sábado, 27 de agosto de 2022

Marco Aurélio Nogueira* - Mudar é preciso, mas para onde?

O Estado de S. Paulo

É razoável que o eleitor se sinta indeciso. Os polos muitas vezes são mais semelhantes que diferentes e não trazem programas com intenções pedagógicas

Sente-se no ar um desejo de mudança. Tão forte que é como se pudéssemos apalpá-lo. Como está não pode ficar, ouve-se por toda parte. A democracia precisa ser defendida contra os arreganhos autoritários. A inflação come os bolsos da população, afeta os mais pobres de maneira vil. Os sintomas de uma crise aguda, múltipla, latejam sem cessar.

Os democratas se mobilizam, lançam cartas e manifestos que vocalizam a insatisfação e a disposição de luta. Atores posicionados em campos distintos se reúnem para defender a Constituição, as regras eleitorais, as urnas eletrônicas. Alerta-se para o risco que correremos se a mudança tardar, se o mau governo atual prolongar sua existência, com tudo o que exibiu nos últimos quatro anos: o desprezo pela política democrática, a falta de empatia, o descalabro administrativo, a grosseria, a ausência de compostura e de respeito presidencial ao cargo.

O desejo de mudança impregna o ar, mas não necessariamente irá vencer nas eleições de outubro próximo.

Antes de tudo, porque mudar é sempre difícil. Exige que personagens reconheçam erros e incompetências. Passa por deslocamentos (de pessoas, de ideias, de hábitos) que custam a se completar. Não é só uma troca de roupas, ou de governantes.

Bolívar Lamounier* - Novas desavenças à vista

O Estado de S. Paulo

Sobram razões para nos preocuparmos com uma nova e pior onda de desentendimentos, uma vez que religião e política não dão boa liga

Desde 1945, o Brasil padeceu sob ao menos duas desavenças políticas profundas, e é possível que a mescla do bolsonarismo com o ativismo eleitoral de uma parte dos evangélicos resulte numa terceira, quiçá pior que as anteriores.

Comparando com outros países, creio poder afirmar que o Brasil não é difícil de governar. Dias atrás, tive o prazer de ler uma breve história da revolução japonesa de 1868 (A Revolução Samurai), escrita por Luiz Paulo Lindenberg Sette, nosso embaixador no Japão em 1986. Imagine o leitor se nossos políticos tivessem de enfrentar uma complicação daquele tamanho. Um país que se caracterizava por guerras sem fim, depois gozou uma relativa paz no período Tokugawa, mas continuou incapaz de superar seu indescritível atraso. Com pouco território, dependia totalmente da produção de arroz e mantinha-se rigorosamente fechado ao exterior. Foi a partir da restauração da dinastia Meiji que uma nova elite conseguiu virar tudo de cabeça para baixo, acabou com o feudalismo e em três décadas transformou o país numa grande potência industrial e militar.

Nós, em tal situação, estaríamos evidentemente num mato sem cachorro. Com problemas muito menores, tivemos dois momentos de sérios confrontos desde 1945, e estamos vendo a situação piorar novamente em razão do ingresso de um componente religioso na política eleitoral.

Adriana Fernandes - Cerveja, picanha e chuchu

O Estado de S. Paulo

Falta a Geraldo falar mais, sobretudo expor com mais contundência a ‘narrativa fiscal’

O ex-presidente Lula prometeu cerveja e picanha aos trabalhadores, nos finais de semana, e Geraldo Alckmin ao mundo empresarial e financeiro para “consertar juntos” a economia.

E teve também promessa de renegociar dívidas, que era do adversário Ciro Gomes, que ele falou no minuto final da entrevista aos jornalistas William Bonner e Renata Vasconcellos no Jornal Nacional. Um ponto sensível para os endividados eleitores e trava para o aumento do consumo e da retomada do crescimento a partir do ano que vem.

Lula se saiu bem no embate (até a campanha do presidente Jair Bolsonaro acha isso) e reforçou o papel do ex-governador tucano no coração da campanha do PT como fiador dos três pilares que mais agradam ao mundo dos negócios: previsibilidade, credibilidade e estabilidade.

João Gabriel de Lima - Ela não tem de pedir desculpas

O Estado de S. Paulo

Sanna Marin foi acusada de não possuir postura de chefe de Estado. É uma crítica descabida

Imagens de mulheres dançando e se divertindo tomaram de assalto as redes sociais ao longo desta semana. O movimento é um desagravo à primeira-ministra finlandesa, Sanna Marin, duramente – e injustamente – criticada por vídeos em que aparece com amigas numa festa privada. A hashtag associada às imagens é #solidaritywithsanna.

