domingo, 1 de fevereiro de 2015

Opinião do dia - Sérgio Moro

A corrupção tende a espalhar-se enquanto não encontrar barreiras eficazes. O político corrupto, por exemplo, tem vantagens competitivas no mercado político em relação ao honesto, por poder contar com recursos que este não tem. Da mesma forma, um ambiente viciado a reduzir os custos morais da corrupção, uma vez que o corrupto costuma enxergar o seu comportamento como um padrão, e não a exceção.
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Juiz Sérgio Moro, em artigo sobre a Operação Mão Limpas

Reação em Cadeia - Todos contra todos

• Executivos presos revoltados com os políticos soltos. Empreiteiros ameaçando Lula e Dilma. São todos contra todos na fase decisiva da operação Lava-Jato

• Com os processos da Operação Lava-Jato a caminho das sentenças, as empreiteiras querem Lula e Dilma junto com elas na roda da Justiça

Rodrigo Rangel, Robson Bonin e Bela Megale - Veja

Há quinze dias, os quatro executivos da construtora OAS, presos durante a Operação Lava-Jato, tiveram uma conversa capital na carceragem da polícia em Curitiba. Sentados frente a frente, numa sala destinada a reuniões reservadas com advogados, o presidente da OAS, Léo Pinheiro, e os executivos Mateus Coutinho, Agenor Medeiros e José Ricardo Breghirolli discutiam o futuro com raro desapego. Os pedidos de liberdade rejeitados pela Justiça, as fracassadas tentativas de desqualificar as investigações, o Natal, o réveillon e a perspectiva real de passar o resto da vida no cárcere levaram-nos a um diagnóstico fatalista. Réus por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa, era chegada a hora de jogar a última cartada, e, segundo eles, isso significa trazer para a cena do crime, com nomes e sobrenomes, o topo da cadeia de comando do petrolão. Com 66 anos de idade, Agenor Medeiros, diretor internacional da empresa, era o mais exaltado: "Se tiver de morrer aqui dentro, não morro sozinho".

A estratégia dos executivos da OAS, discutida também pelas demais empresas envolvidas no escândalo da Pe-trobras, é considerada a última tentativa de salvação. E por uma razão elementar: as empreiteiras podem identificar e apresentar provas contra os verdadeiros comandantes do esquema, os grandes beneficiados, os mentores da engrenagem que funcionava com o objetivo de desviar dinheiro da Petrobras para os bolsos de políticos aliados do governo e campanhas eleitorais dos candidatos ligados ao governo. É um poderoso trunfo que, em um eventual acordo de delação com a Justiça, pode poupar muitos anos de cadeia aos envolvidos. "Vocês acham que eu ia atrás desses caras (os políticos) para oferecer grana a eles?", disparou, ressentido, o presidente da OAS, Léo Pinheiro. Amigo pessoal do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos tempos de bonança, ele descobriu na cadeia que as amizades nascidas do poder valem pouco atrás das grades.

Na conversa com os colegas presos e os advogados da empreiteira, ele reclamou, em particular, da indiferença de Lula, de quem esperava um esforço maior para neutralizar os riscos da condenação e salvar os contratos de sua empresa. Léo Pinheiro reclama que Lula lhe virou as costas. E foi dessa mágoa que surgiu a primeira decisão concreta do grupo: se houver acordo com a Justiça, o delator será Ricardo Breghirolli, encarregado de fazer os pagamentos de propina a partidos e políticos corruptos. As empreiteiras sabem que novas delações só serão admitidas se revelarem fatos novos ou o envolvimento de personagens importantes que ainda se mantêm longe das investigações. Por isso, o alvo é o topo da cadeia de comando, em que, segundo afirmam reservadamente e insinuam abertamente, se encontram o ex-presidente Lula e Dilma Rousseff.

Nas peças de defesa apresentadas à Justiça, os advogados afirmam que o esquema bilionário de corrupção era eminentemente político, tal e qual o mensalão. Ricardo Pessoa, dono da UTC e indicado como o chefe do clube montado pelas empreiteiras na Petrobras, já ensaiou apontar para a presidente Dilma, cuja campanha recebeu doações de várias das empreiteiras sob investigação. Num manuscrito revelado por VEJA há três semanas, ele se queixava do abandono, assim como os executivos da OAS, e, em tom de ameaça, dizia que o tesoureiro da campanha de Dilma, o petista Edinho Silva, "está preocupadíssimo" com os rumos da investigação.

O empreiteiro dono da UTC contou a amigos o que exatamente estaria deixando Edinho Silva "preocupadíssimo". De acordo com Pessoa, a oito dias do segundo turno da eleição presidencial, ele teve uma reunião, em São Paulo, com Luciano Coutinho, presidente do BNDES. Pessoa tentava viabilizar um financiamento adicional do banco estatal para o consórcio que administra o Aeroporto de Viracopos, do qual a UTC faz parte. Teria se passado nessa reunião, segundo o relato de Pessoa, um fato que, se comprovado, seria o único deslize conhecido de Luciano Coutinho em oito anos à frente do BNDES. O empreiteiro conta que Coutinho disse que ele seria procurado por Edinho Silva, tesoureiro da campanha de Dilma. Pouco tempo depois, o tesoureiro fez contato. Ele estava em busca das últimas doações para saldar os gastos do comitê de campanha da presidente. A VEJA, Luciano Coutinho confirmou a reunião com o dono da UTC, mas negou que tenha feito a recomendação. Depois da visita de Edinho, efetivamente, a UTC doou mais 3,5 milhões de reais ao comitê de Dilma e ao diretório do PT — que se somaram aos 14,5 milhões de reais dados no primeiro turno, conforme acerto com João Vaccari Neto, tesoureiro do PT.

Para os procuradores que trabalham na Lava-Jato, os relatos de Pessoa podem ser valiosos porque ajudam a demonstrar que, na verdade, o esquema na Petrobras era o braço de uma ampla estrutura de arrecadação que se espraiava por outras áreas do governo petista. Fica cada dia mais evidente que mesmo as doações legais eram feitas com dinheiro obtido dos cofres públicos, seja por apadrinhamento por parte de instituições financiadoras, seja por corrupção pura e simples. "Era uma coisa só, o que demonstra que os pagamentos na Petrobras não se davam por exigência de funcionários corruptos e chantagistas, como o governo quer fazer crer. Era algo mais complexo, institucionalizado", diz um dos investigadores que atuam no caso.

O jogo de ameaças tem deixado as empreiteiras numa guerra de nervos. Elas travam entre si uma insólita gincana: se alguma fechar primeiro o acordo de delação, as outras ficarão prejudicadas porque talvez não tenham muito mais o que revelar. A Camargo Corrêa negocia desde o fim do ano passado, mas até agora não chegou a um consenso com o Ministério Público. Além da confissão da devolução dos recursos e do pagamento de pesada multa, uma das condições estabelecidas pelos procuradores é que a empresa revele contratos fraudados em outras áreas do governo, como o setor elétrico. A tensão envolve também a Odebrecht. A empreiteira não teve representantes presos, mas isso não significa que ela esteja imune. Investiga-se o que seria um esquema de pagamento de propina no exterior. O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa contou ter recebido 23 milhões de dólares da Odebrecht numa conta aberta na Suíça. A polícia suspeita que Alexandrino Alencar, um dos diretores da empreiteira, foi o responsável pelo pagamento. Entre 2008 e 2012, Alexandrino encontrou-se diversas vezes com Rafael Ângulo Lopez, envolvido no escândalo. Lopez contou aos investigadores que indicava contas no exterior e o diretor fazia depósitos. A Odebrecht nega que seu diretor atuasse em questões financeiras. Alexandrino era o responsável pelas relações institucionais da empresa. Em 2011, o ex-presidente Lula viajou para a Guiné Equatorial em missão oficial, representando a presidente Dilma. A convite de Lula, Alexandrino estava na comitiva. Após deixar o Planalto, o ex-presidente foi contratado pela Odebrecht como palestrante. Hoje, a empreiteira é investigada por irregularidades no Brasil, nos Estados Unidos, no Panamá e em Portugal.

