAS, Léo Pinheiro, condenado à prisão, mas nega ser proprietário do apartamento.

A Lava Jato também vasculha benfeitorias executadas por empresas envolvidas no escândalo da Petrobrás em um sítio frequentado por Lula e sua família, em Atibaia, no interior de São Paulo. O ex-presidente afirma que usa o sítio para descansar, mas não é dono da propriedade.

No Planalto, auxiliares de Dilma comparam as investigações da Polícia Federal à CPI dos Bingos, batizada de “Fim do mundo” pelo ex-presidente por abrir várias frentes contra o governo e o PT, em 2005 e 2006. Ministros do núcleo político dizem não ter dúvidas de que a oposição quer “esquentar” o processo de impeachment contra Dilma, jogando agora os holofotes sobre Lula.

“Se estão fazendo isso contra um ex-presidente da República respeitado como o Lula, imagine o que não vão fazer com a classe política?”, perguntou o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, na terça-feira, em reunião com líderes de partidos da base aliada na Câmara. Sob a alegação de que, do jeito que as coisas andam, todos podem ter a vida “devassada” pela Polícia Federal, o ministro pediu aos deputados que saiam em defesa do ex-presidente.

O Instituto Lula e o PT ainda não têm uma estratégia definida para enfrentar a atual temporada de denúncias. Após o carnaval, advogados do ex-presidente Lula, do PT e líderes políticos vão se reunir, em São Paulo, para decidir os próximos passos da contraofensiva. Profissionais de mídia simpáticos ao PT estiveram no instituto, na sexta-feira, para discutir um plano de “recomposição” da imagem do ex-presidente. Pesquisas internas mostram que Lula vem perdendo apoio em todos os cenários e, se as eleições para presidente fossem hoje, o petista não seria eleito.

Iniciativas. Na semana passada, o PT decidiu de última hora levar à TV inserções nas quais o presidente da legenda, Rui Falcão, defendeu Lula. Uma resolução aprovada pela Frente Brasil Popular, que inclui PT, PC do B, PDT, Movimento dos Sem Terra, CUT, UNE e Central de Movimentos Populares, repudiou a “forma seletiva” como são conduzidas as investigações da Lava Jato e o tratamento dado a Lula pela imprensa. “Todos nos sentimos atingidos com os constantes ataques feitos a Lula”, diz o texto. No próximo dia 17, a Frente Brasil Popular também fará uma manifestação diante do Fórum Criminal da Barra Funda, onde o ex-presidente prestará depoimento, com o mote “Lula eu defendo, Lula eu respeito!”.

No auge da crise, Michel Temer se encontrou com Aécio

Daniela Lima – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - No auge das discussões sobre a abertura de um pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, seu vice, Michel Temer (PMDB), teve um encontro reservado com o principal nome da oposição no país, o senador Aécio Neves (PSDB-MG).

A reunião entre o peemedebista e o presidente nacional do PSDB foi mantida em sigilo por ambas as partes. Ela aconteceu entre setembro e outubro na casa de um aliado de Temer, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), um dos nomes do PMDB com maior trânsito na oposição.

Procurada pela Folha, a assessoria de Temer disse que não comentaria encontros do vice. Já Aécio Neves disse que não iria confirmar a reunião.

A conversa entre Temer e Aécio foi a última investida do peemedebista no PSDB. Antes, o vice já havia conversado com outros nomes importantes da oposição, como Agripino Maia (DEM-RN) e os tucanos José Serra (SP) e Tasso Jereissati (CE).

Na época, o vice e seus aliados sondavam a possibilidade de amarrar a oposição a um governo de união nacional, caso Dilma fosse afastada. Aécio resistia a uma conversa cara a cara com Temer por receio de que, por ser presidente tucano, o encontro soasse como institucional.

Na conversa com Temer, segundo a reportagem apurou com aliados de ambos, o tucano disse que o PSDB não carregaria o impeachment nas costas sem que antes o PMDB, unido, desembarcasse do governo Dilma.

Temer ressaltou os problemas do país e disse que só seria possível superar a crise com a "união nacional", mas não conseguiu unir o próprio partido em torno seu nome.

O vice se tornou alvo do tiroteio interno capitaneado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

Hoje, Temer e aliados reconhecem que o debate sobre o impeachment arrefeceu, mas trabalham para pacificar o PMDB e sacramentar a liderança de Temer com a reeleição do vice ao comando da sigla, em março.

A incapacidade de Temer de, já no ano passado, unir todo o PMDB em torno de seu projeto motivou Aécio a rapidamente desembarcar da tese do impeachment.

