sexta-feira, 21 de maio de 2021

Vera Magalhães - Responsabilização e reparação

- O Globo

Transcorridas três semanas de depoimentos na CPI da Covid, os senadores estão convencidos de uma coisa: além de ver a responsabilização de autoridades pela calamidade brasileira na pandemia, a população quer uma reparação para um luto traumático, prolongado, que tem sido tratado com profundo desprezo por Jair Bolsonaro e seus subordinados, familiares e aliados. O relatório final do senador Renan Calheiros deverá abranger as duas dimensões.

No campo da responsabilização, a sucessão de depoimentos deixa claro que há um trabalho árduo e técnico a fazer, que até aqui deixou a desejar.

É preciso esquadrinhar os principais eixos de crimes cometidos para que se alcançasse a marca inadmissível de mortos, que deverá chegar em breve a aterrador meio milhão de brasileiros, e traçar a cronologia, a cadeia de comando e a correta imputação jurídica em cada um deles.

Esses eixos, definidos desde o início dos trabalhos, são três: a decisão de postergar ao máximo a compra de vacinas, único meio cientificamente seguro de proteger vidas; a ênfase, com largo emprego de recursos públicos, no “tratamento precoce”, sabidamente sem eficácia científica para Covid-19, e a tragédia de Manaus.

Uma quarta frente aventada depois da instalação da CPI, a aposta por parte do governo federal numa imunidade de rebanho sem vacina, que seria obtida fazendo com que o maior número de pessoas se contaminasse para que as atividades econômicas pudessem ser retomadas mais rapidamente, é considerada de mais difícil demonstração fática.

Bernardo Mello Franco - As mentiras do general

- O Globo

Eduardo Pazuello vestiu terno e gravata, mas falou à CPI como se estivesse de farda. Camuflado de civil, o general parecia enxergar os senadores como um bando de recrutas. Chegou a censurar as perguntas do relator, que classificou como “simplórias”.

Protegido por um habeas corpus do Supremo, o ex-ministro se sentiu livre para mentir. Mentiu sobre a negociação de vacinas, a indicação de remédios milagrosos e a omissão na crise de falta de oxigênio em Manaus. Mentiu até sobre a própria saúde, ao negar o piripaque que interrompeu seu depoimento na quarta-feira.

Pazuello foi à CPI com uma missão clara: blindar Jair Bolsonaro e assumir a responsabilidade pelos desmandos na pandemia. Para proteger o chefe, renegou sua frase mais famosa: “Um manda, o outro obedece”. Na nova versão, o capitão nunca deu ordens ao general. Só produziu frases de efeito para animar seguidores na internet.

O senador Flávio Bolsonaro voltou a atuar como cão de guarda do pai. Vigiou o ex-ministro para evitar que ele se desviasse do roteiro combinado. Na saída, elogiou Pazuello pelo bom comportamento. Só faltou condecorá-lo com uma medalha a mais para o uniforme.

Eliane Cantanhêde – Um não manda, todos mentem

-  O Estado de S. Paulo

Pazuello, Araújo e Wajngarten, mesmo demitidos, mentem. E falta Salles

Eduardo PazuelloErnesto Araújo e Fabio Wajngarten cumpriram o mesmo papel na CPI da Covid: mentir, para negar o negacionismo e acobertar os erros óbvios do presidente Jair Bolsonaro no combate a uma epidemia que já custou a vida de mais de 440 mil brasileiros. A célebre frase de Pazuello, “um manda, outro obedece”, virou “um não manda e não sabe de nada, todos os outros fazem tudo como bem entendem”.

É para rir ou para chorar? O general Pazuello jura que nunca foi desautorizado pelo presidente, o diplomata Araújo garante que não causou atritos com a China, Wajngarten esqueceu que acusara o Ministério da Saúde da era Pazuello de “incompetência”. Há, porém, vídeos, áudios, textos e reportagens nas várias mídias provando o oposto. De celulares em punho, os senadores exibem áudios que trituram as mentiras.

