Para especialista, crise do Senado demonstra que petistas moldam seu comportamento às necessidades de Lula
Para o cientista político Leôncio Martins Rodrigues, a atuação da bancada petista no salvamento político do presidente do Senado, José Sarney (PMDB), é uma mostra da desaparição do PT como partido ideológico, "que seria diferente de tudo que está aí".
Ex-professor titular do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Rodrigues afirma que os petistas moldaram seu comportamento às necessidades de Lula, já que também dependem politicamente do presidente.
Em seus primeiros anos, o PT se apresentava como defensor de uma nova ética na política. Que balanço é possível fazer após o envolvimento de seus líderes em escândalos e após o partido ter se comprometido com o salvamento político de Sarney?
O PT completou a trajetória que tendem a seguir os partidos que, da oposição, chegam ao poder e passam a carregar, ao mesmo tempo, as responsabilidades e as benesses do poder. O contraste entre os dois momentos tende a ser mais forte nos partidos de esquerda, que prometem muito e que, inicialmente, sinceramente achavam que conseguiriam resolver substancialmente a vida dos mais pobres.
Na sua opinião, o socorro a Sarney terá efeitos eleitorais?
Algum efeito negativo certamente haverá, especialmente entre os eleitores urbanos de maior escolaridade. Mas é difícil calcular a extensão das perdas. Lula e outros dirigentes petistas possivelmente calculem que as vantagens vindas da aliança com o PMDB e com o grupo de Sarney compensem perdas no eleitorado mais escolarizado.
O PMDB vale o desgaste?
A parte do PT mais fiel ao governo provavelmente acha que compensa permanecer obediente a Lula. Mas tenho a impressão de que o PMDB, com ou sem Sarney e seus aliados no Senado, não romperia com o presidente. Há muita coisa em jogo para que o PMDB se deixe conduzir por emoções ou por amor próprio, tanto mais que dificilmente Sarney sofreria de seus colegas alguma punição mais dura além da perda da presidência. Embora um pouco desgastado, ficando no Senado, logo estaria de volta, como Renan Calheiros mais recentemente.
Com a eventual conquista do eleitorado de baixa renda, beneficiado por políticas sociais do governo, o PT tenderia a se preocupar cada vez menos com o eleitorado mais informado e exigente do ponto de vista ético?
Tudo está muito confuso. O PT vive uma situação difícil, que tem alguma semelhança com a situação vivida na época do mensalão. No momento, o melhor para o PT é o silêncio, tentando manter as bases populares do partido, ou mais exatamente, o apoio a Lula. É esse apoio que é decisivo na estratégia dos petistas e que molda sua conduta no Congresso ou no Executivo. O prestígio de Lula foi o tapete mágico que permitiu a ascensão de um pessoal político que vinha de baixo. Mas, apesar de os senadores petistas curvarem-se às diretrizes do governo, é difícil acreditar que amem o senador que ajudaram a livrar de todas as acusações. De todo jeito, para a parcela da opinião pública que não deve favores ao governo, o PT desaparece como um partido ideológico, que seria diferente de tudo que está aí.
Marina Silva tem condições de atrair o eleitorado petista descontente com os rumos do partido? Essa parcela, na sua opinião, é significativa?
Em princípio, creio que sim. Sua imagem é boa e seria um contraponto feminino inesperado e desagradável para Dilma, que, ao contrário da senadora acreana, tinha militado muito pouco tempo no PT e não tem experiência de campanha. O eleitor comum e desinformado vai se fixar no desempenho e na imagem que as duas passarem, especialmente na TV. Mas, como quase todo mundo sabe, eleições não se ganham apenas por aquela parte da atuação dos candidatos que é visível e exposta aos eleitores. É preciso dinheiro - muito -, máquina partidária, diretórios, marketing adequado e, não nos esqueçamos, apoio de parcelas importantes da classe política. No momento, é impossível ter uma ideia mais precisa da atuação das duas.