domingo, 30 de março de 2014

Opinião do dia: Eduardo Campos

Não tenho tempo para ficar cuidando da velha política. Meu tempo, meu foco, meu desejo, minha alegria é fazer coisa boa para o povo. Ninguém faz coisa boa para o povo com briga ‘veia’ besta.

Eduardo Campos, governador de Pernambuco e presidente nacional do PSB, ontem no interior de Pernambuco

PT cede em alianças nos Estados para garantir controle de CPI da Petrobrás

Palácio do Planalto costura acordos políticos e inicia processo de reaproximação com os peemedebistas a fim de manter a base de defesa de Dilma com a iminente criação da Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a estatal

João Domingos e Eduardo Bresciani - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A iminência da abertura de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar a Petrobrás levou o Palácio do Planalto e o comando da campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff a começar um processo de reaproximação com o PMDB, após semanas de uma intensa disputa política com o principal aliado. O objetivo é consolidar apoios no Congresso que ajudem a blindar Dilma durante a investigação. Em troca, o PT cede espaços na elaboração dos palanques regionais.

O primeiro caso a ser revisto foi justamente onde as negociações estavam mais complicadas: Ceará. No Estado, a crise na Petrobrás pôs fim à disputa de meses entre os irmãos Cid e Ciro Gomes e o senador Eunício Oliveira (PMDB), que reivindicava o direito de disputar o governo. Eunício, que chegou a ser convidado para assumir o Ministério da Integração Nacional para abrir caminho para os irmãos Gomes, rejeitou a oferta de Dilma e afirmou que só aceitaria a candidatura ao governo. Passou, desde então, a frequentar todas as reuniões de grupos dissidentes. Mas os problemas na estatal aceleraram a solução. Com o aval da presidente, ele será o candidato da base.

Aos irmãos Gomes restou o lançamento de Ciro ao Senado, numa disputa com seu ex-padrinho Tasso Jereissati (PSDB), apontado nas pesquisas como favorito à única cadeira em jogo. A entrada de Ciro na corrida ao Senado sacrificou o deputado José Guimarães, ex-líder do PT na Câmara e vice-presidente do partido.

A crise na Petrobrás também deverá empurrar o PT do Maranhão para uma aliança com o senador José Sarney (PMDB-AP) e com a governadora Roseana Sarney (PMDB). Até agora, uma forte ala do PT insistia em romper com os Sarney e apoiar Flávio Dino, do PC do B. Mas, por causa da CPI da Petrobrás, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva praticamente fechou o acordo para que os petistas desistam de Dino. Com isso, o PSB do governador Eduardo Campos formalizará aliança com o maior adversário de Sarney, lançando ao Senado o vice-prefeito de São Luís, Roberto Rocha.

Na Paraíba, a ordem é levar o PT para o PMDB do senador Vital do Rêgo. Escolhido em setembro ministro da Integração pelos senadores peemedebistas, Vital não chegou a ser convidado por Dilma para a função. No auge da crise com o PMDB, há um mês, ela ofereceu a ele o Ministério do Turismo. O senador não aceitou. Na coleta de assinaturas para a criação da CPI da Petrobrás, ele disse que não daria seu apoio por pertencer à base do governo. Dilma decidiu que o PT deverá apoiar o candidato Veneziano do Rêgo ao governo. Ele é irmão de Vital.

A CPI da Petrobrás deverá mudar também o quadro político em Goiás. O PT havia decidido que só se aliaria ao PMDB se o candidato fosse o ex-governador Iris Rezende. Mas o partido passa por uma disputa interna, com favoritismo de José Batista Júnior, o Júnior da Friboi. Há, nesse instante, uma pressão interna do PT para que o partido desista de lançar a candidatura do prefeito de Anápolis, Antonio Gomide, e apoie o nome do PMDB, mesmo que seja Júnior da Friboi.

O Planalto já sente os efeitos da reaproximação. A bancada do PMDB no Senado defende que o foco da CPI seja ampliado e alcance denúncias de cartel e fraudes em licitações de trens em São Paulo e o porto de Suape, o que atingiria partidos da oposição, como PSDB e PSB.

Danos. Com a estratégia de concessões nos Estados, o governo quer reduzir danos políticos que a CPI deverá causar. O mais certo deles é que Dilma vai atravessar a campanha presidencial tendo de administrar as denúncias contra a estatal e as revelações que forem surgindo. A economia também pode ficar mais vulnerável, já que a maior empresa do País estará sob investigação. Outro fator é que as condições da eleição na Bahia, o quarto maior colégio eleitoral do País, ficarão ainda mais difíceis.

"O ex-presidente da Petrobrás era do PT e agora está no governo Jaques Wagner, que era do Conselho de Administração na época em que a refinaria de Pasadena foi adquirida. A crise tem a digital do PT baiano", disse o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB), do grupo dissidente, irmão do ex-ministro Geddel Vieira Lima, que pretende concorrer ao governo do Estado contra o PT. "O desenrolar da CPI pode significar uma diminuição no apoio a Dilma. Se ela perder credibilidade, até partido que recebeu ministério na reforma pode pular fora", disse.

Como consequência, o PT da Bahia quer se fortalecer com outros partidos da base. O candidato a governador é o deputado Rui Costa, que terá na vice o deputado João Leão, do PP. Wagner desistiu de disputar o Senado para abrir espaço para o atual vice-governador, Otto Alencar (PSD).

Novo ministro assume e prepara 'tropa de choque' para CPI da Petrobrás

Antes de tomar posse, Berzoini começa busca por aliados para integrar comissão; petista fará dupla na articulação política com Mercadante

Tânia Monteiro - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Antes mesmo de assumir o cargo, na terça-feira, o novo ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, já está em campo para cumprir a sua primeira missão: montar uma tropa de choque de governistas absolutamente fiéis ao Planalto para ocupar as cadeiras da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobrás.

Ao mesmo tempo, Berzoini terá como missão imediata trabalhar para ganhar a questão jurídica da futura CPI: que seu foco possa ser ampliado para que ela possa incluir outras questões, além da Petrobrás.

O Planalto quer que a comissão apure também questões que envolvam os governos do PSDB de Aécio Neves e do PSB de Eduardo Campos, prováveis adversários de Dilma nas eleições de outubro. Assim, esvaziaria o ímpeto oposicionista de tornar a CPI um palco para as eleições contra a presidente Dilma Rousseff e seu governo.

Com respaldo do PT e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Berzoini chega ao Planalto para dividir o poder com o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que, até agora, reinava absoluto, já que a ministra Ideli Salvatti, que deixa o posto para assumir a Secretaria de Direitos Humanos, estava completamente desgastada. Mercadante, que estava procurando trabalhar nos bastidores na coordenação política, já conversou com Berzoini e os dois dividirão a função com os líderes governistas de encontrar os nomes "a dedo" para compor a comissão parlamentar.

Missão. Auxiliares da presidente Dilma Rousseff asseguram que a parceria entre os dois está azeitada e que Berzoini chegará reforçado. O ideal para o Planalto era que, neste fim de semana, Berzoini estreasse nas suas funções, mesmo sem ter assumido o cargo. O objetivo seria conseguir reverter assinaturas de parlamentares da base aliada das listas da CPI.

Mas, como já não se trabalha mais com esta hipótese, o que a presidente espera dele é que consiga montar uma Comissão Parlamentar de Inquérito Mista, com assuntos que envolvam também temas problemáticos para a oposição e que, quando ela for instalada, na próxima terça-feira, os nomes governistas já estejam certos para ocupar suas cadeiras.

O desenho que está sendo trabalhado pelo Planalto é que o presidente da CPMI será o senador João Alberto (PMDB-MA). O relator terá seu nome discutido no fim de semana, mas será do PT. Caberá exatamente a Berzoini procurar este nome e outros para a montagem da artilharia a ser usado pelo governo contra a oposição.

O governo está se preparando para que, a montagem desta CPI seja a mais cuidadosa possível, com controle total do Planalto, que tem a maioria das cadeiras. O governo acredita que a previsão de leitura da instalação da CPMI seja na terça-feira, com imediata nomeação da maioria governista.

Piora na avaliação de Dilma pode ressuscitar pautas-bomba no Congresso

Palácio do Planalto analisa razões para queda na popularidade da presidente

Cristiane Jungblut, Isabel Braga – O Globo

BRASÍLIA - O Palácio do Planalto está tentando identificar as razões da queda de sete pontos percentuais na aprovação da presidente Dilma Rousseff e da continuada redução na aprovação em áreas importantes, como Saúde. E Educação. Na quinta-feira, quando a pesquisa da CNI/Ibope foi divulgada, a presidente já se reuniu com o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e outros para tratar do assunto.

Aliados do Planalto temem que a queda na popularidade sirva, a partir da próxima semana, como estopim para a volta de antigas pressões para votar propostas da chamada pauta-bomba na Câmara — cujo custo o governo calculou em R$ 60 bilhões no ano passado — e que se fortaleça a questão da CPI da Petrobras.

A avaliação é que nem mesmo a aprovação do Marco Civil da Internet terminou com os problemas no Congresso, em especial na Câmara, por conta da crise envolvendo a Petrobras. Além disso, o PMDB lidera as insatisfações entre os partidos aliados, mesmo depois do esvaziamento do chamado blocão. A bancada da Câmara do PMDB se reúne na próxima terça-feira com o vice-presidente Michel Temer. Há um movimento para que o PMDB se torne independente não apenas nas votações, mas no plano eleitoral.

O sinal de alerta no Planalto sobre o resultado ruim da pesquisa — que mostrou uma redução de 43% para 36% o índice de avaliação positiva do governo Dilma _ se acendeu na própria quinta-feira, quando os dados foram divulgados. Segundo integrantes do Planalto, a presidente Dilma se reuniu com o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e outros assessores ligados à Comunicação do governo. O governo, segundo estes interlocutores, ainda procura explicações para a queda. O governo teve péssima avaliação em Saúde, por exemplo, mesmo com a maciça propaganda sobre o programa Mais Médicos.

No caso da pauta-bomba, o presidente da Casa, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), já recebeu uma lista de cem prioridades dos partidos. A lista é encabeçada pela proposta sobre o piso salarial dos agentes de Saúde - uma votação que o governo fez de tudo para evitar no ano passado e conseguiu.

Mas a pressão das bancadas dos partidos, em ano eleitoral, está voltando. Há ainda sugestões que incluem projetos como a PEC dos Policiais, outro assunto que causa temor no Planalto. Henrique Alves lançou sua candidatura ao governo do Rio Grande do Norte e pode querer fechar sua gestão com a aprovação de vários projetos importantes. Na próxima semana, a pauta da Câmara estará trancada por um projeto e duas Medidas Provisórias, inclusive a polêmica MP 627, que trata de legislação tributária e taxação de lucros no exterior. Mas Henrique Alves quer fazer um esforço concentrando de sete a 11 de abril, com projetos de impacto social, como a regulamentação da PEC das Domésticas.

— A pauta da Saúde voltou — disse o deputado Danilo Forte (PMDB-CE). Já o líder do PP na Câmara, deputado Eduardo da Fonte (PE), disse que o momento não é de votar propostas que aumentem os gastos públicos. O PP foi um dos primeiros partidos a se reunir com o governo e, depois, deixar o chamado blocão.

— O momento não é de colocar matérias que sejam polêmicas, até porque é difícil votar. Temos que votar propostas de interesse da sociedade, como aquelas que tratam de segurança pública e defesa do consumidor. No meu entendimento, a mudança na articulação do governo oxigenou a relação do governo com a base no Congresso — disse Eduardo da Fonte, elogiando o ministro Mercadante e o deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), que substituirá Ideli Salvatti na Secretaria de Relações Institucionais.

Para o vice-líder do PT na Câmara, deputado José Guimarães (CE), não há risco de votações polêmicas. Ele acredita que a questão agora é política, se referindo ao clima beligerante entre governo e oposição, e disse que o PT terá que ser mais agressivo na atuação parlamentar.

Ele disse que o PT, em especial, terá que ser vigilante nas comissões temáticas da Câmara, para fazer o debate e evitar aprovação de requerimentos que possam prejudicar o governo. Mas parte dos partidos da base e a oposição têm conseguido aprovar uma verdadeira avalanche de requerimentos de convite ou convocação de ministros e outras autoridades do governo Dilma.

— O PT tem que enfrentar a disputa (com a oposição). O PT tem que ir para cima, com todo o gás — disse Guimarães.

Mas o petista acredita que a presidente vai recuperar a popularidade e que o governo mostrará suas realizações durante a campanha eleitoral. Para ele, a pesquisa é o resultado de um momento.

— Quando as forças entrarem em campo na campanha, tudo se estabiliza — disse Guimarães.

Já o deputado Danilo Forte acrescentou que o resultado da pesquisa mostrou a falta de sintonia entre as ações anunciadas pelo governo e a sociedade. Ele disse que o mesmo problema de interlocução existe entre o governo e os partidos.

— É tudo reflexo da falta de diálogo — disse Danilo Forte.

Afinado com o líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ), Danilo Forte disse que a bancada do partido quer um discurso afinado entre a Câmara e o Senado. Nos bastidores, há reclamações de que os deputados vão para o enfrentamento em votações e nas questões partidárias e eleitorais, enquanto os senadores sempre fazem acordos com o Planalto. Para Danilo Forte, o governo precisa entender que a Câmara acaba refletindo as tensões .