Ricardo Noblat - As duas faces da CPI da Covid e o que o futuro reserva a Bolsonaro

- Blog do Noblat / Metrópoles

Enquanto distrai o público com o espetáculo de depoimentos, a CPI se debruça sobre os principais crimes do governo no falso combate ao vírus

A face visível da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 é a do festival de mentiras destiladas pelos depoentes interessados em não se criminalizar, nem ao governo a que servem ou serviram. O mais recente deles, o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, escondeu a farda para não envergonhá-la.

A face oculta da CPI tem pouco a ver com o espetáculo oferecido ao público que a tudo acompanha pelos relatos ao vivo da mídia convencional e das redes sociais. A audiência só tem aumentado. Quer-se entender por que ultrapassamos a casa dos 444 mil mortos e dos quase 16 milhões de infectados. Como foi possível?

Documentos e informações que abarrotam os cofres da CPI desenham uma resposta cada dia mais robusta. Muitos crimes foram cometidos pelo governo no falso combate que travou contra o vírus, mas os mais importantes deles foram quatro. A saber:

José de Souza Martins* - A falha na pandemia

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Não temos tido reações populares dos efeitos socialmente destrutivos do coronavírus e das ações infantis e irresponsáveis do governo

O que causa estranheza na versão brasileira desta pandemia é que não está tendo, entre nós, os efeitos pedagógicos e civilizadores que tiveram em outros países os grandes desastres: guerras, terremotos, tsunamis e, mesmo, epidemias, como a peste negra.

Esses eventos extraordinários desmontam a estrutura da sociedade, anulam a eficácia de suas regras sociais, invalidam valores que formam o substrato da consciência social, dos relacionamentos e da própria atitude perante a vida. Eles fragilizam as referências da estabilidade e da continuidade social. Causam rupturas sociais que são desafios de criatividade e de remodelação das sociedades.

Em todas essas situações, cada sociedade expõe seus próprios mecanismos, quase sempre inconscientes, de despertamento de uma sociabilidade de emergência. Com muita rapidez a sociedade se reinventa, às vezes em questão de minutos ou de poucas horas.

Essa característica das relações sociais foram detectadas nos experimentos etnometodológicos concebidos e praticados pelo cientista social Harold Garfinkel. Em seus experimentos, pessoas colocadas em face de situações sociais imaginárias de supressão de referências de conduta e de dilemas reduzidos às alternativas “sim” ou “não” logo percebem o roteiro implícito na situação adversa e vão inventando padrões alternativos de comportamento que suprem a falta das referências da conduta costumeira.

Maria Cristina Fernandes – O melhor desenho institucional contra vírus


- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Estudo global desmente a tese de que autoritarismo foi mais eficaz e joga luzes sobre o ressurgimento do poder local no enfrentamento da pandemia

Se China, Vietnã e Hong Kong propagandearam a eficiência do autoritarismo no combate à pandemia, Coreia do Sul, Nova Zelândia e Noruega contrapuseram a importância da transparência e da prestação de contas da democracia contra o vírus. A uma França que centralizou a resposta ao vírus, se opuseram Estados Unidos e Brasil, onde o federalismo mostrou-se resiliente no contraponto à inoperância de governos centrais de veleidades autoritárias.

Qual desenho institucional, finalmente, responde melhor à pandemia? Guiados por esta pergunta, um grupo de 67 pesquisadores, coordenados por Scott Greer e Elizabeth King (Universidade de Michigan), Elize Massard da Fonseca (FGV-SP) e André Peralta-Santos (Escola Nacional de Saúde Pública de Lisboa), acaba de lançar um compêndio de 663 páginas “Coronavirus politics”, (“A política do coronavírus”, ainda sem edição em português mas com livre acesso em www.fulcrum.org/concern/monographs/jq085n03q).

Os pesquisadores, que começaram a trabalhar junto com o vírus, em março de 2020, cobriram a primeira fase da pandemia, até setembro de 2020, quando as políticas públicas se resumiam a intervenções não farmacêuticas (campanhas de higiene, equipamentos de proteção individual, respiradores, isolamento social, testes, rastreamento e auxílios monetários). Ao contrário do atual momento, de segunda onda em alguns países e terceira em outros, quando a busca pela vacina é decorrente de um esforço majoritariamente dos governos centrais, a primeira etapa da doença foi marcada, fortemente, por embates entre instâncias locais e nacionais.