Na avaliação dos tucanos, o PMDB "perdeu oportunidade" ao escolher ficar no governo. Romper com Dilma no fim de 2015, quando as discussões sobre o afastamento da petista estavam no ápice, teria, admitem hoje aliados de Aécio, obrigado o PSDB a ajudar uma gestão Temer.

Haveria divisão na sigla: Serra defendeu a ocupação de cargos em eventual gestão do PMDB, enquanto grupos de Aécio e do governador Geraldo Alckmin (SP) entediam que o ideal seria apenas apoiar projetos importantes do governo no Congresso.

Com a avaliação de que o impeachment perdeu força, Temer se distanciou da oposição. PMDB e PSDB dizem que o governo usou a crise para propagar o discurso de que tucanos e peemedebistas também são alvo de acusações de corrupção.

A operação parece ter funcionado. Pesquisas internas do PSDB mostram que o eleitor não identifica uma mudança no padrão moral do governo quando o PT é substituído pelo PMDB e que isso desencoraja a adesão ao impeachment.

Lei assinada por Lula abriu frente de negócios para sócio de seu filho

Rubens Valente – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Uma lei assinada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em maio de 2010 estimulou uma nova linha de negócios de um dos donos do sítio frequentado pelo petista em Atibaia (SP).

A lei obrigou todas as instituições de ensino públicas e privadas a possuir, até 2020, pelo menos uma biblioteca com no mínimo um título por aluno. A coleção pode existir "em qualquer suporte", abrindo margem para bibliotecas virtuais.

Meses depois da lei, o empresário Jonas Leite Suassuna Filho, 57, que em 2009 virou sócio do filho do presidente, Fábio Luis, o Lulinha, na firma de jogos eletrônicos Gamecorp, criou a plataforma virtual "Nuvem de Livros", que poderia ser usada para permitir que escolas tivessem acesso a uma biblioteca virtual e, assim, pudessem cumprir a legislação.

A relação entre o novo negócio e a lei assinada por Lula foi estabelecida pelo próprio Suassuna em palestra na feira de informática Campus Party de 2013.

"Para cumprir essa lei -se a gente [brasileiros] fosse de cumprir lei- até 2020, dava mais ou menos 20 bibliotecas por dia [a serem construídas]. [...] Opa, se eu tenho banda larga, se eu tenho uma política necessitando de bibliotecas... [sic] Então, juntando as coisas, você tinha que ter um modelo de negócios. E foi o que a gente conseguiu fazer e a gente acabou saindo na frente. Hoje ela [Nuvem] tem 1,5 milhão de clientes", disse ele na palestra.

As informações divulgadas pelo grupo nas páginas das empresas de Suassuna na internet não permitem saber se o empreendimento deu certo ou não no ponto específico previsto na lei assinada pelo então presidente Lula.

Indagado se o serviço é disponibilizado a órgãos públicos, incluindo secretarias de educação ou escolas públicas, o advogado do empresário disse não saber informar. Sobre o volume de negócios, o defensor disse que não mantinha esses dados à mão.

"Nós fomos ver o seguinte: o Brasil tem uma lei que diz que até 2020 todas as escolas desse país deverão ter uma biblioteca com pelo menos um livro por aluno. Significa dizer que hoje, no nosso país, 15 milhões de alunos ou 65% das nossas escolas não têm uma biblioteca", disse Suassuna, na palestra em 2013.

A lei teve por origem um projeto de 2003 do deputado federal Lobbe Neto (PSDB-SP), que disse ter acolhido uma demanda do Conselho Federal de Biblioteconomia.

O projeto do parlamentar, contudo, não previa a expressão "qualquer suporte", que foi acrescentada a partir de um substitutivo apresentado por políticos aliados ao governo. "Não sei como isso entrou na lei, não me recordo, precisaria rever todo o processo", disse.

Um dos executivos responsáveis pela plataforma virtual, o publicitário Roberto Bahiense disse em novembro de 2014, em palestra na Academia Brasileira de Letras, que a plataforma foi lançada em 2011 na Bienal do Livro do Rio –um ano depois da lei.

O acesso à "Nuvem" também é comercializado por meio da Vivo, que vende por R$ 9,90 mensais acesso a cerca de 16 mil "livros, audiolivros, vídeos, teleaulas e conteúdos educativos direto do seu computador, celular ou tablet". Suassuna também abriu uma versão da "Nuvem" na Espanha.

O empresário afirmou em diferentes entrevistas que sua carreira foi marcada por um grande sucesso nos anos 1990, quando teria vendido mais de 65 milhões de cópias de uma versão audiovisual da Bíblia narrada por Cid Moreira, ex-apresentador da TV Globo.