“É claro que a reação seria diferente se Sanna fosse um homem”, diz a escritora Inês Pedrosa, entrevistada no minipodcast da semana. “O popularíssimo presidente de Portugal em toda parte dança, e ninguém o põe em causa por isso.” Inês Pedrosa é uma das escritoras portuguesas mais lidas no Brasil – autora, entre outros, de Fazes-me Falta, estrondoso sucesso de público e crítica, Dentro de Ti Ver o Mar e O Processo Violeta.

Demétrio Magnoli - Urnas sem Deus

Folha de S. Paulo

A política pertence à esfera pública; a religião, à esfera privada

Michelle Bolsonaro proclamou que o Palácio do Planalto era "um lugar consagrado a demônios" e liderou um culto evangélico na sede do governo. Jair, seu marido que ainda finge governar, isentou os pastores de contribuição previdenciária, violando o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei e inaugurando uma via expressa para negócios camuflados de religião. São atos tão anticonstitucionais quanto pregar o fechamento do STF. Mas funcionam.

Sondagem do Datafolha confirma a larga dianteira de Bolsonaro entre os eleitores evangélicos. Mesmo na faixa dos mais pobres, o presidente empata com Lula, em resultado contrastante com o do conjunto do eleitorado. A "guerra santa" é o único terreno favorável ao golpista que ocupa o Planalto. Lula, Ciro e Simone Tebet não ousam formular a resposta certa à armadilha político-religiosa.

Tebet participou da Marcha para Jesus, em São Paulo, veiculando a mensagem de que também caminha com Deus. Lula convocou um pastor evangélico para viajar com ele e produzir conteúdo de campanha destinados a afastar os fiéis da "bolha bolsonarista". Mais: apesar de criticar a "guerra santa", proclamou que "Bolsonaro usa Deus e Deus usa o Lula". A disputa por Deus serve, exclusivamente, para normalizar a cruzada bolsonarista.

Alvaro Costa e Silva - Abismo entre Lula e Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Quem contou e apurou garante que foi uma mentira a cada três minutos, média condizente para quem deu mais de 6.000 declarações falsas ou distorcidas no período em que está na Presidência. Um festival de lorotas transmitido ao vivo no horário nobre, sintonizado por metade dos televisores ligados no país, maior audiência do Jornal Nacional desde os tempos de pico da Covid, em 2020: 43,2 milhões de pessoas. O que mais na vida pode querer um mentiroso?

Dar um golpe para continuar mentindo. Nos 40 minutos da entrevista houve uma única certeza. Ao ser cobrado a assumir o compromisso de que respeitará o resultado das eleições, a resposta de Bolsonaro indicou sua falta de compromisso, pois colocou uma condição: "Desde que sejam limpas". Referia-se à campanha que ele inventou contra as urnas eletrônicas.

Cristina Serra - A Amazônia que queremos

Folha de S. Paulo

Sim, a floresta é nossa, mas temos que fazer por merecê-la

Esta é a primeira campanha presidencial em que o meio ambiente e a Amazônia passaram a ocupar o devido lugar em entrevistas e discursos de candidatos. Já não era sem tempo. A maior floresta tropical do planeta é um dos elementos mais importantes da estabilidade climática mundial.

Outros países dirigem seu olhar para o Brasil, à espera do que faremos enquanto continua o lúgubre espetáculo de árvores queimadas, rios poluídos, povos contaminados e o território retalhado pelo crime ambiental. Sim, a Amazônia é nossa, mas temos que fazer por merecê-la.

Para orientar nossa escolha como sociedade, é de imenso valor a contribuição de 27 cientistas e pesquisadores de universidades e instituições públicas locais, entre elas o Museu Emílio Goeldi, o Instituto Evandro Chagas, o Museu da Amazônia e a Embrapa, na carta "Ciência na Amazônia Democrática e Inclusiva", dirigida ao candidato Lula (PT).

Hélio Schwartsman - Darwinismo vacinal

Folha de S. Paulo

Por que as escolas não conseguem ensinar o beabá do pensamento crítico?