Inicialmente, o encontro de Temer com o PMDB seria no Palácio do Jaburu. Mas agora a ideia e fazer um jantar na residência de um parlamentar, para se afastar da questão oficial, já que o Jaburu é a questão não utilizar uma

— O tambor da política é a Câmara e não o Senado — disse Forte.

Campos diz que fará ‘muito mais por Pernambuco e pelo Brasil’

Governador e pré-candidato do PSB à Presidência afirma que ‘vai vencer a disputa’, e volta a criticar a ‘velha política’

Letícia Lins - O Globo

RECIFE — Mesmo cumprindo agenda administrativa — destinada a uma série de inaugurações em nove municípios —, Eduardo Campos (PSB) não perdeu oportunidade para falar como pré-candidato da legenda à sucessão presidencial em seu último périplo como governador. Afirmou que vai “vencer a disputa” para poder fazer “muito mais por Pernambuco” e “pelo Brasil”, durante entrevista a quatro emissoras de rádio na cidade de Afogados de Ingazeira, localizada a 386 quilômetros da capital.

Campos está no sertão desde a noite de sexta-feira e encerra as visitas na região agreste, passando neste domingo por cinco municípios. Durante a conversa com jornalistas da região, o socialista voltou a bater no que chama de política velha e defasada e fez discurso beirando o populismo:

— Não tenho tempo para ficar cuidando da velha política. Meu tempo, meu foco, meu desejo, minha alegria é fazer coisa boa para o povo. Ninguém faz coisa boa para o povo com briga ‘veia’ besta.

Quem tem disposição, e nós mostramos que temos, é para dizer que queremos continuar (no governo) para melhorar Pernambuco. Nós daremos a ele essa missão para ajudar Pernambuco a ser melhor no futuro — disse, referindo-se ao seu candidato à sucessão estadual, Paulo Câmara, que responde atualmente pela Secretaria da Fazenda.

Antes com presença mais restrita aos gabinetes, Câmara já começou a andar pelo interior não só devido à Agenda 40, como também participando de cerimônias oficiais presididas por seu padrinho político. A Agenda 40, por sua vez, constitui uma série de reuniões, nas quais a população emite opiniões que vão servir para a formatação do programa de governo do candidato ao Palácio do Campo das Princesas.

Depois de tecer elogios ao seu vice, João Lyra Filho (PSB), que assume o governo estadual na próxima semana, Campos voltou a se referir ao quadro nacional:

— Vamos seguir fazendo mais. Vou para a disputa eleitoral, para vencer essa disputa, para poder ajudar o Brasil, ajudar Pernambuco, ajudar o sertão, e fazer mais. Se hoje tenho consciência de que muitas coisas fizemos, muito mais a gente quer fazer — disse ele, acrescentando que, ao invés de brigas políticas com adversários, o bom governante traz coisas concretas que “melhoram a vida do povo”, como hospitais e estradas.

O governador voltou a comentar sobre a crise da Petrobras, repetindo o mesmo que vem dizendo desde o começo do escândalo envolvendo a empresa. Ele lembrou que, no início, o seu partido defendia a convocação da presidente da Petrobras, Graça Foster, e do ministro das Minas e Energia, Edison Lobão.

— Mas o governo criou dificuldades e não autorizou a ida da presidente da Petrobras. Como já tínhamos um diretor da estatal demitido, outro preso pela Polícia Federal, e a posição da presidente Dilma afirmando que se soubesse que a compra da refinaria americana (Pasadena) era uma operação desastrosa para o país não teria assinado, não tínhamos como deixar de apoiar a comissão parlamentar de inquérito — disse Campos.

Campos e Aécio falam em 'confissão de culpa'

Os dois criticaram a tentativa do governo de ampliar o foco da CPI da Petrobrás, adicionando questões que atingem o PSDB e o PSB

Agência Estado

RECIFE e BRASÍLIA - Os dois principais adversários da presidente Dilma Rousseff nas eleições de outubro criticaram nessa sexta-feira a tentativa do governo de ampliar o foco da CPI da Petrobrás, adicionando questões que atingem o PSDB e o PSB - o cartel de trens e metrô de São Paulo e obras do porto de Suape em Pernambuco.

O governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), chamou ontem de “atitude infantil”. Já o presidente do PSDB, Aécio Neves, classificou a tentativa como “ridícula”. Os dois disseram que a manobra significa uma “confissão de culpa”. “Não podemos, de forma nenhuma, admitir uma atitude que cheira até a infantilidade, de tentar fazer um processo de defesa que parece quase uma confissão de culpa, quando em vez de responder com objetividade e tranquilidade um assunto, tenta puxar outros assuntos”, afirmou Campos.

Aécio adotou o mesmo tom do pernambucano. “Essa tentativa de desviar o foco das investigações da CPI da Petrobrás beira o ridículo. Isso significa uma clara confissão de culpa”, disse.

Para Campos, as decisões sobre o objeto da CPI devem ser tomadas pelo Congresso. Ele defendeu ainda que as investigações não se tornem uma disputa eleitoral. “Em hora nenhuma isso deve ser colocado como um cabo de aço eleitoral ou político”, afirmou. “É uma questão objetiva: nós temos uma empresa, a maior brasileira, que nos últimos três anos perdeu a metade do seu patrimônio, multiplicou sua dívida por quatro e tem um conjunto de circunstâncias que levou o parlamento a tomar uma decisão por sua investigação.”

Campos quer que CPI também investigue Transpetro

Agência Estado

BRASÍLIA - O governador de Pernambuco e pré-candidato à Presidência pelo PSB, Eduardo Campos, vai aguardar o momento certo para colocar seus aliados em campo e fazer com que a Transpetro e os demais portos do País também sejam alvo de investigação na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras. Ele conversará com o senador Aécio Neves (PSDB) para convencê-lo de que o melhor caminho para driblar as tentativas da base de ampliar o foco da comissão é devolver "na mesma moeda".

O movimento é a resposta que Campos avalia como eficiente contra o requerimento que a base aliada da presidente Dilma Rousseff prepara para ampliar o objeto da CPI. Aliados do Planalto querem investigar irregularidades na construção do porto de Suape e o cartel de trens e do metrô em São Paulo, além das transações feitas pela Petrobrás.

A Transpetro é presidida desde 2003 por Sergio Machado, indicado do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Nos bastidores, o governador de Pernambuco tem chamado a tentativa de desviar o foco da CPI de "chantagem", segundo relataram pessoas próximas a ele. Ele quer convencer a oposição a "jogar o jogo" imposto pelo Palácio do Planalto e vencer a batalha no campo político.

Governo prepara tática para diluir CPI da Petrobras

Ofensiva no Congresso pretende incluir outros cinco assuntos na investigação. Oposição critica a estratégia do Planalto e a classifica de confissão de culpa

Paulo de Tarso Lyra – Correio Braziliense

BRASÍLIA – O governo conta com pelo menos 40 assinaturas no Senado e o apoio maciço da base na Câmara para ampliar o escopo da CPI da Petrobras a ponto de inviabilizar qualquer trabalho da comissão. A estratégia, discutida na quarta-feira à noite pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, é incluir no escopo da CPI cinco pontos de investigação: Porto de Suape (PE); Refinaria Abreu e Lima (PE); Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig); caso Alstom, que envolve o metrô de São Paulo; e a gestão do PSB de Eduardo Campos à frente do Ministério de Ciência e Tecnologia nos oito anos de governo Lula.

A ideia é apresentar o requerimento para uma CPI ampliada já na terça-feira, quando Renan deve ler a proposta de investigação da Petrobras, com 29 assinaturas, protocolada pela oposição na quinta-feira. Com isso, os governistas acreditam que vão pressionar a oposição a “sair da toca”. “Tem muita gente valente nestas duas últimas semanas. Veremos o tamanho dessa valentia agora”, afirmou um senador da base aliada.

Antes mesmo da posse como ministro da articulação política, prevista para segunda-feira, o deputado Ricardo Berzoini (PT-SP) tem articulado intensamente para que a Câmara também apoie a proposta. “Vamos conversar com a bancada. Mas eu acho ruim você abrir demais a investigação sem ter um foco. Isso desmoraliza o Congresso”, protestou o líder do PR na Casa, deputado Bernardo Santana (MG).

O líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), também é reticente, embora reconheça que se renderá à decisão dos deputados do partido. “Se abrir para a Cemig, daqui a pouco vão querer investigar Eletrobras e outras empresas do setor elétrico. CPI sempre é uma dor de cabeça”, disse. O presidente nacional do PP, senador Ciro Nogueira (PI), afirma que ainda há muita especulação sobre a proposta. Mas não se mostra contrário à ampliação das investigações.

O governador de Pernambuco e pré-candidato do PSB ao Planalto em outubro, Eduardo Campos, criticou a estratégia governista. “Não podemos de forma nenhuma admitir uma atitude, que cheira até a infantilidade, de tentar fazer um processo de defesa que parece quase uma confissão de culpa”, disse ele. O pré-candidato do PSDB ao Planalto, senador Aécio Neves (MG), fez coro a Eduardo Campos: “Essa tentativa de desviar o foco das investigações da CPI da Petrobras beira o ridículo. Isso significa uma clara confissão de culpa”. O senador tucano lembra que a crise envolvendo a Petrobras desmonta qualquer estratégia. 

“Não há uma liderança sequer do governo que hoje defenda as atitudes da então presidente do Conselho da Petrobras e hoje presidente da República (Dilma Rousseff).” O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso declarou que a tática governista é eleitoreira.

Em nova ofensiva, Eduardo Campos diz que quer preservar Petrobras

Socialista defende CPI sobre empresa e critica "blindagem" feita pelo PT à investigação

Diario de Pernambuco

Ontem), na cidade de Afogados da Ingazeira, no sertão do estado, ontem cumpre agenda administrativa, o governador e presidenciável Eduardo Campos (PSB) voltou a pedir uma investigação mais aprofundada sobre a Petrobras. Concorrente da presidente Dilma Rousseff (PT) nas eleições de outubro, o socialista voltou a tecer críticas ao governo federal, mas afirmou que seu intuito é de preservar a estatal brasileira.

Eduardo Campos explicou a razão da oposição ao governo Dilma endossar a CPI da Petrobras. "Você não pode ver empresa perder o valor que tinha, as dívidas se multiplicarem por quatro, ver um diretor envolvido e achar que não tem que haver investigação. É uma atitude infantil não querer discutir isso de maneira tranquilo", afirmou.

De acordo com o governador e pré-candidato, o PSB defende a instalação da CPI. No entanto, ele enfatizou que não pretende fazer da comissão parlamentar de inquérito um ambiente para desestabilizar o governo federal. "O povo quer transparência. A Petrobras é a maior empresa do Brasil, uma empresa estratégica do setor de energia. O nosso partido não vai admitir que a CPI vire um palco de disputa eleitoral. Queremos apenas restaurar a credibilidade da Petrobras", discursou.

Prestes a virar alvo de CPI, Petrobras é "cabide" para os aliados do governo

Estrutura de comando da empresa desperta a cobiça dos políticos não só pela remuneração, mas pelo poder sobre contratos milionários

Klécio Santos – Zero Hora (RS)

Uma das maiores petrolíferas do mundo, a Petrobras tem hoje 80 mil funcionários, mas o que desperta a cobiça dos políticos é sua estrutura de comando, transformada em cabideiro para acomodar aliados de ocasião.

Foi por conta de práticas como essa que a estatal está prestes a virar alvo de uma CPI, após a polêmica compra de uma refinaria no Texas que causou prejuízo bilionário à empresa.

Além do conselho de administração, do qual fazem parte atualmente dois ministros, a estatal conta com seis diretorias, sem falar no controle de subsidiárias importantes como a BR Distribuidora e a Transpetro.

O atrativo não é só a remuneração, mas o poder sobre contratos milionários. Abaixo do topo da pirâmide ainda há uma centena de cargos de gerente e chefe de departamento, um universo pronto para ser preenchido por nomeações políticas. Desde que chegou ao poder, em 2003, o PT transformou a empresa em abrigo para aliados.

O curioso é que todo mundo tenta nomear um apaniguado, mas, quando estoura um escândalo, ninguém assume a autoria da indicação. A dissimulação ficou evidente no bate-boca entre dois senadores, dias atrás.

No cerne da discussão entre Renan Calheiros (PMDB-AL) e Delcídio Amaral (PT-MS) está o DNA da indicação de Nestor Cerveró, ex-diretor da área internacional da Petrobras. Foi ele o responsável pelo laudo técnico considerado “falho” por Dilma Rousseff e que, em 2006, subsidiou o conselho administrativo da Petrobras na compra da refinaria de Pasadena.

— Delcídio tem de ficar despreocupado, porque, certamente, ele não o indicou para o Cerveró roubar a Petrobras — ironizou Calheiros, presidente do Senado, a quem a nomeação também foi atribuída.

Fato é que Cerveró é mesmo ligado a Delcídio. Ambos haviam trabalhado juntos à época em que o petista foi diretor de gás e energia da Petrobras, no governo Fernando Henrique Cardoso. Delcídio emplacou o amigo no cargo de diretor internacional na gestão de José Eduardo Dutra, em 2006.

Como Delcídio nunca gozou de prestígio no PT por conta das boas relações com o PSDB, Cerveró tratou de procurar abrigo. Logo foi acolhido pela cúpula do PMDB e assumiu a direção financeira da BR Distribuidora, um dos poderosos braços da estatal, até ser exonerado do cargo por ordem de Dilma, no dia 21.