Outro lado
O advogado de Jonas Suassuna, Wilson Pimentel, disse que "não tem cabimento" afirmar que seu cliente foi beneficiado pela lei assinada pelo então presidente Lula.

"É aberto para todos, qualquer um pode fazer um projeto de fôlego dele. É um investimento significativo que ele está fazendo", afirmou o advogado, acrescentando: "Ele saiu na frente? Saiu, investiu dinheiro, não sei se tem outro grupo fazendo isso também".

Pimentel disse que seu cliente tem longa carreira dedicada à criação de plataformas e negócios na área de comunicação e distribuição de material educativo.

Sobre o sítio em Atibaia, o defensor disse que Suassuna possui apenas um terreno, sem benfeitorias, contíguo à propriedade de Fernando Bittar, na qual ocorreram obras e que é frequentada por Lula.

País caminha para pior recessão de sua história

País pode ter recessão inédita, diz estudo

Érica Fraga – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - A economia brasileira corre o risco de mergulhar em um período de três anos seguidos de contração, fato inédito desde 1901, início da série histórica.

Dados muito negativos de atividade econômica referentes ao fim de 2015 e o início deste ano têm levado as projeções de analistas para o desempenho do PIB em 2016 (Produto Interno Bruto) a continuar piorando.

O banco Credit Suisse esperava contração de 3,5% do PIB, mas agora já trabalha com número mais próximo de 4%, mesma estimativa da instituição para 2015. E, para 2017, projeta um terceiro recuo, entre 0,5% e 1%.

A última vez que o PIB encolheu por dois anos seguidos foi no biênio 1930-1931, quando a economia global passava por crise severa após a quebra da Bolsa de Nova York. Um período de três anos de contração nunca ocorreu.

O Itaú Unibanco anunciou na sexta (5) esperar contração de 4% do PIB em 2016. Antes, projetava recuo de 2,8%. Para 2017, estima expansão modesta de 0,3%.

A consultoria MB Associados trabalha com cenários alternativos: com e sem a presidente Dilma Rousseff.

Se a presidente deixar o governo, espera queda de 3% do PIB neste ano e expansão de 0,6% no próximo.

Caso Dilma sobreviva ao processo de impeachment, os números mudam para duas contrações de 4,1% e 1%.

"Não há nada nem de perto comparável à crise atual", diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, que acredita que o governo ainda não adotou mecanismos capazes de reverter esse quadro.

Sem precedentes
O ciclo recessivo longo tem mergulhado o país num cenário de grande incerteza, acentuado pela crise política doméstica e pela situação externa desfavorável, principalmente por causa dos riscos de desaceleração mais forte do que o esperado na China.

Esse contexto de poucos precedentes dificulta a projeção dos indicadores econômicos e sociais brasileiros.

PIB brasileiro cai e mantém recessão
"O fato de que nunca vimos isso antes dificulta muito a análise econômica", afirma Leonardo Fonseca, economista do Credit Suisse.

A equipe da instituição tem feito análises detalhadas da história de outros países que já viveram recessões prolongadas para ajudar na estimativa dos dados de atividade econômica brasileiros.

Descobriu, por exemplo, que nações cujos mercados de trabalho se comportam de forma semelhante ao brasileiro tiveram, em média, alta anual na taxa de desemprego de 2,9 pontos percentuais quando viveram contrações maiores que 2% por, pelo menos, dois anos seguidos.

O resultado ajuda a embasar a expectativa do Credit Suisse de que a taxa de desemprego —medida pela pesquisa Pnad Contínua (IBGE)—, que foi de 6,8% em 2014 e deve ter chegado a 8,3% em 2015, alcançará 13,5% em 2017.

O Itaú Unibanco também espera que o desemprego ultrapasse 13% no próximo ano. Segundo Felipe Salles, economista do banco, o cenário atual é de profunda incerteza para o Brasil e o mundo.

Mas ele ressalta que há sinais, ainda que incipientes, de que a piora da atividade doméstica pode estancar nos próximos meses.

Salles cita os indicadores de confiança de consumidores e empresários que subiram em janeiro, embora permaneçam em nível muito baixo em termos históricos.

Isenções de impostos equivalem a metade do rombo da Previdência

Murilo Rodrigues Alves e Adriana Fernandes - O Estado de S. Paulo

- BRASÍLIA - Generosidade em xeque. Governo abriu mão de mais de R$ 40 bilhões em receitas da Previdência em 2015, em isenções de impostos para pequenas empresas, entidades filantrópicas e exportadores agrícolas, mas agora quer rever essas renúncias fiscais

O governo federal abriu mão de mais de R$ 40 bilhões em receitas da Previdência Social em 2015 por conta de renúncias de impostos concedidas a micro e pequenas empresas, entidades filantrópicas e exportadores agrícolas. Sem as isenções, o rombo da Previdência, de R$ 85,8 bilhões, cairia pela metade.

