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Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
A nossa Câmara dos Lordes
Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Com a volta de Sarney e cia. ao comando do Senado, Lula reafirma a continuidade do conservadorismo de coalizão
O SENADO é a nossa Câmara dos Lordes. Não vamos nos impressionar com a palavra "lordes" e suas associações fantasistas com as ideias de finura e primor. Basta-nos lembrar o caráter anacrônico da coisa. Mas de que modo o Senado estaria fora de seu tempo? Difícil dizer que a nossa Câmara Alta do Parlamento seja um resquício disfuncional porém inócuo, que sobrevive devido à inércia ou a uma tradição quase inofensiva. Se fosse assim irrelevante, a disputa pela sua direção não demandaria tantos recursos políticos (e outros) além de punhaladas morais nem o envolvimento dos mandantes de turno e futuros, presidentes e governadores.
A mais recente eleição para a presidência do Senado representa, porém, mais uma homenagem ao atraso, mas não à memória de caciques e coronéis. Não se trata de um ritual, mas da renovação do atraso -não de um tipo de dominação política que sobreviveu do passado, como se uma parte do país não tivesse superado um "estágio" da história, como se isso fizesse sentido. "Atraso", porém, é aqui uma espécie de julgamento político, para não dizer moral. O acordo que permite a reeleição contínua de oligarcas ou neoligarcas é um pacto nacional que permite relegar ao infortúnio da miséria e da ignorância partes enormes do país.
No momento em que era anunciada a eleição do novo presidente do Senado, o senador José Sarney, do PMDB do Amapá e do Maranhão, a seu lado estava o senador Renan Calheiros, do PMDB de Alagoas, um dos articuladores da renovação do atraso. Desde 1995, da "era da modernidade do Real", até o final do presente mandato, 2011, Sarney e Calheiros terão governado o Senado em 10 de 16 anos. Os outros 6 anos ficaram a cargo do falecido senador Antonio Carlos Magalhães (então PFL, hoje DEM, da Bahia) e de Jader Barbalho, do PMDB do Pará.
Alagoas e Maranhão lideram os rankings nacionais do infortúnio social. Pará e Bahia não aparecem muito melhor na foto. A divisão desproporcional de cadeiras do Senado (em relação ao eleitorado) e o domínio político de Estados pobres poderiam significar uma tendência constitucional de redistribuição de poderes. O desequilíbrio econômico e social tenderia a ser compensado pela maior influência, no governo, dos representantes dos Estados pobres. Mas o resultado do equilíbrio é um pacto duplamente conservador.
As diretrizes maiores das políticas econômica e social são definidas por elites do Sudeste. Em troca, as caciquias ganham autonomia para manter infortunar seus feudos e uma casquinha nas benesses estatais. De resto, os representantes maiores da caciquia ganham títulos de grandes eleitores (cabos eleitorais). Esses baronatos (ministérios, postos no Legislativo etc.), fornecem fundos para a aquisição de bases políticas, alugadas nas eleições presidenciais.
O governo Lula 2 começou com um pacto que reconheceu a importância do PMDB para a "estabilidade" -por instabilidade entenda-se o risco de crise política e até de impeachment, pois a maioria luliana de nada serviu para avançar leis importantes. Com o auxílio do governo ao maior partido da caciquia, completa-se a "pax luliana" e reforça-se o padrão de governo brasileiro: o conservadorismo de coalizão.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Com a volta de Sarney e cia. ao comando do Senado, Lula reafirma a continuidade do conservadorismo de coalizão
O SENADO é a nossa Câmara dos Lordes. Não vamos nos impressionar com a palavra "lordes" e suas associações fantasistas com as ideias de finura e primor. Basta-nos lembrar o caráter anacrônico da coisa. Mas de que modo o Senado estaria fora de seu tempo? Difícil dizer que a nossa Câmara Alta do Parlamento seja um resquício disfuncional porém inócuo, que sobrevive devido à inércia ou a uma tradição quase inofensiva. Se fosse assim irrelevante, a disputa pela sua direção não demandaria tantos recursos políticos (e outros) além de punhaladas morais nem o envolvimento dos mandantes de turno e futuros, presidentes e governadores.
A mais recente eleição para a presidência do Senado representa, porém, mais uma homenagem ao atraso, mas não à memória de caciques e coronéis. Não se trata de um ritual, mas da renovação do atraso -não de um tipo de dominação política que sobreviveu do passado, como se uma parte do país não tivesse superado um "estágio" da história, como se isso fizesse sentido. "Atraso", porém, é aqui uma espécie de julgamento político, para não dizer moral. O acordo que permite a reeleição contínua de oligarcas ou neoligarcas é um pacto nacional que permite relegar ao infortúnio da miséria e da ignorância partes enormes do país.
No momento em que era anunciada a eleição do novo presidente do Senado, o senador José Sarney, do PMDB do Amapá e do Maranhão, a seu lado estava o senador Renan Calheiros, do PMDB de Alagoas, um dos articuladores da renovação do atraso. Desde 1995, da "era da modernidade do Real", até o final do presente mandato, 2011, Sarney e Calheiros terão governado o Senado em 10 de 16 anos. Os outros 6 anos ficaram a cargo do falecido senador Antonio Carlos Magalhães (então PFL, hoje DEM, da Bahia) e de Jader Barbalho, do PMDB do Pará.
Alagoas e Maranhão lideram os rankings nacionais do infortúnio social. Pará e Bahia não aparecem muito melhor na foto. A divisão desproporcional de cadeiras do Senado (em relação ao eleitorado) e o domínio político de Estados pobres poderiam significar uma tendência constitucional de redistribuição de poderes. O desequilíbrio econômico e social tenderia a ser compensado pela maior influência, no governo, dos representantes dos Estados pobres. Mas o resultado do equilíbrio é um pacto duplamente conservador.
As diretrizes maiores das políticas econômica e social são definidas por elites do Sudeste. Em troca, as caciquias ganham autonomia para manter infortunar seus feudos e uma casquinha nas benesses estatais. De resto, os representantes maiores da caciquia ganham títulos de grandes eleitores (cabos eleitorais). Esses baronatos (ministérios, postos no Legislativo etc.), fornecem fundos para a aquisição de bases políticas, alugadas nas eleições presidenciais.
O governo Lula 2 começou com um pacto que reconheceu a importância do PMDB para a "estabilidade" -por instabilidade entenda-se o risco de crise política e até de impeachment, pois a maioria luliana de nada serviu para avançar leis importantes. Com o auxílio do governo ao maior partido da caciquia, completa-se a "pax luliana" e reforça-se o padrão de governo brasileiro: o conservadorismo de coalizão.
Antes, durante e depois
Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
O ex-governador do Acre Jorge Viana dizia na antevéspera da eleição que o grande benefício de uma eventual vitória do irmão, Tião Viana, para a presidência do Senado seria evitar que o PMDB se consolidasse na posição do partido que manda "antes, durante e depois", seja qual for o governo.
O vaticínio cumpre-se agora, ao inverso, com as eleições de José Sarney no Senado e Michel Temer na Câmara. Dominante no Legislativo, onde ocupa as duas presidências e detém as maiores bancadas em ambas as Casas; forte no Executivo, com cinco ministérios, presidências e diretorias de estatais importantes; predominante na quantidade de prefeitos e vereadores, o PMDB é o partido mais influente do cenário político nacional.
Desbancou o PT do primeiro lugar na coalizão que sustenta o governo Luiz Inácio da Silva, dará as cartas no processo da sucessão presidencial e se articula para preservar seu poder de fogo na futura administração federal, independente da bandeira partidária sob a qual se elegerá o próximo chefe da Nação.
Benefício ao País, tal situação não renderá nenhum, mas ao PMDB poupará desta vez o trabalho daquele faz-de-conta da candidatura própria, mediante o qual há quatro eleições presidenciais o partido engorda seu cacife para negociar a parceria do poder com o eleito.
Descontados a mesmice, a paralisia e o arquivamento de quaisquer esperanças de reformas - sobretudo a política, pois o PMDB é o que é graças às regras vigentes -, ou modernização nas relações Congresso-Poder Executivo, o PMDB marcou mais um gol no quesito causa própria.
O partido avança na ampliação da influência. De uma legenda de perfil regional, a notória "federação de interesses locais", o PMDB se transforma numa poderosa organização partidária de caráter federal.
Estará à frente do Congresso no processo sucessório e, sabendo jogar - atributo provado e comprovado -, continuará no mínimo pelos primeiros dois anos do próximo governo.
Não apenas porque a norma permite a reeleição dos dois eleitos agora, mas principalmente porque dispõe do melhor instrumento para ampliar suas bases regionais elegendo governadores, deputados (federais e estaduais) e senadores. Em 2010 estará em jogo a renovação de dois terços do Senado.
Isso quer dizer que, se não fizer grandes bobagens ou se o imponderável não lhe pregar nenhuma peça, o PMDB terá conquistado ontem o direito de posse sobre a faca e o queijo aqui e alhures.
José Sarney e Michel Temer vão administrar um orçamento de mais de R$ 6 bilhões e comandar uma estrutura com 20 mil funcionários, gráficas, centros de informática, informativos diários, duas emissoras de rádio e televisão.
O presidente do Senado é o presidente do Poder Legislativo e o da Câmara é o segundo na linha de sucessão presidencial, em seguida ao vice-presidente da República. Juntos, têm o poder de definir a agenda do Parlamento, o que, traduzido para o "fisiologuês" significa poder para facilitar ou dificultar a vida do governo.
Deles dependem, por exemplo, a tramitação das medidas provisórias, a votação dos vetos presidenciais, a aprovação de créditos extraordinários pedidos pelo Executivo, as indicações para a composição das agências reguladoras, a criação de comissões parlamentares de inquéritos, a abertura de processos contra parlamentares e até contra o presidente da República, em caso de pedidos de impeachment.
Mas, indagarão os mais atentos, o Congresso não é submisso aos ditames do Executivo? É, mas só quando quer. Quando interessa, exerce a soberania sob a forma de pressão e aí reside a importância do leme que o PMDB pegou para conduzir.