Outro caso de apadrinhamento negado é o do ex-diretor de abastecimento Paulo Roberto Costa, preso pela Polícia Federal há duas semanas na Operação Lava-Jato. Ele teria envolvimento com a quadrilha suspeita de movimentar mais de R$ 10 bilhões.

Costa chegou à estatal em 2004, antes de o mensalão vir à tona, respaldado por dois pivôs do esquema: o ex-ministro José Dirceu e o ex-deputado do PP José Janene, falecido em 2010. Com trânsito fácil entre parlamentares, ampliou relações. No Congresso, há o temor de um eventual depoimento de Costa em uma CPI.

— Há indícios de que ele ajudou muita gente em campanhas eleitorais — diz um deputado governista.

Entrada de Graça Foster forçou uma renovação
As indicações partidárias em estatais se ampliaram com a chegada de Lula ao Planalto. Em vez de quadros técnicos, políticos como José Eduardo Dutra e Sérgio Gabrielli assumiram a presidência da estatal. E as diretorias foram fatiadas entre José Dirceu, que comandava a Casa Civil, e os partidos aliados.

Até mesmo a espinha dorsal da companhia, a diretoria de exploração e produção, entrou na barganha, tendo sido prometida por Lula ao então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, do PP. Em audiência com Dilma, à época ministra de Minas e Energia, Severino cobrou a fatura:

— O que o presidente me ofereceu foi aquela diretoria que fura poço e acha petróleo.

A ministra resistiu, e a cobrança entrou para o folclore político de Brasília. Apesar de contrariada, a hoje presidente cedeu a Dirceu, que emplacou vários diretores.

Ao assumir a Presidência, Dilma tentou reverter a prática, empossando Graça Foster no comando da estatal. A mudança de gestão implicou ampla renovação nos quadros de direção aparelhados por Dirceu. Foi o caso da estratégica diretoria de engenharia. Graça trocou Renato Duque por Richard Olm. Outro afilhado de Dirceu, Diego Hernandez, também foi alvo da degola de Dilma. Ele exercia o cobiçado posto de gerente de RH.

Hoje cumprindo pena na Papuda, Dirceu ainda mantém os apadrinhados José Eduardo Dutra – que chegou a assumir a presidência do PT antes de retornar à estatal — e o sindicalista Wilson Santarosa, gerente de comunicação institucional. A navalha de Graça Foster, contudo, não impediu que a Petrobras fosse palco de escândalos.

Os personagens e os padrinhos
Graça Foster — Executiva de carreira na Petrobras, onde entrou como estagiária, Maria das Graças Foster é próxima de Dilma Rousseff desde 1999. “Dilminha” e “Gracinha”, como se tratam na intimidade, trabalham juntas desde que a presidente era secretária de Energia de Olívio Dutra e Graça, a responsável pelo gasoduto Brasil-Bolívia. Entre 2003 e 2005, quando Dilma foi ministra de Minas e Energia, Graça foi secretária de petróleo e gás do ministério. Escolhida por Dilma como a primeira presidente mulher da Petrobras, Graça vem promovendo uma limpa no órgão, trocando diretores e incontáveis gerentes associados à máquina do PT.

Sergio Gabrielli — O padrinho de Sérgio Gabrielli no PT é o governador da Bahia, Jacques Wagner, um dos mais próximos de Lula. Baiano e economista, substituiu José Eduardo Dutra, que deixou a estatal para concorrer ao Senado, mas foi derrotado. Gabrielli se tornou um dos mais longevos presidente da Petrobras, mas nunca contou com a simpatia de Dilma. Em uma das tantas discussões e desentendimentos por conta dos rumos da empresa, Dilma teria feito Gabrielli chorar em uma reunião. Lula o queria como candidato à sucessão de Wagner. Hoje, é secretário de Planejamento na Bahia.

Nestor Cerveró — Diretor da área internacional da Petrobras na época da aquisição da refinaria de Pasadena, Nestor Cerveró cresceu na hierarquia da Petrobras com o aval do senador Delcídio Amaral, com quem trabalhara na estatal, e da cúpula do PMDB, de quem se aproximou nos últimos tempos. À frente da diretoria, era o responsável pela expansão dos projetos de gasoduto na América Latina. Em março de 2008, quando deixou o cargo para assumir a BR Distribuidora, foi substituído por Jorge Zelada, indicado pelo PMDB mineiro. Zelada foi limado com a chegada de Graça Foster. Já Cerveró foi demitido como bode expiatório.

Paulo Roberto da Costa — Preso pela PF na Operação Lava-Jato por suposto envolvimento com o doleiro Alberto Youssef, Paulo Costa era considerado braço forte de Gabrielli na Petrobras. Chegou à estatal com o aval de José Dirceu e do deputado José Janene. Engenheiro mecânico, fez especialização em engenharia de instalações no mar e escalou cargos até a diretoria de abastecimento. Participou, ao lado de Cerveró, da elaboração do documento que embasou a compra da refinaria americana. Demitido por Graça Foster, montou uma consultoria, a Costa Global. Mantém boas relações com vários políticos no Congresso.

Luiz Werneck Vianna*: A Copa e o estado de coisas que aí está

O Estado de S.Paulo

Quase não se sente, mas de tanto que empurrados pelos movimentos dos fatos quanto por nossas ações, desde as refletidas e conscientes dos seus fins até aquelas - provavelmente majoritárias - que os desconhecem, estamos à beira de uma grande mutação: o Estado que fez sua história entre nós como mais moderno do que sua sociedade, conduzindo seu destino à sua discrição, já dá mostras de que perde seu controle sobre os movimentos dela. Não que da sociedade tenha aflorado o impulso para a auto-organização e para a difusão de valores cívicos, bem longe disso. O fenômeno é outro e se faz indicar pela relação de estranheza e desconfiança que se vem estabelecendo entre ela e o Estado e suas instituições.

Exemplos não faltam, como o da Copa do Mundo que se avizinha. Noutras Copas, disputadas em países distantes, às vésperas das competições as ruas se faziam engalanar pelos próprios moradores, que estendiam bandeirolas e grafitavam nos muros e nas calçadas símbolos nacionais. Nesta de 2014, que se disputa aqui, ao revés, a manifestação dessas mesmas ruas tem sido a de brandir punhos cerrados sob a palavra de ordem ameaçadora de que "não vai ter Copa", que certamente não se dirige ao mundo do futebol, paixão inamovível dos brasileiros, mas ao da política.

A festa popular, que certamente virá com a abertura dos jogos, já fez sua opção de se manter distante da arena oficial, fazendo ouvidos moucos às tentativas de fazer da Copa um momento de ufanismo e de integração nacional. Ronda sobre ela o espectro dos idos de junho, porque reina, especialmente na juventude, o sentimento de que tudo isso que aí está, inclusive a Copa, "não me representa".

Estranheza quanto às instituições que não se confina a setores das classes médias, tradicionais e novíssimos, como se constatou com a greve dos garis do Rio de Janeiro, quando os trabalhadores dessa categoria profissional desautorizaram o seu sindicato e negociaram, com sucesso, suas demandas com o governo municipal diretamente. Episódios como esses têm sido frequentes sem que se abalem os fundamentos anacrônicos da estrutura sindical, imposta em outro tempo e para outro perfil de trabalhador.

O sentimento de estranheza e desconfiança, que se agrava, não se limita à incredulidade quanto a esse "outro" que é o Estado, traduzindo-se em ações, muitas delas violentas. A síndrome do protesto ganhou a imaginação de inteiros setores sociais nas metrópoles, em suas periferias e mesmo em pequenos centros urbanos, em boa parte com origem em estratos subalternos até então imersos na passividade e no conformismo.

Nesta hora, que reclama mudanças e inovações, caminha-se para uma eleição presidencial e parlamentar com todos os vícios das anteriores - aparelhadas, em meio ao jogo de parentelas e clientelas e, pior, sob a influência do dinheiro -, da qual não se espera, com justas razões, uma discussão em profundidade sobre as causas do mal-estar reinante no País.

Na raiz desse desencontro, de nenhum modo fortuito, está a guinada empreendida pelo PT, já esboçada antes de chegar ao governo em 2002, e que se radicalizou a partir do segundo mandato do presidente Lula, que o levou a revalorizar o que havia de mais recessivo na tradição republicana brasileira, qual seja o viés de se inclinar em favor de uma cultura política estatólatra. Essa cultura é longeva e teve seu momento mais forte no Estado Novo, institucionalizada pela Carta de 1937, de triste lembrança, mas subsistiu de modo encapuzado nos períodos posteriores, inclusive na democracia de 1946, para não mencionar o regime militar. E, camuflada com arte, encontrou seu lugar neste presidencialismo de coalizão que viceja à sombra da Carta de 1988.

A rigor, evitou-se responder ao desafio de encontrar um caminho original para um governo com origem na esquerda - decerto nada fácil, mas era o que cumpria fazer -, optando-se, mesmo que de modo inicialmente tímido e sem apresentar suas razões, pela restauração de práticas e ideias de um mundo defunto. Para trás, como um fardo embaraçoso de que se devia desvencilhar, a rica história de lutas contra o autoritarismo do regime militar, orientada em favor do fortalecimento da sociedade civil diante do Estado, pela descentralização administrativa, pela emancipação da vida associativa dos trabalhadores e pela defesa do princípio da pluralidade na representação sindical, estes últimos cavalos de batalha do sindicalismo do ABC e dos primórdios do PT.

O legado da resistência democrática seria preservado na Constituinte e consagrado na Carta de 1988, e encontraria seu sistema de defesa nos novos institutos criados por ela, em boa parte dependente de provocação da sociedade ao Poder Judiciário. Mas, apesar dessa relevante ressalva, a restauração de um sistema de capitalismo politicamente orientado, com a pretensão de estar a serviço de ideais de grandeza nacional, veio a minar as possibilidades de uma comunicação fluida do Estado com a sociedade civil, vã a tentativa de aproximá-los com a criação, em 2003, do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, hoje uma instituição de carimbo da vontade governamental.

O abandono da agenda que, nas décadas de 1970 e 1980, animou a resistência democrática não é inocente quanto ao atual estado de coisas que ameaça deixar o Estado a girar no vazio, incapaz de manter, em que pese sua política social inclusiva, uma interlocução positiva com os setores que emergiram dos próprios êxitos da modernização do capitalismo brasileiro. Recuperar, de verdade, as lições daquele tempo não é um exercício de memória, mas de História, disciplina interpretativa por excelência, porque é dela que nos vêm os sinais de a qual herança devemos renunciar para seguirmos em frente.

* Professor-pesquisador da Puc-Rio.

Merval Pereira: Voto esclarecedor

O Globo

O voto do ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo do chamado “mensalão do PSDB mineiro”, que enviou para a primeira instância da Justiça de Minas a acusação contra o ex-governador e ex-presidente do PSDB Eduardo Azeredo, depois que ele renunciou ao mandato de deputado federal, tem servido aos petistas e suas redes de blogs militantes, pagos ou não, como prova de que a Ação Penal 470, a do “mensalão petista”, teve um tratamento de exceção, pois deveria ter sido desmembrada e enviada para a primeira instância no que tange aos réus que não tinham mandato parlamentar, como o ex-ministro José Dirceu.

No voto de Barroso há uma interessante análise do foro por prerrogativa de função, e o desmembramento dos processos. Como o chamado foro privilegiado é a exceção, explica Barroso em seu voto, a regra é que se dê o desmembramento do processo quando existam réus que não desfrutem de tal prerrogativa. “Este fato, com frequência, traz embaraços para a investigação, que acaba ficando fragmentada”.

A propósito, ele destaca que “a jurisprudência da Corte já vem admitindo a possibilidade de prorrogar sua competência para conduzir o inquérito ou realizar o julgamento de réus desprovidos da prerrogativa de foro, nos casos em que o desmembramento seja excessivamente prejudicial para a adequada elucidação dos fatos”.

Ora, foi justamente essa a razão por que o plenário do STF aprovou o não desmembramento do processo do “mensalão petista”, compatível com a jurisdição daquela Corte. Barroso, aliás, já propôs que seja definida uma regra para o desmembramento de processos. O mesmo raciocínio levou o ministro Barroso a propor um critério geral para acabar com o que classifica “a farra que é o foro por prerrogativa de função”.

Ele deu em seu relatório exemplos de como “o processo sobe e desce, vai e vem”. Sua proposta, que teve 4 votos (o dele, o de Teori Zavascki, o de Luiz Fux e o de Joaquim Barbosa), é definir o recebimento da denúncia como o momento a partir do qual a renúncia não impedirá mais que o processo continue a ser julgado pelo STF “tendo em vista a necessidade de se preservar a seriedade da jurisdição, evitando que o foro privilegiado se converta em objeto de manipulação”.

Mesmo nessa posição, o relator votou a favor do encaminhamento do processo à 1ª instância. Na definição de Barroso, “a questão concreta, apesar da carga política, era relativamente simples do ponto de vista técnico. Em matéria penal, não há como mudar jurisprudência para trás”.

Ele acha que “a ideia de que é preciso um critério geral mais rígido vai prevalecer um pouco mais à frente”. Barroso aproveitou seu voto para propor a reformulação do foro por prerrogativa de função. Pela proposta, o foro privilegiado do STF deveria ser limitado a um número reduzido de autoridades, como o presidente da República, o vice-presidente, os presidentes do Senado e da Câmara, o procurador-geral da República e os ministros da própria Corte.

