- O Estado de S.Paulo
Dia de Brasil e Copa do Mundo na outrora distante Rússia, hoje próxima pelas artes mágicas da revolução digital
Dia de Brasil e Copa do Mundo na outrora distante Rússia, hoje próxima pelas artes mágicas da revolução digital. Por décadas a Meca do comunismo, que viria por meio de outra revolução, a proletária, a Moscou de agora é um dos bastiões de um iliberal capitalismo de compadres, com perturbadores toques mafiosos. Impossível não levar a sério o tema esportivo, entrelaçado à política, uma vez que nós, bem ou mal, infame goleada alemã à parte, continuamos a sentir familiarmente vazio o País nas tardes de domingo, como na bela canção mineira do Milton. Aqui ainda é o país do futebol, o que sucede nas quatro linhas captura magneticamente nossa atenção, mesmo que prodígios como Garrincha e Pelé não possam surgir como numa esteira fabril dos tempos do fordismo.
Outro motivo para despertar a atenção é que o futebol está longe de ser uma paixão banal, como uma perspectiva ultraintelectualista sugere. Parábola do homem comum a roçar os céus – apregoa o verso de outro poeta –, o futebol firmou-se como o esporte de massa por excelência num século que viu a ascensão, as conquistas e as tragédias desse mesmo homem comum reunido em grandes grupos sociais, como as classes, ou em coletividades nacionais, que muitas vezes forneciam as bases de um sentir que ia além de quaisquer fronteiras particulares – incluídas as de classe.
Aos poucos, e um pouco por toda parte, o football perdia sua aura estrangeira e aristocrática, enraizava-se em cada realidade nacional, insinuava-se até no vocabulário, com seus goals e seus backs, offsides e corners. A novidade levava de roldão a oposição de homens excepcionais, como o romancista Lima Barreto, que torcia o nariz para aquele esporte esnobe que lhe parecia chocar-se com sua percepção do que era, ou devia ser, o elemento popular e nacional. Em outras latitudes, cenas igualmente surpreendentes aconteciam. O filósofo Benedetto Croce, por exemplo, considerava inexplicável a paixão futebolística e ainda mais inexplicável o contentamento que uma vitória do Nápoles lhe causava...
Antonio Gramsci – sim, ele mesmo, o tal solerte intelectual que, segundo concepções paranoides, hoje substitui o russo Lenin no bizarro arsenal de fantasmagorias subversivas – não deixou por menos.
Como se sabe, implicava acidamente com sua Itália presa nas malhas de uma política mesquinha e provinciana, que a seu ver agia de modo “transformista”, trazendo socialistas e anarcossindicalistas para as coalizões de governo, não sem antes emasculá-los e deles retirar todo o potencial para mudanças efetivas. Pois um dos ideais gramscianos era o liberalismo anglo-saxão. A Itália – dizia em 1918, depois da revolução bolchevique! – não seria afeita a esportes, mas ao preguiçoso e insalubre baralho. E o futebol, ao contrário, parecia-lhe a melhor expressão de uma sociedade individualista e competitiva, mas submetida a regras e obediente aos árbitros.