domingo, 10 de maio de 2020

Merval Pereira - Luvas de pelica

- O Globo

Bolsonaro não realizou o churrasco devido à péssima repercussão do gesto de indiferença à morte

A decretação pelo Congresso e Supremo Tribunal Federal de luto oficial por três dias por termos atingido a fatídica marca de mais de 10 mil mortos devido à Covid-19 é o segundo tapa com luva de pelica que o presidente Bolsonaro recebe esta semana. Enquanto isso, ele andava de jet ski no Lago Paranoá.

O primeiro desferiu o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, que se portou com altivez diante da afronta que o presidente fez ao praticamente invadir a sede do STF para pressioná-lo pelo fim do isolamento, justamente no dia em que o país registrava mais de 700 mortes por dia e chegava ao número macabro de 10 mil mortos, indiferentes para o presidente.

Toffoli salientou o bem que o isolamento social tinha trazido ao país, reduzindo o número de mortes, e sugeriu com enorme presença de espírito que o governo coordenasse uma ação conjunta de diversos ministérios para traçar planos de combate à Covid-19 juntamente com Estados e Municípios que, pela Constituição, são os responsáveis pelas ações regionais.

Bolsonaro, como sempre, fez aquela exibição para tirar de seu colo os mortos que seu egocentrismo provocou. Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e o do Senado, Davi Alcolumbre, fizeram o que os que dirigem o país sem olhar apenas seus umbigos devem fazer em momentos de comoção nacional.

Jarbas Vasconcelos* - Juízo, presidente!

- O Globo

Trabalhar hoje pensando em eleições é uma falta de respeito com a população

O presidente Bolsonaro, se tiver juízo e a mínima noção de realidade, deve ter a grandeza em oferecer uma trégua em seus arroubos descompensados para que possamos focar energia no que realmente interessa. Para que possamos trabalhar em ações e estratégias inteligentes para minimizar os duros impactos causados pelo coronavírus na saúde, no emprego e na renda dos brasileiros.

A tendência é que a situação atual da pandemia em nosso país piore nos próximos dias. As posições ideológicas, de parte a parte, devem ficar de lado. Mais do que insensível, é de uma irresponsabilidade sem tamanho a preocupação político-eleitoral que estamos vendo por aqueles que foram escolhidos para representar e defender o nosso povo já tão sofrido e necessitado. É de dar nojo essa negociação rasteira em beira de calçada, onde o presidente oferece empresas e instituições em troca de apoio político, como vem ocorrendo com o chamado centrão.

Cármen Lúcia* - Medos e esperanças

- O Globo

'O vírus não teme o mundo. Mas o mundo, esse morre de medo da doença. Com razão'

“Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços.
Não cantaremos o ódio, porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e
nosso companheiro...”
(Carlos Drummond de Andrade)

Medo faz parte. Vive-se com medo tantas vezes! É parte da experiência. Vai-se superando. Afinal, notava o Rosa, o que a vida pede é coragem. Dribla aqui, supera-se ali, sabendo sempre ser melhor viver sem a sensação de nó no estômago. Medo é alerta e proteção quando ajuda na sobrevivência. É sofrimento e desagrado quando imobiliza e infelicita. Medo da morte, medos na vida. Medo do dia de amanhã. Medo de não ter amanhã. Medo de não ter o almoço amanhã. Medo de guerra. Medo de desemprego. Medo do novo emprego. Tanto medo oferecido, esgueirando-se, olhando para a gente sem... medo.

Ajeitamos modo de vida para ignorar o medo. Ser mais forte que ele. Deixá-lo de lado. Passarmos ao largo e seguirmos como seres destemidos. Não participaremos do Congresso Internacional do Medo, a que se referia Drummond.

E vem o anúncio de uma pandemia. Isolem-se! Antes, era juntem-se. Agora sussurram: escondam-se! Isolamento é forma cabulosa de esconder-se do vírus. Ou da morte.

O vírus não teme o mundo. Mas o mundo, esse morre de medo da doença. Com razão. Moléstia danada de ruim! Rápida, traiçoeira, fatal milhares de vezes.

Com o isolamento para-se o trabalho, despede-se o emprego, aumenta o medo. Dinheiro encurta, bens diminuem, que será amanhã? Nunca se soube bem, mas o amanhã virou o hoje insabido.