Uma das construtoras envolvidas na Lava-Jato tomou uma iniciativa que dá a medida do grau de desespero das empreiteiras: encomendou e cuidou de divulgar um parecer jurídico que, assinado pelo advogado Ives Gandra Martins, defende o impeachment da presidente Dilma Rousseff. No documento — de 64 páginas e datado de 23 de janeiro —, o jurista afirma que "o assalto aos recursos da Petrobras, perpetrado durante oito anos, de bilhões de reais, sem que a Presidente do Conselho (Dilma presidiu o conselho de administração da Petrobras) e depois Presidente da República o detectasse, constitui omissão, negligência e imperícia, conformando a figura da improbidade administrativa, e enseja a abertura de um processo de impeachment". A VEJA, Gandra Martins negou que tenha produzido o parecer por encomenda de empreiteiras e afirmou ter elaborado o documento a pedido de um "amigo particular", advogado. Autor do livro O Impeachment na Constituição de 1988 e de pareceres sobre o impeachment de Fernando Collor, o jurista disse ainda que a análise da viabilidade do processo contra Dilma "é estritamente jurídica, sem conotação política".

O ambiente conflagrado tem aprofundado as diferenças entre a presidente Dilma e seu antecessor. Acostumado a medir as palavras ao criticar a presidente, Lula tem sido mais incisivo nas queixas. O motivo é a estratégia da presidente de debitar na conta do governo anterior, o de seu mentor, os prejuízos bilionários provocados pelo esquema de corrupção. Para Lula, a atitude de Dilma, além de denotar deslealdade, representa um grave perigo ao projeto de poder do partido. Seria, portanto, ingenuidade. "A Dilma está deixando as coisas correrem. Isso é um grande erro. Se nada for feito, o problema chegará a ela, porque ela era a presidente do Conselho de Administração da Petrobras", disse Lula numa conversa recente. Parceiros de longa data, empresários e governistas devem marchar juntos, segundo o ex-presidente.

Com reportagem de Daniel Pereira e Hugo Marques

100 milhões de cortesia com chapéu alheio

Alexandre Hisayasu – Veja

Como sub do sub do sub no organograma do petrolão, o ex-gerente executivo da Petrobras Pedro Barusco causou espanto quando, pego na Operação Lava-Jato, admitiu ter quase 100 milhões de dólares numa única conta na Suíça. Causou igual surpresa a presteza com que ele se dispôs a devolver a bolada, como parte do acordo de delação premiada que fechou com o Ministério Público. A explicação para tamanho desprendimento é simples: os 97 milhões de dólares depositados no banco suíço não eram de Barusco. A conta, disse o ex-gerente aos investigadores da Lava-Jato, funcionava como uma "central de distribuição"" no exterior das propinas arrecadadas no Brasil, sendo integrantes da cúpula da Petrobras seus beneficiários diretos.

Os procuradores aguardam para breve a chegada dos extratos da movimentação dessas contas.

Na Petrobras, Barusco era o braço-direito do ex-diretor de Serviços Renato Duque, indicado ao cargo pelo ex-ministro José Dirceu.

Duque, apontado como o operador do PT dentro da estatal, é o único dos funcionários da Petrobras que conseguiu se livrar da cadeia beneficiado por um habeas corpus concedido pelo ministro do STF Teori Zavascki.

O amigo do amigo do amigão

Adriano Ceolin – Veja

Em depoimento à Polícia Federal, o ex-diretor Paulo Roberto Costa afirmou que o escritório da Estre servia como base operacional do lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano. Preso e apontado pela polícia como um dos operadores do esquema de corrupção na estatal, ele usava uma sala na sede da empresa. Em uma reportagem publicada em sua última edição, VEJA mostrou que Fernando Baiano conquistou a confiança de corruptos e corruptores graças aos laços fraternais com o empresário José Carlos Bumlai, amigo íntimo do ex-presidente Lula. Paulo Roberto Costa, divulgou-se na semana passada, afirmou ter recebido até 2,5 milhões de dólares da construtora Andrade Gutierrez e 1,4 milhão de reais da Estre Ambiental, especializada em coleta e tratamento de lixo. O dinheiro, segundo o delator, foi distribuído a políticos da base aliada do governo do PT.

Até janeiro de 2012, a Estre tinha como diretor de gestão o economista Juscelino Dourado. Ele chegou à empresa por intermédio de Antonio Palocci, que comandou o Ministério da Fazenda no governo Lula e a Casa Civil no primeiro mandato de Dilma. Amigo de Palocci, Dourado foi seu chefe de gabinete no Ministério da Fazenda até 2005, quando ambos foram tragados por um escândalo que envolvia parcerias suspeitas em negócios no governo. A ligação entre o ex-ministro e Juscelino Dourado é ainda mais antiga. Quando Palocci se elegeu prefeito de Ribeirão Preto, em 1992, Dourado foi escolhido para comandar a Secretaria de Governo do petista. Em 1998, após Palocci ser eleito deputado federal, o economista mudou-se para Brasília para assessorá-lo. Dois anos depois, a dupla fez o caminho de volta, quando Palocci ganhou mais uma vez a eleição em Ribeirão Preto. Nessa segunda gestão, Dourado foi alçado a chefe da Casa Civil da prefeitura - e, junto com Palocci, acusado de participar de um esquema de corrupção envolvendo a empresa de coleta de lixo Leão Ambiental. Uma das suspeitas do Ministério Público, nunca comprovadas, porém, é que ela pertencia ao PT.

Depois que a Estre comprou a Leão Ambiental, Juscelino Dourado foi nomeado diretor executivo da empresa e os negócios deslancharam - tendo a Petrobras como a principal parceira. Em outubro passado, VEJA revelou que Antonio Palocci foi citado no depoimento de Paulo Roberto Costa. Ele teria procurado o ex-diretor, em 2010, em busca de dinheiro para a campanha presidencial de Dilma Rousseff. Naquela ocasião, Palocci negou qualquer contato com o diretor da Petrobras preso. Wilson Quintella Filho, sócio majoritário da Estre Ambiental, disse a VEJA que Juscelino Dourado exerceu na empresa "função meramente de gestão e nunca se envolveu em negócios da empresa". Quintella Filho confirmou que cedeu temporariamente uma sala de sua empresa ao lobista Fernando Baiano, mas o fez sem que isso implicasse maiores contatos entre os dois. Quintella Filho negou que a Estre Ambiental tenha dado qualquer quantia em dinheiro a Paulo Roberto Costa e disse que encomendou a seus advogados a abertura de processos por difamação contra o ex-diretor da Petrobras.

Até agora, ele ganhou quase tudo

• Condutor da Lava-Jato, o juiz Sergio Moro, mesmo pressionado por todos os lados, não teve praticamente nenhuma decisão derrubada nos tribunais superiores

Alexandre Hisayasu e Pieter Zalis – Veja

Se a roda da justiça vem girando sem engasgos desde o início da Operação Lava-Jato, há quase um ano, isso se deve em grande parte aos movimentos cuidadosos do juiz federal Sergio Moro, o responsável pela condução da manivela no processo que investiga o mega esquema de corrupção na Petrobras. Desde março do ano passado, ele autorizou 161 mandados de busca e apreensão, decretou a prisão de sessenta pessoas e determinou o bloqueio de 200 milhões de reais em contas bancárias de suspeitos — incluindo altos funcionários da estatal e empresários poderosos. Defendidos pelos maiores advogados criminalistas do país, os acusados reagiram de imediato. Só de pedidos de habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, foram pelo menos 37 — apenas um vingou até agora: o que permitiu a libertação do ex-diretor da Petrobras Renato Duque e que foi concedido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki.

As tentativas de tirar o processo das mãos de Moro resultaram em igual fracasso. Os interessados em afastá-lo do caso percorreram todas as instâncias do Judiciário alegando que ele não tinha competência legal para conduzir o processo, dado o envolvimento de políticos no escândalo, que as prisões dos suspeitos eram abusivas, que o caso deveria ser transferido de Curitiba para o Rio de Janeiro, onde fica a sede da Petrobras. Nenhum desembargador do Tribunal Regional Federal ou ministro do STJ ou do STF acatou as contestações.

