sexta-feira, 21 de setembro de 2018

FHC pede união do centro contra radicalização e crise

Em carta, FHC pede união contra candidatos radicais para evitar agravamento da crise

Em poucas ocasiões vi condições políticas e sociais tão desafiadoras quanto as atuais, diz ex-presidente

Leia a integra da carta no final

SÃO PAULO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) divulgou nesta quinta-feira (20) uma carta aberta na qual pede a união dos candidatos “que não se aliam a visões radicais”.

Sem citar nomes, pediu um acordo de apoio a quem “melhores condições de êxito eleitoral tiver” —caso contrário a “crise tenderá certamente a se agravar”.

A carta tem como alvos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), embora não citados nominalmente. O ex-presidente não especifica quem seriam os candidatos moderados, mas deduz-se que incluam Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva (Rede), Henrique Meirelles (MDB), Alvaro Dias (Podemos) e possivelmente Ciro Gomes (PDT).

O ex-presidente, na carta, não é explícito no pedido de apoio a Alckmin, de seu partido. Mas pouco depois de divulgar o texto reafirmou no Twitter o apoio a ele.

“Enviei carta aos eleitores pedindo sensatez e aliança dos candidatos não radicais. Quem veste o figurino é o Alckmin, só que não se convida para um encontro dizendo ‘só com este eu falo’”.

Segundo FHC, ante a dramaticidade do quadro atual, ou se busca a coesão política, “com coragem para falar o que já se sabe e a sensatez para juntar os mais capazes para evitar que o barco naufrague”, ou o “remendo eleitoral da escolha de um salvador da pátria ou de um demagogo, mesmo que bem intencionado, nos levará ao aprofundamento da crise econômica, social e política”.

Embora tenha quase metade do tempo de propaganda eleitoral na TV, Alckmin está estagnado nas pesquisas, com apenas 9%, como mostrou o Datafolha nesta quinta (20).

Na frente dele estão Bolsonaro (28%), Haddad (16%) e o pedetista Ciro Gomes (13%).

Em relação aos dois primeiros candidatos, sobretudo, FHC percebe uma radicalização dos sentimentos políticos.

“A gravidade de uma facada com intenções assassinas haver ferido o candidato que está à frente nas pesquisas eleitorais deveria servir como um grito de alerta: basta de pregar o ódio, tantas vezes estimulado pela própria vítima do atentado”, escreveu sobre Bolsonaro.

O capitão reformado sofreu um ataque no dia 6 de setembro durante ato de campanha em Juiz de Fora (MG) e segue internado no hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Embora ausente de debates na TV e atividades de campanha, apresenta tendência de crescimento nas pesquisas.

FHC diz ainda que o fato de o primeiro colocado nas pesquisas (Bolsonaro) ter como principal opositor (Haddad) quem representa um líder preso por acusações de corrupção (Lula) “mostra o ponto a que chegamos”.

Haddad foi oficializado candidato do PT no dia 11 de setembro, após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser barrado pela Justiça Eleitoral, com base na Lei da Ficha Limpa. Lula está preso desde abril em Curitiba, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro.

Em entrevista à Folha publicada no dia 2, o ex-presidente tucano afirmou que Bolsonaro antecipou a tradicional disputa entre PT e PSDB para o primeiro turno.

“Aceitando que o sentimento bolsonarista vai se manter, para ir para o segundo turno é PT e PSDB. Tradicionalmente, a disputa ia ser PT e PSDB no segundo turno. Agora, eu acho que será para ver quem vai para o segundo turno”, declarou na entrevista.

Na carta divulgada nesta quinta, ele afirma que o quadro atual é dramático, “mas ainda há tempo para deter a marcha da insensatez”.

Citando como exemplo a campanha das Diretas Já, defende que nem o partidarismo, muito menos o personalismo devolverão rumo ao desenvolvimento social e econômico.

“É preciso revalorizar a virtude da tolerância à política, requisito para que a democracia funcione. Qualquer dos polos da radicalização atual que seja vencedor terá enormes dificuldades para obter a coesão nacional suficiente e necessária para adoção das medidas que levem à superação da crise”, afirmou.

Pelo descalabro atual, reconhece o ex-presidente, também são responsáveis os partidos.

FHC cita que as agremiações lançaram-se com voracidade ao butim do Estado, enredaram-se na corrupção, desviaram recursos para os cofres partidários e suas campanhas. “É um fato a desmoralização do sistema político inteiro, mesmo que nem todos hajam participado da sanha devastadora de recursos públicos”, escreveu.

A crítica parece endereçada sobretudo PT e seus casos de corrupção desvelados pela Lava Jato, mas o PSDB não sai ileso. O Ministério Público de São Paulo, por exemplo, ajuizou no início do mês uma ação de improbidade administrativa contra Alckmin (PSDB), alegando uso de caixa dois em sua campanha em 2014.

“Somos todos responsáveis por evitar esse caminho”, diz FHC no fim da carta, ao conclamar que é hora de juntar forças e escolher bem.

“É isto o que está em jogo: o povo e o país. A nação é o que importa neste momento decisivo.”

LEIA A ÍNTEGRA

FH propõe união contra ‘marcha da insensatez’

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso publicou carta na qual descreve um quadro eleitoral sombrio e faz um apelo aos candidatos de centro pela união contra a “marcha da insensatez’’. Marina Silva (Rede) desdenhou: “Ninguém chama para tirar as medidas com a roupa pronta”.

APELO CONTRA ‘MARCHA DA INSENSATEZ’

Fernando Henrique pede união de candidatos, que descartam movimento

Gustavo Schmitt, Jussara Soares, Fernanda Krakovics, Maria Lima e Letícia Fernandes | O Globo

SÃO PAULO, RIO E BRASÍLIA - A16 dias das eleições, em carta publicada ontem no Facebook, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que o quadro eleitoral atual é sombrio e fez um apelo pela união de campanhas de centro para eleger o que chamou de candidatos “mais capazes” contra a “marcha da insensatez”. Segundo o tucano, seria essa uma oportunidade para evitar “que o barco naufrague”.

Tão logo o ex-presidente divulgou a carta em suas redes sociais, candidatos à Presidência e outros políticos reagiram sem demonstrar interesse à ideia de uma frente de centro.

Para FH, “ante a dramaticidade do quadro atual, se busca a coesão política, com coragem para falar o que já se sabe e a sensatez para juntar os mais capazes”. O tucano alerta que a união é importante para evitar a escolha do eleitorado por um “salvador da pátria” ou um “demagogo”.

O ex-presidente foi claro sobre o pedido de união contra o extremismo: “Sem que os candidatos que não apostam em soluções extremas se reúnam e decidam apoiar quem melhores condições de êxito eleitoral tiver, a crise tenderá certamente a se agravar”.

Em julho, Fernando Henrique já havia feito movimento semelhante: apoiou um documento que conclamava as forças “democráticas e reformistas” a se unirem durante a disputa eleitoral, numa “defesa intransigente da liberdade e da democracia”.

Ontem, FH classificou o cenário como “dramático” e citou o ex-primeiro-ministro do Reino Unido Winston Churchill: “Diante de tão dramática situação, os candidatos à Presidência deveriam se recordar do que prometeu Churchill aos ingleses na guerra: sangue, suor e lágrimas. Poucos têm coragem e condição política para isso.”