Darwinismo social é o nome que se dá a um conjunto de teses que procuravam legitimar diferenças raciais e de classe. Evocando a noção de "sobrevivência dos mais aptos", ideólogos como Herbert Spencer e Francis Galton sugeriam que os mais ricos e mais poderosos estavam nessa posição porque eram inerentemente superiores. Baseado mais numa falácia (a do apelo à natureza) do que na leitura rigorosa dos textos do naturalista inglês, o darwinismo social teve seu apogeu no final do século 19 e início do 20, caindo em opróbrio após a 2ª Guerra Mundial.

Se ainda fosse necessário buscar dados empíricos para desmentir o darwinismo social, a pesquisa do Sou Ciência (Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência), da Unifesp, sobre a vacinação contra Covid no Brasil funcionaria como prova irrefutável. A sondagem mostrou que foram justamente os mais ricos e os mais instruídos, supostamente os mais "aptos", os que menos se imunizaram.

Carlos Alberto Sardenberg - Quando as crianças podiam votar

O Globo

É o fim da picada que a gente esteja de novo tentando interpretar os recados de chefes militares. Mas é uma vigilância necessária

Talvez nem fosse permitido pela lei eleitoral, mas os mesários toleravam, de bom grado, que pais e avós levassem filhos e netos para votar. Isso mesmo, votar. Às crianças mais crescidinhas e mais espertas, era dada a oportunidade de apertar as teclas da urna eletrônica, em nome da família.

Uma diversão, brincadeira, mas também uma aula de educação moral e cívica — não daquele tipo de doutrinação imposta pelo regime militar nos anos 1970. Crianças percebiam a importância do ato.

Ingenuidade? Saudosismo das antigas? Pode ser, mas o ambiente eleitoral era realmente diferente, para melhor, antes de 2018. E muito mais saudável que nos dias de hoje.

Há algum tempo, os juízes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nem sequer cogitariam proibir celulares na cabine de votação. E, sim, mesários também toleravam que pais e avós fotografassem as crianças por ali.

Já neste ano, a decisão do TSE de proibir os celulares foi correta e tomada a tempo. Pelas redes sociais, já dava para perceber que muita gente se preparava para montar vídeos fake e espalhar falsidades sobre a segurança das urnas.

Eduardo Affonso - As falsas assimetrias

O Globo

O novo presidente não pacificará o país — ao contrário, ampliará o fosso. Terá contra si, se não o ódio, pelo menos o ranço de metade da população

Digam o que disserem antropólogos, sociólogos e cientistas políticos, ninguém conhece melhor a alma de um povo do que seus artistas. Eles são “a antena da raça”, na definição do poeta Ezra Pound. Antena, radar, sonar, telescópio, microscópio, tradutor, oráculo, o artista atira no que sente e acerta no que talvez apenas pressinta. Mesmo quando fala de uma dor de corno ou de cotovelo, pode estar retratando o relacionamento tóxico de um povo consigo mesmo e com suas escolhas.

“Esses moços, pobres moços (...)/Saibam que deixam o céu por ser escuro/E vão ao inferno à procura de luz”, cantou Lupicínio Rodrigues com o pensamento nos que buscam os altos voos do amor se atirando no precipício da paixão. Mais ou menos o que temos feito na vida política.

Com Mário Covas, Ulysses Guimarães e Roberto Freire na disputa, elegemos Fernando Collor. Agora abrimos mão de Simone Tebet, Ciro Gomes e Luiz Felipe d’Avila para encarar uma escolha de Sofia entre o que deu errado e o que não tem como dar certo.

Mantidas as tendências apontadas nas pesquisas de opinião, Bolsonaro (em ascensão) poderia alcançar Lula (estabilizado). Mas isso foi antes das entrevistas no JN e dos debates, em que Lula leva vantagem.

Pablo Ortellado - Para uma candidatura de esquerda, Lula fala pouco de desigualdade

O Globo

De certa maneira, a campanha de Lula tem apelado mais à memória da prosperidade passada do que apresentado planos concretos de como retomá-la

Vinte anos depois de vencer a primeira eleição, Lula concorre outra vez à Presidência. É o líder nas pesquisas de intenção de voto e tenta derrotar o presidente Jair Bolsonaro, que está cerca de dez pontos percentuais atrás.

Lula tem repetido o bordão de que é preciso “colocar o pobre no orçamento” e tem ligado isso à ideia de revogar o teto de gastos, mecanismo que limita o crescimento das despesas do governo ao patamar do ano anterior, corrigido pela inflação. Argumenta que o teto está drenando recursos da área social. O teto, tal como existe hoje, efetivamente impede a expansão do gasto social mesmo se houver expansão da arrecadação. As diretrizes de governo de Lula não são muito específicas, mas ele promete substituir o teto por uma nova política fiscal que tenha mais flexibilidade e reconheça a importância dos investimentos.