No braço de ferro com os acusados, Moro não apenas continua invicto. Com passos estudados, vem ganhando terreno e vencendo obstáculos que antes pareciam irremovíveis, como a lentidão da máquina da Justiça. A decisão de "fatiar" a Operação Lava-Jato, por exemplo, é considerada crucial para o sucesso dos trabalhos até agora. Quando percebeu a dimensão do escândalo de que tratava, Moro resolveu dividir o caso em diversas ações penais (são dezoito, até o momento), que passaram a ser conduzidas de forma independente umas das outras. O resultado foi o ganho de celeridade. Se tivesse optado por tratar do caso em um único processo, ele precisaria, por exemplo, ouvir o depoimento de todas as testemunhas de todos os réus para só então dar o próximo passo — que poderia ser a requisição de novas testemunhas. Isso levaria anos. O formato escolhido permitiu ao juiz proferir as primeiras sentenças depois de exíguos sete meses do início da operação. Em outubro, três doleiros foram condenados a penas de quatro a catorze anos de prisão. Desconhecidos, eles pertenciam ao grupo de investigados que deu origem à operação — e também ao seu nome: antes de virar a avalanche que promete engolfar alguns dos nomes mais poderosos da República, a Lava-Jato era uma ação paroquial contra doleiros que costumavam fechar negócios em um posto de gasolina localizado no centro de Curitiba.

Moro é considerado por seus pares um dos maiores especialistas do país em lavagem de dinheiro, um tipo de crime em que a regra costuma ser a punição dos operadores e a impunidade dos poderosos que se beneficiam da engrenagem. Foi a ruptura desse modelo que, há mais de uma década, chamou a atenção do juiz para a Operação Mãos Limpas, que desbaratou um esquema de corrupção montado por décadas na Itália e alterou o cenário do poder no país. Em artigo publicado em 2004, Moro usou a operação para defender o uso de duas ferramentas que têm se mostrado decisivas para o sucesso da Lava-Jato: a prisão preventiva dos acusados e os acordos de delação premiada. Ele costuma refutar os que comparam as duas operações, dada a magnitude da primeira, que investigou 6059 pessoas, incluindo 872 empresários e 438 parlamentares, quatro dos quais eram ex-primeiros-ministros. A Mãos Limpas pode ser inimitável na sua dimensão, mas não é nos seus objetivos. E são eles que Moro persegue, com toda a cautela.

Lava Jato apura contratos da Odebrecht

• Três acordos envolvendo a construtora nas obras da Refinaria Abreu e Lima tiveram 61 aditivos que elevaram valor final em R$ 960 milhões

Ricardo Brandt e Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

Três contratos envolvendo a construtora Norberto Odebrecht nas obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, estão sendo investigados pela Operação Lava Jato. Os acordos, assinados entre julho de 2007 e dezembro de 2009, tiveram 61 aditivos que elevaram em R$ 960 milhões o valor final – de R$ 5,1 bilhões para cerca de R$ 6 bilhões – pago pela Petrobrás. Além de desvios, a Polícia Federal apura se houve cartelização.

Em um desses contratos, referente às obras de unidades de hidrotratamento e de geração de hidrogênio (UHDT e UGH), foram firmados 19 aditivos, que elevaram em R$ 539 milhões o valor contratual. O valor inicial saltou de R$ 3,19 bilhões para R$ 3,73 bilhões. No outro, assinado no mesmo dia – 10 de dezembro de 2009 -, para obras da unidade de destilação atmosférica (UDA), o valor inicial foi de R$ 1,48 bilhão para R$ 1,77 bilhão, com 25 aditivos. O terceiro contrato, firmado em 31 de julho de 2007, referente a obras de terraplanagem, subiu de R$ 429 milhões para R$ 534 milhões – após um total de 17 aditivos.

Essas informações fazem parte de uma sindicância interna da Petrobrás sobre as obras da Abreu e Lima, aberta após a deflagração da Lava Jato. O documento da estatal, anexado ao inquérito, afirma que houve elevação de custo e “necessidade de grande quantidade de aditivos contratuais” em decorrência de um plano de antecipação das obras, para 2010, que teve como figura central Costa. Nesse período, o delator era diretor de Abastecimento – indicado pelo PP – e o primeiro presidente do Conselho de Administração da companhia criada para gerir a construção de Abreu e Lima. Segundo o TCU, há problemas de sobrepreço e de projeto que elevaram os custos gerais.

A PF suspeita que valores supostamente desviados das obras da Abreu e Lima podem ter abastecido o caixa da propina movimentada pelo esquema de corrupção na estatal. Por isso, vai aprofundar as análises técnicas dos contratos e dos apontamentos de irregularidades identificados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela própria Petrobrás.

Primeiro delator do processo, o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa confessou ter recebido US$ 23 milhões em propina da Odebrecht. O valor foi pago entre 2008 e 2009 por meio de uma conta aberta na Suíça, por indicação de um executivo do grupo, afirmou ele em sua delação premiada.

A sindicância apontou outros dois problemas nos contratos assinados em 2009. Um dos problemas foi o de “relicitação” ocorrida no decorrer do processo de contratação, que fez com que os “contratos assinados no ‘topo’ da estimativa”, indicando “cartelização”. “A Comissão identificou, analisando o comportamento dos resultados destes processos licitatórios (primeira e segunda rodadas de licitação), que o valor das propostas aproximou-se do ‘teto’ (valor de referência mais 20%) das estimativas elaboradas pela Diretoria de Engenharia”, informa a Comissão de Sindicância em seu relatório final.

Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e outras empresas que participaram das obras iniciadas em 2007, alvos da sindicância, integram o suposto cartel de empreiteiras – autodenominado “clube” -, que fatiava os contratos da Petrobrás, mediante pagamento de propina.

“Estes fatos, associados às declarações do Sr. Paulo Roberto Costa, indicam a possibilidade da existência de um processo de cartelização relativo às empresas indicadas nos processos analisados”, registra documento interno da estatal.

Na semana passada, a PF cobrou da presidente da Petrobrás, Graça Foster, o envio dos documentos com detalhes dos contratos da estatal com a Odebrecht nas obras de Abreu e Lima.

Alteração. Outro problema apontado na sindicância em relação aos contratos do consórcio integrado pela Odebrecht na obra que é investigado pela PF é a alteração no processo de contratação após a abertura, atendendo pedido da própria empreiteira.

“Foram observadas alterações dos percentuais da fórmula de reajuste de preços, acolhendo sugestões das empresas licitantes. Um dos itens em que isso ocorreu foi para que se atribuísse ao componente ‘mão de obra’, o porcentual de 80%”, informa a sindicância.

Segundo as conclusões da comissão da estatal foi identificado “que o histórico dos pesos atribuído à mão de obra, utilizados nos contratos de unidades de processamento da Petrobrás, geralmente oscilam entre 55% e 60%”.

Foi o que aconteceu nas obras da unidade UHDT. “Os pesos da fórmula de reajuste da minuta original do convite foram alterados (passando de 55% para 80%), encaminhada por meio de circular n.º 5, de 24/05/2009, após sugestão da licitante Odebrecht Plantas Industriais, que se tornaria vencedora do certame.”

Essa alteração solicitada e realizada elevou em R$ 121 milhões o valor pago pela estatal para a Odebrecht. A autora do pedido, a Odebrecht Plantas Industriais, segundo a sindicância é um dos braços do grupo que tem como diretor o executivo Rogério dos Santos Araújo.

Ele foi apontado por Costa como responsável pela abertura da conta na Suíça em que foram depositados os US$ 23 milhões pagos de propina, que o ex-diretor aceitou devolver aos cofres públicos como multa, dentro do acordo de delação premiada.

Procurada, a Odebrecht não respondeu aos questionamentos da reportagem até a conclusão desta edição.

Denúncias de Janot devem engessar Casa, prevê Planalto

• Para ministros, desgaste por corrupção na Petrobras vai paralisar a Câmara

• Se as denúncias contra deputados se confirmarem, eles devem ser alvo de processos de cassação

Andréia Sadi – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Após a eleição do novo comando da Câmara dos Deputados, neste domingo (1º), o Palácio do Planalto prevê um presidente da Casa ''engessado'' para tocar pautas prioritárias do governo no Legislativo. O motivo: os desdobramentos da Operação Lava Jato, que investiga o escândalo de corrupção na Petrobras, no Congresso Nacional.

Neste mês, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, vai indicar todos os políticos que deverão ser investigados por suspeita de participação no esquema de desvio de recursos da estatal.

Um dos principais delatores da Lava Jato, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa disse que entre 35 e 40 políticos foram citados por ele em seu depoimento.

A avaliação de ministros ouvidos pela Folha é que, independentemente do vencedor neste domingo, a Câmara estará concentrada em ''trabalhar para dentro'', às voltas com os reflexos das denúncias envolvendo congressistas, e não em atender a demandas externas, como as promessas de Dilma.