'Ainda há tempo para deter a marcha da insensatez', diz FHC em carta aos eleitores

Ex-presidente divulga carta sobre o momento que o País vive às vésperas da eleição presidencial; leia íntegra

- O Estado de S.Paulo

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) divulgou nesta quinta-feira, 20, uma carta "aos eleitores e eleitoras" na qual faz uma análise do atual momento político brasileiro a menos de três semanas da eleição presidencial. No documento, FHC faz um apelo pela união do centro político nas eleições 2018 - o fato de as pesquisas apontarem a polarização entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT)levou o PSDB a procurar o ex-presidente, como mostrou a edição do Estado desta quinta-feira.

"Ante a dramaticidade do quadro atual, ou se busca a coesão política, com coragem para falar o que já se sabe e a sensatez para juntar os mais capazes para evitar que o barco naufrague, ou o remendo eleitoral da escolha de um salvador da Pátria ou de um demagogo, mesmo que bem intencionado, nos levará ao aprofundamento da crise econômica, social e política", escreveu. "Ainda há tempo para deter a marcha da insensatez. Como nas Diretas-já, não é o partidarismo, nem muito menos o personalismo, que devolverá rumo ao desenvolvimento social e econômico."

Abaixo, leia a íntegra da carta

FHC faz apelo para união das candidaturas de centro

Por André Guilherme Vieira, César Felício e Fabio Murakawa | Valor Econômico

SÃO PAULO E APARECIDA (SP) - Em uma "carta aos eleitores e eleitoras" de pouco mais de 4 páginas, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso alertou para o perigo de uma eleição polarizada entre os candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) e, sem citar nomes, apelou para que presidenciáveis do centro, "que não apostam em soluções extremas, se reúnam e decidam apoiar quem melhores condições de êxito eleitoral tiver". Segundo o ex-presidente, "ainda há tempo para deter a marcha da insensatez".

Candidato apoiado por FHC, Geraldo Alckmin (PSDB) está em quarto lugar nas pesquisas. O apelo do ex-presidente é em favor de Alckmin e direcionado aos que estão logo atrás do tucano: Marina Silva (Rede), Alvaro Dias (Podemos), Henrique Meirelles (MDB) e João Amoêdo (Novo). FHC, entretanto, não menciona nomes no documento. Horas depois, no Twitter, procurou ser explícito: "Quem veste o figurino é o Alckmin, só que não se convida para um encontro dizendo 'só com este eu falo'". Um entrave para viabilizar tal união é o fato de o terceiro colocado nas pesquisas ser Ciro Gomes (PDT), hoje eleitoralmente mais competitivo do que Alckmin.

O ex-presidente afirma que é preciso romper "a radicalização dos sentimentos políticos" que seria representada pela atual polarização. "A gravidade de uma facada com intenções assassinas haver ferido o candidato que está à frente nas pesquisas eleitorais deveria servir como um grito de alerta", ressaltou FHC, em evidente referência a Bolsonaro, acusado na sequência de estimular uma pregação de ódio.

"Basta de pregar o ódio, tantas vezes estimulado pela própria vítima do atentado. O fato de ser este o candidato à frente das pesquisas e ter ele como principal opositor quem representa um líder preso por acusações de corrupção mostra o ponto a que chegamos", disse FHC, dessa vez referindo-se a Haddad.

Na avaliação do ex-presidente, "ou se busca a coesão política, com coragem para falar o que já se sabe e a sensatez para juntar os mais capazes para evitar que o barco naufrague, ou o remendo eleitoral da escolha de um salvador da Pátria ou de um demagogo, mesmo que bem intencionado, nos levará ao aprofundamento da crise econômica, social e política", advertiu. O aceno do ex-presidente foi recebido de maneira fria pelos destinatários. "Se o candidato do PSDB renunciar em favor de minha candidatura, eu aceito", comentou Henrique Meirelles, na entrada para o debate da TV Aparecida, em Aparecida (SP). "O PSDB só tem autoridade de propor conjugação de esforços se renunciar preliminarmente à sua candidatura", disse Alvaro Dias.

Marina Silva (Rede) ironizou: "Ninguém chama para tirar as medidas com a roupa pronta", escreveu a ex-senadora em uma rede social, replicando o post de FHC.

O manifesto de FHC não foi um gesto isolado. Outra iniciativa de mesmo sentido mobilizou o aplicativo de mensagens WhatsApp  

Manifesto que prega aglutinação de candidatos viraliza

Por Vanessa Adachi | Valor Econômico

SÃO PAULO - Diante da crescente polarização da disputa presidencial, um manifesto em defesa de uma candidatura única de centro viralizou no WhatsApp de empresários, executivos e economistas, nos últimos dois dias. O texto, apócrifo, ganhou a rede social sem que os responsáveis por seu compartilhamento conhecessem a autoria dele. No início da noite de ontem, a reportagem identificou o cientista político e advogado Miguel Nicacio, de 38 anos, como seu autor.

"Fazemos este apelo em defesa da liberdade de todos os brasileiros: chamemos nossos políticos do centro democrático à responsabilidade. Sra. e Srs. Candidatos à Presidência da República, Marina Silva, Alvaro Dias, Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles e João Amoêdo, defendam nossa democracia, unindo-se em torno de uma candidatura única", diz o texto.

Além dessa, outras iniciativas surgiram também nesta semana em prol de uma terceira via de centro. Um grupo de economistas mulheres, que inclui Elena Landau e Zeina Latif lançaram o manifesto "Mulheres não fogem à luta", no qual argumentam que as mulheres são a maioria da população e também a maioria dos indecisos e que, portanto, podem decidir a eleição. "Devemos afastar candidatos que justificam a violência e propagam o preconceito. Não vamos eleger pessoas que nos vejam como cidadãs de segunda categoria", diz trecho do texto. O grupo fará um debate na segunda-feira.

Ontem, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso lançou um manifesto de quatro páginas (ver acima) em que conclama candidatos de centro a se reunir em torno daquele que reunir as melhores condições de vencer.

Antes mesmo que o ex-presidente quebrasse o silêncio, duas pessoas que compartilharam o manifesto apócrifo de Miguel Nicacio chegaram a dizer em conversa com o Valor que esperavam que FHC pudesse falar em prol de uma candidatura única. Um deles, o presidente de uma incorporadora, pediu para se manter anônimo. O outro foi o jurista Miguel Reale Junior, um dos autores do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma. Reale Jr. chegou a ser apontado na tarde de ontem como um dos responsáveis por lançar o manifesto. "Fui um dos que aderiu e compartilhou e estou trabalhando para que essa aglutinação aconteça", disse, por telefone.

Para o jurista, a união não precisa se dar em torno do candidato com maior intenção de votos nas pesquisas. "O critério não tem que ser quem tem mais votos, que é o Geraldo Alckmin, mas quem aglutinaria mais." Ele não quis indicar uma preferência.

Já João Nogueira Batista, ex-presidente da Suzano Papel e Celulose e membro de diversos conselhos de administração apontou o candidato do PSDB para o papel de aglutinador. "Como a maior dificuldade para essa aglutinação é o ego individual e de partidos, o Partido Novo deveria ser 'novo' na atitude e liderar a aglutinação em torno do que tem mais voto", disse.

Em conversa por telefone, Nicacio disse que a ideia de escrever o texto surgiu de uma conversa entre amigos, como Joana Barcellos, preocupados com o futuro da democracia no país. "Mais do que pedir a união em torno de candidatura única, é um chamado para se preservar a democracia", disse.

Nicacio contou que o texto foi escrito e compartilhado inicialmente na noite de segunda para terça-feira. "Não imaginava que ganharia essa repercussão", disse, visivelmente nervoso. "A sociedade brasileira, mas em particular a elite, que tem acesso a recursos, não entendeu o que envolve ser uma democracia, que resolve conflitos de forma pacífica", afirmou ele.