Adeus à majestade
Aos 78 anos de idade, 55 de vida pública, José Sarney coroa carreira com vitória suada e herança de risco no Senado. Empenhou a palavra em compromissos grandiosos e assume sem a aura de estadista conforme comprovou seu discurso de candidato na busca de voto a voto.
Ganhou, mas expôs o quanto minguou: em 1995 venceu por 61 a 7; em 2003 foi ungido por 76 votos. Agora conseguiu um 49 a 32 recorrendo ao poder de influência junto ao presidente para conter a sangria sob o discreto patrocínio do Palácio do Planalto.
Simulacros
O presidente Lula em reunião de ministério, os governadores de Minas Gerais e de São Paulo em férias; os três providencialmente distantes no dia da eleição para as presidências do Congresso, a fim de transparecer imparcialidade.
Tal desinteresse seria ruim se fosse verdadeiro. Mas é péssimo porque falso. Essa dissimulação contribui para o entendimento de que o Congresso é irrelevante aos governantes e, portanto, aos governados também.
O ideal seria a participação natural sem disfarces nem interferências indevidas que os obriga a disfarçar.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
O ex-governador do Acre Jorge Viana dizia na antevéspera da eleição que o grande benefício de uma eventual vitória do irmão, Tião Viana, para a presidência do Senado seria evitar que o PMDB se consolidasse na posição do partido que manda "antes, durante e depois", seja qual for o governo.
O vaticínio cumpre-se agora, ao inverso, com as eleições de José Sarney no Senado e Michel Temer na Câmara. Dominante no Legislativo, onde ocupa as duas presidências e detém as maiores bancadas em ambas as Casas; forte no Executivo, com cinco ministérios, presidências e diretorias de estatais importantes; predominante na quantidade de prefeitos e vereadores, o PMDB é o partido mais influente do cenário político nacional.
Desbancou o PT do primeiro lugar na coalizão que sustenta o governo Luiz Inácio da Silva, dará as cartas no processo da sucessão presidencial e se articula para preservar seu poder de fogo na futura administração federal, independente da bandeira partidária sob a qual se elegerá o próximo chefe da Nação.
Benefício ao País, tal situação não renderá nenhum, mas ao PMDB poupará desta vez o trabalho daquele faz-de-conta da candidatura própria, mediante o qual há quatro eleições presidenciais o partido engorda seu cacife para negociar a parceria do poder com o eleito.
Descontados a mesmice, a paralisia e o arquivamento de quaisquer esperanças de reformas - sobretudo a política, pois o PMDB é o que é graças às regras vigentes -, ou modernização nas relações Congresso-Poder Executivo, o PMDB marcou mais um gol no quesito causa própria.
O partido avança na ampliação da influência. De uma legenda de perfil regional, a notória "federação de interesses locais", o PMDB se transforma numa poderosa organização partidária de caráter federal.
Estará à frente do Congresso no processo sucessório e, sabendo jogar - atributo provado e comprovado -, continuará no mínimo pelos primeiros dois anos do próximo governo.
Não apenas porque a norma permite a reeleição dos dois eleitos agora, mas principalmente porque dispõe do melhor instrumento para ampliar suas bases regionais elegendo governadores, deputados (federais e estaduais) e senadores. Em 2010 estará em jogo a renovação de dois terços do Senado.
Isso quer dizer que, se não fizer grandes bobagens ou se o imponderável não lhe pregar nenhuma peça, o PMDB terá conquistado ontem o direito de posse sobre a faca e o queijo aqui e alhures.
José Sarney e Michel Temer vão administrar um orçamento de mais de R$ 6 bilhões e comandar uma estrutura com 20 mil funcionários, gráficas, centros de informática, informativos diários, duas emissoras de rádio e televisão.
O presidente do Senado é o presidente do Poder Legislativo e o da Câmara é o segundo na linha de sucessão presidencial, em seguida ao vice-presidente da República. Juntos, têm o poder de definir a agenda do Parlamento, o que, traduzido para o "fisiologuês" significa poder para facilitar ou dificultar a vida do governo.
Deles dependem, por exemplo, a tramitação das medidas provisórias, a votação dos vetos presidenciais, a aprovação de créditos extraordinários pedidos pelo Executivo, as indicações para a composição das agências reguladoras, a criação de comissões parlamentares de inquéritos, a abertura de processos contra parlamentares e até contra o presidente da República, em caso de pedidos de impeachment.
Mas, indagarão os mais atentos, o Congresso não é submisso aos ditames do Executivo? É, mas só quando quer. Quando interessa, exerce a soberania sob a forma de pressão e aí reside a importância do leme que o PMDB pegou para conduzir.
Adeus à majestade
Aos 78 anos de idade, 55 de vida pública, José Sarney coroa carreira com vitória suada e herança de risco no Senado. Empenhou a palavra em compromissos grandiosos e assume sem a aura de estadista conforme comprovou seu discurso de candidato na busca de voto a voto.
Ganhou, mas expôs o quanto minguou: em 1995 venceu por 61 a 7; em 2003 foi ungido por 76 votos. Agora conseguiu um 49 a 32 recorrendo ao poder de influência junto ao presidente para conter a sangria sob o discreto patrocínio do Palácio do Planalto.
Simulacros
O presidente Lula em reunião de ministério, os governadores de Minas Gerais e de São Paulo em férias; os três providencialmente distantes no dia da eleição para as presidências do Congresso, a fim de transparecer imparcialidade.
Tal desinteresse seria ruim se fosse verdadeiro. Mas é péssimo porque falso. Essa dissimulação contribui para o entendimento de que o Congresso é irrelevante aos governantes e, portanto, aos governados também.
O ideal seria a participação natural sem disfarces nem interferências indevidas que os obriga a disfarçar.
Com Sarney e Temer, PMDB comanda Congresso até 2011
Gerson Camarotti e Cristiane Jungblut e Luiza Damé
DEU EM O GLOBO
O PMDB obteve uma dupla vitória no Congresso, com as eleições de José Sarney (AP) para a presidência do Senado e Michel Temer (SP) para a Câmara. Sarney foi eleito com 49 votos, contra 32 do petista Tião Viana (AC). Temer venceu no primeiro turno, com 304 votos. Ao tomar o comando das duas casas, o PMDB repete a situação inédita desde 1992 e, mesmo dividido, se fortalece para negociar com o presidente Lula o melhor palanque da sucessão de 2010. Após uma votação com a base rachada, o Planalto aplaudiu o resultado, mas terá que trabalhar para curar feridas de aliados derrotados - sem concessão de cargos, avisou Lula. Sarney assumiu prometendo cortar gastos. Seu terceiro mandato na presidência do Senado traz de volta à cúpula da Casa os senadores alagoanos Renan Calheiros, - que escapou da cassação, comandou a campanha de Sarney e será líder na do partido na Casa - e Fernando Collor (AL) - ex-presidente afastado por impeachment, agora cotado para uma comissão. Temer, também pela terceira vez no cargo, fez discurso corporativista: disse que ampliará os serviços da TV Câmara para provar que o deputados trabalham.
PMDB leva tudo e chega forte a 2010
DEU EM O GLOBO
O PMDB obteve uma dupla vitória no Congresso, com as eleições de José Sarney (AP) para a presidência do Senado e Michel Temer (SP) para a Câmara. Sarney foi eleito com 49 votos, contra 32 do petista Tião Viana (AC). Temer venceu no primeiro turno, com 304 votos. Ao tomar o comando das duas casas, o PMDB repete a situação inédita desde 1992 e, mesmo dividido, se fortalece para negociar com o presidente Lula o melhor palanque da sucessão de 2010. Após uma votação com a base rachada, o Planalto aplaudiu o resultado, mas terá que trabalhar para curar feridas de aliados derrotados - sem concessão de cargos, avisou Lula. Sarney assumiu prometendo cortar gastos. Seu terceiro mandato na presidência do Senado traz de volta à cúpula da Casa os senadores alagoanos Renan Calheiros, - que escapou da cassação, comandou a campanha de Sarney e será líder na do partido na Casa - e Fernando Collor (AL) - ex-presidente afastado por impeachment, agora cotado para uma comissão. Temer, também pela terceira vez no cargo, fez discurso corporativista: disse que ampliará os serviços da TV Câmara para provar que o deputados trabalham.
PMDB leva tudo e chega forte a 2010
O FUTURO REPETE O PASSADO
Eleição de Sarney e Temer aumenta poder de barganha do partido com o Planalto
Com a vitória de Michel Temer (SP) para o comando da Câmara e de José Sarney (AP) no Senado, o PMDB aumentou a seu poder de barganha tanto para garantir a governabilidade dos dois últimos anos do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como para negociar o melhor palanque para a sucessão de 2010. O presidente aplaudiu o resultado da eleição, reconheceu as dificuldades para administrar, mas já avisou que não fará mudanças no Ministério ou nos cargos de líderes do governo no Congresso para acomodar derrotados. Para o Palácio do Planalto, deputados e senadores escolheram "o que havia de melhor".
Sarney foi eleito com 49 votos contra 32 para o petista Tião Viana (AC) e Temer, com 304 votos.
A constatação realista do Planalto é que o governo ficará, mais do que nunca, dependente do PMDB, pois terá que administrar uma legenda forte, mas completamente dividida entre peemedebistas da Câmara e do Senado.
- Temos que trabalhar para manter a base unida. O resultado mostra que foi uma escolha soberana do Congresso. A Casa escolheu o que havia de melhor - disse o ministro José Múcio, após reunião ministerial na Granja do Torto. - Mas sabemos que por mais espírito democrático que se tenha, sempre há ressentimentos.
O Planalto terá que trabalhar também para curar as feridas de aliados e petistas derrotados, mas sem concessão de cargos, avisou Lula.
- Vamos reequilibrar as forças políticas, mas o Ministério continua o mesmo, não haverá mudança de ministro ou de cargo de líder - disse Múcio.