Se as denúncias contra deputados se confirmarem, eles devem ser alvo de processos de cassação no Conselho de Ética. Após análise do colegiado, a perda ou não do mandato é submetido a voto.

Por isso, dizem ministros, o plenário da Câmara estará ''paralisado e dominado'' pelo desgaste da Lava Jato, e não com projetos.

Na campanha do ano passado, a presidente Dilma anunciou prioridade para temas que precisam passar pelo Congresso, como a reforma política, emendas contra a corrupção e que atribuem à União responsabilidade pela segurança pública nos Estados. Mas assessores presidenciais creem que essas pautas não vão ser tocadas no tempo previsto pelo Planalto.

Além disso, o governo teme que Eduardo Cunha (PMDB-RJ), se eleito presidente da Casa, não se oponha a um pedido de impeachment da presidente. Ele tem repetido que não será ''oposição nem submisso'' ao governo.

Planalto montou uma 'força-tarefa' contra Cunha na Câmara

• Para governo, vitória de deputado do PMDB pode causar 'terremoto'

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A possibilidade de vitória do candidato do PMDB à presidência da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), acendeu o sinal vermelho no Palácio do Planalto. Ao longo da semana, ministros do PT e até governadores do partido entraram em campo, pressionaram deputados da base aliada e dispararam telefonemas pedindo votos para o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP). A força-tarefa, no entanto, parece ter surtido pouco efeito.

Embora ministros petistas digam em público que a situação de Chinaglia melhorou, nos bastidores muitos já jogaram a toalha. Com o apoio oficial de alguns partidos da base e o informal de integrantes da oposição, Cunha tem tudo para ser eleito neste domingo, mesmo se a disputa for em dois turnos.
"Terminada a eleição, vamos tentar lamber as feridas e unificar a base aliada do governo", disse ao Estado o ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas. Na Câmara, o comentário é que Cunha dará muita dor de cabeça ao governo nos próximos dois anos, em caso de triunfo.

"Terremoto é sempre até o dia do acontecimento. Depois que acontece, fazer o quê?", emendou o ministro da Defesa, Jaques Wagner, que passou os últimos dias na articulação da campanha de Chinaglia.

O racha na aliança governista é apenas um dos problemas que o Planalto enfrentará, se Cunha vencer a briga. Conhecido como "gênio do mal", o líder do PMDB é desafeto da presidente Dilma Rousseff e já pôs o partido várias vezes contra o Planalto. Fez de tudo para barrar a Medida Provisória dos Portos, incentivou a criação da CPI da Petrobrás e articulou um movimento para rejeitar o decreto que instituía os conselhos populares.

Impeachment. O temor do governo é que Cunha, no comando da Câmara, estimule votações contrárias aos interesses da equipe econômica e até defenda a abertura de um processo de impeachment da presidente, se não for atendido em suas reivindicações.

Sob o argumento de que não transformará a Câmara num "puxadinho" do Planalto, Cunha disse que, se eleito, agirá com "independência" em relação ao governo, mas jurou não endossar sugestões pró-impeachment de Dilma. Garantiu, porém, que sua primeira medida será pôr na pauta o "orçamento impositivo", para desespero da presidente.

A proposta torna obrigatória a execução de despesas agregadas ao orçamento sob a forma de emendas individuais de parlamentares. “Só que eu não sento na cadeira antes da hora, porque dá azar”, ressalvou Cunha, sem detalhar outros planos.

O desfecho da eleição para o comando da Câmara e do Senado também pôs a distribuição de cargos do segundo e terceiro escalões em compasso de espera. No Senado, o governo trabalha para reconduzir Renan Calheiros (PMDB-AL) à presidência da Casa e não gostou nada de ver parte do PT ameaçando apoiar a candidatura de Luiz Henrique (PMDB-SC).

Jaques Wagner conversou com o vice-presidente da República Michel Temer, na terça-feira, e pediu a ele que ajudasse a jogar água na fervura da briga entre o PT e o PMDB. Chegou a cobrar o cumprimento de um antigo acordo. “O caminho da pacificação seria voltar ao leito natural, que é retomar o acordo de alternância, rejeitado pelo candidato do PMDB”, insistiu Wagner. Na direção do PMDB, Temer admitiu pouco poder fazer para solucionar o imbróglio.

Questionado sobre o uso da máquina em benefício de Chinaglia, o ministro negou a prática e disse que a caça aos votos só ocorreu para reagir à ofensiva do PMDB. “Eu entrei como ministro petista, assim como os ministros do PMDB se reuniram e declararam apoio (a Eduardo Cunha). Isso não é bom, porque o governo precisa da sua base de sustentação unificada. Mas, como a paciência é a mãe dos acordos, esperarei até que o rio volte ao leito natural.”

PSB, PSDB, PV e PPS formalizam apoio a Júlio Delgado à presidência da Câmara

• Em ato, deputado apresentou assinaturas de 106 parlamentares que formam o bloco

Júnia Gama – O Globo

BRASÍLIA— Aliviado após o ataque especulativo que quase inviabilizou sua candidatura à presidência da Câmara, o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) conseguiu realizar ontem um ato com os partidos que estarão ao seu lado na eleição neste domingo. Ao lado da cúpula de seu partido e de lideranças do PSDB, PPS e PV, Júlio apresentou as assinaturas dos 106 parlamentares que formam o bloco e serão formalmente protocoladas amanhã, logo após a posse dos novos deputados.

— Estamos muitos felizes e honrados com esse apoio que demonstra o sentimento de mudança que vem das ruas — comemorou Júlio Delgado

O ato só foi possível após a intervenção, na sexta-feira, do presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), que enquadrou a bancada de deputados tucanos que insistiam em uma aliança com Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em troca de mais espaço na Mesa Diretora. Com a adesão do PSDB, o PV, partido que também ensaiava desembarcar da candidatura de Júlio Delgado, formalizou o apoio ao deputado.

O deputado Antonio Imbassahy (PSDB-BA), que passou a liderança do partido na Câmara para Carlos Sampaio (PSDB-SP), ressaltou que a aliança entre esses partidos não deverá ficar restrita à eleição para a Câmara, mas deve permanecer inclusive para as próximas eleições municipais, em 2016, e nas majoritárias de 2018.

— Ontem, o PSDB teve uma reunião tensa, demorada, mas prevaleceu o sentimento de que devemos nos unir para enfrentar os desafios que vêm por aí, com um governo que vive uma crise econômica, moral, de conduta e de ética. A aliança dos dois partidos em 2014 e essa continuidade agora nos dá perspectivas eleitorais para em 2016 e 2018 estarmos juntos — disse Imbassahy, que lembrou a proximidade de Aécio Neves com Eduardo Campos, ex-governador de Pernambuco falecido em acidente aéreo em agosto do ano passado.

Aécio diz que Luiz Henrique terá todos os votos tucanos

Beatriz Bulla - O Estado de S. Paulo

O tucano Aécio Neves (MG) selou o apoio do PSDB ao senador Luiz Henrique (PMDB-SC), rival de Renan Calheiros (PMDB-AL) na disputa pela presidência do Senado. Após reunião com a bancada tucana, o presidente nacional do PSDB garantiu unanimidade nos votos dos dez senadores do partido amanhã (1º).

"Acabamos de fazer uma reunião muito franca onde individualmente cada um dos senadores do PSDB se manifestou favoravelmente à candidatura de Luiz Henrique. Ele contará com a unanimidade dos votos do nosso partido", afirmou Aécio, dizendo "não acreditar" em uma dissidência interna ao deixar o encontro.

O tucano foi procurado mais cedo por Renan Calheiros e disse que receberia o atual presidente do Senado ainda nesta tarde. Apesar do gesto de cordialidade, Aécio deixou claro que a posição do partido não deve mudar: "obviamente eu receberei o senador Renan Calheiros com a cordialidade de sempre, mas ele sabe da posição do PSDB que eu agora, como presidente do partido, expresso de forma enfática: o PSDB votará com o senador Luiz Henrique".

Luiz Henrique participou da reunião dos senadores do PSDB. Ao sair, disse que, pelas suas contas, pode contar com o apoio de até 50 dos 81 senadores na eleição que acontece amanhã. "Amanhã vamos obter um resultado histórico. A vitória da mudança contra o continuísmo, contra o mesmo grupo que vem se sucedendo há 45 anos no comando do Senado", disse o rival de Renan Calheiros.
Henrique disse ter um "mapeamento muito seguro" dos votos que devem ser destinados à sua candidatura amanhã. "Nós vamos vencer essas eleições até com uma certa folga."