Merval Pereira: De volta ao jogo

- O Globo

Disputa está tão radicalizada que centro pode ser representado por Ciro, irascível e de ideias econômicas ultrapassadas

O resultado da pesquisa do Datafolha parece ter reaberto a possibilidade de surgir uma terceira via pelo centro contra os extremos. Ciro Gomes busca esse caminho de volta às suas origens, depois de ter flertado com a esquerda nos últimos anos. Apresenta-se como centro político, nem esquerda nem direita, e parece estar mais conectado ao espírito dos tempos atuais, que favorece os candidatos mais assertivos, sem importar muito se suas promessas e ideias são factíveis. A disputa está tão radicalizada que o centro pode ser representado por Ciro, um político irascível e com ideias econômicas ultrapassadas, como proibir a fusão da Embraer com a Boeing.

Em carta publicada no Facebook, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso faz um apelo em favor da união de candidaturas de centro para eleger o que chamou de candidatos “mais capazes”. A possibilidade de o eleitorado estar, afinal, buscando a via do meio faz com que candidatos mais genuinamente desse campo, como o tucano Geraldo Alckmin e Marina Silva, da Rede, animem-se. Seria um sinal de que os extremos em provável disputa num segundo turno preocupam o eleitorado.

O candidato tucano ficou estagnado, o que pode ser uma ótima notícia a esta altura do campeonato. Numa visão otimista, ele estaria empatado com Ciro Gomes na disputa do terceiro lugar, isto se diminuirmos dois pontos de Ciro e dermos mais dois para o tucano, num exercício de boa vontade na margem de erro.

*Fernando Gabeira: Pão, pão, queijo, queijo

- O Estado de S.Paulo

É com a realidade que está aí que teremos de construir nossos sonhos, ainda que modestos

Ando muito pelo Brasil, mas não faço pesquisas. Nem pergunto em quem o interlocutor vai votar. Apenas converso. E com isso vou formando um quadro que, às vezes, é confirmado pelas pesquisas que dizem ter estreita margem de erro.

Faz algum tempo que tento me acostumar com a realidade que vem pela frente, um confronto polarizado entre dois líderes populares, Lula e Bolsonaro. Como um está na cadeia e o outro no hospital, a eleição ganha um tom de realismo fantástico. É preciso abstrair a dimensão romanesca e cair na realidade: um dos dois será vitorioso, com todas as consequências que isso implica.

Senti no Nordeste que Lula tem muita força. Na Bahia, sobretudo, um sentimento de gratidão a Lula e a popularidade do governo local indicam uma supremacia da esquerda. No Norte, Sudeste e Sul, ouço muito o nome de Bolsonaro. Se o que vi tem o valor de uma pesquisa espontânea, minha inclinação é supor que a aspiração de mudança está encarnando nele.

Às vezes tendo a imaginar se essa imensa resistência ao governo de esquerda não se parece com o susto que os franceses tiveram com o Maio de 1968, optando pela volta de De Gaulle.

Não vejo o momento que virá pela óptica dos anos 60 no Brasil, pelo menos não o descreveria como Roberto Campos ao analisar a queda de Goulart e a tomada do poder pelos militares. Para ele, a alternativa eram anos de chumbo ou rios de sangue. E também não é, como às vezes dizemos brincando, um dilema entre Venezuela e Filipinas. O presidente das Filipinas é um peso-pesado no gênero. E um destino venezuelano é altamente improvável. Maduro não se aguentaria tanto tempo se não tivesse cooptado as Forças Armadas com empregos que rendem muito aos generais. No Brasil isso seria diferente.

Ainda assim, descartando modelos mais assustadores, viveremos uma situação delicada. As duas forças em presença são dificilmente conciliáveis.

Eliane Cantanhêde: Quem manda em quem

- O Estado de S.Paulo

Lula manda em Haddad, Bolsonaro tenta mandar em Mourão e Guedes

Enquanto Fernando Haddad (PT) não perde uma chance de reforçar que é pau-mandado do ex-presidente Lula, Jair Bolsonaro (PSL) faz o contrário e põe nos seus devidos lugares o vice, general Hamilton Mourão, e o “Posto Ipiranga”, economista Paulo Guedes.

Do hospital, onde continua ativo nas redes sociais, o capitão Bolsonaro cortou as asinhas do general Mourão, que estava doido para substituir o paciente em debates e sabatinas – ou seja, assumir o papel de candidato à Presidência. Bolsonaro foi direto: ou ele vai pessoalmente aos debates, ou ninguém vai.

Também cuidou de conter os arroubos do economista Paulo Guedes, que defende imposto único e avançou o sinal ao admitir a recriação da CPMF. “Chega de impostos”, bradou Bolsonaro, tarde demais. Os adversários estão fazendo uma festa e reforçando a percepção de que, como o candidato não entende nada de economia (aliás, não só de economia...), o governo seria, na prática, de Guedes. Ou do general, que já defendeu intervenção militar.

Todo o episódio confirma o alerta do economista Persio Arida: que o “estatizante e corporativista” Bolsonaro vai para um lado e o privatizante e liberal Guedes vai para o outro. E aí, que governo sai dessa confusão, caso subam a rampa do Planalto? Ou, como indagam os apressados do mercado, que pularam cedo na campanha Bolsonaro por medo do PT: “E a autonomia do Guedes?”. Não é tanto assim, até porque presidente é presidente, ministro da Fazenda é muito importante, mas é só ministro.

Do lado oposto, Lula é a força e a fraqueza de Haddad. A mais contundente confirmação disso foi a forma tortuosa e sofrida com que reagiu à pressão para dizer se, eleito, iria ou não tirar Lula da cadeia via indulto. Foram muitos talvez, quem sabe, muito pelo contrário, até que o governador de Minas, Fernando Pimentel, disse o que parece óbvio: sim, Haddad no Planalto significa Lula fora da cadeia.

César Felício: Prontos para a carnificina

- Valor Econômico

Queda do centro pode levar à destruição do sistema político

A fotografia eleitoral tirada pela pesquisa do Datafolha divulgada na madrugada de ontem é muito similar, quase igual, à do resultado eleitoral de 1989 no primeiro turno. Um direitista pouco orgânico com 28%, um petista e um pedetista empatados em segundo, um tucano em quarto lugar.

É um presságio. O pleito daquele ano, em que estruturas partidárias contaram pouco, foi marcado pela radicalização. A reprise de 29 anos atrás agora também contraria os prognósticos de boa parte dos analistas políticos que apostavam na repetição do padrão eleitoral, adeptos que eram do seguinte dogma: a concentração do financiamento em poucas mãos, a desproporcionalidade da distribuição do horário na TV e no rádio e as máquinas eleitorais fariam com que a disputa deste ano fosse um jogo jogado e que as circunstâncias pesassem pouco.

O presságio é ruim porque o esvaziamento do centro, em geral, anda junto com a desestabilização do cenário político. Por vezes é sua consequência. Por vezes, sua causa. Não há pactuação possível para que a parte derrotada não tente impedir a governabilidade da parte vencedora. E não há garantias de que os vencedores não tentem eliminar os derrotados, fisicamente inclusive. Em uma crônica, Nelson Rodrigues uma vez pontuou: "Quando os amigos deixam de jantar com os amigos, por causa da ideologia, é porque o país está pronto para a carnificina."

O que aconteceu há quatro anos deixa claro que 1989 não ameaça se repetir por acaso. O PT e o PSDB haviam sido empurrados para extremos na eleição em que Dilma Rousseff "fez o diabo" para vencer, e em que Aécio Neves resolveu contestar o resultado "só para encher o saco", conforme disseram um e outro. O centro foi emparedado naquele ano, mas nucleava-se em uma única candidatura, a de Marina.