Naercio Menezes Filho* - Mercado de trabalho na pandemia

- Valor Econômico

Se a produtividade da economia não aumentar, os próximos 20 anos serão desastrosos para todos

A pandemia afetou o mercado de trabalho em vários países do mundo, mas a queda no emprego foi especialmente severa no Brasil. Enquanto a atividade econômica já voltou aos níveis de antes da pandemia, a taxa de desemprego continua bastante alta por aqui, assim como o número de pessoas que desistiu de procurar emprego. E os trabalhadores menos qualificados são os que estão sofrendo mais os efeitos da pandemia. Por que será que o emprego está demorando tanto a reagir? Qual a perspectiva futura para os trabalhadores jovens que não conseguiram completar o ensino médio?

A figura ao lado mostra índices de emprego medidos através da Pnad Contínua para os trabalhadores que completaram o ensino médio ou superior e também para os que só estudaram até o ensino fundamental ao longo de 2019 e 2020, na indústria, comércio e serviços. Podemos notar que as séries apresentaram um leve aumento ao longo do 2019. Mas, já no início da pandemia, no primeiro trimestre de 2020, o emprego dos trabalhadores menos qualificados começa a declinar acentuadamente, ao passo que entre os mais qualificados a queda é mais suave e concentrada no comércio e serviços.

Alon Feuerwerker - Sobre autocríticas e líderes

- Revista Veja

Coerência é uma qualidade muito perigosa na política

Tem sido habitual exigir do interlocutor político que faça autocrítica. Por falar nisso, o tema é sempre uma oportunidade de voltar ao livro Depoimento, autobiografia de Carlos Lacerda. Ele explica por que tentara fazer a Frente Ampla com João Goulart e Juscelino Kubitschek, adversários figadais dele poucos anos antes. Simples, diz, lá atrás o perigo tinha sido um. Agora era outro.

O ex-governador da Guanabara talvez tenha sido propositalmente vago. Ou tentou ser delicado no uso das palavras. Lá atrás o inimigo dele era um, Jango, e agora passara a ser outro, o regime militar. Alianças políticas são feitas por critérios de conveniência, e visando a derrotar o inimigo principal.

Mas sempre com um olho no peixe e outro no gato.

Daí a velha máxima: nunca esteja tão ligado a alguém que não possa romper com ele, nem tão conflitado com alguém que não possa se aliar a ele.

A exigência de que o outro faça autocrítica costuma carregar a marca do amadorismo e da ingenuidade. Ou da esperteza. Vamos imaginar que Luiz Inácio Lula da Silva e o PT aceitassem fazer autocrítica. Algo como “erramos sim no governo, somos realmente culpados de muito do que nos acusam, mas prometemos não errar mais”. A única consequência prática seria passarem a campanha eleitoral não fazendo outra coisa além de tentar se explicar.

- Dora Kramer - O mal-amado

- Revista Veja

Chama atenção, e até surpreende, a rejeição ao nome de João Doria nas internas dos partidos envolvidos nas articulações do chamado centro

As forças políticas que procuram se posicionar como alternativa às candidaturas de Luiz Inácio da Silva e Jair Bolsonaro não se impressionam com o retrato das pesquisas em que os dois aparecem como os preferidos do público.

Seguem na construção de um projeto unitário. Embora ainda falte o candidato que querem, surge entre eles um consenso ainda não exposto de público sobre o nome que não querem: o do governador João Doria. Antes de entrar no relato sobre a reprovação ao mais vistoso oponente do presidente da República, vamos à atualização do contexto de atuação do grupo.

O chamado centro considera que a predileção nas pesquisas reflete grau de conhecimento, não necessariamente faz um retrato fiel do quadro eleitoral para 2022. Portanto, os cerca de 50% que dizem preferir não votar em Lula nem em Bolsonaro sinalizam a existência de espaço para opções a essa dicotomia. Diante disso, o dito polo democrático prossegue no esforço e já delineia as próximas etapas.

São duas, de imediato. Manifestações públicas de diversas lideranças em prol da viabilidade eleitoral do projeto alternativo são um passo. O outro, a produção de fatos políticos para estimular a ideia de que um caminho do meio é possível e atrair o contingente de eleitores que não se enquadram nem entre os adeptos do petismo nem entre os do bolsonarismo.