Para as demais, “para não deixar a autoridade pública sujeita à má-fé ou ao oportunismo político de ações penais em qualquer parte do país”, seria criada uma Vara Especializada em Brasília, com um juiz titular para julgar ações penais e outro juiz titular para julgar ações de improbidade, escolhidos pelo STF.

Essa vara e esses juízes seriam competentes para as ações penais e de improbidade contra os parlamentares, ministros e autoridades federais que hoje têm foro privilegiado.

Tais juízes serviriam por um prazo certo, algo em torno de quatro anos ou cinco. Ao final, eles seriam automaticamente promovidos para o Tribunal Regional Federal, na 1ª vaga disponível para membros da magistratura. Isso daria a eles independência. Não poderiam, por dois ou três anos, ser promovidos para instância mais elevada, para que não utilizassem o cargo como trampolim.

Da decisão do STF sobre o “mensalão mineiro” ficou a sensação de que mais uma vez a decisão do plenário correspondeu ao entendimento técnico de seus membros.

Além de notar que a decisão, em tese beneficiando o PSDB em ano eleitoral, foi tomada com base no relatório de um dos ministros acusados de terem entrado no STF para amenizar as penas dos mensaleiros petistas, é preciso destacar que o único voto contra o envio do processo para a 1ª instância foi o do presidente do STF, ministro Joaquim Babosa, aquele acusado pelos petistas de ter sido o algoz no julgamento do mensalão

Dora Kramer - Demanda reprimida

O Estado de S. Paulo

Nessa batida a coisa vira rotina: de agosto de 2013 para cá foram seis os deputados federais com prisão decretada pelo Supremo Tribunal Federal. Na média, quase um por mês. Estatística impressionante se comparada à inexistência de punições do tipo a contar de 1988, quando a Constituição determinou que o foro de julgamento (dito privilegiado) de autoridades seria o STF.

O que ocorre? Nada de excepcional, apenas a fila andou. E lentamente, se considerarmos que levou pouco menos de 12 anos entre a mudança da lei que confundia imunidade com impunidade e as primeiras punições efetivas no que diz respeito a integrantes do Congresso Nacional.

Mas, diante do que ocorria até novembro de 2001, antes tarde do que nunca. O constituinte de 88 assegurou a inviolabilidade dos votos e da palavra dos parlamentares, mas a estendeu aos crimes comuns, pois os processos eram automaticamente suspensos mediante a diplomação do eleito. Se o crime fosse cometido no exercício do mandato, o STF precisaria de autorização do Legislativo para abrir uma ação.

Os tempos eram outros, a sociedade menos vigilante, o espírito de corpo mais atuante e, com isso, a autorização nunca era concedida. Já houve casos de senadores suspeitos de tráfico de drogas, homicídios, desvios de verbas públicas e uma série de crimes, cujos pedidos do Supremo foram simplesmente arquivados sem maiores explicações.

O aumento dos escândalos, no entanto, fez crescer a pressão sobre o Legislativo e finalmente, no fim de 2001, foi promulgada a emenda 35 ao artigo 53 da Carta, que inverte a situação anterior. Hoje, o STF inicia o processo e, se o Congresso quiser impedir, precisa aprovar por maioria a suspensão da ação. Um desconforto, no mínimo.

Os seis parlamentares condenados podem representar um número significativo se comparados à situação de impunidade total. Mas representam quase nada diante das 834 ações ou inquéritos que, segundo levantamento feito pelo Estado em novembro do ano passado, tramitam no Supremo Tribunal Federal contra políticos.

Em 36% delas existem indícios de crimes como lavagem de dinheiro, desvio de recursos, falsidade ideológica e homicídio.

Leite derramado. O que a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a devolução do processo do tucano Eduardo Azeredo à primeira instância, devido à renúncia ao mandato de deputado federal, ensina aos condenados do mensalão é que excesso de confiança nem sempre é bom conselheiro.

Mesmo levando em conta que a composição da Corte na época era outra, o placar de 8 a 1 em relação a Azeredo autoriza a suposição de que, se os deputados mensaleiros tivessem renunciado aos mandatos antes do início do julgamento, a ação penal 470 não seria examinada pelo STF, que remeteria os autos ao foro de origem.

Mas, os réus preferiram confiar em dois fatores. No campo político, na influência de Luiz Inácio da Silva. No âmbito jurídico, seguiram a tese defendida por Márcio Thomaz Bastos quando ainda ministro da Justiça, segundo a qual o que houve foi crime eleitoral.

O foro privilegiado dos deputados e o não desmembramento do processo foram o que manteve o caso no Supremo. Sem possibilidade de recurso.

Oferta e procura. Isolado, o índice de 36% de avaliação positiva do governo não é motivo para a oposição se entusiasmar desde já. O então presidente Lula tinha pouco mais que isso no início de 2006 e ganhou a eleição.

Mas, aqui, entram outros fatores que fazem a diferença. O primeiro, as "curvas". Desde novembro do ano anterior Lula vinha em rota ascendente nas pesquisas; a trajetória de Dilma é descendente.

O segundo, o anseio do eleitor. Em 2002, havia o desejo de mudança; deu oposição. Em 2006 e 2010, a demanda do eleitorado era por continuidade; deu governo. Em 2014, diante da procura por mudança, o marketing tentará "ofertar" a presidente na moldura da transformação.

Eliane Cantanhêde: Desastres nada naturais

Para a presidente e candidata Dilma Rousseff, a semana passada foi um desastre na política e na economia. E nada indica que vá melhorar nesta e nas próximas.

Começou com o rebaixamento da nota do Brasil, que a Fazenda, zangada, desdenhou como "inconsistente". Os resultados da economia no resto da semana, porém, confirmaram que a agência de classificação de risco Standard & Poor's não estava chutando.

Primeiro, veio o rombo das contas do Tesouro em fevereiro, com os gastos federais superando a arrecadação em mais de R$ 3 bilhões e ameaçando o compromisso do governo com um superávit primário robusto neste ano. Depois, veio o IGP-M batendo em 7,3% em 12 meses, reforçando o que o mercado vem dizendo: a inflação pode ultrapassar o teto da meta em 2014.

Na política, a compra esquisita da refinaria de Pasadena, nos EUA, jogou luzes sobre a bagunça, o desmando, a perda de valor e o aparelhamento da Petrobras desde o governo Lula e, de quebra, queimou a imagem de "gerentona" de Dilma.

Mas o pior é que Pasadena catalisou a insatisfação crescente do Congresso. Como as oposições conseguiram assinaturas suficientes para a CPI, se a presidente tem a maior base aliada das galáxias?

Todo esse caldo de erros na economia, na política e na gestão acabaria, mais cedo ou mais tarde, entornando nas pesquisas. Pois a CNI/Ibope apontou que a percepção popular sobre o governo desandou em todos os itens e áreas e que a popularidade de Dilma caiu 7 pontos.

A semana fechou com o ministro Edison Lobão, que está rouco de tanto negar o racionamento, falando em economia de energia para não faltar luz na Copa. Não é demais?

Entretanto, o desemprego continua baixo e em queda e as ações da Petrobras dispararam, a Bolsa subiu e o dólar caiu, apesar de todos os desastres. Ou seria justamente por causa deles e do que projetam? Isso dá uma boa reflexão.

João Bosco Rabello: Tempestade perfeita

O Estado de S.Paulo

Antes uma possibilidade, com o sentido de alerta aos gestores, a tempestade perfeita - a conjugação de erros na gestão econômica interna com fatores externos de influência negativa - parece ter chegado para o governo Dilma Rousseff, acrescida de sua versão política.

O ex-ministro Delfim Neto considerava, tempos atrás, que a tempestade perfeita ocorreria no Brasil se a deterioração da economia resultasse no rebaixamento da nota de crédito do país, sinalizando para risco maior aos investidores, já distanciados pela desconfiança com o governo.

O rebaixamento acaba de ocorrer em um cenário de aumento dos gastos públicos, inflação em alta, contas maquiadas e ajustes fiscais adiados por conveniência eleitoral. Outro dado que, por si só, bastaria para deflagrar a crise, se junta agora ao contexto: a depreciação do capital político e econômico da Petrobrás.

Depois de ocupar a 12.ª posição entre as empresas de maior valor de mercado no planeta, a Petrobrás caiu para a 120.ª - nada menos que 100 posições. E viu sua imagem de maior símbolo nacional, que a fez carro-chefe da propaganda política de todos os governos, inclusive o atual, abalada por evidências de corrupção produzidas no âmbito de sua diretoria.

O estopim da crise foi a própria presidente da República, ao se dizer ludibriada pela diretoria da empresa, materializando uma denúncia de fraude que pôs sob suspeita de corrupção a operação comercial de compra da refinaria de Pasadena, no Texas. Nenhum mérito, pois, à oposição, nessa grave revelação sobre a Petrobrás.

É onde começa a tempestade política com a junção de um escândalo de corrupção, gerador de uma CPI a sete meses da eleição, a uma insatisfação crescente espalhada pelas áreas de educação, saúde, segurança, meio ambiente e desemprego, entre outras registradas pela última pesquisa como fatores da queda de aprovação do governo de 43% para 36%.

O quadro ainda não retira à presidente a condição de favorita, como mostra a permanência de seu índice de 43% na corrida presidencial, mas o consolida como teto, diante das dificuldades de reversão dos fatores adversos que construiu.

O índice sempre foi de risco para quem tenta a reeleição, agravado pela constatação de que o governo começa a perder a corrida contra o relógio, síntese para a estratégia adotada de adiar as consequências da gestão temerária da economia, contaminada pela campanha eleitoral antecipada.

A crise deu à oposição uma CPI que o governo tenta inviabilizar ampliando a investigação para além da Petrobrás, velho recurso para reduzir danos, que não lhe poupa, contudo, do ônus de confessar que tem o que esconder.

Alvoroço. A confirmação da candidatura de Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) ao governo do Rio Grande do Norte antecipou a disputa pela sua sucessão. O mais assanhado é o petista Marco Maia, antecessor de Henrique Alves no cargo, que, por ora, negocia no âmbito de seu partido. Por fora, sem admitir ainda, corre o líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ).

Em famílias. Para fazer do irmão Ciro, senador, o governador do Ceará, Cid Gomes, deverá renunciar e apoiar o senador Eunício Oliveira (PMDB), líder nas pesquisas, à sua sucessão. A operação irrita o PT que pretendia o Senado para o deputado José Guimarães, irmão de José Genoino, e quis fazer Eunício ministro para tirá-lo do páreo.

Blog. Aécio forma comissão para escolher candidato tucano no DF.

1964 - Choque entre 2 visões de Brasil

O conflito, que refletia a divisão do mundo entre capitalismo e comunismo, fermentava desde o início da década, ganhou as ruas e teve seu desfecho com a intervenção militar

Lourival Sant’Anna – Estado de S. Paulo

É quase sempre arbitrária e discutível a definição do momento desencadeador de um acontecimento histórico. A tentação é grande de retroceder um pouco mais na busca do ponto de inflexão, do fato definidor. Com o golpe de 64 não é diferente. Mas talvez não seja possível entender aquele ambiente sem recuar pelo menos até a ascensão de Getúlio Vargas em 1930 e a implantação de seu Estado Novo (1937-45). Naquele período, o ditador populista e autoritário encarnou a figura paterna com que tanto sonham, do Descobrimento até hoje, gerações sucessivas de brasileiros, que se sentem desamparados sem um provedor, seja um senhor de escravos, imperador, marechal, coronel ou governante, ao mesmo tempo implacável, benevolente, poderoso.

Getúlio saiu e voltou. Retomado o ciclo dos governos democráticos, foi antecedido e sucedido por presidentes mais ou menos liberais e carismáticos. Mas seu suicídio em 1954 e sua carta-testamento selaram de forma quase mágica o papel do pai austero e protetor. Ao eleger Juscelino Kubitschek em 1955, os brasileiros buscaram uma resposta mais racional para os seus anseios. JK governava com "planos de meta", que resultaram na industrialização e na interiorização do País, por meio de rodovias e da construção de Brasília. Mas o apego popular ao getulismo ficou manifesto na eleição do vice, João Goulart, ministro do Trabalho e herdeiro político de Getúlio, que teve mais votos que Juscelino.

Conterrâneo de Getúlio, Jango, como era conhecido, rico fazendeiro de São Borja, no interior do Rio Grande do Sul, tinha convite, em meados dos anos 40, para entrar para o PSD, o mesmo partido do futuro presidente JK. Foi por intervenção direta de Getúlio, amigo de seu pai, recém-saído da Presidência, que Jango entrou para o PTB gaúcho. São dados biográficos importantes, que compõem o seu perfil futuro, de trabalhista híbrido, líder indeciso, que parecia ter de ser empurrado para o seu destino quase tão trágico quanto o de seu mentor - a desistência não pelo suicídio, mas pela renúncia sem resistência, seguida do exílio.

A posse de Juscelino teve de ser assegurada pelo general Henrique Lott, então ministro da Guerra, contra oficiais que tentaram impedi-la, por considerar a composição PSD-PTB à esquerda demais. Aí o golpe de 64 teve o seu primeiro ensaio, e as duas vertentes doutrinárias do oficialato - a legalista e a linha dura - se explicitaram. Os mandatos eram de cinco anos, sem direito à reeleição do presidente, mas os vices podiam voltar a se candidatar, e sua eleição era separada da do presidente. Em 1960, Jango consolidou sua popularidade, voltando a se eleger vice de Jânio Quadros, da coligação liderada pela UDN, principal partido conservador do País. Se no mandato anterior havia certa convergência entre o PSD e o PTB, e se Juscelino em certo sentido representava o ponto médio entre as correntes liberais e trabalhistas, com sua abordagem "social-democrata" de desenvolvimento, a eleição de 60 lançou o País na rota da divergência ideológica.