O enfraquecimento do centro este ano é mais grave porque houve uma fragmentação. Concorrem neste campo com proeminência Ciro Gomes, com uma inflexão pela esquerda, e Geraldo Alckmin, mais voltado para a direita. Marina Silva talvez esteja no grau noventa do espectro. Ainda há figuras menores, como Henrique Meirelles, João Amoêdo e Alvaro Dias.

Hélio Schwartsman: Entre Cila e Caríbdis

- Folha de S. Paulo

Pelo último Datafolha, eleitor terá de optar entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad

Como sempre, Homero já disse tudo. Na “Odisseia”, Ulisses precisa decidir se vai enfrentar Cila ou Caríbdis, dois monstros marítimos que viviam em lados opostos do estreito de Messina. Desde então, a expressão “entre Cila e Caríbdis” designa as agruras de quem precisa escolher entre dos males.

Pelo último Datafolha, vai se desenhando um cenário eleitoral em que o brasileiro terá de optar entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad —um dilema do tipo Cila e Caríbdis.

Bolsonaro evoca o temor de uma ruptura da ordem democrática. Otimista que sou, não consigo imaginar um golpe clássico, com tanques nas ruas e toque de recolher, mas não dá para descartar que, uma vez alçado à Presidência, Bolsonaro se aventure numa escalada de concentração de poderes ao estilo Putin.

Mesmo que o capitão reformado não faça nada contra a democracia, ele parece pouco preparado para conduzir o país. Seu programa econômico é pouco consistente e há dúvidas quanto à sua capacidade organizacional. Se o caos em sua campanha vale como amostra do que seria sua Presidência, estamos fritos.

Bruno Boghossian: O mito da tela em branco

- Folha de S. Paulo

Conflito obriga mercado a encarar divergências na agenda liberal do candidato

Primeiro, foi Luciano Huck. Depois, Jair Bolsonaro. O economista Paulo Guedes estava em busca de uma tela em branco para a eleição de 2018. Depois de procurar o apresentador da TV Globo, que desistiu de se candidatar, ele despejou suas tintas liberais sobre o deputado que diz não entender "nada de economia".

Por meses, Guedes e Bolsonaro convenceram banqueiros e empresários da conversão do presidenciável às escrituras do mercado financeiro. Pintado com a cor do dinheiro, o candidato absorveu o receituário do economista e repetiu suas ideias radicais para cortar despesas, reduzir o tamanho do Estado e equilibrar as contas públicas.

O conflito provocado pela proposta de recriação de um tributo semelhante à extinta CPMF, cobrada sobre transações financeiras, mostrou aos investidores que Guedes não é o único artista na equipe.

Horas depois que a Folha divulgou o plano do economista, as páginas de Bolsonaro nas redes sociais (controladas por seus filhos) desautorizaram o projeto. Até o vice Hamilton Mourão, que andava se estranhando com a família, reclamou.

Steven Levitsky: A erosão das normas democráticas

- Folha de S. Paulo

A polarização nublou as percepções na eleição à Presidência no Brasil

Uma boa Constituição não basta para fazer que a democracia funcione. A democracia depende de normas não escritas. Duas são especialmente importantes. A primeira é a tolerância mútua, ou a aceitação da legitimidade dos oponentes. Isso significa que, não importa o quanto possamos desgostar de nossos rivais em outros partidos, reconhecemos que eles são cidadãos leais, com direito legítimo a governar. Em outras palavras, não tratamos os rivais como inimigos.

A segunda norma é a indulgência. Indulgência significa abrir mão de exercer um direito legal. É um ato de autocontrole, uma subutilização do poder.

A indulgência é essencial para a democracia. Os políticos têm a capacidade de usar a letra de qualquer Constituição para subverter seu espírito, transformando instituições em destrutivas armas partidárias. Apontar juízes parciais. Conduzir impeachments em base partidária. Excluir candidatos de um pleito por conta de minúcias legais. O professor de direito Mark Tushnet define o método como “jogo duro constitucional”.

Observe qualquer democracia em colapso e verá uma abundância de jogo duro constitucional: Espanha e Alemanha na década de 1930; a Argentina de Perón; a Venezuela na era Chávez; Turquia, Hungria, Bolívia e Equador hoje em dia.

O que impede que uma democracia seja arruinada pelo jogo duro constitucional é a indulgência. É o compromisso dos políticos de exercerem de maneira contida as suas prerrogativas institucionais, sem utilizá-las irresponsavelmente como armas partidárias.

Maria Cristina Fernandes: A vergonha que ficou no meio do caminho

- Eu &Fim de Semana / Valor Econômico

O vídeo de 20 minutos divulgado na noite de domingo, quatro dias depois da segunda cirurgia à qual se submeteu, Jair Bolsonaro fez três acusações, igualmente graves: que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não fugiu do país antes de ser preso porque tinha um plano B, o de fraudar as eleições; que a ex-presidente Dilma Rousseff, em conluio com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, colaboraram para esta fraude ao vetar a impressão do voto; e que o PT programou as urnas eletrônicas para voltar ao poder e eleger uma expressiva bancada de deputados.

Na noite em que Bolsonaro resolveu fazer, ao vivo, o depoimento caseiro, gravado pelo filho Flávio, circulava, em redes sociais, a pesquisa de um banco, feita semanalmente por telefone. A pesquisa indicava a ascensão do candidato do PT, Fernando Haddad, para o segundo lugar na disputa, numa velocidade ainda maior do que a queda da rejeição de Bolsonaro, mantido na liderança.

Além da verdade, o candidato tentou esfaquear, com a gravação, o que ainda resta de voto envergonhado no eleitorado para arrancar, ainda no primeiro turno, uma vitória nas urnas e evitar o mata-mata de 28 de outubro. O tom e o foco da gravação foram completamente distintos da primeira imagem a circular de Bolsonaro na UTI dois dias depois do atentado de 6 de setembro. Na foto de um celular da família, Bolsonaro aparecia deitado, a reproduzir o gesto de quem segura uma metralhadora.

A imagem prejudicou o potencial de recuperação do candidato junto às mulheres, público que já havia demonstrado estar mais suscetível à estreia do horário eleitoral gratuito, que fez de Bolsonaro o principal alvo. Nas inserções mais diretas, do PSDB, a imagem do capitão foi associada à bala de prata que não resolve a violência e discrimina as mulheres.

Os ideólogos do bolsonarismo acreditam que o candidato teria uma avenida desimpedida para o Palácio do Planalto não fosse o voto envergonhado. Em contraposição aos "bolsominions" que fecham semáforos com coreografias ensaiadas e lotam as redes sociais com a propaganda de seu candidato, ou ainda de produtores rurais que expõem a propaganda de Bolsonaro em suas porteiras como quem coloca uma placa de cão de guarda, parte expressiva do seu eleitorado faria uma opção silenciosa porque se percebe minoritária no seu meio social e na opinião pública.

José de Souza Martins: Deus, eleitor

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

No Brasil eleitoral, o próprio Deus foi raptado e instrumentalizado. Vários candidatos e partidos, hereticamente, converteram Deus em reles cabo eleitoral e patrono da antipolítica do fanatismo. Está pressuposto no gesto do dedo no gatilho e na afirmação daquilo que nega Deus, o justiçamento, a negação dos humanos direitos de todos. Pelotão de fuzilamento não é Justiça. Esfregar a Bíblia na cara dos outros é pedrada, não é argumento de fé.