A ansiedade geral é para a apresentação de um nome que materialize, vocalize e capitalize esse sentimento existente, mas ainda claramente difuso. Isso não existe no momento nem deverá existir antes da entrada das eleições na cena da vida real dos brasileiros. Vale dizer, no início de 2022. A despeito dessa indefinição, dirigentes, parlamentares, governantes e pretendentes de partidos como PSDB, DEM, Cidadania, Podemos, MDB e PSD já conversam em torno de um cenário de candidaturas.

Consideram que Luciano Huck e Sergio Moro já pularam fora desse barco. O apresentador e o ex-juiz, segundo essas análises, não concorrerão, mas podem ter papel importante como apoiadores devido à popularidade de ambos. João Amoêdo, na interpretação deles, não tem viabilidade eleitoral.

Murillo de Aragão - Eleições, vacinas e emprego

- Revista Veja

A imunização em massa e a economia serão os temas de 2022

O Brasil já vive a campanha pré-eleitoral de 2022 para a Presidência por algumas razões claramente postas: as narrativas do governo; a excepcionalidade da pandemia; e a reentrada de Luiz Inácio Lula da Silva na disputa.

Comparando a um festival de música, podemos dizer que ela se desenvolve em palcos diversos, com ritmos e intensidades diferentes. Agora, como nas próximas semanas, o palco central é a CPI da Pandemia no Senado, onde a questão eleitoral tem estado evidente.

Em outro palco relevante se desenvolve a narrativa do presidente Jair Bolsonaro, destinada a aquecer a militância. Ele tem um acervo de intenção de votos que pode lhe assegurar vaga no segundo turno. Manter essa base unida e engajada é o seu objetivo — daí ele estimular a polêmica.

Em palcos ainda periféricos, Lula e as esquerdas vão começar a se organizar e tentar chegar a uma unidade que parece distante. Mas não impossível. Ciro Gomes (PDT) e Lula, com evidente vantagem para o último, disputam a bandeira da esquerda. Ambos têm pela frente um desafio maior do que a rixa entre eles: atrair eleitores do centro para ter maior competitividade.

No centro oposicionista alguns atores se movimentam para organizar o seu show, mas sem saber quem será o lead vocal da banda. Contam com o fato de que quase 40% do eleitorado pode optar por uma solução de centro. Esse conjunto de forças, porém, tem sido incapaz de construir uma unidade mínima.

Reinaldo Azevedo - Por uma Frente Ampla Contra o Ódio!

- Folha de S. Paulo

Governo Bolsonaro não pode ser visto como um simples surto de incompetência a ser superado

Pensem nos quase 450 mil mortos de Covid-19 e lembrem-se dos respectivos desempenhos de Marcelo Queiroga e Eduardo Pazuello na CPI. Procurem se inteirar dos motivos que levaram o ministro Alexandre de Moraes a autorizar a operação da PF contra a cúpula do Ministério do Meio Ambiente. Pensem no palanque em favor de um golpe, armado em Brasília no sábado passado, com a presença do ministro da Defesa.

Leiam, nesta Folha, a entrevista de Mario Frias, secretário de Cultura, que viajou à Itália para a abertura da 17ª Mostra Internacional de Arquitetura da Bienal de Veneza. Ele confessa à repórter não saber quem é Lina Bo Bardi, a grande homenageada da mostra. Informado sobre as obras que ela projetou no Brasil, usou-a como exemplo do que entende ser a “alma brasileira”. Italiana, Lina só se naturalizou em 1951, aos 37 anos. Isso não é um governo.

É natural, nas democracias, que grupos e partidos se organizem para apoiar ou se opor à administração de turno, segundo os valores e o viés ideológico dos que estão no poder e dos que a eles se opõem. Há, no entanto, uma diferença entre fazer oposição a um governo dito “conservador” ou “progressista”, segundo marcos de “economia política” —expressão que precisa ser devolvida ao debate—, e ter de resistir à combinação de múltiplas expressões de delinquência.