Jânio. Precursor do populismo de direita que depois se atualizaria em figuras como Paulo Maluf e Fernando Collor de Mello, Jânio foi o primeiro a dominar com maestria a mensagem dos meios de comunicação de massa. Venceu a eleição empunhando uma "vassourinha" para "varrer a corrupção" e lanchando sanduíches de mortadela nos comícios , para se identificar com os trabalhadores das grandes cidades. Excêntrico, imprevisível e intuitivo, Jânio estava longe de ser um líder liberal no sentido clássico. No seu curto mandato de sete meses, não esboçou uma política econômica coerente. No ambiente internacional envenenado pela Guerra Fria - a disputa por influência entre os Estados Unidos e a União Soviética -, explorou o arraigado sentimento anti-imperialista brasileiro ao condecorar o líder guerrilheiro argentino Ernesto Che Guevara, ícone da Revolução Cubana de dois anos antes, que então começava a alinhar-se com o bloco comunista.

Essas ambivalências acompanhariam o drama que estava por se desenrolar, e continuariam presentes na visão de Estado paternalista, provedor e autoritário que une grande parte dos brasileiros até hoje. Mesmo que a divisão não fosse clara e linear - e talvez poucas coisas o sejam no Brasil -, havia duas visões, dois modelos, dois rumos para o País, que colidiram na composição Jan-Jan (Jânio-Jango) e nos acontecimentos seguintes.

Em aparente manobra para angariar maior apoio no Congresso, o impulsivo Jânio renunciou em agosto de 1961, denunciando "forças ocultas" nunca vistas à luz da História. Jango recebeu a notícia em Cingapura, depois ter passado pela China comunista, em missão acertada com o presidente, como parte de sua política externa desalinhada com o esquema das duas superpotências - EUA e URSS.

O golpe de 64 teve então o seu segundo - e mais robusto - ensaio. Exército, Marinha e Aeronáutica tinham cada uma seu ministro, que, juntamente com o da Guerra, marechal Odílio Denis, tentaram impedir a posse do vice, pelo fato de ser apoiado pelos partidos Comunista e Socialista Brasileiro (PCB e PSB). A posse foi garantida, mais uma vez, pela corrente legalista, liderada, agora da reserva, pelo marechal Lott, que fora candidato a presidente na chapa de Jango. Assim como em 1955, o general Humberto de Castelo Branco fez parte desse grupo. Dessa vez, no entanto, foi necessário um acordo, pelo qual o presidencialismo deu lugar ao parlamentarismo. Tancredo Neves, do PSD, foi eleito primeiro-ministro.

O incidente abriu espaço para o protagonismo de Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul pelo PTB e cunhado de Jango, que promoveu a "campanha da legalidade". Um plebiscito em janeiro de 1963 traria de volta o presidencialismo. Jango, no entanto, seguiria com apoio insuficiente no Congresso e nas Forças Armadas, e cada vez mais dependente do respaldo das "massas trabalhadoras", organizadas pelos sindicatos vinculados ao PTB e crescentemente hipnotizadas pela retórica febril de Brizola, que, já como deputado federal, disputava influência nacional com seu cunhado. Brizola pressionava Jango para adotar "reformas de base". Sabendo que não havia apoio no Legislativo para elas, falava em Assembleia Constituinte (o que era traduzido por "fechar o Congresso"), e em impô-las "na marra".

Acuado, sem alternativa de apoio, Jango, de índole conciliadora, pareceu vencer a própria relutância e atropelar a própria natureza no Comício da Central do Brasil, no Rio, no dia 13 de março de 1964, quando adotou a beligerância e a impaciência do cunhado - "vou falar em linguagem que pode ser rude", desculpou-se. Anunciou que havia assinado o decreto de reforma agrária e a nacionalização de cinco refinarias, criticou a Constituição e citou o "supremo sacrifício" de Getúlio Vargas. Bandeiras comunistas tingiam de vermelho a multidão de 150 mil a 200 mil pessoas.

Comunismo. Em reação ao que era percebido como o risco de "comunização" do Brasil - apesar de trabalhismo e comunismo competirem entre si -, foram organizadas as "Marchas da Família com Deus pela Liberdade", com apoio da Igreja e de setores liberais. A Marcha começou em São Paulo, no dia 19, onde reuniu entre 300 mil e 500 mil pessoas, e se espalhou por várias outras cidades, totalizando 1 milhão de manifestantes. Eles defendiam a Constituição, a propriedade e a democracia.

Em 25 de março, cerca de 2 mil marinheiros, sob influência do PCB, desafiaram o ministro da Marinha, Silvio Mota, celebrando o aniversário de uma associação que havia sido declarada ilegal. No dia 30, Jango compareceu a uma reunião de cerca de mil cabos e sargentos no Automóvel Club, no Rio, e pronunciou seu discurso mais virulento, em que falou de "represálias do povo" contra seus adversários, financiados pelo Exterior. Era uma referência ao escândalo de ajuda financeira americana à campanha de deputados. Alarmados com a possibilidade de o Brasil converter-se numa Cuba continental, os Estados Unidos patrocinaram também o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), com sede no Rio, que fazia filmes de propaganda anticomunista.

Os dois episódios foram considerados tão provocativos para o oficialato que se especula se não foram estimulados por agentes da linha dura. Eles demoveram a maioria dos legalistas de suas hesitações - a começar por Castelo Branco, chefe do Estado-Maior. A reação foi imediata - e atropelou a cúpula. De prontidão desde o Comício da Central do Brasil, o 10.º Regimento de Infantaria, de Juiz de Fora, pôs-se em marcha às 12h30 do dia 31, rumo ao Rio. Quando entraram em contato com as tropas sublevadas na estrada, as forças supostamente legalistas se congraçaram com os companheiros e aderiram ao golpe.

EUA. Os Estados Unidos enviaram uma força-tarefa com um porta-aviões, quatro destróieres, duas escoltas e navios-tanque, para apoiar a intervenção militar. Mas deram meia-volta muito antes de se aproximar da costa brasileira. A rápida adesão dos comandantes levou Goulart a renunciar, partindo para o exílio no Uruguai. Castelo Branco venceu uma surda disputa de poder com o general Artur da Costa e Silva, líder da linha dura, e sagrou-se comandante da "revolução redentora da democracia", como foi chamada por seus partidários. O Congresso o elegeu presidente, e ele tomou posse no dia 15 de abril.

A intenção dos setores civis que apoiaram o golpe - e aparentemente da ala dos militares legalistas liderados por Castelo - era evitar um possível "autogolpe" de Jango, no qual se presumia que ele fecharia o Congresso e imporia suas reformas de base, inaugurando uma "ditadura do proletariado" tropical, aqui chamada de "república sindicalista". Entretanto, Costa e Silva liderou o que entrou para a história como o "golpe dentro do golpe". Numa sequência de decretos paradoxalmente denominados "atos institucionais", a ditadura militar foi gradualmente se instalando, com o cancelamento da eleição presidencial de 1965, o banimento de partidos, a abolição dos direitos e liberdades. A cada quatro anos, um Congresso subserviente elegeu um general-presidente, escolhido antes pela cúpula das Forças Armadas.

A ditadura durou 21 anos, deixando marcas na sociedade brasileira com a tortura e o desaparecimento de opositores. Na economia, seu legado foi ambivalente: de um lado, a inflação e o endividamento elevados; de outro, a implantação de uma importante infraestrutura no País. Toda essa história é contada em detalhes, em muitos casos inéditos, nas páginas que seguem.

Leia mais sobre o assunto

Artigo de Ferreira Gullar:  Ao apagar das luzes


Suplemento do Esdadão: 1964 - Tudo sobre o golpe

FHC: ‘Ainda não temos crença na democracia’

Lamenta o intelectual que se escondeu da polícia, até ser pego pela política

Laura Greenhalgh – O Estado de S. Paulo

Era jovem, mas já prestigiado como acadêmico. Equilibrava-se entre ser socialista nos modos e marxista nas ideias. E fazia a cabeça da estudantada da Faculdade de Filosofia da USP. Daí o golpe se consumou e o professor Fernando Henrique teve que sumir. Vazou, como se diz hoje. "Quando os policiais chegaram na Maria Antonia (nome da rua onde ficava a faculdade, em São Paulo) para me prender quase levaram o (filósofo) Bento Prado, achando que era eu", comenta o ex-presidente ao lembrar de um tempo em que precisou pular de casa em casa, de cidade em cidade, às escondidas, até se fixar no Chile, para onde seguiram a mulher, Ruth Cardoso, e os filhos pequenos.

Na entrevista que se segue, o trigésimo-quarto mandatário brasileiro reflete sobre a ditadura e conclui que ela não chegou a desmontar o Estado regulador. "Falam tanto em neoliberalismo, mas nunca tivemos isso no País. Já liberalismo político, esse eu até gostaria que houvesse mais". A 50 anos do golpe que o levou para o exílio e aos 82 de idade,

Fernando Henrique, deixa passar uma nota de amargura: "Não estamos em condição de ensinar democracia a ninguém, porque há muito a aprender. Faltam-nos, sobretudo, crença na democracia e grandeza na vida política."

Onde estava quando tudo aconteceu, 50 anos atrás?

Semanas antes do golpe, quando houve aquele comício da Central do Brasil, eu estava no Rio, onde vivia meu pai. Passei pelo comício e embarquei lá mesmo, rumo a São Paulo. Era 13 março. No trem estavam o (hoje ex-ministro) José Gregori, o (hoje ex-deputado federal) Plínio de Arruda Sampaio, com quem eu acabaria me reencontrando no exílio, e um rapaz chamado Marco Antonio Mastrobuono, que depois viria a casar com a Tutu, filha do Jânio Quadros. Viemos conversando ao longo da viagem sobre a situação. Ali ninguém era entusiasta do Jango, eu também não era. Embora meu pai fosse um militar nacionalista, que inclusive havia sido deputado pelo PTB.

Seu pai era um nacionalista. E o senhor?

Um socialista. Tivera contato com o comunismo nos anos 1950, mas àquela altura, depois do stalinismo, não sobravam ilusões. Também não tinha ilusão de que o Jango seria algo extraordinário ao País, porque ele era um populista e eu, um acadêmico. E, na universidade, tínhamos a convicção de que as mudanças viriam da luta de classes, não do populismo. Pois bem, chegando a São Paulo, encontrei um clima de grande agitação. Nessa época o Darcy (Ribeiro) já havia sido nomeado chefe da Casa Civil do Jango. E era muito amigo da minha família. Nós nos falamos algumas vezes por telefone naqueles dias e isso terminou me trazendo uma dor de cabeça tremenda, pois o aparelho do Darcy estava grampeado e fui grampeado, também.

O que aconteceu exatamente?

O Darcy um dia me disse que viria a São Paulo e eu comentei "vem com cuidado aí com o Grupo dos Onze" (grupo de resistência radical concebido em 1963 pelo então governador gaúcho Leonel Brizola). Disse aquilo por dizer, sem qualquer intenção, porque havia acontecido uma violência contra o ministro da Reforma Agrária do Jango, em São Paulo, algo assim. Esse comentário grampeado iria me complicar no futuro, quando fui processado na Justiça Militar. Mas, na noite do golpe, lá na Maria Antonia, havia mesmo muita confusão. Eu exercia certa influência sobre alunos e professores mais jovens, embora fosse jovem também - tinha só 33 anos, mas já fazia parte do Conselho Universitário. Muitos dos meus colegas achavam que o golpe era do Jango e dos generais leais a ele, o Amaury Kruel, o Osvino Ferreira Alves. A confusão era tanta que eu telefonei para o Luiz Hildebrando da Silva, que era da Medicina da USP e ligado ao Partidão, dizendo para ele vir até a Maria Antonia, pois estavam preparando um manifesto contra um golpe do presidente. E não um manifesto contra o golpe no presidente! Veja como estávamos perdidos na USP, isolados da vida política, mergulhados num marxismo teórico. Vou contar uma passagem estapafúrdia: naqueles dias soubemos que haveria uma resistência armada no Sul e então o Bento Prado, o (cientista social) Leôncio Martins Rodrigues, o Paulo Alves Pinto, que era sobrinho do general Osvino, e eu cogitamos tomar um aviãozinho no Campo de Marte para lutar no Sul. Ainda bem que não houve luta alguma (ri). Então, assim foi a minha última noite andando pela rua Maria Antonia. No dia seguinte, a polícia apareceu por lá para me prender. Quase levaram o Bento Prado, pensando que fosse eu.

Como escapou de ser preso na Maria Antonia?