Junte-se a esse escuro de tempo revolto a sombra incômoda de incertezas outras, águas turbulentas a envolver-nos em raios e trovões varando noites de escuro denso.

Bernardo Mello Franco - Aflições da Casa-Grande

- O Globo

Em Belém, o prefeito tira as domésticas do ‘lockdown’. Em Brasília, lobistas cobram a volta da produção. Em SP, um bilionário garante: o Brasil ‘está bem’

Há 120 anos, Joaquim Nabuco profetizou: “A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”.

Cleonice Gonçalves, 63 anos, foi a primeira vítima do coronavírus no Estado do Rio. Empregada doméstica desde os 13, trabalhava num apartamento no Alto Leblon. A patroa voltou da Itália com sintomas da Covid-19, mas não quis dispensá-la do serviço. Ao contrair a doença, a diarista foi despachada de táxi para Miguel Pereira, a 120 quilômetros dali. Morreu no dia seguinte, num hospital municipal.

O prefeito de Belém, Zenaldo Coutinho, incluiu o trabalho das domésticas entre as “atividades essenciais”. Com isso, faxineiras, lavadeiras, cozinheiras e babás poderão ser convocadas no período de lockdown. Segundo o tucano, a medida beneficiará quem “precisa ter alguém em casa”. A capital do Pará não tem mais vaga nos hospitais, mas os ricos encontraram uma alternativa. Passaram a fretar “UTIs aéreas”, que decolam para São Paulo por até R$ 200 mil.

Ricardo Noblat - Um presidente indiferente à morte de 10 mil brasileiros

- Blog do Noblat | Veja

Bolsonaro diverte-se esquiando no lago de Brasília

Jair Bolsonaro voltou a dizer no fim de semana que o país vive “uma neurose” com a pandemia do coronavírus e que 70% dos brasileiros serão infectados porque “não tem como”. Ora, haveria como, sim, se o governo que ele encabeça tivesse tomado providências para tal.

Mas para argumentar, digamos que não houvesse. Que fosse verdade que 70% dos povos do mundo obrigatoriamente serão contaminadas. Bolsonaro ainda não entendeu que nenhum sistema de saúde é planejado para atender 70% das pessoas em tão pouco tempo?

Foi o que aconteceu na Itália, Espanha e outros países europeus onde o sistema de saúde entrou em colapso e morreu mais gente do que deveria. É também o que está acontecendo em partes dos Estados Unidos e na maioria dos Estados do Brasil.

Por que as autoridades médicas, não só daqui, tanto falam que é preciso retardar a curva de crescimento do coronavírus? Justamente por isso. Quanto mais devagar ela suba, mais o sistema poderá atender pessoas em hospitais e outras unidades de socorro. E não é só o virus que mata.

O problema de Bolsonaro é um defeito de fabricação? Ele tem neurônios a menos que o impedem de descodificar o que escuta, uma vez que ler ele não gosta? Neurônios podem faltar, é o que se deve concluir por seus atos bizarros e comportamento em geral.

Vera Magalhães - Babás fardadas

- O Estado de S.Paulo

Militares no governo apequenam papel que vinham tendo desde redemocratização

Era sabido que o ingresso dos militares no governo Jair Bolsonaro, com papel político central e presença em praticamente todas as áreas da administração, seria um marco histórico, para o bem ou para o mal. A narrativa de que os papéis da instituição e de seus integrantes (da ativa ou da reserva) não se confundem já era falsa em tempos de normalidade democrática e sem uma emergência de saúde pública e econômica instalada.

Na atual conjuntura, em que o presidente afronta o bom senso, as regras sanitárias, as decisões judiciais, os Poderes e a própria Constituição dia sim, outro também, sem descansar nem nos fins de semana, a presença dos generais em postos de comando apequena o papel que as Forças Armadas, disciplinadamente, vinham cumprindo desde a redemocratização: o de zelar pela ordem constitucional.

Esses generais se sentiram afrontados por terem sido arrolados como testemunhas num inquérito que investiga se Bolsonaro cometeu graves violações a essa mesma Constituição ao exigir de Sergio Moro controle da Polícia Federal com fins inconfessáveis.