Deus está sendo arrastado pelo íngreme calvário das conveniências eleitorais dos ambiciosos que se colocaram em seu lugar e lhe puseram nos ombros a pesada cruz em que será crucificado de novo e esquecido.

Deus é nisso "fake news" pós-moderno, um ser banal e descartável, feito para enganar, ludibriar os simples e crédulos. Os pobres, a classe média, os abonados e assustados. É que, na teologia popular brasileira, o verdadeiro Deus é negação da negação. Há que admitir e vencer antes a negação reveladora, Satanás e a função religiosa e política do mal que é própria dele.

Na concepção popular, a usurpação levará para as profundezas os atrevidos. A beira do caminho do nosso oportunismo político está cheia de descartes dos que usurparam o nome de Deus para enganar o povo. A tecnologia publicitária não tem como evitar o banimento, da memória coletiva, do nome e dos abusos daqueles que conspurcaram o território do sagrado. Fé autoindulgente não é fé. É coisa de outra coisa.

Na cultura popular, Satanás é o ente antagônico e desconstrutivo cuja malignidade e mediação nega, e nisso revela, a deidade de Deus e a importância do sagrado na vida humana. Não importa qual a confissão religiosa em torno da qual as pessoas se agrupam para comungar sua fé, para compartilhar o pão da esperança. O deus eleitoral não é o Deus que sacia, mas o deus que nega a diversidade emancipadora do homem, pune, açoita, segrega, confisca direitos e liberdades. Não é o Deus dos que têm fome e sede de Justiça.

Dora Kramer: Calma no Brasil

- Revista Veja

No nevoeiro, a prudência aconselharia a levar o barco devagar

O general Eduardo Villas Bôas não estava delirando nem pregando quando apontou a possibilidade de perdedores virem a contestar a legitimidade da eleição presidencial como fruto da radicalização eleitoral. O comandante do Exército gerou polêmica, mas fazia apenas uma constatação.

Diga-se, baseado em evidências de autoria civil: a palavra de ordem petista segundo a qual “eleição sem Lula é golpe”, agora em descanso (temporário?) no arquivo, a desconfiança manifestada e reiterada de Jair Bolsonaro na eficácia das urnas eletrônicas no tocante à lisura do resultado e, mais remotamente, a auditoria pedida por Aécio Neves em 2014 logo após a derrota para Dilma Rousseff.

A inquietude com assuntos de golpes e fraudes não saiu, pois, de um cardápio elaborado pelo general, nem partiu dele, muito menos das For¬ças Armadas como corporação, o plantio da suspeita na cabeça do eleitorado de que conspirações estão sempre à espreita, prontas para dar o bote.

Quem as incentiva é justamente a parcela da chamada sociedade civil (aí incluídos setores importantes da imprensa) que parece referida na busca por emoções regressivas e, com isso, abre espaço para gente como o vice de Jair Bolsonaro, general Hamilton Mourão, que defende teses completamente fora da realidade brasileira, quiçá mundial.

Mourão fala em autogolpe executado a partir da vontade do Executivo, em Constituinte sem a participação de eleitores e, com isso, acende alertas e temores. O.k., mas alguém viu por aí algum militar dar eco a esse tipo de coisa que antigamente a gente chamava de ronco da reação? Na época, com a ditadura ainda nos calcanhares da democracia recentemente restaurada, tal receio fazia algum sentido. Hoje faz nenhum.

Ricardo Noblat: Nunca a esqueceremos!

- Blog do Noblat | Veja

Resgate de Dilma

Notável o esforço do PT de apagar da memória nacional o período desastroso dos governos da ex-presidente Dilma Rousseff.

Quem, Dilma? Quem é? O que fez? Ah, foi? Que horror! E eu com isso? – só falta o PT perguntar.

Lula descobriu Dilma em Porto Alegre. Impressionou-se com a habilidade dela no uso do programa PowerPoint da Microsoft.

Dali ela saltou para o governo. Depois, para a Casa Civil da presidência da República. Sucedeu a Lula. E deu no que deu.

Deve ser esquecida – a não ser pelos que sofreram os efeitos de suas más ações. Risque-se do caderno o nome dela.

Em último caso, atribua-se a culpa a Temer.

Alckmin diz que imposto de Bolsonaro é 'tiro no pobre' e Ciro compara a fascismo

Enquanto tucano ironiza a ideia da CPMF e candidato do PDT acusa Paulo Guedes de 'instrumentalizar economicamente o fascismo'

Adriana Ferraz e Gilberto Amendola, O Estado de S.Paulo

Candidatos à Presidência da República criticaram as propostas tributárias apresentadas por Paulo Guedes, economista de Jair Bolsonaro (PSL). O tucano Geraldo Alckmin(PSDB) ironizou a ideia de unificar os impostos em um tributo único cobrado aos moldes da cobrança da CPMF, extinta em 2007, dizendo ser "fácil fazer ajuste passando a conta para o povo"; Ciro Gomes, mesmo sem citar a questão específica da CPMF, acusou Guedes de "instrumentalizar economicamente o fascismo". Marina Silva (Rede) e Henrique Meirelles (MDB) também criticaram a proposta.

Paulo Guedes afirmou ao Estado que o novo imposto incidiria sobre todas as transações financeiras. Para o tucano, o líder das pesquisas de intenção de voto deu seu primeiro tiro. “É fácil fazer ajuste passando a conta para o povo. O candidato da bala deu o primeiro tiro. Deu tiro no contribuinte, deu tiro na classe média, deu tiro no pobre, deu tiro na economia. O que ele quer é aumentar imposto”, disse Alckmin durante agenda de campanha na cidade de Guarulhos, na Grande São Paulo.

Em busca de um ‘fato novo’ para crescer nas pesquisas, Alckmin se declarou contrário a qualquer aumento de impostos e aproveitou para dar a sua fórmula para o resgate da economia brasileira. “Nós vamos fazer exatamente o contrário. Ajuste fiscal pelo lado da despesa, cortar despesa, apertar o cinto, simplificar, destravar a economia, desburocratizar, pôr a economia para crescer.”

Para o tucano, recriar a CPMF – instituída em 1997 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, para custear a saúde pública –, é decisão equivocada. “Nós somos contra aumentar impostos. Contra recriar a CPMF, um imposto em cascata, imposto ruim, que afeta a população de menor renda, a classe média, a economia", afirmou. Em seguida, ressaltou sua proposta de reforma tributária baseada na transformação de cinco impostos (ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI) em um: o IVA (Imposto Sobre Valor Agregado). O IVA, segundo a campanha tucana, dará transparência à carga fiscal e vai redistribuir a carga tributária de maneira mais justa, pondo fim às guerras fiscais.

Programa Geraldo Alckmin Presidente (20/09) - Noite

Adversários sobem o tom contra polarização Bolsonaro/Haddad

Com os maiores tempos na televisão, Alckmin e Meirelles atacaram candidatos do PSL e do PT, que lideram pesquisas

Matheus Lara | O Estado de S.Paulo

A polarização da disputa presidencial entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad(PT) nas eleições 2018, indicada pelas recentes pesquisas de intenção de voto Ibope e Datafolha, tem feito adversários subirem o tom contra os candidatos que lideram a corrida em seus programas de TV e rádio.

Nos programas que foram ao ar nesta quinta, 20, os presidenciáveis Geraldo Alckmin(PSDB) e Henrique Meirelles (MDB) fizeram ataques diretos a Bolsonaro e Haddad. "De um lado, a turma de vermelho, que quer o fim da Lava Jato para encobrir o maior caso de corrupção da história; do outro, a turma do preconceito, da intolerância e do ódio a tudo e todos", diz o tucano no programa.