Lula não esconde que gostou da eleição de Sarney, pois teria mais problemas no Senado se o peemedebista tivesse sido derrotado por Viana e resolvesse apoiar os tucanos em 2010. Na Câmara, o resultado corresponde ao que desejavam o governo e a maior parte dos aliados de Lula. Ciro Nogueira (PP-PI), que tinha o apoio do baixo clero, contou com 129 votos. E o ex-presidente da Casa Aldo Rebelo (PCdoB-SP) ficou com 76 votos.
Partido está rachado, afirma Garibaldi
A preocupação do governo é tentar uma interlocução única com o PMDB. A guerra entre os grupos da Câmara e do Senado foi explícita. Enquanto o principal articulador de Sarney, o novo líder do partido, Renan Calheiros (AL), trabalhava para derrotar Temer na Câmara, o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, atuou na campanha de Viana. Depois de passar o cargo a Sarney, Garibaldi Alves (RN) já admitia que será difícil unificar o partido:
- Ficou clara a divisão do PMDB da Câmara e do Senado. É verdade que o PMDB nunca esteve unido, mas está mais dividido do que nunca.
Os caciques do partido alardeavam que o PMDB será o fiel da balança em 2010. Hoje, a percepção é que a banda do Senado se alinhará com o Planalto, mas que a da Câmara pode ir para a candidatura do PSDB, cujo o nome com maior visibilidade é o do governador José Serra (SP). O ex-governador do Rio e vice-presidente da Caixa Econômica Federal, Moreira Franco, que ajudou Temer, diz que o PMDB deve manter a aliança com Lula. Já o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia, que já costurou uma aliança com Serra para 2010, esteve na Câmara e marcou posição ao lado de Temer:
- Seria ruim a continuidade do PMDB no governo do PT.
- O PMDB não tem candidato a presidente, mas é a grande noiva de 2010 - disse o deputado Eliseu Padilha, aliado de Temer.
Após entregar no Congresso a mensagem presidencial para a abertura do ano legislativo, a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, comentou a eleição de Temer e Sarney:
- Significa que a base do governo foi vitoriosa. Essa vitória pode ser vista como uma contribuição à governabilidade.
Ela disse acreditar que Sarney e Temer ajudarão a melhorar a relação entre Executivo e Legislativo, mas evitou falar em 2010:
- Estamos falando de 2009.
COLABOROU Chico de Gois
PMDB domina Congresso, fala em nome para 2010, mas mira vaga de vice
João Domingos
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Pressão do governo na eleição da Câmara e abandono a petista no Senado garantiram vitória de Sarney e Temer
Com a eleição de José Sarney (AP) e Michel Temer (SP) para a presidência do Senado e Câmara, respectivamente, o PMDB passa a dominar o Congresso, mas sob as bênçãos do Palácio do Planalto. Sem se esquecer, como é da tradição do partido, de que cobrará caro pelo apoio ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seus dois anos finais de governo. O resultado satisfaz ao Planalto, que atrai o PMDB para 2010. Vitaminado, o partido até fala em nome próprio para a sucessão, mas na realidade mira a vaga de vice.
A estratégia de Lula na Câmara foi clara: operou para ajudar Temer, exigindo fidelidade dos petistas e liberando os ministros de outras legendas para fazer campanha. No Senado, bastou deixar que o novo líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), coordenasse a candidatura de José Sarney.
Temer e Sarney foram eleitos com folga e sem sustos, o primeiro com 304 votos e o segundo com 49. No Senado, não foi possível executar a estratégia em favor de Sarney sem tornar ostensivo o abandono ao candidato do PT, Tião Viana (AC).
Quem sustentou a candidatura de Viana, durante longo tempo, foi o dissidente peemedebista Jarbas Vasconcelos( PE). O ministro das Relações Institucionais, José Múcio, do PTB, que participou de todas as reuniões pró-Temer no domingo, cuidou apenas de produzir frases burocráticas dizendo acreditar nas chances de Viana.
Os governadores petistas do Nordeste - Marcelo Déda (SE), Jaques Wagner (BA) e Wellington Dias (PI) - foram a Brasília e fizeram campanha para Temer, mantendo-se indiferentes ao candidato do PT no Senado. Este, que contabilizava 43 votos, teve 11 a menos.
Tanto Sarney quanto Temer anunciaram, em seus discursos, que vão montar uma agenda que ajude a combater a crise financeira global. Prometeram votar todos os projetos do governo para tentar aliviar a crise, manter o emprego e o crescimento econômico, além de permitir distribuição de renda.
""LULISMO""
Prevaleceu na eleição das duas Casas do Congresso o que o mundo político já chama de "lulismo", que se caracteriza pelo apoio ao Planalto, independentemente do que pense o PT. Desde que o presidente iniciou o segundo mandato, em janeiro de 2007, o "lulismo" prevalece sobre o "petismo".
"Foi muito ruim para o PT. Com as duas Casas, o PMDB vai mandar na sucessão do presidente Lula", declarou, alarmado, o deputado Walter Pinheiro (BA), um dos petistas vice-líderes do governo no Congresso. "Vamos acabar ficando nas mãos deles nas próximas eleições para a Presidência."
O presidente do PT, Ricardo Berzoini (SP), concordou que o PMDB se fortaleceu muito. Mas disse que é preciso esperar. "A força do PMDB é grande. Hoje está com o presidente Lula, mas pode vir a apoiar outro candidato."
OLHO EM 2010
O PMDB já fala abertamente na sucessão. Dizem seus líderes que se cansaram de serem coadjuvantes: querem ser os protagonistas. "Temos nomes e condições de deixar de ser a noiva para passar à condição de noivo", disse o deputado Eunício Oliveira (PMDB-CE), futuro presidente do partido.
No entanto, como sempre acontece com o PMDB, não há consenso sobre a candidatura, pois o partido possui duas alas. Uma atua na Câmara e tem o comando partidário, com Temer, Eunício e Geddel Vieira Lima (ministro da Integração Nacional). A outra foi montada no Senado e tem Sarney, Renan, Hélio Costa (ministro das Comunicações), Edison Lobão (Minas e Energia) e Sérgio Cabral (governador do Rio).
Dividido, o PMDB fala também em indicar candidato a vice-presidente - ou na chapa do governo, com a candidatura da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), ou da oposição, com o governador José Serra (PSDB). Nomes há. O próprio Eunício enumerou alguns deles: Cabral, Geddel, Temer e Lobão.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Pressão do governo na eleição da Câmara e abandono a petista no Senado garantiram vitória de Sarney e Temer
Com a eleição de José Sarney (AP) e Michel Temer (SP) para a presidência do Senado e Câmara, respectivamente, o PMDB passa a dominar o Congresso, mas sob as bênçãos do Palácio do Planalto. Sem se esquecer, como é da tradição do partido, de que cobrará caro pelo apoio ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seus dois anos finais de governo. O resultado satisfaz ao Planalto, que atrai o PMDB para 2010. Vitaminado, o partido até fala em nome próprio para a sucessão, mas na realidade mira a vaga de vice.
A estratégia de Lula na Câmara foi clara: operou para ajudar Temer, exigindo fidelidade dos petistas e liberando os ministros de outras legendas para fazer campanha. No Senado, bastou deixar que o novo líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), coordenasse a candidatura de José Sarney.
Temer e Sarney foram eleitos com folga e sem sustos, o primeiro com 304 votos e o segundo com 49. No Senado, não foi possível executar a estratégia em favor de Sarney sem tornar ostensivo o abandono ao candidato do PT, Tião Viana (AC).
Quem sustentou a candidatura de Viana, durante longo tempo, foi o dissidente peemedebista Jarbas Vasconcelos( PE). O ministro das Relações Institucionais, José Múcio, do PTB, que participou de todas as reuniões pró-Temer no domingo, cuidou apenas de produzir frases burocráticas dizendo acreditar nas chances de Viana.
Os governadores petistas do Nordeste - Marcelo Déda (SE), Jaques Wagner (BA) e Wellington Dias (PI) - foram a Brasília e fizeram campanha para Temer, mantendo-se indiferentes ao candidato do PT no Senado. Este, que contabilizava 43 votos, teve 11 a menos.
Tanto Sarney quanto Temer anunciaram, em seus discursos, que vão montar uma agenda que ajude a combater a crise financeira global. Prometeram votar todos os projetos do governo para tentar aliviar a crise, manter o emprego e o crescimento econômico, além de permitir distribuição de renda.
""LULISMO""
Prevaleceu na eleição das duas Casas do Congresso o que o mundo político já chama de "lulismo", que se caracteriza pelo apoio ao Planalto, independentemente do que pense o PT. Desde que o presidente iniciou o segundo mandato, em janeiro de 2007, o "lulismo" prevalece sobre o "petismo".
"Foi muito ruim para o PT. Com as duas Casas, o PMDB vai mandar na sucessão do presidente Lula", declarou, alarmado, o deputado Walter Pinheiro (BA), um dos petistas vice-líderes do governo no Congresso. "Vamos acabar ficando nas mãos deles nas próximas eleições para a Presidência."
O presidente do PT, Ricardo Berzoini (SP), concordou que o PMDB se fortaleceu muito. Mas disse que é preciso esperar. "A força do PMDB é grande. Hoje está com o presidente Lula, mas pode vir a apoiar outro candidato."
OLHO EM 2010
O PMDB já fala abertamente na sucessão. Dizem seus líderes que se cansaram de serem coadjuvantes: querem ser os protagonistas. "Temos nomes e condições de deixar de ser a noiva para passar à condição de noivo", disse o deputado Eunício Oliveira (PMDB-CE), futuro presidente do partido.
No entanto, como sempre acontece com o PMDB, não há consenso sobre a candidatura, pois o partido possui duas alas. Uma atua na Câmara e tem o comando partidário, com Temer, Eunício e Geddel Vieira Lima (ministro da Integração Nacional). A outra foi montada no Senado e tem Sarney, Renan, Hélio Costa (ministro das Comunicações), Edison Lobão (Minas e Energia) e Sérgio Cabral (governador do Rio).
Dividido, o PMDB fala também em indicar candidato a vice-presidente - ou na chapa do governo, com a candidatura da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), ou da oposição, com o governador José Serra (PSDB). Nomes há. O próprio Eunício enumerou alguns deles: Cabral, Geddel, Temer e Lobão.