Bruno Boghossian – Ciro contra tudo

- Folha de S. Paulo

Para bater Bolsonaro e Lula, pedetista testa campanha 'contra tudo o que está aí'

No início da semana, Ciro Gomes (PDT) chamou Lula de "o maior corruptor da história". Dias depois, publicou um vídeo em que diz que a corrupção "apenas se escondeu melhor" no governo Jair Bolsonaro. Em sua quarta corrida ao Planalto, o ex-ministro tenta encaixar um discurso para confrontar tanto o petista como o atual presidente.

Ciro testa as águas de uma campanha "contra tudo o que está aí". Nas mensagens que tem divulgado em entrevistas e publicações em redes sociais, ele ensaia uma retórica de indignação generalizada, fala de distorções de governos passados e explora o fantasma da corrupção para tentar fragilizar, de uma só vez, seus dois principais concorrentes.

Vinicius Torres Freire – Um país resignado à morte

- Folha de S. Paulo

Combate à epidemia se reduz a evitar UTI lotada; CPI não resolve desgoverno

O combate à epidemia limita-se no momento a evitar que as UTIs lotem, que um excesso de pessoas morra asfixiada e que não aconteça escândalo maior por causa desses horrores. É o que se pode dizer, com desassombro temperado de resignação deprimida. Deve ser assim até o fim da epidemia.

Quando não há lotação de UTIs, falta de oxigênio nos hospitais ou novos “picos recordes”, leva-se a vida, nos governos ou nas ruas, morram 500, 1 mil, 2 mil ou 3 mil pessoas por dia, seja qual for o “platô” da temporada. Os estados, na prática, jogaram a toalha. Governo federal não há.

Haveria como remediar essa situação, e pouco, se Bolsonaro evaporasse. Não vai acontecer em tempo hábil, se tanto.

A CPI da Covid é necessária, claro. Talvez a CPI encaminhe (para quem?) medidas judiciais contra Jair Bolsonaro (hum...) ou Eduardo Pazuello, daqui uns meses, semanas ou até daqui a pouco, como o tal “relatório parcial”, o que é necessário, claro. E daí?

A administração federal da epidemia continua quase tal e qual descrita pelo general Pesadello: Bolsonaro sabota as medidas sanitárias dos “idiotas” e o ministro da Saúde tenta fingir que não é com ele. Marcelo Queiroga talvez não consiga ser tão incapaz quanto o brucutu mendaz que é Pesadello. Mas produz o quê?

Hélio Schwartsman - A revanche do cabo e do soldado

- Folha de S. Paulo

Receio que Bolsonaro já tenha cometido tantos despautérios que anestesiou a sensibilidade pública

A seguir nessa toada, bastarão um cabo e um soldado da PM munidos de ordem judicial para apear Jair Bolsonaro da Presidência. O governo enfrenta batalhas em vários fronts —e está perdendo todas.

O teatro de operações mais vistoso é a CPI da Covid. Os depoimentos vêm não apenas escancarando o completo despreparo do governo para lidar com a crise como o seu descaso para com o que se convencionou chamar de verdade. Para proteger o presidente, ex-ministros não hesitam em cair em contradições flagrantes e sustentar o insustentável.

O campeão foi o ex-ministro Eduardo Pazuello. Para tentar conciliar as declarações do presidente sobre a Coronavac com a tese de que ele não atrapalhou a política do Ministério da Saúde de aquisição de vacinas, Pazuello basicamente defendeu que o que Bolsonaro diz não pode ser levado a sério.

Ruy Castro - Pazonaro, digo Bolsuello, ganhou

- Folha de S. Paulo

Quem não sabe fazer perguntas não tem chance contra respostas que não querem dizer nada

O general Eduardo Pazuello, quem diria, hein? Promovido da chefia do serviço de rodos e vassouras dos quartéis ao posto de ministro da Morte por Jair Bolsonaro, botou no bolso seus inquiridores na CPI da Covid apenas por vencê-los numa arte que se julgava extinta: a oratória. Resposta após resposta, quase se podia ver seu sorriso sob a máscara, ao ouvir sua voz ressoar triunfalmente no auditório sem ser intimado a detalhar ou fundamentar suas declarações.