Eliane Cantanhêde - Além do churrasco

- O Estado de S.Paulo

Polícia Federal, Forças Armadas e Itamaraty cercados de dúvidas e na boca do povo

Dos ministérios da Educação e do Meio Ambiente, nem se fala mais, mas três instituições historicamente respeitadas e admiradas andam na boca do povo: Polícia Federal, Forças Armadas e Itamaraty. Dúvidas e temor de ingerência na PF, risco de imagem e contaminação política nas FA, uma política externa que atrai perplexidade e crítica mundo afora.

Jogada no centro de mais uma crise política, num país que viveu impeachment duas vezes em três décadas, a PF tem dificuldade de entender o que está acontecendo. O delegado Maurício Valeixo, uma referência, quase unanimidade, foi demitido. Alexandre Ramagem foi impedido de assumir pelo Supremo. Rolando Alexandre de Souza fez as escolhas certas e ia bem, até que, na sexta-feira, foi chamado ao Planalto e o governo tentou novamente emplacar Ramagem.

Os acertos de Rolando desagradam ao presidente Jair Bolsonaro? Essa pergunta não quer calar na PF, onde a percepção é de que está em curso um processo de enfraquecimento do novo diretor-geral, visto agora como “tampão”, achando que tem uma autonomia que na verdade não tem. O foco é a Superintendência do Rio.

Rolando nomeou para o Rio o delegado Tácio Muzzi, elogiado pelos seus pares e bom conhecedor da praça, onde trabalhou com os antecessores Ricardo Saadi e Carlos Henrique – justamente com quem Bolsonaro implica. Saadi, aliás, está na lista de depoentes desta semana sobre as acusações do ex-ministro Sérgio Moro ao presidente. Logo, o que paira na PF é: até quando Rolando Alexandre fica? E Muzzi? E para que novas trocas?

Elio Gaspari - Um vírus velho pegou a medicina do Rio

- O Globo / Folha de S. Paulo

Epidemia expôs a ruína da medicina pública do estado

A epidemia expôs a ruína da medicina pública do Rio. Enquanto os governos abrem hospitais de campanha e seus hierarcas dão entrevistas, a cidade tem cerca de 1.500 leitos vazios. Mais de mil deles estão em hospitais federais e universitários. Estão vazios porque as instituições foram sucateadas (e sucatearam-se) em termos de equipamentos e recursos humanos.

O governo do município ofereceu mil vagas para médicos com salários de R$ 4.411 a R$ 11 mil por jornadas de 12 a 30 horas semanais. Apareceram muitos currículos, mas os interessados chegam num ritmo de pinga-pinga.

O Hospital Universitário da UFRJ, no Fundão, tem 200 leitos, ganhou 60 outros e, destes, 50 estão vazios. Ele foi construído sonhando ser o melhor do Brasil. O Hospital dos Servidores do Estado (federal), que já foi o melhor, está com 130 leitos vazios.

Essa desgraça aconteceu por razões compreensíveis e também por motivos irracionais. Se o município oferece mil vagas temporárias e elas ainda não foram preenchidas, os médicos têm seus motivos, ora porque querem ganhar o que acham justo, ora porque não pretendem fazer biscates. Os motivos irracionais aparecem quando se vê o caso dos hospitais universitários federais. Durante o governo de Dilma Rousseff foi criada a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, a Ebserh, e ela contrata celetistas, nada a ver com biscates. A UFRJ recusou-se a aderir às suas normas. Eram muitos os argumentos, mas o que robusteceu as militâncias foi a obrigação de bater ponto. Num debate dessa questão houve tapas e cusparadas.

Dorrit Harazim – Melancolia

- O Globo

Haverá quem indague onde esteve a oposição a Jair Bolsonaro este tempo todo

O ensaísta radicado na Califórnia Dustin Illingworth acerta em cheio quando observa que melancolia é uma condição incompatível com o coronavírus. A realidade crua do nosso planeta infectado, com cadáveres que se empilham entre os vivos, não dá espaço ao que o britânico Robert Burton, em seu clássico do século 17 sobre o tema, definiu como “um tipo de loucura sem febre, tendo como companheiros o temor e a tristeza sem nenhuma razão aparente”. Com a Covid-19 em marcha pelo mundo, a melancolia foi deslocada por variantes menos românticas, como a ansiedade, o pânico, a depressão. É possível que no futuro venhamos a ter saudade do tempo em que foi possível sofrer só de melancolia, esse fundamento da condição humana.