Alunos meus ficaram nas esquinas, à espreita, para me avisar que a polícia estava lá, assim que eu me aproximasse. Acabei não indo à faculdade e naquela noite dormi na casa de um amigo, o cineasta Bráulio Muniz. Continuei me escondendo, daí fui para o Guarujá na casa do (fotógrafo) Thomas Farkas, com o Leôncio. E a Ruth (Cardoso), minha mulher, ficou aqui, tentando entender o que se passava. Ruth procurou o Honório Monteiro, que fora ministro do presidente Dutra e era meu colega no Conselho Universitário. O Honório tentou interferir a meu favor junto ao Miguel Reale, então secretário de Segurança. Mas o Reale respondeu que no meu caso não havia o que fazer, porque "esse professor Cardoso não é só teórico, mas prático também". Outro amigo, o (economista, museólogo e autor teatral) Maurício Segall, que já se ocupava de organizar fugas, achou que eu tinha que cair fora, não havia condições de ficar no País. Saí por Viracopos e fui para Argentina, para a casa de um ex-colega meu na França, que mais tarde viria a ser ministro do Kirchner, o José Nun. Tive convite para lecionar na Universidade de Buenos Aires, mas também convite para trabalhar na Cepal, no Chile. Preferi ir para o Chile. Meses depois Ruth veio ao meu encontro, com as crianças, e lá ficamos anos.

Voltou ao Brasil nesse período?

Duas vezes. Eu me encontrei em Paris com Antonio Candido, que dava aulas por lá, e ele me ajudou a voltar ao Rio para ver meu pai. Era 1965. Quando meu pai morreu, eu estava no Chile, mas já com passaporte validado, portanto voltei para o enterro. Houve uma missa com muitos oficiais e um deles chegou perto do meu irmão para dizer, referindo-se a mim: "Ou ele vai embora ou vai ser preso". Vim para a casa do empresário e editor) Fernando Gasparian, em São Paulo, dormi outra noite na casa do (sociólogo) Pedro Paulo Popovic, e regressei ao Chile. Acabei não sendo preso. Houve o processo contra mim na Justiça Militar, com acusações ridículas, entre as quais aquela envolvendo o telefonema grampeado do Darcy, e outras histórias vindas da universidade, de colegas que naquele momento dedo-duraram bastante, mas depois virariam ultra-esquerdistas. O general Peri Bevilacqua, neto do Benjamin Constant e homem ligado à minha família, foi quem me deu um habeas corpus anos depois. Mais tarde ele seria cassado, também. Pude devolver as medalhas do general para a família dele, quando estava na Presidência.

O que o senhor pesquisava na época do golpe?

O empresariado brasileiro. Foi minha tese de livre-docência, defendi em 1963 e publiquei-a no ano seguinte. Contestava a visão da esquerda de que havia uma aliança dos latifundiários com os imperialistas, contra a burguesia nacional e o povo. Isso era bobagem. Os empresários tinham ligação com o campo e não eram antiimperialistas, com exceção de dois ou três. A esquerda apostava no papel progressista da burguesia nacional e eu tinha uma visão crítica em relação a isso.

Disse que não se entusiasmava por João Goulart. Como o definiria?

Jango não era de assustar ninguém e hoje seria um político muito mais tranquilo do que qualquer um desses governantes populistas da América Latina. Mas, no contexto da Guerra Fria, e pelos contatos que tinha com os comunistas, representava o horror naquele momento. Vi isso acontecer de novo no Chile. Allende era um reformista e virou o belzebu. Enfim, Jango era um político brasileiro tradicional, populista, um latifundiário que nunca quis fazer revolução alguma. Levantava a bandeira das reformas de base e ninguém sabia exatamente o que eram. Olhando sociologicamente: tínhamos o mundo contingenciado pela Guerra Fria, porém o Brasil começava a se encaixar no eixo dos investimentos estrangeiros, desde o Juscelino. Havia crescimento industrial, forte migração campo-cidade e um Estado incompetente para atender às demandas de uma sociedade que crescia. Então, a população começou a se movimentar e ir para as ruas. Nós, acadêmicos, estávamos tão entretidos com os debates teóricos, que quando nos demos conta as ruas tinham entrado na universidade!

Qual era o projeto dos militares em 1964? Submeter o País a uma modernização imposta de cima para baixo?

Acho que nem tinham projeto. Setores pensavam de forma diferente e foram variando de posição até o final. O general Amaury Kruel (foi ministro da Guerra de Jango), por exemplo, foi um que variou até o momento do golpe. Mesmo o general Mourão, de Minas, não tinha noção do que deveria ser feito. Quem tinha? Os oficiais da Escola Superior de Guerra, o grupo do Castelo Branco. Esses sabiam que seria importante empreender no País a modernização conservadora. Mas, veja só, entregaram a economia ao (Otávio Gouveia de) Bulhões e ao (Roberto) Campos, que por sua vez saíram atrás da modernização capitalista - arrocho fiscal, arrocho salarial, tudo feito a machadinhas, o povo pagando um preço alto. Implantaram um programa austero, que deu na explosão econômica dos anos 70. Ora, quem fez isso não foram os militares, mas o Bulhões e o Campos. Havia necessidade de modernizar o capitalismo brasileiro. E, consequentemente, frear o avanço do setor estatal. Até porque o Juscelino já tinha feito o enganche do País com o setor produtivo global e os militares sabiam disso.

O senhor acha que o regime, no seu primeiro momento, tratou de sepultar o legado varguista?

O Castelo, talvez. A verdade é que os militares já estavam claramente divididos, e isso era visível no Clube Militar: havia o setor ultranacionalista e o setor democrático-liberal. Este se aproximava dos Estados Unidos. E o ultranacionalista, embora não engolindo os russos, achava que eles funcionavam como contra-peso ao poderio americano. Isso, evidentemente, tem a ver com as posturas "ser Getúlio" ou "ser anti-Getúlio", levando-se em conta que o Getúlio simbólico foi sempre o nacionalista-estatizante. É interessante notar como era o contexto da época: os militares nacionalistas-estatizantes, que nunca confiaram nas forças do mercado, eram chamados de esquerda, o que era exagero. E os democráticos-liberais eram vistos como direita, outro exagero.

Daí o regime foi se radicalizando.

Exato, foi radicalizando a tendência autoritária. Isso não foi pretendido no começo, mas foi se formando. E virou um monstro que, não fosse o (general Ernesto) Geisel ter-se oposto, justo ele, um nacionalista-estatizante, correríamos o risco de cair numa direita fascista. Uma direita que se justificaria pelo apego à ordem, e não pelo desenvolvimento capitalista. Cabe ainda muita pesquisa sobre o período, para analisar com objetividade e entender como tudo aconteceu ao largo de um intenso processo de industrialização e urbanização. São Paulo, em meados da década de 70, crescia 5% ao ano. Havia mais de cinco milhões de pessoas vivendo aqui. Tivemos um crescimento econômico que não correspondeu ao social. Isso começa a ser corrigido com a redemocratização e vem até agora. Penso que hoje, de novo, vivemos algo parecido. Não se tem mais a mobilidade rural-urbana do passado, mas uma intensa mobilidade social. As pessoas querem mais e o Estado não tem como dar. Instalados no poder, os militares trataram de providenciar uma fachada de legalidade ao regime. Chegaram a falar em "democracia relativa".De fato, eles nunca aceitaram que o regime não fosse visto como democrático.

Os comunistas e o golpe de 1964

'A defesa das liberdades democráticas constitui o elo principal dessa luta. Inseparável de todas as demais reivindicações constitui, por isso mesmo, a mais ampla e mobilizadora, capaz de unificar e canalizar todos os movimentos reivindicatórios para a ampla frente de combate à ditadura'

Declaração de maio 1965 do PCB - Voz Operária, Suplemento Especial, Resolução Política do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro, maio de 1965

Resolução Política do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro

O CC do Partido Comunista Brasileiro se reuniu no corrente mês de maio e, tomando por base o informe apresentado pela CE, fez uma análise da situação internacional, da situação nacional e da atividade do Partido, no período decorrido desde sua ultima reunião.

Assinala-se nesse período, com o acontecimento marcante, o golpe militar reacionário de 1 de abril do ano passado, com a conseqüente deposição do presidente João Goulart e a instauração, no País, de uma ditadura reacionária e entreguista. Interrompeu-se assim, o processo democrático em desenvolvimento. As forças patrióticas e democráticas e, em particular, o movimento operário e sua vanguarda – nosso Partido - sofreram sério revés. Modificou-se profundamente a situação política nacional.

As conclusões a que chegou o CC, após os debates, estão contidas na seguinte resolução:

1. As lutas do povo brasileiro desenvolvem-se num quadro de uma situação internacional caracterizada pelo fortalecimento das posições do socialismo, pelo Ascenso do movimento nacional-libertador e do movimento operário internacional, pelo crescimento das forças empenhadas na preservação e consolidação da paz mundial.

A política de paz realizada pela União Soviética e demais países socialistas, apoiada em seu avanço econômico, técnico e científico e inspirada no princípio da coexistência pacífica, penetra cada vez mais fundo na consciência de todos os povos. Desenvolve-se com vigor o movimento de emancipação nacional da Ásia, África e América Latina.

A conjuntura econômica dos países capitalistas mais desenvolvidos mantém-se, em geral, em ascenso. Aumenta o interesse, no campo capitalista, pela intensificação das relações econômicas com os países do campo socialista, o que amplia as condições objetivas da política de coexistência pacífica. Mas, simultaneamente, e em conseqüência também do continuado agravamento da crise geral do capitalismo, aguçam-se as contradições interimperialistas, que se manifestam especialmente na disputa de mercado e se refletem, com maior destaque, em posições assumidas pelo governo francês em sua política externa.

É nessa situação que o imperialismo, particularmente o norte-americano, intensifica suas atividades em diferentes regiões do mundo, empreendendo atos de agressão contra os povos que lutam pela libertação nacional. A situação internacional se agrava sensivelmente.

A intervenção no Congo por parte das forças ianques e belgas; a repressão da ditadura portuguesa às lutas do povo de Angola; a intervenção da Grã-Bretanha na Guiana Inglesa; as provocações da República Federal Alemã em torno de Berlim e a tentativa de organizar a Força Atômica Multilateral e criar um cinturão atômico nas fronteiras dos países socialistas – todas essas medidas constituem não apenas violações dos direitos dos povos, mas também novas ameaças à paz mundial.

Ante a firme resistência do povo do Vietnã do Sul, dirigido pela Frente Nacional de Libertação (Vietmin), o governo de Washington estende a sua agressão ao Laos e ao Camboja, bombardeia o território da República Democrática do Vietnã (Vietnã do Norte), ataca sua marinha mercante e de guerra. Para sufocar a luta do povo dominicano contra a reação e para defender os interesses dos monopólios ianques, desembarca tropas na República de São Domingos, utilizando a OEA para dar cobertura a essa monstruosa agressão.

A intensificação da agressividade do imperialismo norte americano expressa a orientação da chamada “doutrina Johnson” de esmagamento pela força dos movimentos democráticos e de libertação nacional. E tem também o objetivo de provocar guerras locais e limitadas, para impedir a distensão internacional, atendendo aos interesses dos círculos mais agressivos de Wall Stret e do Pentágono. Tais ações despertam, entretanto, os protestos e a revolta dos povos do mundo inteiro, inclusive do povo dos Estados Unidos.

Contribuindo, assim, de um lado, para sério agravamento da situação internacional, concorrem de outro lado, para desmascarar cada vez mais o imperialismo norte-americano como opressor e explorador dos povos, como inimigo da paz, despertando novas forças para a luta em defesa dos povos oprimidos e contra as ameaças de nova guerra mundial.

Na América Latina, torna-se cada vez mais evidente o contraste entre a situação do povo cubano que, sob a direção de Fidel Castro, prossegue na construção vitoriosa da sociedade socialista, e a dos demais povos latino-americanos, que padecem sob a crescente exploração dos monopólios ianques. Aumenta a miséria das massas trabalhadoras, aguça-se a crise de estrutura e crescem as contradições entre as forças progressistas de cada país e os monopólios norte-americanos. Em alguns países como Venezuela, Colômbia, Guatemala e São Domingos, as lutas antiimperialistas tomam a forma de luta armada. Os Estados Unidos, prosseguindo, embora, na política da “Aliança para o Progresso”, que visa em parte à realização de reformas limitadas em benefício das burguesias locais, não vacilam em intervir diretamente pela força, ou provocar golpes reacionários e apoiar governos ditatoriais, para assegurar e consolidar seu domínio espoliador. De março de 1962 para cá em sete países – Argentina, Peru, Guatemala, Equador, São Domingos, Honduras e Bolívia - além do Brasil, foram dados golpes de Estado, sob a orientação e com apoio do governo de Washington.

Nada disso impede, entretanto, que os povos da América Latina continuem avançando no caminho da democracia e da emancipação nacional. Na Argentina, os comunistas reconquistaram o direito de organizar-se e propagar suas idéias. O governo do Chile estabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética e outros países socialistas. O México mantém relações com Cuba, apesar da resolução em contrário da OEA. 

Entre as amplas massas, cresce o ódio ao imperialismo ianque e a determinação de lutar contra a reação interna. Na medida em que se unam e lutem, na medida em que fortaleçam sua solidariedade e sua ação conjunta contra o inimigo comum, os povos latino americanos serão tão invencíveis como o heróico povo irmão de Cuba, glória e exemplo para toda a América Latina.

2 – No Brasil, com de 1 de abril, assenhorearam-se do poder os representantes das forças mais retrógradas e antinacionais: agentes do imperialismo norte-americano, latifúndios e grandes capitalistas ligados aos monopólios ianques. Constituiu-se uma ditadura militar, reacionária e entreguista, sendo o governo de fato exercido por um grupo de generais a serviço da Embaixada dos Estados Unidos.