Quando oficializou sua candidatura, ontem, Luiz Henrique contava com o apoio de parlamentares do PSDB, DEM, PSB, PDT, PP, PSOL e PPS.

Luiz Henrique diz que Renan adota ‘política velhaca’

• Candidato da ala independente do PMDB à Presidência da Casa afirma que adversário dá ‘sinais de desespero’

Cristiane Jungblut – O Globo

BRASÍLIA — O candidato avulso à Presidência do Senado, Luiz Henrique (PMDB-SC), disse que o presidente da Casa e candidato à reeleição, Renan Calheiros (PMDB-AL), utiliza métodos da velha política. Para Luiz Henrique, Renan dá “sinais de desespero” ao tomar algumas atitudes, como acionar o suplente de Jader Barbalho para assumir a vaga e poder votar na eleição deste domingo.

O candidato ainda ironizou a atitude do adversário de procurar o presidente do PSDB,senador Aécio Neves (MG), para conversar.

— Ele (Renan) está atrás do Aécio e eu que sou o candidato de oposição? O documento de posse do suplente do senador Jader chegou às 20h e ele tomou posse no mesmo horário. Tem sinal de desespero, não tem? Evidente que estão praticando atos de desespero, dando posse a suplente na noite de sexta-feira, mas não vai adiantar. Ninguém é capaz de segurar o vento da mudança. Há um processo de velha política, que o Doutor Ulyssses Guimarães chamava de velhaca — disse Luiz Henrique momentos antes de ir à reunião da bancada do PSDB no Senado.

O senador catarinense declarou também acreditar que todos os 15 senadores que assinaram apoio ao candidato governista, na reunião da bancada do PMDB desta sexta-feira, votarão efetivamente em Renan.

Para evitar crescimento de Luiz Henrique, Renan apela até a Aécio

• Presidente tucano, entretanto, afirmou que a posição do partido é de apoiar o candidato da ala independente do PMDB

Cristiane Jungblut e Junia Gama – O Globo

BRASÍLIA - Com o crescimento da candidatura avulsa de Luis Henrique (PMDB-SC), o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) tem usado as últimas horas antes da eleição para disparar ligações e ter encontros pessoais com lideranças de todos os partidos, inclusive da oposição, que já declarou apoio ao adversário.

Renan, que é o candidato ofical do partido, conversou com o senador eleito José Serra (PSDB-SP) e pediu que o "amigo" não o abandonasse nesse momento grave. Mais cedo, o senador já tinha conversado pessoalmente também com o senador Cássio Cunha Lima (PB) , que será o futuro líder do PSDB na Casa. O PSDB já avisou que está apoiando a candidatura de Luiz Henrique. O peemedebista também tenta mudar o voto do presidente do PSDB, Aécio Neves (MG), e de seus liderados.

Aécio disse que não pode "obrigar ninguém" a votar em Luiz Henrique, mas declarou que a ideia é fechar a questão no encontro da bancada de 11 senadores.

- O PSDB já tem uma posição. A gente não obriga ninguém a votar, mas a posiçao do partido é de votar em Luiz Henrique. Mas tem uma decisão fechada em favor de Luiz Henrique. Não estamos lançando um candidato da oposição. Luiz Henrique é candidato da instituição - disse Aécio.

Ao chegar ao Senado, por volta das 15h, o tucano criticou a condução de Renan na votação da proposta que mudou a meta fiscal de 2014, e permitiu ao governo ter déficit no ano passado, o primeiro desde 1997.

- Quero entregar os votos do PSDB. E sempre quisemos uma candidatura do PMDB. Ele (Renan) foi muito subordinado ao Planalto. Mas claro que vou receber o presidente do Senado. O que queremos é uma proposta independente. Não estamos lançando um candidato da oposição, mas da instituição - complementou o tucano, que é o presidente nacional do partido.

No fim da tarde de hoje, Renan deixou a residência oficial do Senado e foi ao gabinete de Aécio. Mais cedo, o senador peemedebista chegou a pedir por telefone um encontro, mas como o tucano não se dispôs a ir até a sua casa, ele tomou a iniciativa de ir pessoalmente ao seu gabinete.

- Eu vou ficar aqui no meu gabinete. Os 11 senadores do PSDB vão votar fechados com o Luis Henrique. Mas não tenho problema de recebê-lo como presidente do Senado - avisou Aécio.

Renan foi surpreendido na saída do gabinete do senador tucano, e negou que a visita tenha sido um ato de "desespero", como seu adversário declarou mais cedo. Mas deixou claro que o resultado da eleição é incerto.

- Só vim fazer uma visita de cortesia ao Aécio. O resultado da eleição só saberemos quando os votos forem contados - disse Renan, ao ser questionado sobre a possibilidade de uma eleição apertada.

Votação confusa
O panorama da votação está confuso porque parlamentares dissidentes da base relutam em apoiar a candidatura de Renan. Até mesmo senadores petistas estariam dispostos a votar em Luiz Henrique. Embora a bancada do PT deva anunciar apoio ao senador, pelo menos quatro dos 13 parlamentares do partido devem votar no candidato dissidente.

Para demovê-los, o governo argumenta que sempre pôde contar com Renan em momentos de crise e na defesa dos interesses da presidente Dilma Rousseff. Luiz Henrique faz parte da ala independente do PMDB e já declarou que, se for eleito, não fará oposição direta ao governo, mas interlocutores do Palácio do Planalto não confiam neste compromisso.

Disputa mais acirrada da Câmara em 10 anos expõe fragilidade da base aliada

• Escolha do próximo presidente da Casa opõe o peemedebista Eduardo Cunha, considerado um desafeto da presidente Dilma, e o petista Arlindo Chinaglia, líder do governo que já ocupou o cargo; votação em 14 urnas eletrônicas começa às 18h

João Domingos, Daniel Carvalho - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O loteamento da Esplanada dos Ministérios entre dez partidos da base aliada da presidente Dilma Rousseff foi insuficiente para dar ao governo a tranquilidade de que precisava na eleição do próximo presidente da Câmara dos Deputados. Os parlamentares vão neste domingo, 1º, ao plenário definir a disputa mais acirrada pelo posto em uma década.

A briga se dá pela primeira vez entre PT e PMDB, os dois principais partidos do governo. Além disso, há o agravante de que, apesar dos esforços dos ministros para atrair votos para o petista Arlindo Chinaglia (SP), o Palácio do Planalto corre o risco de ver eleito seu grande desafeto, o peemedebista Eduardo Cunha (RJ).

Apoiado por DEM, PSC, PRB, Solidariedade, PTB e PP – anunciado sábado, 31, à noite –, além de seu próprio partido, o líder do PMDB é favorito na disputa contra Chinaglia, que tem a adesão de PT, PDT, PC do B, PSD, PROS e PR, este também definido sábado à noite. Também estão na luta o líder do PSB, Júlio Delgado (MG), que conta com PSDB, PPS e PV, e Chico Alencar (PSOL-RJ).

A disputa deve ser ser voto a voto. Aliados tanto de Cunha quanto de Chinaglia passaram os últimos dias fazendo contas – sabando que a declaração de apoio não garante adesão integral do partido. A escolha do presidente e e de outros dez cargos da Mesa Diretora será secreta, em 14 urnas eletrônicas, a partir das 18 horas.

Cunha vem trabalhando sua candidatura há mais de ano. Lançado em dezembro, enquanto os adversários ainda pensavam o que fazer, o peemedebista montou uma estrutura de campanha semelhante à de um candidato ao Planalto. Rodou todos os Estados do País com gastos bancados pelo Fundo Partidário. Obteve um acordo com o governo, que suspendeu nomeações de segundo escalão – usadas para obter votos para o candidato favorito do Planalto.

Nesse meio tempo, surgiram informações de que delatores da Lava Jato, como o doleiro Alberto Youssef, haviam dito que tinham repassado dinheiro de propina para Cunha. O deputado rebateu as acusações e apontou motivação política na divulgação dessas informações.

Já Chinaglia tem uma vantagem – o poder de influência do Planalto – e uma desvantagem – a atual rejeição ao PT na Câmara e ao governo, do qual foi líder na Casa. O deputado chegou a dizer que a ação do Planalto a favor dele poderia significar a “morte” da candidatura. Foi uma força de expressão na tentativa de reduzir os efeitos do antipetismo. Chinaglia repetiu Cunha e também percorreu o País, com gastos bancados pelo Fundo Partidário.