Quércia defende aproximação do partido com Serra
Luciana Nunes Leal
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
O ex-governador Orestes Quércia, presidente do PMDB paulista, prometeu trabalhar para aproximar seu partido do governador José Serra. Defensor da candidatura do tucano em 2010, ele foi ao Congresso cumprimentar Michel Temer e José Sarney. "É difícil o PMDB sair do Lula, mas não impossível. Diria até que é provável. O quadro é bom para a ação em torno do Serra", disse. "É ruim para o País a continuidade do governo do PT."
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
O ex-governador Orestes Quércia, presidente do PMDB paulista, prometeu trabalhar para aproximar seu partido do governador José Serra. Defensor da candidatura do tucano em 2010, ele foi ao Congresso cumprimentar Michel Temer e José Sarney. "É difícil o PMDB sair do Lula, mas não impossível. Diria até que é provável. O quadro é bom para a ação em torno do Serra", disse. "É ruim para o País a continuidade do governo do PT."
Problema deles
Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
BRASÍLIA - Lula jamais deu bola para o Congresso, mesmo quando deputado constituinte. Agora, vencesse o PMDB na Câmara e no Senado, ou o PT no Senado e o PMDB na Câmara, tanto fez como tanto faz. Ele, Lula, ganharia de qualquer modo. Serra e PSDB perderiam de qualquer modo no Senado.
Vencendo ou não, tanto Tião Viana como José Sarney continuariam no mesmo lugar: com Lula hoje e com Dilma amanhã.
Lula tinha discurso de vitória para todos os resultados. Deu Tião Viana? Excelente, é do seu partido. Deu José Sarney? Maravilhoso, mais um passo para Dilma Rousseff herdar o PMDB. Deu Michel Temer? Fantástico, o PMDB tucano continua sob as asas do Planalto.
Já os tucanos, especialmente Serra, não tinham para onde correr (ou voar) no Senado. Ficar com Tião seria apoiar o adversário de 2010. Ir para Sarney seria pôr lenha na fogueira do PMDB lulista. Sarney é o anti-Serra do partido. Os dois são tão inconciliáveis quanto algo possa ser inconciliável na política.
As eleições das Mesas da Câmara e do Senado escancararam a importância do PMDB e... o quanto Lula está desgarrado do PT e o quanto o PT depende de Lula. Lula não precisava apoiar Tião, mas Tião precisava de Lula. Por falta de quadros e de liderança, o partido atrapalha pouco e não pode ajudar muito no Congresso, especialmente no Senado. E só tem uma alternativa: Lula ou Lula e Dilma ou Dilma.
A situação do PMDB é diferente: o partido precisa de Lula hoje, para manter posições, verbas, favores.
Mas tem alternativa para amanhã: em 2010, pode perfeitamente se manter alinhado com Lula e Dilma, como pode perfeitamente voltar aos braços tucanos com Serra.
Para o PT e o PMDB era muito importante manter o Congresso, imensa fonte de poder -e de chantagem. Para Lula, o que desse era lucro. Ele tem estrela. Que não é aquela estrela vermelha e contagiante dos tempos de oposição.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
BRASÍLIA - Lula jamais deu bola para o Congresso, mesmo quando deputado constituinte. Agora, vencesse o PMDB na Câmara e no Senado, ou o PT no Senado e o PMDB na Câmara, tanto fez como tanto faz. Ele, Lula, ganharia de qualquer modo. Serra e PSDB perderiam de qualquer modo no Senado.
Vencendo ou não, tanto Tião Viana como José Sarney continuariam no mesmo lugar: com Lula hoje e com Dilma amanhã.
Lula tinha discurso de vitória para todos os resultados. Deu Tião Viana? Excelente, é do seu partido. Deu José Sarney? Maravilhoso, mais um passo para Dilma Rousseff herdar o PMDB. Deu Michel Temer? Fantástico, o PMDB tucano continua sob as asas do Planalto.
Já os tucanos, especialmente Serra, não tinham para onde correr (ou voar) no Senado. Ficar com Tião seria apoiar o adversário de 2010. Ir para Sarney seria pôr lenha na fogueira do PMDB lulista. Sarney é o anti-Serra do partido. Os dois são tão inconciliáveis quanto algo possa ser inconciliável na política.
As eleições das Mesas da Câmara e do Senado escancararam a importância do PMDB e... o quanto Lula está desgarrado do PT e o quanto o PT depende de Lula. Lula não precisava apoiar Tião, mas Tião precisava de Lula. Por falta de quadros e de liderança, o partido atrapalha pouco e não pode ajudar muito no Congresso, especialmente no Senado. E só tem uma alternativa: Lula ou Lula e Dilma ou Dilma.
A situação do PMDB é diferente: o partido precisa de Lula hoje, para manter posições, verbas, favores.
Mas tem alternativa para amanhã: em 2010, pode perfeitamente se manter alinhado com Lula e Dilma, como pode perfeitamente voltar aos braços tucanos com Serra.
Para o PT e o PMDB era muito importante manter o Congresso, imensa fonte de poder -e de chantagem. Para Lula, o que desse era lucro. Ele tem estrela. Que não é aquela estrela vermelha e contagiante dos tempos de oposição.
PMDB mais do que nunca é ‘noiva’ cobiçada
David Fleischer
Professor
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Aeleição de José Sarney (PMDB-AP) para a presidência do Senado para o biênio 2009-2011 já era prevista desde o ano passado, embora ele viesse negando publicamente até a semana passada. Inclusive, o lançamento do senador Garibaldi Alves (PMDB-RN) à reeleição – considerada por muitos como "inconstitucional" – foi um ardil habilidoso para desviar as atenções da pré-candidatura do senador José Sarney.
Tradicionalmente, a maior bancada no Senado e também na Câmara dos Deputados tem a prerrogativa de indicar o candidato à presidência das duas casas legislativas. Foi isso que aconteceu nas eleições dessas duas presidências em 1985, 1987, 1989 e 1991 - quando o PMDB elegeu os presidentes das duas casas simultaneamente. Essa seqüência só foi quebrada em 1993, quando o deputado Inocêncio Oliveira (PFL-PE) derrotou o candidato do PMDB na Câmara.
Por essas razões que o então vice-presidente do Senado Tião Vianna (PT-AC) lançou a sua candidatura, pensando que o senador José Sarney não seria candidato. Quando Sarney saiu das sombras, parecia que era franco favorito até de janeiro, quando a bancada do PSDB, pressionada pelo governador José Serra e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, decidiu apoiar Tião Vianna. Com apenas PMDB, DEM e PTB apoiando a candidatura Sarney, parecia (pelas pesquisas e estimativas da imprensa) que ele teria 41 votos - a maioria absoluta – sem considerar algumas "dissidências" no PMDB, como o senador Jarbas Vasconcelos (PE). Essas estimativas contavam os votos dos senadores do PSDB (13), PT (12), PR (4), PSB (2), PRB (1) e PSOL (1), num total de 33 votos para Tião Vianna – e ainda considerava os do PDT (5), PP (1) e PCdoB (1) como 7 "indecisos".
Quando a votação secreta foi apurada, o senador José Sarney recebeu 49 votos – até mais do que o previsto nas estimativas da imprensa. Isso indica que houve algumas "traições" – talvez entre alguns senadores do PSDB. Todos os 81 senadores estavam presentes, sem abstenções.
Esse resultado traz várias conseqüências – o senador Renan Calheiros voltará a uma posição de destaque como líder do PMDB; para o governo Lula, a "governabilidade" não deve ser afetada; e ficam reduzidas as possibilidades de o Senado aprovar o protocolo que formaliza a entrada da Venezuela como membro pleno do Mercosul.
José Sarney prometeu se esforçar para conseguir a aprovação das reformas política e tributária-fiscal e tentar reduzir o alcance e os impactos das medidas provisórias durante a sua terceira gestão como presidente do Congresso.
Para 2010, a dominação do Congresso Nacional pelo PMDB em 2009 reforça mais ainda a liderança nacional desse partido como a maior e mais organizada agremiação no Brasil – mas que, aparentemente não tem um candidato viável para presidente em 2010. A última vez que o PMDB lançou um candidato a presidente foi o ex-governador Orestes Quércia em 1994 – mas perdeu para Enéas Faria (Prona) até no seu estado de São Paulo. Porém, para 2010 o PMDB continuará a "noiva" mais cobiçada como parceiro nas coligações – presidenciais e a nível estadual.
Professor
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Aeleição de José Sarney (PMDB-AP) para a presidência do Senado para o biênio 2009-2011 já era prevista desde o ano passado, embora ele viesse negando publicamente até a semana passada. Inclusive, o lançamento do senador Garibaldi Alves (PMDB-RN) à reeleição – considerada por muitos como "inconstitucional" – foi um ardil habilidoso para desviar as atenções da pré-candidatura do senador José Sarney.
Tradicionalmente, a maior bancada no Senado e também na Câmara dos Deputados tem a prerrogativa de indicar o candidato à presidência das duas casas legislativas. Foi isso que aconteceu nas eleições dessas duas presidências em 1985, 1987, 1989 e 1991 - quando o PMDB elegeu os presidentes das duas casas simultaneamente. Essa seqüência só foi quebrada em 1993, quando o deputado Inocêncio Oliveira (PFL-PE) derrotou o candidato do PMDB na Câmara.
Por essas razões que o então vice-presidente do Senado Tião Vianna (PT-AC) lançou a sua candidatura, pensando que o senador José Sarney não seria candidato. Quando Sarney saiu das sombras, parecia que era franco favorito até de janeiro, quando a bancada do PSDB, pressionada pelo governador José Serra e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, decidiu apoiar Tião Vianna. Com apenas PMDB, DEM e PTB apoiando a candidatura Sarney, parecia (pelas pesquisas e estimativas da imprensa) que ele teria 41 votos - a maioria absoluta – sem considerar algumas "dissidências" no PMDB, como o senador Jarbas Vasconcelos (PE). Essas estimativas contavam os votos dos senadores do PSDB (13), PT (12), PR (4), PSB (2), PRB (1) e PSOL (1), num total de 33 votos para Tião Vianna – e ainda considerava os do PDT (5), PP (1) e PCdoB (1) como 7 "indecisos".