A submissão do país aos interesses dos monopólios norte-americanos assume proporções jamais vistas. Foi praticamente abolida a lei que limitava a remessa de lucros para o exterior. Realizou-se a negociata da compra do acervo da Bond and Share. Duplicou-se o montante do “Acordo do Trigo” com os Estados Unidos. Facilita-se a importação de produtos agrícolas norte-americanos. Adotou-se uma política de minérios de acordo com as exigências da Hanna Mining Co. Foi assinado o “Acordo sobre Garantias de Investimentos Privados”, que concede privilégios aos interesses norte-americanos e constitui sério atentado à soberania nacional. Missão militar ianque faz o levantamento aerofotogramétrico de nosso território. A política econômica e financeira é ditada pelo FMI.

A ditadura leva à prática uma política de inteira dependência ao governo dos Estados Unidos. Rompe relações com Cuba. Serve de instrumento e porta voz do Departamento de Estado na OEA. Toma posições contra os povos que lutam contra o imperialismo na Ásia e na África. Apóia a tirania de Salazar. Solidariza-se com a agressão ianque à República Democrática do Vietnã e com o brutal atentado à soberania do povo de São Domingos. Permite, sob o pretexto da realização de experiências científicas, a construção de base para foguetes e armas nucleares em território nacional.

Após as violências e arbitrariedades resultantes da aplicação do Ato Institucional, inclusive a mutilação do Congresso Nacional e de Assembléias Estaduais, prosseguem os inquéritos policiais-militares, com o objetivo de perseguir, prender e torturar milhares de cidadãos, desde trabalhadores e jovens estudantes até professores, magistrados, escritores, artistas, jornalistas, militares, padres católicos, parlamentares, pessoas, enfim, de todas as classes e camadas sociais. Sindicatos de trabalhadores continuam sob intervenção. É aprovada uma lei contra o direito de greve. Impede-se o livre funcionamento da Une e demais entidades estudantis.

Maiores sofrimentos e privações são impostos aos trabalhadores e a todo o povo. Elevam-se os impostos indiretos. Libera-se o preço dos produtos essenciais a alimentação popular. Nova lei do inquilinato determina a majoração dos aluguéis. Enquanto a carestia aumenta sem cessar, o reajustamento dos salários dos operários e dos vencimentos do funcionalismo público é contido em nível inferior ao da elevação dos preços. O salário mínimo subiu em apenas 57%, num período em que o custo de vida se elevou em mais de 90%. Aumenta o desemprego.

A política econômico financeira da ditadura também atinge os interesses da burguesia nacional, cada dia mais ameaçada pela concorrência imperialista. Reduzem-se as atividades comerciais e industriais. Acumulam-se os estoques nas fábricas. Cai a produção. As concordatas e falências aumentam em número e valor. Acentua-se o processo de desnacionalização da indústria brasileira.

3. A política da ditadura torna mais aguda as contradições que dividem a sociedade brasileira. Acentua-se a premência das reformas de estrutura.

Numa tentativa de ludibriar a Nação, a ditadura se mascara de reformista e chega a apresentar-se como revolucionária. Procura impingir como reforma agrária um “Estatuto da Terra” que, com exceção dos dispositivos limitadores da taxa de arrendamento – aliás, de difícil aplicação – não passa de um plano de colonização. Sua “reforma política” possui conteúdo nitidamente reacionário. Os projetos da Lei Eleitoral e de Estatuto dos Partidos Políticos visam de fato reduzir o número e impedir a organização de partidos políticos, transformam os partidos em organizações burocráticas subordinadas ao aparelho de Estado, ameaçam a representação proporcional, tornam praticamente impossível a representação das minorias. A exigência de maioria absoluta nas eleições para presidente da República e governadores de Estado golpeia o voto popular direto, transferindo para o Congresso e as Assembléias estaduais a escolha final dos eleitos.

Os interesses nacionais exigem a concretização de reformas efetivas na estrutura da sociedade brasileira que golpeiem o domínio do imperialismo sobre nossa economia e o domínio da propriedade da terra pelos latifundiários. A ditadura, que representa exatamente os interesses do latifúndio e dos monopólios imperialistas norte-americanos, não realizará essas reformas.

A política da ditadura fere os interesses da Nação. Aprofunda-se a contradição entre nosso povo e a minoria reacionária e entreguista que assaltou o poder. Essa contradição constitui, no momento, a expressão peculiar da contradição principal da sociedade brasileira, define a essência de todos os conflitos políticos, sobre eles atuando como fator determinante.

4. Começam a se ampliar e aprofundar as manifestações de resistência à ditadura e de oposição à sua política reacionária e entreguista.

Lutam os trabalhadores chegando a utilizar a arma da greve, em defesa de direitos conquistados e contra a redução de salários. Reativa-se no campo, embora lentamente, o movimento de sindicalização surge choques com os grileiros e as forças policiais, conflitos entre os assalariados do açúcar e os usineiros do Nordeste. Os estudantes se insurgem contra a lei 4464, em defesa da autonomia do movimento estudantil, na UNE, e das suas demais entidades. Os intelectuais se arregimentam contra o terror cultural e para exigir a restauração das liberdades democráticas e a retomada do desenvolvimento econômico do País. Amplos setores da burguesia nacional, principalmente através de entidades como a Confederação Nacional da Indústria, exigem modificações nos pontos básicos da política econômica e financeira, denunciam a desnacionalização da nossa indústria. Avoluma-se o repúdio da opinião pública às violências e arbitrariedades da polícia e dos encarregados dos inquéritos policiais-militares. Há manifestações do poder judiciário de condenação à essas violências e arbitrariedades, presos políticos são libertados. Partidos e correntes políticas se unem em torno da exigência de restabelecimento das liberdades democráticas e de realização de eleições livres.

Amplos setores sociais, que manifestaram apoio ou simpatia ao golpe, sentem-se ludibriados e prejudicados pela política reacionária e entreguista da ditadura, tendem a unir-se aos que a ela se opõem. Modifica-se, a favor das forças democráticas e patrióticas, a conjuntura que, em abril de 1964, favoreceu a reação e possibilitou a vitória dos golpistas. Estreita-se a base social da ditadura.

Essa situação leva ao aguçamento das contradições entre os golpistas e a instabilidade do governo. Insiste o Sr Castelo Branco em suas medidas de institucionalização da ditadura, procurando oculta-la através da fachada da “democracia representativa”. Mas persiste a pressão dos grupos da extrema direita no sentido da suspensão total dos direitos e garantias constitucionais, pela instauração de uma ditadura sem máscara. Apoiando embora, no essencial, a orientação reacionária e entreguista da ditadura, outros setores golpistas assumem posição de crítica à sua política econômico-financeira, procurando assim, capitalizar em seu benefício, para fins eleitorais o crescente descontentamento popular.

A intensificação da resistência e oposição de nosso povo à ditadura levará a que a sua instabilidade aumente, aprofundará a divisão entre os golpistas. Crises de governo e novos golpes militares podem ocorrer. Nesse caso, só a intervenção ativa das massas nos acontecimentos, levantando suas próprias bandeiras de luta, poderá impedir uma solução reacionária, com a simples substituição de golpistas no poder, e impor a retomada do processo democrático.

5. Desde o início, os comunistas se colocaram em posição e combate à ditadura. Através de entendimentos com partidos, correntes políticas e com personalidades, e, principalmente, através de nossas ações entre as massas, temos procurado participar ativamente do agrupamento das forças que contra ela lutam. Os fatos comprovam que este é o caminho acertado.

O objetivo tático imediato a alcançar, nessa luta, é isolar e derrotar a ditadura e conquistar um governo amplamente representativo das forças antiditatoriais, que assegure as liberdades para o povo e garanta a retomada do processo democrático interrompido pelo golpe reacionário e entreguista. Os comunistas se empenham no sentido de que tal governo seja o mais avançado possível, mas compreendem que a sua composição não poderá deixar de refletir o nível alcançado pelo movimento de massas e a correlação de forças existente no momento em que se constituir.

O êxito dessa luta dependerá fundamentalmente da unidade de ação de todas as forças, correntes e setores políticos que se opõem à ditadura. A formação dessa ampla frente de resistência, oposição e combate à ditadura será possível através da luta pelas liberdades democráticas, em defesa da soberania nacional, pelos direitos e interesses imediatos dos trabalhadores e do povo, pelo desenvolvimento de nossa economia, pelo progresso do País. A defesa das liberdades democráticas constitui o elo principal dessa luta. Inseparável de todas as demais reivindicações constitui, por isso mesmo, a mais ampla e mobilizadora, capaz de unificar e canalizar todos os movimentos reivindicatórios para a ampla frente de combate à ditadura.

6. Nas circunstâncias atuais, a luta por eleições livres e nossa participação ativa em todas as campanhas eleitorais se revestem de enorme importância para fazer avançar as lutas pelas liberdades democráticas e pela conquista de um novo governo. Com essa compreensão é que devemos participar das eleições estaduais deste ano, das eleições estaduais e federais de 1966, além das que se realizam nos municípios. Particular importância possui os pleitos eleitorais em Estados como Guanabara, Minas Gerais, Goiás e Paraná, bem como as eleições municipais de Porto Alegre.

Ao participar ativamente das campanhas eleitorais, devem os comunistas ter em vista que elas se tornem, no processo de sua realização, um meio para aglutinar forças contra a ditadura, desmascará-la diante das massas, conquistar postos que sirvam para combatê-la e, afinal, derrotá-la. É, portanto, do interesse do proletariado e demais forças contrárias à ditadura lutar por eleições efetivamente livres, exigir a livre manifestação de todas as correntes políticas de oposição e o exercício do direito de propaganda sem censura, bem como lutar contra todas as discriminações políticas e ideológicas, oriundas do Ato Institucional ou de novas leis sobre incompatibilidades ou inelegibilidades, por maio das quais pretenda a ditadura riscar arbitrariamente, da lista de possíveis candidatos, todos os cidadãos que não mereçam sua confiança.

Os comunistas devem lançar-se com decisão e entusiasmo à campanha eleitoral do Estado e do município em que atuem, e cogitar, do desde logo do pleito de 1966, para o qual já se movimentam as várias correntes políticas. Devem ser o elemento unificador por excelência, capaz de encontrar, em cada caso concreto, a melhor maneira de unir as mais amplas forças contrárias à ditadura em torno de plataformas unitárias e de candidatos que mereçam a confiança popular.

É essencial dar à campanha eleitoral um caráter de massas, de luta firme pelas liberdades democráticas, de maneira a não permitir à ditadura utilizar-se das eleições para “legalizar” o poder usurpado. Nos casos em que este objetivo se tornar praticamente inviável, podem as forças de oposição à ditadura adotar o voto em branco, como meio de protesto contra a transformação do pleito numa farsa destinada a acobertar com uma espúria “legalidade” o governo do golpe de 1 de abril.

É fazendo da campanha eleitoral uma campanha de massas que será possível assegurar a realização de eleições livres e a posse dos eleitos e criar condições políticas para que possam governar.

7. No desenvolvimento da luta contra a ditadura, devemos utilizar as mais variadas formas. Cabe aos comunistas saber estimular a iniciativa das massas e encorajar a luta por todos os caminhos que favoreçam a retomada do processo democrático. Para tanto, devem ser utilizadas todas possibilidades legais, sem que isso se reduza à “legalidade” concedida pela ditadura. As massas devem ser estimuladas a não aceitar
as restrições da ditadura aos seus direitos de reunião, de greve, de manifestação pública, de propaganda, etc. O ascenso das lutas poderá levar a choques violentos com a reação, inclusive a choques armados. É dever do Partido preparar-se e preparar as massas para tais eventualidades.

O esforço principal dos comunistas deve intensificar-se na intensificação do trabalho entre as massas, na defesa do fortalecimento de suas organizações, na organização e desencadeamento das lutas pelos seus direitos e reivindicações.

Seja qual for a forma que a luta contra a ditadura venha a assumir, a ação das massas constituirá sempre u7m fator decisivo, capaz de assegurar o avanço do processo político de acordo com os interesses do povo. É através da ação que o povo ganhará confiança em suas próprias forças. Através da ação é sempre possível alcançar êxitos parciais, por pior que seja a reação, êxitos que ajudarão a encorajar as próprias massas a reforçar suas organizações, estreitar sua unidade e avançar para ações cada vez mais vigorosas. É deve dos comunistas saber colocar-se no nível de compreensão das massas, para levá-las à ação e ganhá-las para as posições políticas de vanguarda.

A passividade frente à ditadura é o grande perigo que ameaça as forças populares e o nosso Partido. É nosso dever combatê-la, tendo em vista que decorre tanto da superestimação das forças dos golpistas, como das ilusões de que a ditadura caia por si mesma, minada pelas contradições que a dividem. È necessário compreender que nossa intervenção em qualquer crise de governo só poderá ter resultado positivo na medida em que formos capazes de mobilizar massas. Isso significa que devemos ser vigilantes, saber acompanhar os acontecimentos, mas que o mais importante, o premente, o decisivo é o nosso trabalho de massas, nosso esforço constante para nos ligarmos às massas, esclarecê-las, despertá-las, mobilizá-las para a ação, organizá-las e uni-las.