Voz externa. Candidato que corre pela terceira via, Delgado sabe que pode levar a disputa para o 2.º turno. Com campanha mais modesta que as de Cunha e Chinaglia, adotou o discurso de representante da renovação e rememorou a seus pares a “voz das ruas”, adaptando para a eleição interna a estratégia que seu partido usou na eleição presidencial do ano passado, quando o candidato era Eduardo Campos (PE), morto em um acidente aéreo em agosto.

Delgado conta principalmente com os 54 votos do PSDB, terceira maior bancada da Câmara, atrás de PT (70) e PMDB (66). Mas, às vésperas da eleição, viu focos de dissidência defenderem o “voto válido” em Cunha já no 1.º turno.

Chico Alencar se lançou candidato a menos de uma semana para a eleição. É a terceira tentativa. O melhor desempenho, em 2011, rendeu 16 votos.

Com base governista rachada, Câmara elege novo presidente

• Candidatos do PMDB e do PT apostam em deputados infiéis para vencer

• Independentemente do resultado, governo deve enfrentar dificuldades em um ano com CPIs e votações importantes

Ranier Bragon, Márcio Falcão, Andréia Sadi – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Em meio a um racha significativo na base de apoio ao governo Dilma, a Câmara dos Deputados define na noite deste domingo (1º), em votação secreta, quem comandará a Casa em 2015 e 2016.

Líder da bancada do PMDB e protagonista de rebeliões contra o Planalto, Eduardo Cunha, 56, reunia até a véspera o apoio oficial de sete partidos, excluídos os nanicos: PMDB, PTB, SD, DEM, PRB, PSC e PP --este último decidiu o apoio ao peemedebista neste sábado (31), apesar de pressão contrária do governo.

As sete siglas somam 200 dos 513 deputados (39%).

Polêmico, ele pavimentou sua candidatura a despeito dos esforços do governo para dinamitar suas pretensões --o que incluiu uma força-tarefa de ministros que patrocinaram ameaças de retaliação e oferta de cargos para garantir votos para o candidato do Planalto, Arlindo Chinaglia.

Para tentar minimizar essa reação, Cunha sempre negou que fará uma gestão de oposição. "Quem achar que vou exercer presidência de oposição vai ter que reclamar no Procon", voltou a dizer na manhã deste sábado.

Ex-presidente da Câmara (2007-2008), Chinaglia, 65, tem o apoio de PT, PSD, PROS, PCdoB, PDT e PR --179 deputados (35%). No caso do PR, que ameaçava aderir a Cunha, a pressão do Planalto funcionou e a sigla decidiu no final da tarde de sábado apoiar oficialmente o petista.

Corre por fora Júlio Delgado (PSB-MG), que tem o apoio de PSDB, PPS e PV (106 cadeiras, 21% do total). "Muitas surpresas podem ocorrer até amanhã", disse neste sábado. Chico Alencar (RJ), do nanico PSOL, lançou sua candidatura para marcar posição.

Apesar dos apoios oficiais, praticamente todas as bancadas devem registrar traições na votação secreta, segundo avaliação das duas campanhas e da maioria dos líderes partidários na Câmara.

Com um placar apertado no apoio oficial, o grau de traição pode definir a disputa. O PSDB, por exemplo, apesar do discurso pró-Delgado, deve despejar votos em Cunha.

Integrantes da campanha de Chinaglia reconhecem que há petistas que não votarão no candidato do partido.

Em contrapartida, apostam que haverá defecções do lado que apoia o peemedebista, principalmente do grupo de deputados novatos. Para os petistas, parte desses novos parlamentares veria Cunha como adepto de velhas práticas de se fazer política.

A eleição ocorre em um dos momentos de maior tensão entre Planalto e PMDB, principal aliado da coalização que apoia o governo da presidente Dilma Rousseff.

Qualquer que seja o resultado que saia das 14 cabines de votação que foram instaladas no plenário da Câmara, a petista terá problemas.

Se Cunha vencer, será uma derrota clara do PT e do Planalto, que mobilizou aparato político para evitar seu triunfo. Ele terá, nesse caso, poder significativo de criar problemas para o governo, entre eles o de dar seguimento a CPIs --a oposição quer instalar quatro já no início da legislatura.

Caso Chinaglia vença, o triunfo governista será ofuscado em boa parte pela perspectiva de enfrentar um troco amargo do maior partido aliado no Congresso.

Isso em um ano com ameaça de CPIs, votações de projetos importantes e prováveis processos de cassação contra congressistas cujos nomes devem ser vinculados ao escândalo de corrupção na Petrobras, que ainda tem alcance incerto sobre os políticos.

A votação começa às 18h e pode ser decidida em 2º turno caso nenhum dos candidatos obtenha mais da metade dos votos de seus pares.

Também serão escolhidos os outros dez cargos da cúpula da Câmara, como o de 1º secretário, deputado que comanda o dia a dia da execução do orçamento da Casa, da ordem de R$ 5,1 bilhões.

Fernando Henrique Cardoso* - Chegou a hora

• Há o temor de a liderança nacional não perceber que a crise não é corriqueira, a Justiça precisa ter ousadia de chegar aos mais altos hierarcas culpados

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Quando eventualmente este artigo vier a ser lido, a Câmara dos Deputados estará escolhendo seu novo presidente. Ganhe ou perca o governo, as fraturas na base aliada estarão expostas. Da mesma maneira, o esguicho da Operação Lava Jato respingará não só nos empresários e ex-dirigentes da Petrobrás nomeados pelos governos do PT, mas nos eventuais beneficiários da corrupção que controlam o poder. A falta de água e seus desdobramentos energéticos continuarão a ocupar as manchetes. Não se precisa saber muito de economia para entender que a dívida interna (R$ 3 trilhões!), os desequilíbrios dos balanços da Petrobrás e das empresas elétricas, a diminuição da arrecadação federal, o início de desemprego, especialmente nas manufaturas, o aumento das taxas de juros, as tarifas subindo, as metas de inflação sendo ultrapassadas dão base para prognósticos negativos do crescimento da economia.

Tudo isso é preocupante, mas não é o que mais me preocupa. Temo, especialmente, duas coisas: o havermos perdido o rumo da História e o fato de a liderança nacional não perceber que a crise que se avizinha não é corriqueira - a desconfiança não é só da economia, é do sistema político como um todo. Quando esses processos ocorrem, não vão para as manchetes de jornal. Ao entrar na madeira, o cupim é invisível; quando percebido, a madeira já apodreceu.

Por que temo havermos perdido o rumo? Porque a elite governante não se apercebeu das consequências das mudanças na ordem global. Continua a viver no período anterior, no qual a política de substituição das importações era vital para a industrialização. Exageraram, por exemplo, ao forçar o "conteúdo nacional" na indústria petrolífera, excederam-se na fabricação de "campeões nacionais" à custa do Tesouro. Os resultados estão à vista: quebram-se empresas beneficiárias do BNDES, planejam-se em locais inadequados refinarias "premium" que acabam jogadas na vala dos projetos inconclusos. Pior, quando executados, têm o custo e a corrupção multiplicados. Projetos decididos graças à "vontade política" do mandão no passado recente.

Pela mesma cegueira, para forçar a Petrobrás a se apropriar do pré-sal, mudaram a Lei do Petróleo, que dava condições à estatal de concorrer no mercado, endividaram-na e a distanciaram da competição. Medida que isentava a empresa da concorrência nas compras se transformou em mera proteção para decisões arbitrárias que facilitaram desvios de dinheiro público.

Mais sério ainda no longo prazo: o governo não se deu conta de que os Estados Unidos estavam mudando sua política energética, apostando no gás de xisto com novas tecnologias, buscando autonomia e barateando o custo do petróleo. O governo petista apostou no petróleo de alta profundidade, que é caro, descontinuou o etanol pela política suicida de controle dos preços da gasolina, que o tornou pouco competitivo, e, ainda por cima (desta vez graças à ação direta de outra mandona), reduziu a tarifa de energia elétrica em momento de expansão do consumo, além de ter tomado medidas fiscais que jogaram no vermelho as hidrelétricas.