Alckmin ainda disse que o Brasil já elegeu "um poste vermelho", em referência a Dilma Rousseff (PT), sucessora indicada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e que não pode entrar "de novo em uma aventura, de um candidato que se diz o novo", em referência a Fernando Collor (hoje no PTC, que foi presidente pelo PRN).

Já Meirelles apostou no discurso de que o Brasil precisa de um governo que imponha confiança. Com recortes de jornais em que mostra notícias relacionadas a Bolsonaro e ao PT, disse que ninguém confia em gente "desequilibrada" ou "corrupta".

"Confiança é a chave que abre todas as portas", diz Meirelles. "Quando você pede uma indicação para cuidar dos seus filhos, você pergunta se a pessoa é de confiança. A mesma coisa acontece com o País. As empresas precisam confiar no governo para fazer investimentos, criar empregos. Ou você acha que vão confiar num governo de alguém despreparado, desequilibrado ou corrupto? Claro que não."

Terceiro colocado nas pesquisas, Ciro Gomes (PDT) mostrou seu currículo e da proposta de limpar o nome de pessoas negativadas no SPC e Serasa. Atual quinta colocada nos levantamentos, Marina Silva (Rede) falou sobre fazer investimentos na saúde e na educação, ao lado de seu vice Eduardo Jorge (PV).

Alckmin intensifica ataque a Bolsonaro sobre imposto: 'Tiro no pobre, na classe média'

Tucano critica criação de imposto em vídeo que será utilizado no horário eleitoral

Silvia Amorim | O Globo

SÃO PAULO - O candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, intensificou as críticas à proposta de Jair Bolsonaro (PSL) de criar um novo imposto sobre movimentação financeira nesta quinta-feira. Durante caminhada no centro de Guarulhos, região metropolitana de São Paulo, o tucano afirmou que o deputado quer aumentar imposto e insinuou que a medida seria apenas a primeira de um pacote.

O enfrentamento a Bolsonaro também foi para o horário eleitoral gratuito. Em uma peça que irá ao ar na noite desta quinta-feira, um narrador diz que Bolsonaro já admitiu que "não entende nada de economia" e que vai deixar a área nas mãos de "um banqueiro milionário", citando Paulo Guedes, responsável pela plataforma econômica da campanha de Bolsonaro. A afirmação foi feita pelo candidato do PSL em entrevista exclusiva ao GLOBO, em julho. Ainda na peça, o narrador diz que Bolsonaro irá cobrar "menos imposto para os ricos e mais imposto para os pobres".

A divulgação da proposta do economista Paulo Guedes de criar um imposto nos moldes da antiga CPMF, revelado pela "Folha de S. Paulo" nesta quarta-feira, tumultou a campanha de Bolsonaro. Além de ir a público dizer que é contra a criação de novos impostos, o candidato reclamou com Guedes por telefone. Ao GLOBO, o economista disse que esse tributo iria unificar outros impostos já existentes.

— O candidato da bala deu o primeiro tiro: no contribuinte, no pobre, na classe média, na economia. O que ele quer é aumentar imposto. Nós vamos fazer o contrário — disse o tucano, de cima de um banco, em Guarulhos.

Estagnado em apenas um dígito nas pesquisas eleitorais, Alckmin tem visto na confusão da candidatura adversária uma oportunidade para tirar voto de Bolsonaro e tentar chegar ao segundo turno. Na quarta-feira, o tucano fez as primeiras críticas à proposta de imposto sobre o consumo de Bolsonaro.

Na manhã desta quinta-feira, ele voltou à carga espontaneamente e abriu a entrevista concedida em Guarulhos com os ataques a Bolsonaro. Pesquisa Datafolha mostrou Alckmin com 9% das intenções de votos, enquanto Bolsonaro tem 28%.

— Nós somos contra aumentar impostos. Contra recriar a CPMF, um imposto em cascata, imposto ruim, que afeta a população de menor renda, a classe média, a economia — disse o tucano, que promete unificar cinco impostos em único e não aumentar a carga tributária.

Desde cedo nesta quinta-feira a campanha do tucano também colocou para circular nas redes sociais um vídeo em que ele nega que apoiaria Fernando Haddad (PT) num eventual segundo turno contra Bolsonaro. Faltando 17 dias para a eleição, a disputa presidencial virou nas redes uma corrida pelo voto útil.

Na tarde desta quinta-feira, Alckmin viaja a São José dos Campos, interior paulista, para mais uma caminhada. No sábado, a previsão é visitar duas capitais do Nordeste e, no domingo, está sendo programada viagem ao interior de São Paulo, estado onde o tucano tem tido um derretimento das suas intenções de voto.

Haddad evita culpar Maduro e critica oposição venezuelana

Candidato do PT reconhece que país 'não vive um processo de normalidade' e não endossa declaração do partido

- O Globo

RIO - O candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad, evitou culpar o regime de Nicolas Maduro pela crise na Venezuela, em entrevista ao "Jornal da Globo" na noite desta quarta-feira. O petista reconheceu que o país atravessa uma crise, mas apontou vários atores, inclusive a oposição, como responsáveis pela situação.

- A Venezuela não vive um processo de normalidade, não vive. Por que há contestação sobre o ambiente democrático, não se reconhece resultado eleitoral, a oposição contesta quando um plebiscito é chamado, as eleições não são respeitadas. O clima alí é de conflagração. Inequívoco.
Haddad também não comentou declaração de seu partido de que o país vizinho é um "exemplo de democracia".

- Eu não vi essa declaração oficial, a posição do PT pode ser essa, mas eu estou falando da posição de um eventual governo do PT comigo à frente. O papel do Brasil tem que ser reconhecer que as coisas não andam bem por lá, a situação é conflagrada; inclusive nós estamos tendo a repercussão disso na fronteira com Roraima. Nós precisamos resolver isso lá - disse.

A crise política e econômica na Venezuela já levou ao menos 1,6 milhão de pessoas a deixar o país — de acordo com números oficiais, mais de 30 mil se refugiaram no Brasil. Líderes de oposição foram presos, e a repressão a protestos já deixou dezenas de mortos. A economia está em colapso há anos, e a inflação deve bater em 1.000.000.000% neste ano, com queda de 15% no PIB.

Em debate, presidenciáveis criticam novo imposto

Marina (Rede) e Meirelles (MDB) fizeram ataques diretos à proposta de economista de Bolsonaro; Ciro (PDT) e Haddad (PT), que estreou nos debates, promoveram dobradinha para defender a tributação de lucros e heranças

Gustavo Schmitt | O Globo

SÃO PAULO – A recriação de um imposto sobre transações financeiras, proposta apresentada por Paulo Guedes, responsável pelo programa econômico de Jair Bolsonaro (PSL), foi alvo de críticas dos adversários, no debate ontem entre candidatos à Presidência, na TV Aparecida. O tema provocou confusão na campanha do deputado federal, que pediu maior comedimento do economista em pronunciamentos públicos.

Coube a Henrique Meirelles (MDB) trazer o tema para o centro do encontro. O ex-ministro perguntou a Marina Silva (Rede) qual seria sua opinião sobre a recriação do imposto.

—Já no começo da história (da relação entre Bolsonaro e Guedes) eu vejo que está tendo um incêndio no posto Ipiranga. Alguma coisa está acontecendo porque eles não estão se entendendo. Essa proposta é nefasta para economia e para os mais pobres —disse Marina Silva, seguindo por Meirelles, que aproveitou para também atacar:

— A CPMF é um exemplo do que não pode ser feito. É o resultado de alguém que não tem preparo para administrar o país. Isso é perigoso, é grave e a população tem que ser alertada sobre isso. Não podemos aumentar ainda mais a carga tributária pra os brasileiros.

