Pelo menos outros quatro órgãos públicos analisados pelo GLOBO - têm problemas como os descobertos no Dnit, e que levaram à demissão de 22 pessoas. Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Banco do Nordeste (BNB) e Codevasp sofrem com falhas de gestão, desvios e loteamentos políticos. Indicado pelo PT, o presidente do BNB, Jurandir Santiago, é suspeito de desvio de verbas no governo do Ceará. Também a Secretaria de Infraestrutura Hídrica já pagou R$ 3,9 bilhões pela obra de transposição do Rio São Francisco sem um projeto executivo e as empreiteras querem mais R$ 1 bilhão em aditivos
Como Dnit, outros órgãos precisariam de faxina
Suspeitas de desvios e falhas de gestão atingem mais áreas do governo
Maria Lima, Roberto Maltchik e Fábio Fabrini
Se a presidente Dilma Rousseff fosse faxinar todos os cantos do governo onde a ingerência política contamina a gestão, permitindo, inclusive, a proliferação de bilionários aditivos nas obras públicas, a limpeza teria que ir além dos Transportes. Órgãos estratégicos como o Banco do Nordeste (BNB), a Companhia do Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) e a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) protagonizam disputas por poder entrelaçadas a graves falhas de gestão, que abrem a porta a irregularidades.
Outros, como as superintendências de Desenvolvimento da Amazônia e do Nordeste (Sudam e Sudene), além do Banco da Amazônia (Basa), são alvos de acirrada disputa entre caciques partidários da base aliada, mas a presidente está segurando as indicações políticas até agora.
Embora tenha tentado emplacar um técnico de Santa Catarina para presidir o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), com o aval de Dilma, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, teve de ceder à pressão do PT cearense e aceitar a indicação para o cargo de Jurandir Santiago, afilhado político do deputado federal José Nobre Guimarães (PT-CE).
Funcionário de carreira da Caixa Econômica Federal (CEF), Santiago comandava a Secretaria de Cidades do governo cearense antes de assumir o banco. Deixou a pasta sob suspeita do Ministério Público do Ceará, que investiga desvio de verbas públicas para a construção de banheiros em comunidades pobres do estado. As apurações mostraram que o dinheiro foi desviado, por meio de convênios, para entidades fantasmas ou que, embora funcionem, não fizeram as obras.
Sob suspeita, 56 convênios no CE
Estão sob suspeita 56 convênios de 2010 do governo cearense para obras em 37 municípios. Como secretário, Santiago assinou ao menos sete, cujos valores foram transferidos a entidades ligadas a parentes e funcionários do ex-presidente do Tribunal de Contas do Ceará, Teodorico Menezes, que se afastou do cargo em meio à crise.
A promotoria pretende ouvir o presidente do BNB esta semana. Será pedida a quebra do sigilo fiscal e bancário dos envolvidos, de acordo com o promotor Eloilson Landim, responsável pelo caso.
O PT cearense controla o BNB desde 2003. As suspeitas sobre o novo presidente se somam a problemas de gestão. Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), aprovada em 2010, mostrou que o banco deixou de cobrar R$1,5 bilhão em dívidas.
- Ações concretas não foram feitas nem na esfera administrativa nem na judicial. Analisamos 33% dos ativos do banco, o que significa que o valor pode ser ainda maior - explica a responsável pela Secretaria de Controle Externo do TCU no Ceará, Shirley Cavalcante.
Da mesma forma que no Dnit, o Ministério da Integração Nacional é área de risco sistêmico por causa do binômio "orçamento bilionário e atuação política", que abrange a Codevasf. Enquanto o governador do Piauí, Wilson Martins (PSB), trava uma batalha com o senador Wellington Dias (PT-PI) para indicar o presidente da companhia que administra a obra de transposição do Rio São Francisco, o atual diretor-presidente é Clementino Coelho, irmão do ministro Fernando Bezerra Coelho. O órgão é subordinado ao Ministério da Integração Nacional.
Por trás do jogo político está a poderosa Secretaria Nacional de Infraestrutura Hidrica, que executa a bilionária obra de transposição. Após enterrar mais de R$3,9 bilhões em obras sem projeto executivo, com base apenas no projeto-base, os consórcios de empreiteiras paralisaram as obras há mais de oito meses, demitiram 5.300 operários e estão esperando a negociação de aditivos contratuais ao valor de cerca de R$1 bilhão para retomar os trabalhos na maioria dos lotes licitados. Diante das dificuldades, o governo divulgou sexta-feira novo cronograma de aprovação de aditivos e prazos de conclusão da obra.
Malfeitos da Funasa começam a surgir
Atualmente, só o Exército continua atuando para tentar preservar o que já foi feito. Há recursos no Orçamento para a obra este ano, dentro do PAC, mas não há garantias para os aditivos que as empreiteiras cobram.
"A estimativa da elevação de preços da obra é da ordem de R$771 milhões. Além disso, há demandas de novas compensações ambientais para renovação da licença ambiental. A previsão desses adicionais de compensação ambiental pode chegar a R$200 milhões. A obra estaria sendo encarecida em torno de R$1 bilhão", informa o Ministério da Integração Nacional.
Na Funasa, ligada ao Ministério da Saúde, com longa ficha corrida, malfeitos começam a ser revelados com a retirada das ações de saúde indígena da esfera do órgão, que passaram à Secretaria de Saúde Indígena. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal receberam farta munição para investigar desvios de recursos na compra de combustível e no pagamento de horas de voo na região amazônica, sem contar gastos irregulares em convênios sem prestação de contas.
Nos estados, há uma batalha política. O presidente da Funasa, Gilson de Carvalho Queiróz Filho, é do PT, mas o PMDB tem as superintendências regionais. Em Roraima, a comunidade Ianomâmi, dona de área de 96.000km², denunciou o grupo político do senador Romero Jucá (PMDB), que teria tentado impedir a indicação da antropóloga Joana Claudete das Mercês Schuertz para chefiar a saúde indígena.
Claudete afirmou que foi desencorajada a brigar pela indicação:
- Diziam que era perigoso, que tinha muito interesse envolvido, mas não podia abandonar os ianomâmis. Por isso, aceitei.
Mas até hoje, diz, não entender por que tanto interesse em uma área com grande dificuldade de atuação:
- É tão complicado o trabalho lá que não entendo o motivo dessa disputa. Não sei se tem a ver com algum contrato, alguma coisa assim.
FONTE: O GLOBO