Agora todos lamentam a crise energética, a falta de competitividade da indústria manufatureira e a alta dos juros, consequência inevitável do desmando das contas públicas e do descaso com as metas de inflação. Os donos do poder esqueceram-se de que havia alternativas, que sem renovação tecnológica os setores produtivos, isolados, não sobrevivem na globalização e que, se há desmandos e corrupção praticados por empresas, eles não decorrem de erros do funcionalismo da Petrobrás, nem exclusivamente da ganância de empresários, mas de políticas que são de sua responsabilidade, até porque foi o governo que nomeou os diretores ora acusados de corrupção, assim como foram os partidos ligados a ele os beneficiados.

Preocupo-me com as dificuldades que o povo enfrentará e com a perda de oportunidades históricas. Se mantido o rumo atual, o Brasil perderá um momento histórico e as gerações futuras pagarão o preço dos erros dos que hoje comandam o País. Depois de 12 anos de contínua tentativa de desmoralização de quase tudo o que meu governo fez, bem que eu poderia dizer: estão vendo, o PT beijou a cruz, tenta praticar tudo o que negou no passado - ajuste fiscal, metas de inflação, abertura de setores públicos aos privados e até ao "capital estrangeiro", como no caso dos planos de saúde.

Quanto ao "apagão" que nos ronda, dirão que faltou planejamento e investimento, como disseram em meu tempo? Em vez disso, procuro soluções.

Nada se consertará sem uma profunda revisão do sistema político e mais especificamente do sistema partidário e eleitoral. Com uma base fragmentada e alimentando os que o sustentam com partes do Orçamento, o governo atual não tem condições para liderar tal mudança. E ninguém em sã consciência acredita no sistema prevalecente. Daí minha insistência: ou há uma regeneração "por dentro", governo e partidos reagem e alteram o que se sabe que deve ser alterado nas leis eleitorais e partidárias, ou a mudança virá "de fora". No passado, seriam golpes militares. Não é o caso, não é desejável nem se veem sinais.

Resta, portanto, a Justiça. Que ela leve adiante a purga; que não se ponham obstáculos insuperáveis ao juiz, aos procuradores, aos delegados ou à mídia. Que tenham a ousadia de chegar até aos mais altos hierarcas, desde que efetivamente culpados. Que o STF não deslustre sua tradição recente. E, principalmente, que os políticos, dos governistas aos oposicionistas, não lavem as mãos. Não deixemos a Justiça só. Somos todos responsáveis perante o Brasil, ainda que desigualmente. Que cada setor político cumpra a sua parte e, em conjunto, mudemos as regras do jogo partidário eleitoral. Sob pena de sermos engolfados por uma crise que se mostrará maior do que nós.

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*Sociólogo, foi presidente da República

Luiz Werneck Vianna* O som ao redor

• Aqui parece que nossa opção, nostálgicos do terceiro-mundo, é fazer ouvidos moucos ao som ao redor

- O Estado de S. Paulo

Há os céticos que gostam de qualificar, com seu gosto amargo pela ironia, a vanidade dos esforços para mudar o mundo porque ele mudaria sozinho. É verdade que as suas crenças não se encontram de todo desamparadas pela teoria social, a qual, desde sua fundação, se dedica a estudos de sistemas que, após sua institucionalização, passam a operar a partir de uma lógica própria, alterando o ambiente em que estão inscritos. Pierre Bourdieu, que procurou desenvolver em sua obra a tradição da sociologia clássica, sustenta que "uma institucionalização exitosa se esquece e se faz esquecer" das condições que presidiram seu nascimento, naturalizando-se (Sobre o Estado, Companhia das Letras, 2014).

Mas a teoria social não dá voz apenas às estruturas, como também ao ator. Em certos registros históricos, sobretudo a este. Anos de supremacia na teoria social dos paradigmas dominantes na economia, em particular dos de extração neoliberal, com sua aposta em mecanismos automáticos de autorregulação e na sua crença de que o mercado, deixado livre de constrangimentos políticos, nos reserva um "happy end", têm feito com que se esqueçam as velhas lições de que o mundo, se entregue a si mesmo, embora sempre mude, os resultados imprevistos desse processo podem ser danosos a todos.

A grande crise financeira de 2008 subtraiu força desse argumento, decerto que ainda parcialmente, pois continua sustentado por muitos na academia e fora dela, mas é inegável que o processo de globalização em curso já conhece a ação reguladora de instâncias jurídico-políticas, entre as quais, muito especialmente, as institucionalizadas nos organismos internacionais. No terreno da formação de uma opinião pública internacional em favor de uma ordem cosmopolita não se pode deixar de mencionar a ação do papa Francisco e a de Jürgen Habermas, este papa laico da democracia contemporânea, nem a bibliografia dedicada ao processo de formação de um direito mundial, da que é exemplar a obra de Mireille Delmas-Marty, como em Pour um Droit Commun (Paris, Éditions du Seuil, 1994) e Trois Défis pour un Droit Mondial (da mesma editora, 1998), entre outros trabalhos relevantes dedicados ao tema.

Os atentados terroristas, praticados por sectários que dizem agir em nome do Islã, contra os jornalistas do Charlie Hebdo e os frequentadores de um supermercado especializado no comércio de produtos destinados à comunidade judaica de Paris, em reação à publicação de charges de humor sobre a figura do profeta Maomé, pareceram trazer de volta os tempos sombrios do 11 de setembro de 2001, data das ações do terror contra as chamadas torres gêmeas. À época, o funesto episódio foi interpretado por muitos como a confirmação de um diagnóstico, até então de baixa aceitação, sobre a existência de uma "guerra de civilizações" entre o Ocidente e o Oriente. A tarefa civilizatória do Ocidente deveria empenhar-se em impor a sua supremacia, até mesmo por meios militares, convertendo o segundo aos seus valores e instituições, política que inspirou as invasões por forças da Otan no Afeganistão e no Iraque, com os resultados desastrosos, hoje, à vista de todos.

A reação aos atentados do 7 de janeiro em Paris, contudo, vem tomando outra direção. A chamada globalização mostrou sua face benigna com as passeatas multitudinárias que ocuparam as ruas de uma boa parte do mundo, especialmente com a impressionante demonstração de Paris, à testa da qual marcharam expressivas lideranças mundiais, políticas e religiosas, em nome das liberdades de expressão e de culto religioso. O que era um devaneio da literatura ganhou ali materialidade: há, em embrião, uma sociedade civil mundial dotada de voz capaz de se fazer ouvir e que guarda na memória, como se viu, o que havia de universal na Revolução Francesa.

Na esteira daquelas grandiosas manifestações, dirigentes da União Europeia já se empenham em esforços comuns com países árabes de combate ao terrorismo, e se fortalecem as lideranças democráticas, como a de François Hollande na França, que se opõem à maré montante da xenofobia e procuram favorecer tanto a inclusão social da população dos imigrantes e seus descendentes como o reconhecimento de suas identidades culturais - há poucos dias, o primeiro-ministro Manuel Valls denunciou em manifestação pública a situação de apartheid em que, no seu país, vivem as populações de origem árabe - sem as quais a concórdia não tem como se instalar. Bons sinais ignorados pelo ceticismo falsamente elegante de sempre.

Paradoxalmente, por obra da política, os atentados de Paris, longe de robustecerem a extrema direita na Europa, tendência percebida por tantos como inexorável, podem levar a resultado oposto. Esse é um jogo ainda a ser jogado, mas a lucidez com que lideranças democráticas têm movimentado suas peças demonstra que a política, essa região do ator, quando intervém criativamente no mundo, pode romper com lógicas que pareciam ter-se naturalizado.

Também nos EUA a política tem rompido com lógicas tidas como férreas, como nas tratativas, ora em curso, sobre o restabelecimento das relações diplomáticas com Cuba e sobre a suspensão do embargo econômico que vem impedindo esse país de se desenvolver e modernizar seu sistema produtivo em benefício da sua população. Não se pode deixar de registrar a iniciativa do presidente Barack Obama de fixar em sua agenda política a taxação das grandes fortunas no sentido de favorecer políticas públicas igualitárias, legitimando, ao seu modo, as propostas de Thomas Piketty sobre a reforma do capitalismo, ainda ignoradas, por sinal, pelo nosso debate político.

Aqui, com a nossa imaginação travada pelo economicismo, pesada herança intelectual que nos ficou do nosso longo processo de modernização politicamente orientado, parece que a nossa opção, nostálgicos do terceiro-mundismo, é a de fazer ouvidos moucos ao som ao redor.