Por ora não dá. Pelo menos não no Brasil, que encerra uma semana particularmente disfuncional, caótica e desconcertante. A hora, agora, é de grita, mesmo que seja apenas para se sentir vivo e humano.

Míriam Leitão - O mal avança nas sombras

- O Globo

Riscos ao meio ambiente e aos direitos indígenas aumentam enquanto o país está concentrado na luta contra a pandemia do novo coronavírus

Na calada desta nossa noite em que a dor da pandemia se soma às ameaças do presidente Jair Bolsonaro à democracia, outras áreas correm extremo perigo. Em abril, o desmatamento na Amazônia foi de 406 km2, 64% a mais do que no ano passado, segundo o Deter. Nos quatro primeiros meses, a alta foi de 55,5%. Portarias, MPs, instruções normativas dão forma ao projeto de perdoar grileiros e enfraquecer órgãos ambientais. Terras indígenas são ameaçadas e seus líderes correm riscos. O governo conta com as atenções do país concentradas na crise da saúde para avançar com o projeto de reduzir direitos indígenas e legitimar o ataque ao meio ambiente.

Em mais uma GLO na Amazônia, os militares estão sendo escalados para conter o que tem sido estimulado pelo próprio governo. A operação das Forças Armadas cria uma situação difícil. O Ibama, que já é cerceado, passa a ser subordinado aos militares. Seus quadros técnicos terão que seguir ordens de oficiais que não têm a mesma qualificação e experiência no combate ao desmatamento. Isso num momento em que os servidores que cumprem a lei na fiscalização são punidos. Os que destroem equipamentos, que é a arma mais poderosa para combater o crime, são exonerados.

Janio de Freitas – O impedimento do impeachment

- Folha de S. Paulo

Desde o começo do mandato, são dezenas de motivos suficientes para embasar o processo

Bolsonaro não poderia ter chegado ao primeiro semestre do seu mandato de figuração presidencial. Isso, com boa vontade. A rigor, nem ao primeiro trimestre, sendo já contra a segurança e a vida os seus primeiros atos e pregações.

De lá para cá, são dezenas de motivos suficientes para embasar processo de impeachment. Alguns geraram pedidos de inquérito lançados, todos, ao fosso das gavetas no Congresso e no Judiciário. Mas não pelo ônus de um processo de afastamento. Nem nem pela concentração de atividades, que não existe, contra a pandemia.

Como regra geral, as propostas justificadas de impeachment são descartadas, pelas ditas autoridades competentes, por conveniências pessoais, descaso com a população e com o próprio país, autoproteções de partidos e do Judiciário, barganhas, enfim, poucas vezes por sensatez e espírito público. Exemplo definitivo foi o do (im)possível impeachment pela provada compra a dinheiro, inclusive com confissão gravada, da aprovação de segundo mandato para Fernando Henrique Cardoso. No caso de Bolsonaro, porém, há uma peculiaridade.

Bruno Boghossian - Bolsonaro errou todas

- Folha de S. Paulo

Previsões furadas e palpites sem fundamento provam que a palavra do presidente não vale nada

Em 17 de março, Jair Bolsonaro disse que a Itália sofria com o coronavírus por causa da quantidade de habitantes idosos no país. “São muito mais sensíveis, morre mais gente”, afirmou. Ele sugeriu que os brasileiros, portanto, não deveriam se preocupar com a pandemia.

O presidente errou. Embora seja mais grave para os mais velhos, a Covid-19 matou proporcionalmente mais jovens no Brasil do que em alguns outros países. Entre os italianos, só 5% das vítimas tinham menos de 60 anos. Por aqui, esse percentual é de 30%, segundo os últimos dados do Ministério da Saúde.

Hélio Schwartsman - Voltamos ao normal

- Folha de S. Paulo

Fenômenos como Jair Bolsonaro são só manifestação paroxística dessa enfermidade coletiva

“Quando as coisas vão voltar ao normal?” é a pergunta que não quer calar. A palavra “normal” é traiçoeira, já que encerra tanto uma dimensão moral, designando algo nas proximidades de “aceitável”, como uma mais estatística, quando assume o significado de “corriqueiro”. Se nos centrarmos na segunda acepção, a resposta é: “acabamos de voltar”.