8. A fim de ganhar as massas para a ação, é indispensável saber levantar as reivindicações mais sentidas de cada setor da população. Devemos intensificar as lutas pela revogação do Ato Institucional, a anulação aos atentados aos direitos individuais resultantes de sua aplicação, pela libertação dos presos políticos, pela solidariedade aos perseguidos e suas famílias, pela anistia geral, pela liberdade e autonomia para os sindicatos de trabalhadores, entidades estudantis e demais organizações populares; contra o terror cultural, pela liberdade de cátedra.

Outro elemento mobilizador de massas é a luta contra a política econômico-financeira da ditadura, política de carestia, de elevação de impostos, de desvalorização forçada do cruzeiro em relação ao dólar, de redução do salário real. Devemos ter a maior iniciativa junto a outras forças e lutar por melhores condições de vida para os trabalhadores, contra a carestia e o desemprego, em defesa dos direitos conquistados, a legislação do trabalho e da previdência social. Participar de forma ativa e unitária das eleições sindicais e procurando, ao mesmo tempo, organizar os trabalhadores nos locais de trabalho.

Importância particular tem as lutas das grandes massas trabalhadoras do campo contra a exploração do latifúndio e pela reforma agrária, por suas conquistas e reivindicações imediatas, especialmente pela aplicação do Estatuto do Trabalhador Rural, garantia ao acesso e à posse da terra, regulamentação e baixa da taxa de arrendamento.

Devemos dar maior atenção às reivindicações específicas das mulheres. É de grande valor sua participação na luta em defesa da paz, contra a carestia, pelas liberdades democráticas, pela solidariedade aos presos e perseguidos políticos, pela anistia.

Merece todo apoio a luta do funcionalismo público e autárquico em defesa dos seus direitos e reivindicações, em especial o reajustamento de vencimentos.

A política entreguista da ditadura fere os sentimentos patrióticos das mais amplas camadas do nosso povo, que poderá ser mobilizado para a luta em defesa da soberania nacional, contra as concessões aos monopólios norte –americanos e à submissão do Brasil ao governo de Washington, contra ratificação pelo Congresso do Acordo sobre Garantia dos Investimentos Privados. As sérias ameaças que pesam sobre as empresas estatais, em particular a Petrobrás, possibilitam ampla mobilização de massas em sua defesa.

A luta pelo progresso do País, contra a política econômico-financeira que desnacionaliza a indústria nacional, que leva à estagnação econômica, que nega recursos às obras públicas, ao desenvolvimento econômico do Nordeste (SUDENE) e do Norte (SPEVEA), à instrução do povo e ao desenvolvimento cultural, à pesquisa científica – permitirá a mobilização de amplos setores da população.

Por sua vez, a agressão militar dos Estados Unidos no Vietnam e, agora à República de São Domingos exige que se intensifique a luta pela paz, contra a política de guerra do governo norte-americano, pela autodeterminação dos povos, pela solidariedade aos povos agredidos, contra o envio de soldados brasileiros para o exterior. É dever dos comunistas encontrar formas novas que permitam na atual situação reorganizar e ampliar a luta pela paz em nosso País. A luta permanente pela solidariedade ao povo cubano e pelo restabelecimento com o governo de Cuba deve ser intensificada com a realização do Congresso Latino-Americano de Solidariedade à Cuba e pela libertação dos povos.

9. ´E intensificando nossa atividade entre as massas, nas fábricas, fazendas e escolas, nas grandes concentrações populares, que poderemos forjar a ampla frente única de luta contra a ditadura. Dando especial atenção à formação da frente única pela base, devemos realizar entendimentos com personalidades, correntes e partidos políticos, com todos os que se opõem às forças reacionárias que usurpam o poder.

À medida que aumenta a instabilidade da ditadura, que cresce a ação das massas populares, as várias forças políticas, na defesa de seus interesses, cuidam do futuro imediato e da eventualidade da substituição do governo, procurando o caminho a ser trilhado de acordo com os objetivos de cada um. Como representantes do proletariado, devemos apresentar nossa própria visão tática, buscando ganhar para ela as forças aliadas.

Ao mesmo tempo em que intensificam a luta pela derrota da ditadura e a conquista de um governo representativo das forças que a ela se opõem, têm os comunistas como perspectivas a conquista de um governo nacionalista e democrático, capaz de iniciar e levar adiante as reformas de estrutura, aproximando nosso povo dos objetivos da atual etapa da revolução brasileira. É com essa perspectiva que os comunistas se colocam à frente das massas, indicando o caminho que conduz à solução dos problemas brasileiros e se empenhando para que o proletariado, através do fortalecimento da sua unidade e organização e da aliança com os trabalhadores do campo, passe a exercer papel hegemônico no processo revolucionário.

10 Ao examinar a situação do Partido e os novos problemas que devemos agora enfrentar, o CC coloca em primeiro lugar a necessidade de levar adiante e aprofundar o processo autocrítico em que nos encontramos e que deve ser coroado com a realização do VI Congresso.

O CC saúda a preocupação crítica e autocrítica que se manifestou em todo o Partido em busca dos nossos erros e das causas que contribuíram para o revés sofrido, preocupação em que vê saudável espírito revolucionário de amor ao Partido e de ardente aspiração pela elevação do nível ideológico de suas fileiras.

A fim de estimular esse processo autocrítico, damos conhecimento ao Partido das principais conclusões a que pôde até agora chegar o CC, na análise que fez dos acontecimentos relacionados com a vitória do golpe de 1 de Abril, a respeito das falhas e erros da atividade dos comunistas.

A vitória do golpe militar pôs à descoberto muitas de nossas mais sérias debilidades. Fomos colhidos de surpresa pelo desfecho dos acontecimentos e despreparados não apenas para enfrentá-los, como também para prosseguir com segurança e eficiência em nossa atividade nas novas condições criadas no País.

Revelou-se falsa a confiança depositada no “dispositivo militar” de Goulart. Também falsa era a perspectiva, que então apresentávamos ao Partido e às massas, de uma vitória fácil e imediata. Nossas ilusões de classe, nosso reboquismo em relação ao setor da burguesia nacional que estava no Poder, tornaram-se evidentes.

Cabe-nos analisar o processo que nos levou à semelhante situação.

Resultado de uma árdua batalha política e ideológica, a linha aprovada pelo V Congresso constituiu-se em poderoso instrumento revolucionário que permitiu ao Partido estreitar suas ligações com as massas e participar ativamente da vida política, contribuindo de tal maneira para o avanço do processo revolucionário que contra nosso Partido se levantaram raivosos os inimigos da revolução. Mas, desde a posse de Goulart, que se deu como resultado de um compromisso da burguesia nacional com as forças reacionárias, preocupados em lutar contra a conciliação começamos a nos afastar da linha política. Esse processo culminou nos últimos meses do governo Goulart, quando de fato abandonamos a luta pela justa aplicação da linha.

Era sem dúvida indispensável combater com firmeza a política de conciliação. Foi justa nossa posição contra o Plano Trienal e contra a negociata de Bond and Share. E foi devido à luta contra a política de conciliação que fracassaram as tentativas reacionárias de abril e outubro de 1963, quando Goulart pretendia, a pretexto de atacar a direita, tomar medidas para conter o avanço do movimento popular. Conduzimos, entretanto, a luta contra a conciliação de forma inadequada.

Nossa atividade em relação ao governo de Goulart era orientada, na prática, como se sua política fosse inteiramente negativa. Desprezávamos seus aspectos positivos de grande importância, como, em sua política externa, a defesa da paz, da autodeterminação dos povos, do princípio de não intervenção, o desenvolvimento das relações diplomáticas e comerciais com os países socialistas, e, sua política interna relativo respeito às liberdades democráticas, o atendimento de reivindicações dos trabalhadores. Nossa oposição ao governo adquiria o sentido de luta contra um governo entreguista, com o objetivo principal de desmascará-lo perante as massas.

Atuávamos considerando a luta contra a conciliação como a forma concreta pela qual devia ser combatido, nas condições então existentes, o maior inimigo do nosso povo – o imperialismo norte-americano.

Semelhante posição política só poderia levar ao desvio do golpe principal, transferindo-o para a burguesia nacional. Ao invés de concentrar o fogo da nossa luta contra o imperialismo norte-americano e seus agentes internos, nós dirigíamos nossos ataques fundamentalmente contra a política de conciliação, atingindo o imperialismo quase só em conseqüência desses ataques. Daí a despreocupação em combater agentes descarados do imperialismo norte-americano como Lacerda e Ademar. Daí a despreocupação com as manobras e articulações do próprio imperialismo, com a intensificação de sua agressividade contra os povos por ele dominados. Daí a subestimação do perigo de golpe de direita, considerado mero espantalho para amedrontar as massas. Concentrando nosso fogo no governo, exigíamos medidas cada vez mais avançadas, sem levar em conta nossas próprias debilidades e a fraqueza do movimento nacionalista e democrático, bem como a efetiva correlação de forças sociais que então existia, o que põe a nu a persistente influência do subjetivismo em nossa atividade.

Deixamos de lado o fato de que o próprio avanço do processo democrático ameaçava os privilégios dos monopólios estrangeiros, dos latifundiários e da grande burguesia entreguista, que ainda possuíam fortes posições. Uma falsa avaliação da realidade não nos permite ver que a correlação de forças sociais, nos últimos meses do governo Goulart, tornava-se dia a dia, menos favorável às forças nacionalistas e democráticas. Uniam-se os reacionários e entreguistas, que conseguiam atrair para seu lado amplos setores da burguesia nacional e da pequena burguesia urbana, descontentes com a situação e que não concordavam com as crescentes ameaças ao regime constitucional vigente. As forças da direita armavam-se e preparavam aceleradamente o golpe.

Em princípios de 1964, quando Goulart, movido por seus próprios objetivos políticos, procurou aproximar-se das forças populares, acentuou-se, em nossa atividade, o afastamento da linha política do V Congresso. Subestimamos a importância que tinha para o povo brasileiro a realização das eleições e não cuidamos de aplicar a Resolução Eleitoral aprovada pelo CC, ao mesmo tempo em que estimulávamos o golpismo continuista de Goulart. Ao invés de alertar as massas e convocá-las à luta contra a ameaça de um golpe de direita, claramente revelada na ação de Lacerda, Ademar e seus sustentáculos militares, lançamos a nota da Comissão Executiva de 27-3-64, na qual, ao lado da reivindicação de formação imediata de um novo governo, que “pusesse termo à política de conciliação”, transferimos o centro de ataque para o Parlamento, exigindo a reforma constitucional e ameaçando o Congresso. “O plebiscito – dizia a nota – deverá ser convocado pelo Congresso ou, no caso de omissão, protelação ou recusa deste, pelo próprio Poder Executivo”. Permitíamos, desta forma, que a defesa da legalidade fosse utilizada pelas forças da reação para enganar amplos setores da população e arrastá-los ao golpe reacionário. E na prática abandonávamos a orientação tática contida em nossa linha política.

Na raiz de nossos erros está uma falsa concepção, de fundo pequeno-burguês e golpista, da revolução brasileira, a qual se tem manifestado de maneira predominante nos momentos decisivos de nossa atividade revolucionária, independentemente da linha política, acertada ou não, que tenhamos adotado. É uma concepção que admite a revolução não como um fenômeno de massas, mas como resultado da ação de cúpulas ou, no melhor dos casos, do Partido. Ela imprime à nossa atividade um sentido imediatista, de pressa pequeno-burguesa, desviando-nos da perspectiva de uma luta persistente e continuada pelos nossos objetivos táticos e estratégicos, através do processo de acumulação de forças e da conquista da hegemonia do proletariado.

O exame autocrítico dos nossos erros e a análise de suas causas mais profundas constituem fator decisivo na luta pela justa aplicação de nossa linha política.

10. Com a vitória do golpe militar e a implantação da ditadura reacionária e entreguista, nosso Partido enfrenta uma nova situação e novos problemas. As tarefas de sua construção, sob todos os aspectos, assumem importância decisiva. Devemos dedicar os maiores esforços à recuperação das Organizações de Base e à criação de novas, principalmente nas empresas, fazendas e escolas, e seu fortalecimento político, ideológico e orgânico, capacitando-as a cumprirem suas pesadas tarefas.

É indispensável que todo o Partido adquira a convicção de que cabe aos comunistas um papel de vanguarda na luta para derrotar a ditadura, o que exige espírito revolucionário, desprendimento e capacidade de sacrifício. Se devemos combater o aventurismo, a pressa pequeno-burguesa, precisamos também compreender que a inércia política não é menos prejudicial à causa da Revolução. Nas condições atuais, só cumpriremos nosso dever se formos capazes de fazer de nosso Partido a força organizadora e dirigente do movimento pela reconquista das liberdades democráticas. Isto requer de cada militante grande sentido de responsabilidade e não menor combatividade.

Mais de quarenta anos de atividade já mostraram que só poderemos intervir com êxito nos acontecimentos na medida em que nos mantivermos unidos, procurando aplicar com firmeza a orientação traçada pelo Comitê Central e demais órgãos dirigentes, lutando sem vacilações em defesa do centralismo democrático, pela direção coletiva e pela mais rigorosa disciplina. É na unidade política, orgânica e ideológica do Partido que reside sua força.

Apoiados na ciência do proletariado, na doutrina invencível do marxismo-leninismo, no internacionalismo proletário, nas resoluções do movimento comunista internacional, contidas nas Declarações de Moscou de 1957 e 1960, saberemos dirigir com êxito a luta histórica do nosso povo pela completa emancipação nacional, pela paz, a democracia, o progresso e o socialismo, pela vitória mundial do comunismo.

Maio de 1965