Quando a votação secreta foi apurada, o senador José Sarney recebeu 49 votos – até mais do que o previsto nas estimativas da imprensa. Isso indica que houve algumas "traições" – talvez entre alguns senadores do PSDB. Todos os 81 senadores estavam presentes, sem abstenções.
Esse resultado traz várias conseqüências – o senador Renan Calheiros voltará a uma posição de destaque como líder do PMDB; para o governo Lula, a "governabilidade" não deve ser afetada; e ficam reduzidas as possibilidades de o Senado aprovar o protocolo que formaliza a entrada da Venezuela como membro pleno do Mercosul.
José Sarney prometeu se esforçar para conseguir a aprovação das reformas política e tributária-fiscal e tentar reduzir o alcance e os impactos das medidas provisórias durante a sua terceira gestão como presidente do Congresso.
Para 2010, a dominação do Congresso Nacional pelo PMDB em 2009 reforça mais ainda a liderança nacional desse partido como a maior e mais organizada agremiação no Brasil – mas que, aparentemente não tem um candidato viável para presidente em 2010. A última vez que o PMDB lançou um candidato a presidente foi o ex-governador Orestes Quércia em 1994 – mas perdeu para Enéas Faria (Prona) até no seu estado de São Paulo. Porém, para 2010 o PMDB continuará a "noiva" mais cobiçada como parceiro nas coligações – presidenciais e a nível estadual.
Mais dois anos de favores e submissão
Rubens Figueiredo
Cientista Político
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Na escola aprendemos, ou deveríamos aprender, que a Câmara dos Deputados é a casa do povo, representando proporcionalmente a população de nossos estados. Na Constituição federal, a presidência da Câmara ocupa posição de destaque: falamos do terceiro cargo mais importante na hierarquia da administração pública federal. Ademais, devemos considerar as responsabilidades sobre a orientação da ordem do dia – pauta de votações e encaminhamentos – e as expressivas responsabilidades sobre um orçamento anual de R$ 3,5 bilhões distribuídos entre servidores, recursos físicos e 513 parlamentares. Para termos uma idéia do significado desse montante, o orçamento municipal do Rio de Janeiro é de R$ 6,5 bilhões, para atender mais de seis milhões de habitantes com postos de saúde, escolas, transporte público etc.
A despeito de tamanha responsabilidade, tradicionalmente a história do Parlamento brasileiro nos remete à fragilidade e submissão. No Império, o Legislativo foi dissolvido pelo Poder Moderador mais de 10 vezes. Ao longo da República, a Câmara foi fechada com facilidade assustadora. Getúlio Vargas, por exemplo, manteve o Congresso inativo por oito anos, durante o Estado Novo. E o governo militar determinou três duradouros recessos ao longo do tempo em que esteve no controle.
A redemocratização do país não permitiu que a sociedade compreendesse as funções do Poder Legislativo. Tomar a iniciativa de constituir leis e fiscalizar os atos do Poder Executivo são tarefas pouco conhecidas, em seus detalhes, pela sociedade. Em pesquisas de opinião pública sobre a confiabilidade nas instituições, costumamos rebaixar de forma significativa a posição das casas legislativas nas mais diferentes esferas de poder. É intrigante: as mesmas pesquisas que revelam uma altíssima desconfiança quanto ao Congresso Nacional conferem a mais alta adesão à democracia que se tem notícia. Ou seja, o brasileiro prefere a democracia, mas não confia nos seus representantes. As defesas dos congressistas a essa posição vergonhosa se amparam no uso exagerado das medidas provisórias por parte do presidente da República, mas a relação de governadores e prefeitos com os legislativos não permite qualquer consideração contrária à submissão, a despeito do uso desse instrumento exclusivamente federal.
Diante desse cenário desolador, assistimos às eleições para o controle da Câmara e do Senado. O que poderia ser algo direcionado aos interesses da sociedade se tornou mais um espetáculo de artimanhas, estratégias políticas rasteiras e a permanente utilização de um verbo absolutamente pouco condizente com a democracia: traição.
A escolha de Michel Temer para a presidência da Câmara, assim como a de José Sarney no Senado, consolida nomes consagrados no Legislativo federal, mas distantes dos esforços de construção de um Legislativo condizente com suas verdadeiras responsabilidades de representação dos desejos populares. Prova maior dessas afirmações são as campanhas realizadas pelos principais postulantes ao cargo maior. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, foi impresso material com promessas corporativistas e centradas em garantias adicionais a uma "classe" absolutamente privilegiada. As promessas se fundiam aos feitos daqueles candidatos que já haviam presidido (Aldo Rebelo, do PCdoB-SP, além de Temer): "aumentei gratificações", "garanti recursos extraordinários" e uma série de benefícios capazes de consagrar ainda mais a lógica paroquial dos mandatos.
Esperemos, daqui em diante, mais dois anos repletos de favores, submissão ao Poder Executivo e estratégias que passam longe dos verdadeiros interesses daqueles que o Tribunal Superior Eleitoral chama, em época de eleições, de patrão. Ou seja: você, eu e os demais cidadãos brasileiros.
Cientista Político
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Na escola aprendemos, ou deveríamos aprender, que a Câmara dos Deputados é a casa do povo, representando proporcionalmente a população de nossos estados. Na Constituição federal, a presidência da Câmara ocupa posição de destaque: falamos do terceiro cargo mais importante na hierarquia da administração pública federal. Ademais, devemos considerar as responsabilidades sobre a orientação da ordem do dia – pauta de votações e encaminhamentos – e as expressivas responsabilidades sobre um orçamento anual de R$ 3,5 bilhões distribuídos entre servidores, recursos físicos e 513 parlamentares. Para termos uma idéia do significado desse montante, o orçamento municipal do Rio de Janeiro é de R$ 6,5 bilhões, para atender mais de seis milhões de habitantes com postos de saúde, escolas, transporte público etc.
A despeito de tamanha responsabilidade, tradicionalmente a história do Parlamento brasileiro nos remete à fragilidade e submissão. No Império, o Legislativo foi dissolvido pelo Poder Moderador mais de 10 vezes. Ao longo da República, a Câmara foi fechada com facilidade assustadora. Getúlio Vargas, por exemplo, manteve o Congresso inativo por oito anos, durante o Estado Novo. E o governo militar determinou três duradouros recessos ao longo do tempo em que esteve no controle.
A redemocratização do país não permitiu que a sociedade compreendesse as funções do Poder Legislativo. Tomar a iniciativa de constituir leis e fiscalizar os atos do Poder Executivo são tarefas pouco conhecidas, em seus detalhes, pela sociedade. Em pesquisas de opinião pública sobre a confiabilidade nas instituições, costumamos rebaixar de forma significativa a posição das casas legislativas nas mais diferentes esferas de poder. É intrigante: as mesmas pesquisas que revelam uma altíssima desconfiança quanto ao Congresso Nacional conferem a mais alta adesão à democracia que se tem notícia. Ou seja, o brasileiro prefere a democracia, mas não confia nos seus representantes. As defesas dos congressistas a essa posição vergonhosa se amparam no uso exagerado das medidas provisórias por parte do presidente da República, mas a relação de governadores e prefeitos com os legislativos não permite qualquer consideração contrária à submissão, a despeito do uso desse instrumento exclusivamente federal.
Diante desse cenário desolador, assistimos às eleições para o controle da Câmara e do Senado. O que poderia ser algo direcionado aos interesses da sociedade se tornou mais um espetáculo de artimanhas, estratégias políticas rasteiras e a permanente utilização de um verbo absolutamente pouco condizente com a democracia: traição.
A escolha de Michel Temer para a presidência da Câmara, assim como a de José Sarney no Senado, consolida nomes consagrados no Legislativo federal, mas distantes dos esforços de construção de um Legislativo condizente com suas verdadeiras responsabilidades de representação dos desejos populares. Prova maior dessas afirmações são as campanhas realizadas pelos principais postulantes ao cargo maior. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, foi impresso material com promessas corporativistas e centradas em garantias adicionais a uma "classe" absolutamente privilegiada. As promessas se fundiam aos feitos daqueles candidatos que já haviam presidido (Aldo Rebelo, do PCdoB-SP, além de Temer): "aumentei gratificações", "garanti recursos extraordinários" e uma série de benefícios capazes de consagrar ainda mais a lógica paroquial dos mandatos.
Esperemos, daqui em diante, mais dois anos repletos de favores, submissão ao Poder Executivo e estratégias que passam longe dos verdadeiros interesses daqueles que o Tribunal Superior Eleitoral chama, em época de eleições, de patrão. Ou seja: você, eu e os demais cidadãos brasileiros.
Pressões internas
PARIS. O assunto vinha quicando na área desde o ano passado, quando já se discutia no Fórum Econômico Mundial a possibilidade de o mundo entrar em uma onda protecionista caso a crise econômica internacional se agravasse com o que ainda era uma apenas uma possibilidade: o "pouso forçado" da economia dos Estados Unidos. De fato, a economia mundial vinha registrando, desde 2003, um crescimento do PIB global acima de 4% sucessivamente, e o ano de 2008 começava com nuvens que prenunciavam o fim do mais forte ciclo de expansão da economia mundial desde o pós-guerra, mas ninguém queria enfrentar o problema.
Portanto, o surgimento de uma pressão protecionista em diversos pontos do mundo não deveria ser surpresa para ninguém, e os "senhores do Universo" reunidos em Davos deveriam estar preparados para discutir essa e outras questões que levam o debate para frente, e não se deixar levar pelo susto e ficar discutindo o passado.
Se os debates deste ano do Fórum de Davos tivessem sido travados ano passado, talvez as soluções para crise internacional já estivessem sendo encaminhadas.
A surpresa que causou a aprovação pelo Congresso da cláusula "buy american" (produtos americanos) no programa de recuperação econômica do governo Barack Obama não se justifica.
Enquanto o idealismo dos discursos aponta sempre para a necessidade de uma cooperação mútua em uma economia interligada, o pragmatismo político puxa para medidas mais protecionistas dos mercados internos, atingidos pelo desemprego.