Doenças não apenas são uma constante na história da humanidade como também constituem uma das principais forças a modular a evolução das espécies. Elas estão por trás de algumas das mais dramáticas transformações da vida no planeta, como o advento da reprodução sexuada.

Se há uma parcial exceção a essa regra são as últimas sete ou oito décadas, quando uma feliz conjunção de desdobramentos da ciência —a difusão do tratamento de água e esgoto, das vacinas e de agentes antimicrobianos— fez com que os países desenvolvidos experimentassem a sensação de que as doenças infecciosas haviam sido derrotadas.

Affonso Celso Pastore - O interesse individual e o bem comum

- O Estado de S. Paulo

Para um presidente populista de direita, um número enorme de mortes é apenas estatística

Em visita ao CDPP em 2018, o professor Robert Pindik do MIT deu uma palestra sobre o custo social do carbono. Emissões de carbono levam ao aquecimento global, e um aumento de 2 graus na temperatura do planeta acarreta custos gigantescos: regiões férteis tornam-se desertos e o aumento do nível do mar alaga cidades litorâneas.

A forma de evitar tal ocorrência é obrigar todos os países a cobrarem um imposto sobre as emissões. Por que tem de ser cobrado de todos os países? Se apenas um deles tributasse as indústrias que queimam carvão, cairia nesse país o retorno privado dos investimentos nos produtos que utilizam o carvão, as fábricas mudariam para outro país que não tributa as emissões, e a poluição mundial continuaria aumentando.

No primeiro capítulo do seu livro Economics for the Common Good, Jan Tirole, o ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2014, começa discutindo as relações entre a economia e a sociedade, entre o benefício privado e o “bem comum”, usando o exemplo do custo social do carbono. Seu tema é a diferença de motivação na busca do lucro privado e na busca do bem-estar de todos.

Rolf Kuntz* - O lobby da morte na incursão ao Supremo

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro defende reabertura, mas o governo falha até na ajuda já anunciada

O lobby da morte cruzou a Praça dos Três Poderes, na quinta-feira, na marcha do presidente Jair Bolsonaro e de representantes da indústria até o Supremo Tribunal Federal (STF). Numa visita-surpresa, o presidente da República foi pressionar o chefe do Poder Judiciário em busca de apoio a uma atabalhoada reabertura da economia. Exibiu de novo seu desprezo pela vida dos brasileiros e pela ciência médica, dessa vez com apoio, talvez involuntário em alguns casos, de porta-vozes do capital privado. No mesmo dia seria anunciada a morte de mais 610 pessoas, com o total de óbitos elevado a 9.146. No Estado de São Paulo, a extensão da quarentena até 31 de maio, anunciada no dia seguinte, marcou o reconhecimento de um quadro ainda muito adverso e com muito risco de vida. Mas sobra a pergunta: qual a importância da vida, quando a prioridade presidencial é buscar apoio, proteger a si e aos seus de investigações muito inconvenientes e cuidar da reeleição em 2022?

Bolsonaro discursou no STF sem olhar o anfitrião, enquanto a cena era transmitida, também sem aviso, por iniciativa do Executivo. Foi mais uma baixaria bolsonariana, mas com uma novidade notável: a presença de coadjuvantes de elite. O presidente do Supremo, Antonio Dias Toffoli, deu a resposta cabível e em tom civilizado: o isolamento social é a melhor defesa contra a doença, até agora, é preciso dar atenção à ciência e, enfim, cabe ao governo federal buscar entendimento com os governos estaduais e municipais para planejar a próxima etapa.

A tentativa de repartir com o Judiciário a responsabilidade pela reabertura fracassou. O presidente Bolsonaro poderia, ouvindo o ministro Dias Toffoli, ter aprendido algo sobre Presidência e governo. Sairia pelo menos com esse lucro. Mas esses temas permanecem fora de suas preocupações.