Ascânio Seleme - O problema é o eleitor

O Globo

É evidente a crise de lideranças e da qualidade da representação política hoje no Brasil. Não por outra razão, os candidatos que lideram as pesquisas são o veterano-populista Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente-baixo-clero Jair Bolsonaro. Dos que correm por fora, Ciro faz sua quarta tentativa para o cargo e Simone apenas patina com um ou dois pontos nas pesquisas, a pouco mais de um mês do primeiro turno. Os partidos eventualmente buscam nomes que julgam ser os mais apetrechados para vencer a eleição, mas é evidente também que raramente dão chances aos novos.

No caso do PT, por exemplo, enquanto estiver vivo, Lula será o candidato do partido a presidente. Em 2014, não foi candidato por impedimento legal, acabava de cumprir dois mandatos. Em 2018, foi candidato mesmo preso e com direitos políticos suspensos, abrindo mão da vaga apenas na última hora. Não dá para negar que Lula é o candidato correto agora, talvez o único com estatura para vencer Bolsonaro. Mas poderia ter sido diferente. Se em 2018 o PT tivesse lançado Fernando Haddad antes ou tivesse apoiado Ciro Gomes, um deles poderia ser hoje presidente no exercício do cargo concorrendo à reeleição.

Mas a história foi escrita de forma diferente e não adianta vir agora com “se isso” ou “se aquilo”. O fato é que os partidos não ajudam o eleitor por raramente lhe oferecerem novas opções. E o eleitor tampouco se esforça para enxergar melhor e com clareza o cenário político. De um modo geral, não se importa, não se informa, preocupado muito mais com suas questões particulares do que com as questões da nação. O problema não é só o candidato, é o eleitor também.

Carlos Andreazza - Entre demanda, oferta e uma interdição

O Globo

Existe a demanda; daqueles que não querem nem a volta de Lula nem a continuidade de Bolsonaro. Existe também a oferta. Mas o consumidor não responde

É singular o mercado da política. Há demanda por um produto eleitoral alternativo a Lula e Bolsonaro. Fosse outro mercado qualquer, a indústria o teria fabricado — com sucesso.

É singular o da política. Existe a demanda; daqueles que não querem nem a volta de Lula nem a continuidade de Bolsonaro. Existe também a oferta. Mas o consumidor não responde. A demanda não materializa engajamento. A oferta não atrai.

É como se houvesse uma interdição; como se o medo de o desprezado — Bolsonaro ou Lula — vencer empurrasse o eleitor para um segundo turno antecipado. Um sentido de urgência que paralisaria as possibilidades competitivas da opção demandada; sentido de emergência que se imporia ao eleitor nem lulista nem bolsonarista. O voto num candidato que não Lula ou Bolsonaro então transformado em capricho — mesmo em excentricidade — ante o dilema eleitoral brasileiro.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Lula continua em forma para driblar temas incômodos

O Globo

Na entrevista ao JN, ele pintou um Brasil em que a ruína econômica e a corrupção nada têm a ver com o PT

Ao ser entrevistado pelo Jornal Nacional, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostrou estar em forma na arte de desviar de temas indesejados. Fez de tudo para minimizar os escândalos de corrupção nos governos do PT. Na fala do candidato líder nas pesquisas, parece que só houve excessos entre os procuradores da Operação Lava-Jato e que a roubalheira na Petrobras não teve nada a ver com os governos do PT. Na sua visão, o partido merece aplausos por ter feito uma gestão republicana permitindo que a sujeira viesse à tona — e driblou como pôde a questão sobre como indicaria o próximo procurador-geral.

Foi astucioso, mas dificilmente convenceu algum antipetista. Com os demais — aqueles que preferem Lula sem muita convicção ou os indecisos —, é provável que tenha mais chance. Sua habilidade de comunicador ajudou, e ele soube escolher temas caros ao eleitor. Voltaram os sorrisos, o otimismo bonachão e as metáforas futebolísticas. O brasileiro quer, sim, voltar a comer picanha com cerveja e conseguir um emprego melhor. Faltou explicar como fazer a economia crescer, condição inescapável para atingir tais objetivos.

Poesia | Fernando Pessoa - Nevoeiro

 

Música | Coral Edgard Moraes e convidados - Regresso de Aurora