Se alguém se limitasse ao áudio dos interrogatórios de Pazuello, só escutaria a sua voz —firme, sonora, em alto volume, temperada em anos de ordens na caserna a soldados, cabos e sargentos, com eventuais humilhações a um ou outro ao obrigá-lo a se fazer de mula e puxar carroça na frente da tropa. Em contraposição, tínhamos a elocução tíbia, raquítica, titubeante e súplice dos senadores encarregados de lhe fazer perguntas.

Malu Gaspar - Nas redes bolsonaristas, Pazuello vira 'herói' do governo na CPI da Covid

- O Globo

Se não convenceu boa parte do público, pode-se dizer que o depoimento de Eduardo Pazuello funcionou em pelo menos um universo: os grupos bolsonaristas no WhatsApp e no Telegram. Entre esses seguidores, a decisão de não usar o habeas corpus fornecido pelo STF para ficar calado e até confrontar os senadores em alguns momentos fez sucesso. 

Ao longo de todo o depoimento, as listas pró-Bolsonaro no WhatsApp foram inundadas com mensagens que indicavam a narrativa a ser reproduzida nas redes. “A primeira farsa dos opositores caiu hoje. Apostaram no silêncio, mas o ministro veio preparado e falou muito”, disse um dos textos disseminados nas redes. “O ex-ministro Pazuello está destruindo todas as narrativas fabricadas contra o governo federal naquele circo que está acontecendo no Senado”, diz outra mensagem. 

Para o zap bolsonarista, Pazuello – que várias vezes se referiu às declarações e ordens de Bolsonaro durante a pandemia como "coisa de Internet" –  “detonou” senadores acusados de corrupção e "provou" que o governo não tem responsabilidade pela tragédia pandêmica. 

Flávia Oliveira - O que Jair diz não se escreve

- O Globo

O general Eduardo Pazuello conquistou no Supremo Tribunal Federal (STF) o direito de silenciar para não se incriminar na CPI da Covid. Foi ao Senado e, bem treinado, falou. Num par de dias, seguiu à risca a missão de (tentar) livrar de culpa o presidente da República e repartir, com estados, municípios, Judiciário e empresas, a própria responsabilidade no enfrentamento à pandemia da Covid-19, a mais grave em um século. O ex-ministro da Saúde colaborou pouco, quase nada, para esclarecer atos e omissões que já levaram à morte quase 450 mil brasileiros. Mas deixou às claras o método de atuação política e gestão pública de um governo que despreza a democracia. Não há compromisso com a palavra. O que Jair Bolsonaro diz não se escreve.

Foi no que se anunciava como a quarta-feira do fim do mundo que Pazuello, em vez de medo, exibiu aos membros da CPI arrogância, e à família Bolsonaro, lealdade. Na sessão, a apoiá-lo estava o senador Flávio, filho Zero Um do presidente, tal como fez com Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação, e Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores, contradições e mentiras à parte, igualmente alinhados ao Planalto nos depoimentos. O relator Renan Calheiros esperava arrancar do general a confissão de que adiara a assinatura do contrato de compra da CoronaVac com o Instituto Butantan por ordem do mandatário, que assim anunciara em rede social e diálogo com apoiadores. Ouviu que não aconteceu.

Pedro Doria - Mentem, e a CPI nem aí

- O Globo

O general Eduardo Pazuello desferiu o mais grave ataque contra a democracia brasileira desde o início da CPI da Covid. Um ataque que não foi suficientemente apontado. E um ataque que tem por cúmplice involuntário o presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM). Não há gente suficiente percebendo a gravidade da naturalização da mentira que está ocorrendo ao longo destes depoimentos e de que a CPI é cúmplice. Não estão percebendo que é abrir mão da verdade no debate público que faz corroer a democracia.

O primeiro a mentir foi o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten. Afirmou que nada tinha a ver com uma campanha desferida sob seu comando contra a política de isolamento social. O relator, Renan Calheiros (MDB-AL), quis prendê-lo em flagrante. Aziz não topou — e a decisão é dele. Aí o ex-chanceler Ernesto Araújo negou ter atacado a China. Há tuítes, artigos assinados, vídeos. Não importa. Fez na cara dura, escondeu-se atrás da máscara e simplesmente mentiu.