Uma revisão das isenções concedidas pelo governo é uma das discussões que serão levadas ao fórum responsável por discutir as propostas da reforma da Previdência. É uma forma de atacar o problema do rombo na outra ponta, com o aumento das receitas. Apesar da resistência do PT e das centrais sindicais, a proposta de reforma foi colocada na lista de prioridades pela presidente Dilma Rousseff.

As renúncias previdenciárias somaram R$ 38,1 bilhões de janeiro a novembro de 2015. Em média, R$ 3 bilhões por mês deixam de entrar nos cofres públicos. Os dados finais do ano passado ainda não estão prontos.

A maior parte da renúncia previdenciária é voltada para as empresas que fazem parte do Simples Nacional, sistema simplificado de pagamento de tributos. Os micro e pequenos empresários foram beneficiados com renúncia de R$ 21,3 bilhões de janeiro a novembro, valor 16,2% superior, já descontada a inflação, ao registrado no mesmo período de 2014.

Segundo técnicos do governo, a renúncia do Simples tem aumentado nos últimos anos por causa do ingresso de um número cada vez maior de empresas no programa, entre elas, companhias do setor de serviços e de profissionais de medicina, enfermagem, odontologia, veterinária, limpeza e administração e locação de imóveis.

O número deve aumentar ainda mais, já que alterações no Supersimples, previstas em projeto que tramita no Congresso Nacional, vão elevar o valor da renúncia, porque permitirão que novas empresas sejam incluídas no sistema.

Os microempreendedores individuais deixaram de pagar outro R$ 1,2 bilhão de janeiro a novembro do ano passado, mais do que o dobro da isenção de 2014.

Filantropia. As entidades filantrópicas aparecem em segundo lugar na lista dos beneficiários das renúncias. Até novembro, elas deixaram de pagar R$ 10,2 bilhões à Previdência. No grupo estão incluídos hospitais e universidades privadas, responsáveis pela maior parte da renúncia.

Outros R$ 5,1 bilhões em renúncias atendem aos exportadores agrícolas. Desde 2001, o governo isenta as receitas de exportadores do setor rural (agroindústrias e produtores rurais) do recolhimento de contribuição social.

Com o benefício, o governo avalia que pode dar mais competitividade aos produtores brasileiros no exterior.

Propostas. “Há muito tempo que se quer discutir a forma como se dão essas renúncias que pressionam tanto o resultado da Previdência. Chegou a hora”, diz Leonardo Rolim, consultor de orçamento da Câmara dos Deputados. Ex-secretário de Previdência Social, Rolim sugere que o governo adote medidas diferentes para diminuir o impacto dessas renúncias.

Para as empresas do Simples Nacional, Rolim sugere que o governo passe a cobrar a contribuição adicional por atividade especial e o seguro acidente de trabalho. O primeiro encargo é cobrado sobre o salário de funcionários com direito a aposentadoria especial. As alíquotas são de 6%, 9% e 12%, dependendo da idade mínima de contribuição pela qual o funcionário pode se aposentar (15, 20 e 25 anos). As aposentadorias especiais são concedidas a trabalhadores expostos a agentes nocivos à saúde e à integridade física, como mineração, raio X, indústria química etc.

“Há uma supernotificação dessas atividades nas pequenas empresas que gera um custo adicional para a Previdência”, afirma Rolim.

Para o consultor, é necessário cobrar também dos microempresários o seguro acidente de trabalho para financiar os benefícios previdenciários referentes a acidentes. Segundo Rolim, a renúncia provocou um relaxamento das empresas em relação à segurança para evitar acidentes no trabalho. “Mais do que essas duas contribuições, o tiro pode sair pela culatra: em vez de diminuir o custo da Previdência, pode aumentar a informalidade.”

Fim das isenções. Em relação às filantrópicas, Rolim sugere o fim da renúncia para as instituições que cobram pelos serviços. Segundo Rolim, grandes hospitais e universidades particulares são os principais beneficiários dessa renúncia. Na opinião dele, vale mais a pena o governo pagar pelos serviços, como a concessão de bolsas nas universidades para alunos pobres.

Ele também defende o fim da renúncia para os exportadores agrícolas, com a suspensão do benefício para a indústria que vende para o exterior e que aderiu à contribuição pela folha de pagamento. “Nesse caso, é melhor tirar de todo mundo, apesar dos fortes lobbies.”