O modelo de "consumo descontrolado e pouca poupança" criticado por várias autoridades em Davos, foi o mesmo que levou a um crescimento sem precedentes da economia mundial seis anos até setembro de 2008, e os Estados Unidos continuam sendo o principal vetor da ordem econômica mundial.
Em lugar da ideal interconexão internacional para superar a crise, um nacionalismo econômico pode prevalecer, o que poderia resultar nos mesmos resultados dos anos 1930, que levaram à Grande Depressão.
Assim como agora, naquela ocasião também foi o Congresso americano que deu início a um movimento mundial de protecionismo ao aprovar a chamada lei Smoot-Hawley, que leva os nomes do deputado Willis Hawley e do senador Reed Smoot, ambos republicanos, que, com o objetivo de proteger o emprego local, impediram importações aumentando a tarifa de cerca de 10 mil produtos.
Os principais vetores da integração econômica globalizada, o comércio e os fluxos de capitais, estão em decadência, o que pode suscitar, além do protecionismo, um nacionalismo econômico e político com consequências desastrosas.
Os republicanos capturam votos entre os sindicatos patronais dos setores menos dinâmicos da economia americana - em geral, pouco abertos à competição internacional, e, portanto, protecionistas. É o caso aço e de ferro, que estão sendo protegidos pelo Congresso americano.
A Associação da Indústria do Ferro e do Aço (AISI em inglês), que congrega 25 companhias e 138 fornecedores como membros afiliados, representando cerca de 70% da capacidade de produção dos Estados Unidos e Canadá, está divulgando uma pesquisa em que 86% dos americanos se dizem a favor da cláusula "buy american" do plano de recuperação econômica.
Eles ressaltam que, a cada US$1 bilhão em investimentos, criam-se 35 mil novas vagas de trabalho. Assim, se por um lado há pressão por políticas protecionistas do trabalho local, provenientes de sindicatos de trabalhadores do lado democrata, há a mesma pressão por políticas protecionistas da produção nacional provenientes de sindicatos patronais do lado republicano.
O aumento do desemprego, a primeira consequência da desaceleração da economia, está gerando uma tendência protecionista, contrária à globalização, reforçando a posição dos que entendem que os Estados Unidos estão exportando empregos com a terceirização de serviços para países como a Índia, por exemplo, que domina o mercado internacional de call centers.
O grande risco para os Estados Unidos, porém, chama-se China e o que o novo Secretário de Tesouro, Tim Geithner, classificou de "manipulação" do yuan, que estaria desvalorizado artificialmente, o que provocou irritação no primeiro-ministro chinês Wen Jiabao.
Se a pressão interna fizer com que o Congresso mantenha a cláusula "buy american", vai ser difícil retomar as negociações para a Rodada de Doha de livre comércio internacional.
As reações de diversas autoridades, desde a União Européia aos países emergentes, têm sido vigorosas, mas não a ponto de cortarem as pontes que podem levar a um diálogo mais adiante.
O ambiente para a retomada da Rodada de Doha, que o presidente Barack Obama se comprometeu a buscar em telefonema ao colega Lula, pode ser reencontrado desde que os Estados Unidos coloquem na mesa de negociação outros temas.
Mesmo porque a recuperação econômica americana interessa ao mundo como um todo, e o protecionismo do momento pode dar lugar a um volume maior de comércio assim que a maior economia do mundo volte a funcionar.
Ninguém está a fim de dar um passo maior do que as pernas neste momento, para poder recuar mais adiante, mesmo porque ninguém sabe ainda o tamanho da encrenca em que o mundo está metido.
Não bastasse o fato de ter fugido de Cuba, a entrevista do boxeador cubano campeão mundial Erislandy Lara, hoje morando em Miami como refugiado, afirmando que gostaria de ter recebido o status de refugiado no Brasil em 2007 - mas sem ter essa oportunidade dada pelas autoridades brasileiras -, desmente a versão do Ministro da Justiça, Tarso Genro, de que ele e seu companheiro Guillermo Rigondeaux queriam retornar a Cuba.
A rua começa a rugir
Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
PARIS - Há umas duas semanas, parei uns minutos em uma mesa-redonda na Deutsche Welle (programação em inglês) sobre a crise. Um acadêmico, cujo nome não anotei, dizia que a crise era até então apenas virtual -ou seja, estava no noticiário dos jornais e nas estatísticas oficiais, mas não na rua.
Era também minha sensação, depois de ver o movimento de Natal e pós-Natal no "meu" shopping em São Paulo, as filas à porta da Louis Vuitton da Champs Elysées em Paris e a agitação em muitas capitais europeias pelas liquidações tradicionais do início do ano.
Acabou essa era. A crise começa agora a ganhar a rua. É verdade que já havia agitação em países como Hungria, Bulgária, Grécia, Letônia, Lituânia, Islândia (neste, a crise produziu um resultado positivo: pela primeira vez, uma mulher foi indicada para comandar o governo -e é assumidamente lésbica).
Mas esses países são da periferia do sistema, inclusive -ou principalmente- do ponto de vista da cobertura jornalística. Agora, no entanto, a França já teve sua greve (mais obedecida no serviço público), e o Reino Unido produz uma das piores notícias da crise: cenas explícitas de xenofobia por parte dos trabalhadores, que já fizeram uma greve, no setor energético, e ameaçam uma série delas para que os demitidos sejam trabalhadores estrangeiros, não os britânicos. Houve manifestações até na Rússia, cujo governo mantém boa parte dos cacoetes soviéticos; a China reconhece que 20 milhões de trabalhadores migrantes perderam o emprego nas cidades (15,3% do total) e estão sendo obrigados a voltar para o campo.
A tendência só pode ser para pior se estiver certo o cálculo da Organização Internacional do Trabalho de que 51 milhões de postos de trabalho serão cortados só neste ano no mundo todo.Resta ver quantos governos mais cairão além do islandês.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
PARIS - Há umas duas semanas, parei uns minutos em uma mesa-redonda na Deutsche Welle (programação em inglês) sobre a crise. Um acadêmico, cujo nome não anotei, dizia que a crise era até então apenas virtual -ou seja, estava no noticiário dos jornais e nas estatísticas oficiais, mas não na rua.
Era também minha sensação, depois de ver o movimento de Natal e pós-Natal no "meu" shopping em São Paulo, as filas à porta da Louis Vuitton da Champs Elysées em Paris e a agitação em muitas capitais europeias pelas liquidações tradicionais do início do ano.
Acabou essa era. A crise começa agora a ganhar a rua. É verdade que já havia agitação em países como Hungria, Bulgária, Grécia, Letônia, Lituânia, Islândia (neste, a crise produziu um resultado positivo: pela primeira vez, uma mulher foi indicada para comandar o governo -e é assumidamente lésbica).
Mas esses países são da periferia do sistema, inclusive -ou principalmente- do ponto de vista da cobertura jornalística. Agora, no entanto, a França já teve sua greve (mais obedecida no serviço público), e o Reino Unido produz uma das piores notícias da crise: cenas explícitas de xenofobia por parte dos trabalhadores, que já fizeram uma greve, no setor energético, e ameaçam uma série delas para que os demitidos sejam trabalhadores estrangeiros, não os britânicos. Houve manifestações até na Rússia, cujo governo mantém boa parte dos cacoetes soviéticos; a China reconhece que 20 milhões de trabalhadores migrantes perderam o emprego nas cidades (15,3% do total) e estão sendo obrigados a voltar para o campo.
A tendência só pode ser para pior se estiver certo o cálculo da Organização Internacional do Trabalho de que 51 milhões de postos de trabalho serão cortados só neste ano no mundo todo.Resta ver quantos governos mais cairão além do islandês.
Passada a crise, o emprego volta?
José Pastore
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Essa pergunta me atormenta. Sei que é um pouco cedo para tal, porque o fim da crise está longe. Ainda assim me preocupo.
Será que as empresas que estão sem caixa, sem crédito, sem demanda e sem perspectivas - mergulhadas num verdadeiro tsunami - vão se animar a remontar o quadro de pessoal que tinham quando a economia estava a todo vapor?
Passo ao leitor algumas observações corriqueiras. Perguntei a um motorista de táxi se a crise estava afetando o seu negócio. Ele me disse: "Está, e muito. As empresas com as quais eu tenho contrato permanente para atender seus funcionários, agora, só permitem a utilização do táxi mediante autorização do alto escalão. Poucos usam. Perdi 70% da minha receita."
Passada a crise, será que essas empresas vão revogar essa nova regra? Elas vão continuar com a liberalidade que tinham para contratar taxistas, decoradores, eventos sociais, treinamentos, etc.? Elas manterão os mesmos quadros de pessoal, que geram despesas de monta tanto para contratar como para despedir?
Suspeito que parte dos trabalhadores despedidos não será recontratada. Os altos custos de contratação (103% do salário) farão as empresas pensarem duas vezes, e as elevadas despesas de demissão, três vezes.
Vejam o caso hipotético de um funcionário que ganha R$ 1 mil por mês e tem cinco anos de trabalho na mesma empresa. Se a sua dispensa for feita longe da data-base e com o gozo do aviso prévio em tempo, só com o FGTS a empresa terá uma despesa de R$ 8.388,89 - oito salários. Se for perto da data-base e com o aviso prévio pago em dinheiro, serão R$ 10.669,96 - mais de dez salários!
Demitir é caro, e não só por conta do FGTS. A empresa gasta muito na capacitação dos seus colaboradores. Formar uma equipe competente, harmoniosa e conhecedora da cultura da organização leva anos e investimentos continuados no capital humano. Ou seja, despedir envolve perdas de grande vulto.
Com uma crise tão profunda, muitas empresas serão tentadas a reformular a sua política de emprego. A retomada do crescimento será feita com menos empregos fixos (e internos) na empresa, mais trabalho eventual (externo) e com muita automação.