Nunca havia se mentido numa CPI de forma tão descarada, com provas do contrário a um Google de distância. E é por isso que o depoimento do ex-ministro da Saúde é muito mais grave do que o dos outros. Wajngarten e Araújo mentiram fingindo falar a verdade. Pazuello não. Ao dizer que jamais recebeu ordens para não comprar vacinas do Instituto Butantan, foi confrontado com o vídeo em que afirmou “um manda, o outro obedece” perante justamente essa ordem. Dada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. Pazuello não titubeou: “é coisa de internet”, feita por “agente político”.

Cristovam Buarque* - Lei incompleta

- Correio Braziliense

A Lei Áurea é considerada um marco social, pela extinção do regime escravocrata, e marco legal pela simplicidade de apenas um artigo: “É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil”. Nada mais do que 12 palavras e acabou a infâmia de tratar pessoas como mercadoria.

Esta simplicidade deixou a lei incompleta e de certa forma inócua para o propósito de ir além da proibição da venda, compra e propriedade de pessoas, e de servir também para a garantia da liberdade, promoção social e progresso dos afrodescendentes no Brasil. Aquele artigo simples foi capaz de acabar com os grilhões, mas não de incorporar a população negra à sociedade brasileira. Manteve-se a desigualdade, a exclusão, a pobreza e, consequentemente, o racismo.

Teria sido diferente se a Lei Áurea tivesse mais um artigo: “Fica estabelecido no Brasil um sistema único, público, de educação para todos”. Mas a lei ficou incompleta. Ao longo dos 134 anos de sua vigência, comemorados na semana que passou, o Brasil sem escravismo manteve a escravidão, porque sem educação as algemas físicas que aprisionavam os escravos se transformaram em algemas mentais que amarram todos os pobres brasileiros. Não apenas os negros, mas sobretudo estes, por formarem a maior parte dos pobres do País.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

O festival de mentiras que assola a CPI

O Globo

Depois de três semanas de depoimentos na CPI da Covid, a ausência mais sentida tem sido a verdade. O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi confrontado pelos senadores e chamado de “mentiroso”, tantas as contradições com os fatos. O senador Rogério Carvalho chegou a pedir à mesa que encaminhe o depoimento ao MP para investigação, como foi feito com o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten. O relator, Renan Calheiros, disse que as respostas de Pazuello eram “um espetáculo nunca visto” de contradições e omissões. Propôs a contratação de uma agência de checagem on-line para ajudar os senadores.

Em seu segundo depoimento na CPI, Pazuello voltou a dizer que os ataques do presidente Jair Bolsonaro à CoronaVac eram “coisa de internet” e que nunca recebera orientação para não comprar a vacina. O senador Otto Alencar leu trechos de entrevistas em que Bolsonaro demonizava a CoronaVac e falava claramente que o governo não a compraria. O senador Randolfe Rodrigues mostrou que, depois da bronca do presidente, o Ministério da Saúde apagou um tuíte que falava sobre a compra da vacina chinesa.

A pergunta que não foi feita a Pazuello: se não houve ordem, então Bolsonaro mentiu ao dizer que tinha mandado cancelar a compra? Não é questão irrelevante. Convém lembrar que o ex- presidente dos Estados Unidos Bill Clinton sofreu processo de impeachment por ter mentido à nação sobre um caso extraconjugal com uma estagiária da Casa Branca.

Pazuello foi colocado contra a parede também quando falou sobre o aplicativo TrateCov, lançado pelo Ministério da Saúde para incentivar o famigerado “tratamento precoce” com cloroquina e outras drogas ineficazes contra a Covid-19. Negou que o aplicativo tivesse sido usado. Alegou que foi apresentado, depois descartado por um motivo exótico: foi hackeado. O presidente da CPI, Omar Aziz, ironizou: “Hacker tão bom que conseguiu colocar matéria extensa na TV Brasil”.

Várias vezes, Pazuello disse ser favorável a medidas de prevenção. Porém o senador Alessandro Vieira lembrou que ele já questionara, numa live, a eficácia de máscaras e distanciamento. “Acredito que medidas de prevenção são necessárias. Não quero dizer que você não escorregue em algum momento de sua vida”, disse Pazuello.

Música | Joyce Cândido - Saudosa Maloca (Adoniran Barbosa)

 

Poesia | Bertolt Brecht - O analfabeto político