Numa tabelinha, Fernando Haddad (PT) —que participou pela primeira vez de um debate na campanha —e Ciro Gomes (PDT) defenderam a tributação de lucros e dividendos e ainda a cobrança de impostos sobre a herança dos mais ricos, sem citar a proposta de Guedes.

Haddad vira alvo dos rivais em debate presidencial

No primeiro encontro desde que assumiu a campanha, petista foi questionado sobre denúncias de corrupção contra seu partido e crise econômica

Pedro Venceslau e Ricardo Galhardo | O Estado de S.Paulo

APARECIDA - Com a ausência de Jair Bolsonaro (PSL), o candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad, foi o alvo principal dos adversários durante o debate presidencialrealizado na noite desta quinta-feira, 20, pela TV Aparecida, na cidade do interior paulista. Estreante num encontro entre os presidenciáveis, Haddad foi questionado sobre denúncias de corrupção envolvendo petistas e a crise econômica originada no governo da presidente cassada Dilma Rousseff.

Haddad assumiu a candidatura presidencial do PT somente no dia 11 deste mês, em substituição a Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso na Lava Jato e barrado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Conforme as mais recentes pesquisas, ele está em segundo lugar nas intenções de voto, atrás do líder Bolsonaro – o candidato do PSL permanece internado se recuperando de uma facada.

O debate desta quinta-feira, promovido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no Santuário Nacional de Aparecida, também foi marcado pelo primeiro confronto direto entre Haddad e o tucano Geraldo Alckmin. O petista questionou Alckmin sobre sua posição em relação à reforma trabalhista e a emenda do Teto dos Gastos, aprovada no governo Michel Temer, com apoio do PSDB.

O ex-governador aproveitou a deixa para responsabilizar Dilma tanto pela crise econômica que gerou 13 milhões de desempregados quanto pelo fato de Temer ser o presidente. “Não precisaria a PEC do teto se não fosse o vale-tudo do PT que não tem limites para ganhar a eleição. São 13 milhões de desempregados, herança da Dilma e do PT. Quebraram o Brasil. O petrolão foi o maior escândalo do mundo”, disse Alckmin.

Debate em Aparecida (Completo)

Luiz Carlos Azedo: Nada mais a perder

- Correio Brazilense

“Ninguém leva o eleitor para votar puxando-o pelo nariz. Os que estão radicalizados são contra o PT e contra Bolsonaro; os que temem essa radicalização, tentarão viabilizar um tertius'”

O candidato a presidente da República do PSDB, Geraldo Alckmin, endureceu o discurso contra Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), que lideram as pesquisas de opinião, numa tentativa de evitar a completa desidratação de sua candidatura na reta final da campanha eleitoral. Fez ataques pesados e diretos ontem aos dois adversários nas redes sociais e no horário eleitoral gratuito, com esperança de conter a ascensão de ambos e evitar um desempenho catastrófico para seu partido e os aliados nas urnas. Uma campanha pelo “voto útil” também foi iniciada por dois intelectuais tucanos, a economista Eliana Cardoso e o cientista político Bolívar Lamounier, que lançaram um manifesto em apoio a Alckmin, dirigido aos demais candidatos do chamado “centro democrático”, para que retirem suas candidaturas.

“Apelamos aos candidatos que compõem o centro democrático para que se unam em torno de um nome com potencial de passar ao segundo turno e quebrar a perigosa polarização que está se configurando entre Bolsonaro e o PT. Apelamos a todos vocês — intelectuais, professores, profissionais liberais, cidadãos em geral — para que se unam a esse nosso esforço, endossando-o e ajudando a divulgá-lo”, explica a economista Eliana Cardoso nas redes sociais. O manifesto propõe uma reunião entre os candidatos: “Para que o eleitor não caia nas mãos de políticos extremistas, os candidatos do centro precisam se unir. A tarefa exige que os candidatos do centro, Alckmin, Marina, Álvaro Dias, Amoedo e Meirelles se encontrem e coloquem seus votos a favor do candidato que entre eles tem a maior chance de evitar uma tragédia. No momento, este nome é Alckmin”, afirmam.

Mais cauteloso, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso divulgou uma carta na mesma direção, mas sem citar nomes. Faz uma avaliação catastrófica do cenário político: “Desatinos de política econômica, herdados pelo atual governo, levaram a uma situação na qual há cerca de 13 milhões de desempregados e um deficit público acumulado, sem contar os juros, de quase R$ 400 bilhões só nos últimos quatro anos, aos quais se somarão mais de R$ 100 bilhões em 2018. Essa sequência de deficits primários levou a dívida pública do governo federal a quase R$ 4 trilhões e a dívida pública total a mais de R$ 5 trilhões, cerca de 80% do PIB este ano, a despeito da redução da taxa de juros básica nos últimos dois anos. A situação fiscal da União é precária e a de vários estados, dramática.”

O ex-presidente da República critica promessas de soluções fáceis para os problemas do país: “Diante de tão dramática situação, os candidatos à Presidência deveriam se recordar do que prometeu Churchill aos ingleses na guerra: sangue, suor e lágrimas. Poucos têm coragem e condição política para isso. No geral, acenam com promessas que não se realizarão com soluções simplistas, que não resolvem as questões desafiadoras. É necessária uma clara definição de rumo, a começar pelo compromisso com o ajuste inadiável das contas públicas”. E vai na mesma linha de um acordo entre os candidatos já no primeiro turno: “É hora de juntar forças e escolher bem, antes que os acontecimentos nos levem para uma perigosa radicalização. Pensemos no país e não apenas nos partidos, neste ou naquele candidato. Caso contrário, será impossível mudar para melhor a vida do povo”, apela.

Rogério L. Furquim Werneck*: Predileção por presidentes tutelados

- O Estado de S.Paulo

O bombástico ajuste fiscal de Paulo Guedes é o maior ‘fake news’ da campanha

Há um traço comum e insano nas duas candidaturas a presidente que agora lideram as pesquisas de intenção de voto. Tanto num caso como noutro, boa parte dos eleitores espera que, uma vez eleito e empossado, o candidato de sua preferência passe a governar sob a estrita tutela de outra pessoa.

No caso de Fernando Haddad tal expectativa vem sendo estimulada de forma escancarada. Próceres do PT vêm anunciando que Lula será indultado no primeiro dia de governo. E dando força à ideia de que o ex-presidente passará a ocupar sala ao lado do gabinete presidencial, no Planalto. A menos, claro, que prefira que Haddad ocupe a sala ao lado. Diante da péssima repercussão desse desvario, o candidato petista viu-se obrigado a esclarecer que Lula não será indultado. O que não impediu que Gleisi Hoffmann continuasse a insistir que Lula será solto em breve e “terá o papel que quiser no governo”.

O PT continua a martelar que votar em Haddad é votar em Lula. E que é isso que permitirá ao “povo ser feliz de novo”. O que vem sendo omitido, neste novo engodo eleitoral, é que o povo deixou de ser feliz porque Lula permitiu que Dilma Rousseff lançasse o País no colossal atoleiro em que está metido, ao cometer o despropósito de alçá-la à Presidência.

O silogismo completo deveria ser outro. Haddad é Lula, e como Lula é Dilma, Haddad é Dilma. E não será com Haddad que o povo vai ser feliz de novo. Para se livrar desse entalo, o candidato petista tem-se agarrado a uma narrativa descaradamente desonesta, que retoma a mentira do estelionato eleitoral de 2014 no ponto exato em que Dilma a deixou.