As atividades estratégicas devem continuar entregues a um pessoal fixo, leal e competente - é claro. Outras atividades, porém, serão realizadas com base em contratos de empreita ou de prestação de serviços - que têm começo, meio e fim (regidos pelo Código Civil, e não pela CLT) -, ou por meio de trabalho temporário (Lei nº 6.019), por prazo determinado (Lei nº 9.601), por cooperativas (Lei nº 5.764), ou ainda por meio de terceirização decente, se for regulamentada a tempo. Isso já vem ocorrendo. A crise intensificará essa tendência.
A se confirmar essa especulação, só me resta dizer que, infelizmente, uma parte do desemprego atual veio para ficar. Será mais um passo no processo de reestruturação das empresas, com profundas implicações aos trabalhadores. Para entrar no quadro fixo, a concorrência será brutal.
O rigor no recrutamento aumentará muito. Os candidatos precisarão estar muito bem preparados na sua profissão e nos conhecimentos gerais que hoje se exigem das pessoas mais qualificadas.
O rigor aumentará também para os que forem contratados externamente, pois as empresas procurarão monitorar melhor os contratos que fizerem, para com isso terem mais segurança jurídica.
E para os que não forem contratados como fixos nem como prestadores de serviços restará o trabalho por conta própria, que também enfrentará desafios da concorrência.
O desemprego atual não é meramente friccional. No caso deste, quando a tormenta passa, o presente continua parecido com o passado e quase todos voltam ao trabalho. Quando há reestruturação tecnológica ou administrativa o mundo é outro: o presente fica bem diferente do passado, criando novas formas (cada vez mais austeras) de produzir e trabalhar.
Para ter chance neste novo mundo, recomendo aos jovens investirem pesadamente na sua preparação. Não parem de estudar durante a crise. Ao contrário, acelerem. Estudem além da sua profissão. Busquem a formação ampla, sem descuidar da especialidade. Se aparecer um estágio, aproveite, mesmo que não seja o dos seus sonhos. Na crise temos de pegar o que existe, que nem sempre é o que queremos.
*José Pastore é professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Essa pergunta me atormenta. Sei que é um pouco cedo para tal, porque o fim da crise está longe. Ainda assim me preocupo.
Será que as empresas que estão sem caixa, sem crédito, sem demanda e sem perspectivas - mergulhadas num verdadeiro tsunami - vão se animar a remontar o quadro de pessoal que tinham quando a economia estava a todo vapor?
Passo ao leitor algumas observações corriqueiras. Perguntei a um motorista de táxi se a crise estava afetando o seu negócio. Ele me disse: "Está, e muito. As empresas com as quais eu tenho contrato permanente para atender seus funcionários, agora, só permitem a utilização do táxi mediante autorização do alto escalão. Poucos usam. Perdi 70% da minha receita."
Passada a crise, será que essas empresas vão revogar essa nova regra? Elas vão continuar com a liberalidade que tinham para contratar taxistas, decoradores, eventos sociais, treinamentos, etc.? Elas manterão os mesmos quadros de pessoal, que geram despesas de monta tanto para contratar como para despedir?
Suspeito que parte dos trabalhadores despedidos não será recontratada. Os altos custos de contratação (103% do salário) farão as empresas pensarem duas vezes, e as elevadas despesas de demissão, três vezes.
Vejam o caso hipotético de um funcionário que ganha R$ 1 mil por mês e tem cinco anos de trabalho na mesma empresa. Se a sua dispensa for feita longe da data-base e com o gozo do aviso prévio em tempo, só com o FGTS a empresa terá uma despesa de R$ 8.388,89 - oito salários. Se for perto da data-base e com o aviso prévio pago em dinheiro, serão R$ 10.669,96 - mais de dez salários!
Demitir é caro, e não só por conta do FGTS. A empresa gasta muito na capacitação dos seus colaboradores. Formar uma equipe competente, harmoniosa e conhecedora da cultura da organização leva anos e investimentos continuados no capital humano. Ou seja, despedir envolve perdas de grande vulto.
Com uma crise tão profunda, muitas empresas serão tentadas a reformular a sua política de emprego. A retomada do crescimento será feita com menos empregos fixos (e internos) na empresa, mais trabalho eventual (externo) e com muita automação.
As atividades estratégicas devem continuar entregues a um pessoal fixo, leal e competente - é claro. Outras atividades, porém, serão realizadas com base em contratos de empreita ou de prestação de serviços - que têm começo, meio e fim (regidos pelo Código Civil, e não pela CLT) -, ou por meio de trabalho temporário (Lei nº 6.019), por prazo determinado (Lei nº 9.601), por cooperativas (Lei nº 5.764), ou ainda por meio de terceirização decente, se for regulamentada a tempo. Isso já vem ocorrendo. A crise intensificará essa tendência.
A se confirmar essa especulação, só me resta dizer que, infelizmente, uma parte do desemprego atual veio para ficar. Será mais um passo no processo de reestruturação das empresas, com profundas implicações aos trabalhadores. Para entrar no quadro fixo, a concorrência será brutal.
O rigor no recrutamento aumentará muito. Os candidatos precisarão estar muito bem preparados na sua profissão e nos conhecimentos gerais que hoje se exigem das pessoas mais qualificadas.
O rigor aumentará também para os que forem contratados externamente, pois as empresas procurarão monitorar melhor os contratos que fizerem, para com isso terem mais segurança jurídica.
E para os que não forem contratados como fixos nem como prestadores de serviços restará o trabalho por conta própria, que também enfrentará desafios da concorrência.
O desemprego atual não é meramente friccional. No caso deste, quando a tormenta passa, o presente continua parecido com o passado e quase todos voltam ao trabalho. Quando há reestruturação tecnológica ou administrativa o mundo é outro: o presente fica bem diferente do passado, criando novas formas (cada vez mais austeras) de produzir e trabalhar.
Para ter chance neste novo mundo, recomendo aos jovens investirem pesadamente na sua preparação. Não parem de estudar durante a crise. Ao contrário, acelerem. Estudem além da sua profissão. Busquem a formação ampla, sem descuidar da especialidade. Se aparecer um estágio, aproveite, mesmo que não seja o dos seus sonhos. Na crise temos de pegar o que existe, que nem sempre é o que queremos.
*José Pastore é professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo
Mercado prevê expansão de só 1,8% do PIB
Eduardo Rodrigues
DEU EM O GLOBO
Inflação deve fechar na meta e juros poderão cair mais ao longo de 2009
BRASÍLIA. A economia brasileira deve crescer apenas 1,8% em 2009, de acordo com mais de 80 analistas de mercado consultados pelo Banco Central (BC). A pesquisa Focus, divulgada semanalmente pela autoridade monetária, reduziu novamente a previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país). Na semana anterior espera-se expansão de 2%. O governo trabalha com uma previsão de 4%. A projeção do PIB para 2010 se manteve em 3,80%.
Para Roberto Padovani, economista-chefe do WestLB, o mercado tem rebaixado as previsões de crescimento devido à divulgação, nas últimas semanas, de dados que demonstram uma queda na atividade econômica mais forte do que se esperava.
O economista-chefe da corretora Concórdia, Elson Teles, ressalta que a incerteza sobre o resultado da produção industrial no fim de 2008 - a retração pode ir de 5% a 10% - é um dos fatores que mais pesaram na avaliação semanal:
- Deve desmoronar a tese de que em 2009 a produção não cairia tanto, devido ao embalo do crescimento de 2008. O país vai ter que crescer muito a partir o meio do ano para recuperar um pouco o nível de atividade. Caso contrário, podemos até falar em crescimento zero.
Segundo o Focus, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que orienta a meta oficial e a política de juros, teve a projeção reduzida pela terceira vez consecutiva: de 5% para 4,6%. A meta é de 4,5%. Isso abriria espaço maior para a redução dos juros básicos: a projeção para a Taxa Selic de dezembro, hoje a 12,75% ao ano, recuou de 11% para 10,75% ao ano.
DEU EM O GLOBO
Inflação deve fechar na meta e juros poderão cair mais ao longo de 2009
BRASÍLIA. A economia brasileira deve crescer apenas 1,8% em 2009, de acordo com mais de 80 analistas de mercado consultados pelo Banco Central (BC). A pesquisa Focus, divulgada semanalmente pela autoridade monetária, reduziu novamente a previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país). Na semana anterior espera-se expansão de 2%. O governo trabalha com uma previsão de 4%. A projeção do PIB para 2010 se manteve em 3,80%.
Para Roberto Padovani, economista-chefe do WestLB, o mercado tem rebaixado as previsões de crescimento devido à divulgação, nas últimas semanas, de dados que demonstram uma queda na atividade econômica mais forte do que se esperava.
O economista-chefe da corretora Concórdia, Elson Teles, ressalta que a incerteza sobre o resultado da produção industrial no fim de 2008 - a retração pode ir de 5% a 10% - é um dos fatores que mais pesaram na avaliação semanal:
- Deve desmoronar a tese de que em 2009 a produção não cairia tanto, devido ao embalo do crescimento de 2008. O país vai ter que crescer muito a partir o meio do ano para recuperar um pouco o nível de atividade. Caso contrário, podemos até falar em crescimento zero.
Segundo o Focus, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que orienta a meta oficial e a política de juros, teve a projeção reduzida pela terceira vez consecutiva: de 5% para 4,6%. A meta é de 4,5%. Isso abriria espaço maior para a redução dos juros básicos: a projeção para a Taxa Selic de dezembro, hoje a 12,75% ao ano, recuou de 11% para 10,75% ao ano.
Exportações recuam 23% em janeiro
Leandra Peres Juliana Rocha
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Com crise global, país registra déficit comercial de US$ 518 mi no mês, o 1º desde 2001; importações caem 12,6%
Concorrência mais acirrada reduz vendas; produtos básicos sofrem menos, enquanto manufaturados sofrem maior queda
Após a tentativa frustrada de barrar importações na semana passada, o governo anunciou ontem o pior resultado da balança comercial desde novembro de 2000 e o primeiro déficit mensal desde março de 2001.
As exportações em janeiro foram de US$ 9,788 bilhões, e as importações, de US$ 10,306 bilhões, acumulando um resultado negativo de US$ 518 milhões no saldo comercial.Na média diária, a desaceleração nas vendas de produtos brasileiros ao exterior chegou a 22,8% em relação a janeiro do ano passado, quando foram exportados US$ 13,277 bilhões.