Pedro S. Malan* - Saltos no escuro

- O Estado de S.Paulo

A superação desta crise – de saúde, econômica, social – exige engenho, arte e serenidade

“Com Jânio no poder, o Brasil dá um salto no escuro”, registrou premonitoriamente ao final de 1960 Carlos Castelo Branco, o mais influente jornalista político de sua geração, a propósito da eleição de Jânio Quadros. Como é sabido, o próprio Jânio deu o seu salto no escuro em agosto de 1961, ao que tudo indica, esperando voltar por demanda do povo e/ou das Forças Armadas. A História nunca se repete, mas por vezes rima, com frequência ensina e, de quando em vez, a muitos desatina.

A chegada do coronavírus, com sua exponencial velocidade de disseminação e as exigências que impôs à nossa limitada capacidade hospitalar, representa um tipo de salto no escuro com dor, sofrimento e angústia, especialmente para os mais vulneráveis, que são maioria. A ideologia negativista e o achismo multiplicam, também exponencialmente, custos humanos e sociais da crise, e tornam ainda mais assustador esse salto no escuro.

Pressão estrutural por gastos públicos foi o título comum a uma série de três artigos que publiquei neste espaço entre março e maio de 2017. Em meio a uma pandemia, o aumento expressivo de gastos e o endividamento público são inevitáveis para salvar vidas e mitigar os efeitos da parada súbita da oferta, da demanda e de suas consequências sobre pessoas e empresas. É também fundamental, embora menos consensual, evitar que se tomem agora decisões de gastos que assumam depois caráter permanente.

Vinicius Torres Freire – De que está morrendo a economia?

- Folha de S. Paulo

País está sem diagnóstico e plano para conter o vírus da depressão econômica

A subnotificação de casos e mortes por Covid-19 se tornou assunto corriqueiro no Brasil, assim como a escassez de testes e a falta de planos racionais do relaxar o distanciamento social. Fala-se menos ou quase nada da subnotificação da ruína econômica, da falta de diagnósticos sobre o desastre nas empresas e nos empregos, assim como um plano de contenção da crise e de reativação do país.

No momento, tudo se passa como se o governo federal, em particular, tivesse feito o que pode (ou o que quer) quanto as medidas para atenuar a catástrofe. Quanto ao futuro, por ora o que se sabe de planos é “business as usual”. Espera-se para ver o que vai dar. Quem sobreviver verá. Empresas morrem, é assim o mercado, diz o ministro Paulo Guedes (Economia).

Isto é, prevê-se apenas a retomada das “reformas”, manutenção das regras fiscais e contenção de despesas logo em 2021.

A melhoria da regulação do investimento e um bom plano de concessões atrairiam dinheiro privado para grandes projetos de infraestrutura. Apesar das promessas desde 2017, tal coisa não ocorreu: nem regulação significativamente melhor, nem projetos bastantes, nem carradas de investimento privado, em infraestrutura ou em qualquer outra parte.

No entanto, é fácil perceber que a economia estará em situação muitíssimo pior do que nos anos de quase estagnação de 2017 a 2019 (e como seria este 2020, sem epidemia), de crescimento em torno de 1% ao ano.

O que a mídia pensa - Editoriais

• A marcha da destruição – Editorial | O Estado de S. Paulo

Bolsonaro pode agora acrescentar mais um aos seus adversários: a comunidade médica internacional

Há poucos dias o Imperial College de Londres divulgou um dos cálculos mais horripilantes sobre a marcha da destruição do vírus: entre 48 países, o Brasil tem a maior taxa de transmissão – 2,81 para cada infectado. A favorecer o inimigo, o País tem muitos agravantes, como falta de testes, má distribuição de UTIs por regiões e por classes, subnotificações, déficit de saneamento básico ou a densidade das favelas, às vezes com três ou mais pessoas de gerações diversas ocupando o mesmo cômodo. Ainda assim, “a maior ameaça à resposta do Brasil à covid-19 talvez seja o seu presidente, Jair Bolsonaro”. O alerta é tanto mais grave por ter sido lançado por alguém que não pode sequer remotamente endossar o figurino de “comunista” ou qualquer outro chavão conspiratório do presidente, mas pela revista científica de medicina e saúde pública possivelmente mais reputada do mundo, a Lancet, em editorial exclusivamente dedicado à marcha da destruição de Bolsonaro.

Música | MPB4 - Amigo é pra essas coisas (Aldir Blanc)

Poesia | Pablo Neruda - Quero apenas cinco coisas...

Quero apenas cinco coisas...
Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos
Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser... sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que continues me olhando.