Míriam Leitão: Risco de erros velhos do PT

- O Globo

PT não aprendeu com os próprios erros, não fez autocrítica e caminha para repetir os mesmos equívocos que levaram o país à sua maior crise

O programa de Fernando Haddad propõe a criação de um imposto sobre exportação, que atingiria em cheio o agronegócio e outras commodities. Tem a controversa proposta de um novo índice de inflação para orientar a Selic. Nestes 10 dias de campanha como candidato oficial, Haddad tem preferido a narrativa aos fatos, quando é cobrado sobre os problemas criados pelos governos do PT. Algumas propostas que defende não se sustentam, outras são perigosas e mostram que o partido não aprendeu com os erros.

O imposto sobre exportação seria regulatório, segundo o texto, e “capaz de estimular a elevação do valor agregado de exportação e minimizar a variação cambial”. Incidiria, pelo visto, sobre commodities como soja ou minério de ferro. Com o dinheiro, será criado um “fundo de estabilização cambial”. Bom, para isso existem as reservas cambiais. Esse imposto pode ser um tiro no pé, como foi na Argentina.

Haddad promete isenção do Imposto de Renda até cinco salários mínimos. Isso atrai eleitores, mas tiraria dos cofres públicos R$ 60 bilhões, segundo o Ministério da Fazenda. O programa diz que isso está “condicionado ao aumento das alíquotas dos super-ricos”, mas não informa qual é a faixa a ser onerada.

O programa do PT tem duas versões. A primeira quando Lula era candidato, e a outra para o registro de Haddad. Compará-las é um exercício interessante. Na primeira, havia a proposta de criação de outros dois impostos: um incidiria sobre “grandes patrimônios”, e outro sobre “grandes movimentações financeiras”, ou seja, CPMF. A nova versão lança o programa “Dívida Zero”, copiando a ideia de Ciro Gomes, mas de forma mais rudimentar. A do PT é apenas linha de crédito em banco público com juros e prazos menores para endividados no SPC ou Serasa. Hoje, há 63 milhões de inadimplentes, mas quando o PT saiu do governo já havia quase 60 milhões.

A proposta de cobrar imposto maior dos bancos que tiverem juros mais altos é inconstitucional, segundo a Receita, porque não se pode cobrar alíquotas diferentes dentro do mesmo segmento empresarial. Haddad explica em entrevistas que serão dados “benefícios fiscais” a quem cobrar juros menores. Se for isso, o governo criaria uma nova renúncia fiscal, mas para beneficiar os bancos.

Bernardo Mello Franco: Ciro tenta ressurgir como terceira via

- O Globo

Com o avanço de Haddad, Ciro tenta piscar para o centro e a direita não autoritária. Ele busca o voto útil de quem quer evitar a vitória do PT ou de Bolsonaro

Ciro Gomes é brasileiro e não desiste nunca. Pela terceira vez, ele se lança candidato a presidente. Pela terceira vez, tenta emplacar como alternativa ao duelo entre petismo e antipetismo.

Nas campanhas passadas, não deu certo. Em 1998, Ciro ficou em terceiro lugar, bem atrás de FH e Lula. Em 2002, chegou a ameaçar o favoritismo do petista. Tropeçou na própria língua e acabou na quarta posição, atrás de José Serra e Anthony Garotinho.

O Ibope de terça-feira indicou que ele voltaria a morrer na praia. Jair Bolsonaro manteve a ponta, e Fernando Haddad assumiu a vice-liderança isolada. Ontem o Datafolha voltou a posicionar Ciro no jogo. Ele não cresceu, mas apareceu em empate técnico com o petista na disputa pela vaga no segundo turno. Nas simulações de confronto direto, foi o único a vencer Bolsonaro fora da margem de erro: 45% a 39%.

As eleições parlamentares: Editorial | O Estado de S. Paulo

A julgar pelas pesquisas de intenção de voto, seja quem for eleito, fato é que o próximo presidente da República contará com o apoio inicial genuíno de apenas uma reduzida parcela do eleitorado quando tomar posse em 1.º de janeiro de 2019. Em outras palavras: o eleito dificilmente desfrutará da chamada “lua de mel” que, no mais das vezes, costuma marcar os primeiros meses de um governo.

Haveria um período de trégua e manifestação de boa vontade dos brasileiros não fossem a fragmentação das candidaturas e o tom do debate eleitoral, extremado a ponto de dificultar a criação de um ambiente sadio para a construção dos compromissos entre forças políticas antagônicas em prol da solução dos problemas do País. E estes não são poucos ou triviais. Tal quadro torna ainda mais importante do que naturalmente já seria a atenção dos eleitores aos candidatos à representação no Congresso Nacional.

Fantasma da CPMF volta a assombrar: Editorial | O Globo

Vazamento de conversa de Paulo Guedes alerta para o risco de um imposto já condenado na prática

Um tema crucial que a campanha não trata com o deveria é o tributário. Foi necessário que Paulo Guedes, assessor econômico do candidato Jair Bolsonaro, mencionasse, em encontro reservado com investidores, a ideia de um imposto sobre movimentações financeiras para que o tema emergisse.

E ainda bem, porque este imposto, na verdade a exumação da famigerada Contribuição Provisória dobre Movimentação Financeira (CPMF), será um grande retrocesso. Trata-se de um tributo que seduz políticos e técnicos que chegam ao poder e precisam equilibrar contas públicas.

O superimposto: Editorial | Folha de S. Paulo

Plano da equipe de Bolsonaro para a criação de um tributo semelhante à CPMF subestima riscos e obstáculos

De maneira discreta, o encarregado do programa econômico do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) formula —ou formulava— uma revolução no sistema de impostos do Brasil. Paulo Guedes, apresentado pelo candidato como seu mentor, vinha compartilhando tais ideias com empresários e executivos, em reuniões reservadas.

Não havia alarde até que seus planos fossem revelados por esta Folha—o que surpreendeu, pelo visto, o próprio Bolsonaro.

Este, ainda hospitalizado em razão do ataque a faca sofrido em 6 de setembro, tratou de negar que pretenda recriar a CPMF, a contribuição social sobre movimentação financeira cobrada até 2007.

A negativa não dá conta das ambições externadas por Guedes.

BC mantém juro e indica que ajuste futuro será gradual: Editorial | Valor Econômico

O Banco Central não moveu a taxa básica de economia dos 6,5%, na qual está estacionada desde março, mas há sinais no horizonte de que poderá ter de agir em futuro próximo diante de pressões inflacionárias ainda comedidas e do aperto das condições financeiras domésticas e externas. A causa, em ambos os casos, é a depreciação cambial, que reflete condições externas mais instáveis, reforçadas por um cenário eleitoral absolutamente imprevisível.

O Comitê de Política Monetária repetiu até em detalhes os termos da ata de sua reunião de agosto e reiterou o truísmo de que se as condições econômicas tornarem-se adversas, agirá de acordo. Ainda assim, com poucas palavras, deu importante sinalização: quando e se a Selic voltar a precisar de correção para cima, isso será feito de forma suave. O estímulo monetário "começará a ser removido gradualmente caso o cenário prospectivo para a inflação no horizonte relevante para a política monetária e/ou seu balanço de riscos apresentem piora", registra seu comunicado.

Maria Bethânia - "Non, Je Ne Regrette Rien"

Clarice Lispector: Felicidade Clandestina

Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.

Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia" e "saudade".

Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.

Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía. As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.

Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E, completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.

Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança de alegria: eu não vivia, nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.

No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.