Em compensação, as compras fora do país caem num ritmo mais lento: 12,6% na mesma comparação. Além disso, o Brasil vem sofrendo a concorrência de outros países nas vendas em mercados considerados compradores tradicionais.
"A queda nas exportações é o que nos preocupa. Isso é retração da demanda [mundial]. Temos que esperar o mundo se recuperar, não tem o que fazer", disse o secretário de Comércio Exterior do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio), Welber Barral.Antes do anúncio de ontem, o mercado previa superávit comercial de US$ 14 bilhões neste ano, contra US$ 24,7 bilhões em 2008, já uma queda de 38% em relação a 2007.
As vendas de aço são um exemplo da concorrência que o Brasil vem sofrendo de outros países. Segundo ele, as exportações do produto para EUA, Colômbia e Chile estão sendo afetadas por maior agressividade comercial da China, e para a América Latina pela presença da União Europeia. "Os estoques estão sendo vendidos a qualquer preço", afirma Barral.
O governo brasileiro pretende enfrentar essa situação com medidas de estímulo às exportações, como melhores condições de financiamento e isenção de impostos para a promoção comercial.
Além disso, promete recorrer à OMC (Organização Mundial do Comércio) se outros países adotarem medidas protecionistas.
"Houve uma série de mal-entendidos e ruídos. Foi uma comédia de erros de Shakespeare que se chamaria "muito barulho por nada" ", disse Barral, ao justificar a decisão do governo de recuar da medida que exigia licença prévia para importações.
Em vigor de segunda a quarta da semana passada, a restrição foi duramente criticada por empresários e considerada uma demonstração de protecionismo do Brasil. No período, foram feitos 49 mil pedidos de licença ao governo e todos analisados, segundo o ministério.
A esperança do governo para melhorar o saldo comercial está nos preços dos produtos agrícolas e nos países em desenvolvimento.
Para Barral, as commodities devem se manter com preços estáveis ou até com alta devido à quebra de safras em muitos mercados em razão de problemas climáticos. No último mês, por exemplo, a soja subiu 14%, e o milho, 6,1%.
Isso explica por que as exportações de produtos básicos tiveram a menor queda em relação aos outros grupos de produtos (-6,5%), totalizando US$ 3,365 bilhões. Já as vendas de manufaturados, como carros, aviões e calçados, caíram 34%. Em janeiro de 2008, o Brasil vendeu US$ 6,864 bilhões nesses produtos. No mês passado, US$ 4,326 bilhões.
Já os países em desenvolvimento, hoje responsáveis por adquirir 53,1% das exportações nacionais, continuarão demandando mais produtos brasileiros, na visão do governo federal, porque deverão crescer mais que países como EUA, Japão e União Europeia. Para Barral, isso mostra que "foi um acerto" a política de priorizar a ampliação desses mercados.
Fórum: faltou diagnóstico da crise
Cássia Almeida e Camila Nóbrega
DEU EM O GLOBO
DEU EM O GLOBO
Para analistas, isso dificultou proposta de soluções em Davos
Ao fim do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, no último domingo, o esperado diagnóstico da crise e as possíveis soluções não apareceram, na opinião de economistas. Para Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV), a falta de uma ideia clara da dimensão da crise impediu o que se esperava do Fórum. A unanimidade na adoção de políticas expansionistas pelos governos não foi suficiente para implementar uma ação coordenada pelos Estados, diz Langoni.
- Curiosamente, isso só tem sido feito por alguns países emergentes. Reconheço que ação conjunta em torno do salvamento dos bancos é mais fácil. Porém, Davos mostrou que, num mundo globalizado, uma ação coordenada na área fiscal está longe de acontecer.
Reinaldo Gonçalves, professor da UFRJ, sentiu falta de autocrítica pelos participantes do Fórum, em Davos. Para ele, são cúmplices da crise.
- Limitou-se a um patético choramingo, uma ausência de diagnóstico consistente e de propostas simples.
Gonçalves lembra que o Fórum sempre foi o encontro dos liberais, inclusive do setor financeiro. E os que defendiam mais regulação, como foi defendido nesta última edição, eram minoria e não tinham espaço. O protecionismo, para Gonçalves, vai voltar com força, para blindar as economias domésticas:
- Em tempo de crise, é assim.
Para o sociólogo Cândido Grzybowski, um dos organizadores do Fórum Social Mundial (FSM), a descrença com Davos pode levar a discussões que já fazem parte do FSM, como a da sustentabilidade. Para ele, as bases seguidas por grandes economias caíram por terra:
- Davos já era. A realidade superou líderes que representam um modelo econômico falido e que só se reuniram para celebrar suas mágoas.
Considerado idealizador do FSM, Oded Grajew descreve Davos como "apenas um bom lugar para praticar esqui e comer bem", referindo-se ao vazio das proposições.
- O FSM tem vida própria, mas o contraponto com Davos é importante. Eles defenderam esse modelo que gerou a crise. Nosso objetivo é que o dinheiro gere empregos por meio do desenvolvimento social e não pela salvação de empresas.
Tempo das quedas
A balança comercial vai continuar negativa, mas melhora no fim de março, começo de abril, quando entra a safra de grãos e serão retomadas as exportações de commodities metálicas. Mas o número que vai sair hoje deve assustar. A produção industrial de dezembro, que será divulgada pelo IBGE, pode ter queda de 10%. É a conta do fim do ano passado chegando.
O saldo negativo da balança comercial de janeiro é temporário, mas não se volta mais ao período dos megassaldos. O economista Joseph Tutundjian, especialista em comércio exterior, acha que a balança comercial terminará positiva entre US$10 bilhões e no máximo US$15 bilhões. O economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, vai rever a previsão, que está hoje em US$13 bilhões de superávit comercial, mas acha que não ficará muito abaixo disso.
Os especialistas acham que dois movimentos vão melhorar as contas externas brasileiras. Primeiro, a entrada da safra dos grãos. Segundo, a recomposição dos estoques de matérias-primas que vão elevar as vendas de commodities metálicas.
A produção industrial de dezembro do ano passado, que virá hoje fortemente negativa, também vai melhorar nos meses seguintes. O CSFB aposta em 10% de queda, a MB Associados prevê 9,6%. Seja como for, o número será feio. Mas isso é o resultado do que vimos no passado: queda de produção, férias coletivas, demissões de dezembro.
- Em janeiro, as notícias continuam sendo ruins, mas houve alguma retomada de produção. Mesmo que a produção seja a meio vapor, é melhor que a parada brusca de dezembro. Por isso, pode até haver um número ligeiramente positivo em janeiro - conta José Roberto Mendonça de Barros.
Tutundjian acredita até que a recuperação dos preços das commodities não é episódico, e pode continuar melhorando um pouco. Aliás, o índice de commodities até já melhorou um pouco.
- Os preços tinham subido demais e ficaram artificiais, mas depois caíram demais e também foi uma queda exagerada. Agora, os preços sobem porque ninguém vai deixar de comprar as commodities agrícolas - ninguém vai deixar de comer - e porque os estoques serão repostos e as compras de commodities metálicas vão ser retomadas. Os preços não voltarão ao que eram, mas vão melhorar do fundo do poço onde estavam - diz Joseph Tutundjian.
Mesmo com melhora de preço e de volume de exportação, o primeiro trimestre deste ano deve ser negativo para a balança comercial brasileira. A previsão é do vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), José Augusto de Castro, para quem o mês de fevereiro deve ter novo déficit, de aproximadamente US$300 milhões. O resultado só deve começar a mudar, se mudar, a partir de março, com o embarque da soja precoce, plantada no Rio Grande do Sul.
- O que pode mudar em fevereiro é a exportação de petróleo, que não foi tão grande em janeiro. Se ela subir bem, pode ser até que se tenha um superávit pequeno na balança comercial. Mas a previsão é de déficit. Isso só deve mudar em março ou abril, com a exportação de soja e a diminuição nas importações - explicou Castro.
Ele está convencido de que o que produziu o superávit de US$127 milhões na última semana de janeiro foi a medida que o governo adotou, de exigir a licença de importação. Mas isso não resolve a tendência que é a de resultado negativo no primeiro trimestre.
- No fim de março, começo de abril, a safra de soja e de outros grãos e alimentos começa a ser exportada. O auge é maio e vai até agosto. Nesse período, a balança comercial deve ficar mais positiva - diz José Roberto Mendonça de Barros.
O governo deve ficar mais calmo com os números negativos que estão saindo do forno. Alguns referem-se ao passado, como a produção industrial. É bem verdade que ainda não se tem qualquer garantia de uma recuperação da indústria nos próximos meses, apenas uma redução da queda. Em relação à balança comercial, está claro que não haverá mais a volta aos supersaldos como os de US$45 bilhões, de 2007, mas o déficit de janeiro não é tendência, os números positivos virão, sem precisar de medidas estabanadas, como a que foi anunciada na semana passada, de volta da licença prévia de importação.
Outros países também estão colhendo péssimos números nesta virada de ano. A China, que tinha crescido 13% em 2007, quando chegar o resultado do último trimestre de 2008, deve ter um crescimento mínimo. Será mascarado pelo crescimento total do ano passado, que continuará alto, mas o resultado do último trimestre será de quase nenhum crescimento, segundo a revista "The Economist". O PIB do Japão pode ter caído 10% anualizado - a mesma forma como os Estados Unidos contabilizam. Cingapura pode ter caído 17% e a Coreia do Sul, 21%. Tudo anualizado, segundo a revista inglesa. No comércio internacional desses países, outra hecatombe. As exportações japonesas caíram 35% em dezembro em comparação com o mesmo mês do ano anterior. China teve queda de 21%, Cingapura, de 20%. Vietnã, com queda de 45% nas exportações em janeiro.
Essa é uma temporada de números ruins provocada pela queda abrupta da economia no último trimestre do ano passado, após a quebra do Lehman Brothers e o episódio de pânico financeiro que se seguiu. Em vez de se apavorar, o governo brasileiro deve se preparar para atravessar o vale.
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