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*Cientista Social da PUC-Rio

Merval Pereira - O que está em jogo

- O Globo

"O que o povo quer, esta Casa acaba querendo". A frase famosa do então presidente da Câmara, deputado do PMDB Ibsen Pinheiro, deu a partida para a instalação do processo de impeachment do presidente Fernando Collor em setembro de 1992. O que está em jogo para o governo Dilma na disputa de hoje da presidência da Câmara é justamente ter no comando da Casa que define a instalação do processo de impeachment um aliado confiável.

A base aliada do governo está rachada desde a campanha presidencial, e hoje essa divisão se explicita na candidatura do deputado federal Eduardo Cunha, do PMDB, contra o petista Arlindo Chinaglia. Sem condições de fazer um acordo de rodízio entre os dois principais partidos da sua base aliada, Dilma só tem a perder na eleição de hoje.

Vencedor, Cunha sabe que o Planalto tramou em todas as medidas possíveis para vê-lo derrotado. Nada deve ao governo ou ao PT, ao contrário. Derrotado, fará sua liderança natural no PMDB trabalhar contra o governo, ampliando a dissidência, que já é grande.

Também no Senado o governo enfrenta problemas, embora a situação do senador Renan Calheiros seja aparentemente mais tranquila do ponto de vista eleitoral, embora seja mais complicada juridicamente. Nada indica que o senador Luiz Henrique, que representa a dissidência peemedebista, tenha condições de vencer a disputa, embora, sendo a eleição secreta, sempre é possível haver traições que desequilibrem as apostas.

No caso de Calheiros há um ingrediente a mais, que Cunha aparentemente retirou de sua frente ainda na campanha: tudo indica que o nome de Calheiros estará na lista dos parlamentares envolvidos no petrolão, o que fará com que ele, vencedor, seja um presidente do Senado enfraquecido pelas acusações. Essa possibilidade também está sendo uma pedra no seu caminho, já que há senadores francamente preocupados com essa possibilidade, considerando que para a reputação do Senado seria melhor evitar esse tipo de exposição.

O Planalto joga suas fichas em Renan Calheiros por ser um aliado confiável e, sobretudo, por Luiz Henrique ter sido um dissidente claro na campanha presidencial, apoiando o candidato do PSDB, Aécio Neves. A oposição fechou apoio aos dois candidatos que mais a representam, Luiz Henrique e Júlio Delgado, do PSB, que se dispõe a ser um tertius na escolha para a presidência da Câmara, mas aparentemente não tem chances nem mesmo de ir para o segundo turno.

A manutenção do apoio tucano no 1º turno ao candidato do PSB serve para manter a base oposicionista unida, mas tudo indica que a vitória de Cunha num provável 2º turno se deverá ao apoio da oposição, especialmente do PSDB.

O líder do PMDB terá muitos votos tucanos já no 1º turno, mas o interesse do partido é, após prestar sua solidariedade ao PSB, ser o fiador da derrota do governo. No Senado, Luiz Henrique terá o apoio da dissidência do PMDB e os votos da oposição.

Cunha tem, na teoria, a maioria dos votos, com apoio de PMDB, PTB, SD, DEM, PRB e PSC, com 161 deputados. Mas a traição de eleitores de PTB e PRB tem de ser considerada. Chinaglia tem apoio de PT, PSD, PROS e PCdoB, com 126 deputados. Mas pode perder votos até do PT, e certamente o apoio do PSD não é tão firme assim. A bancada do Rio, por exemplo, foi liberada pelo partido para votar em Cunha.

Júlio Delgado, do PSB, conta com os 106 votos de PSB, PSDB, PPS e PV, mas também deve perder votos para Cunha já no primeiro turno. O PSOL marcou posição lançando o deputado Chico Alencar, mas não mobilizou a dissidência. Os 5 votos da bancada, porém, podem fazer falta a Chinaglia no final das contas.

A motivação maior para montar a base aliada gigantesca que o governo Dilma tem hoje teoricamente no Congresso foi defensiva, desde o governo Lula depois do mensalão: evitar a convocação de CPIs e impedir, no limite, a instalação de um processo de impeachment. A consistência dessa base política para garantir esses objetivos, no entanto, já é questionável, e por isso a eleição de hoje tem um valor político transcendente para o governo.

Saberemos a quantas andam as tropas governamentais para as batalhas sangrentas que virão pela frente, até mesmo, no limite, por um processo contra a presidente Dilma - que já chegou a ser tema de um estudo do jurista Ives Gandra Martins, que vê "elementos jurídicos" para que seja pedido o impeachment da presidente por "improbidade administrativa".

Dora Kramer - Impávido colosso

• PMDB sai maior e governo menor do que entrou nas disputas do Congresso

- O Estado de S. Paulo

É hoje o dia, embora seja apenas o primeiro de um período de necessária convivência entre os Poderes Executivo e Legislativo que vai além do momento da escolha dos presidentes da Câmara e do Senado. As consequências começam a se apresentar e a exigir administração competente a partir de amanhã. Aí é que serão elas.

Independentemente de quais sejam os resultados das eleições para as presidências das duas Casas o PMDB sairá do processo que culminou com as disputas de hoje maior, e o governo menor do que entrou.

Poderia ser diferente? Poderia, se o governo tivesse realmente ficado equidistante ou se tivesse entrado no jogo para conciliar os aliados em nome de seus próprios interesses. Mas, não. Os gênios da lâmpada do Planalto resolveram que, uma vez havendo consenso na sociedade de que o modelo de coalizão fisiológica está esgotado, este seria o pretexto ideal para dar um chega para lá no PMDB.

Só que a ideia não era remodelar coisa alguma, mas reduzir a influência do maior parceiro, substituindo-o por outros integrantes da base menos poderosos, mais dóceis e, em decorrência, mais fiéis e menos exigentes.

A eficácia do plano, porém, esbarrou no primeiro obstáculo. O governo retirou ministérios importantes do PMDB. O partido detectou o movimento. O Planalto entregou pastas de peso a legendas comandadas por políticos que, pela ótica da "nova ordem", garantiriam a compensação.

Ocorre, porém, que os pemedebistas fizeram o mesmo. Aproximaram-se da oposição e foram em busca das possibilidades de divisões na base aliadas, que não são poucas e por eles bastante conhecidas.

No Senado, por exemplo, uma série de fatores levou a candidatura dissidente de Luiz Henrique a ganhar corpo nos últimos dias ao ponto de ameaçar a reeleição de Renan Calheiros. Nenhum deles relacionados à distribuição de cargos ou liberação de dinheiro de emendas ao Orçamento.

A alguns senadores motiva derrotar o candidato preferido do Planalto por simples revanche decorrente de insatisfações acumuladas; a outros, os de oposição, interessa conquistar espaço para atuação; à maior parte deles desconforta a imagem que o senador não mede esforços nem respeita regras quando os interesses dele combinam com as conveniências do governo.

No lugar de apresentar uma candidatura só para marcar posição, os oposicionistas foram buscar um nome com tradição no PMDB, ex-presidente do partido, "emedebista" histórico, a fim de disputar para valer. Se perder, terá tido número considerável de votos para reforçar o grupo de pemedebistas até então alijado das decisões do partido. No conjunto a legenda sai mais forte.

Na Câmara, com qualquer resultado a consequência será a mesma. Ali o interesse da oposição e de boa parte da base aliada é derrotar o governo, o PT ou ambos. Ganhando, Eduardo Cunha estará sentado na presidência da Câmara dividindo o poder congressual com outro colega de partido no comando do Senado. Perdendo, terá tido volume expressivo de votos e será líder da maior bancada da Casa.

No frigir, o governo acabou alimentando adversários ao tentar desidratar um aliado do qual não vai se livrar tão cedo. No quesito "expertise" política, antiguidade também é posto.

Cerimonial. No dia seguinte ao lançamento de sua candidatura à presidência do Senado, Luiz Henrique procurou o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante. O senador foi discretamente ao encontro do ministro para pedir a isenção do governo na disputa e comunicar que, se eleito, não faria oposição permanente ao governo. Mercadante fez que acreditou e prometeu imparcialidade. O senador da mesma forma agradeceu e oficialmente confiou na palavra.

Bernardo Mello Franco - O papel do historiador

- Folha de S. Paulo

Quatro deputados disputam hoje a presidência da Câmara. Um deles admite que vai perder: o historiador Chico Alencar, 65.

Eleito para o quarto mandato pelo PSOL-RJ, Chico é um anticandidato assumido. Lançou-se para protestar contra o nível do duelo entre os favoritos Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Arlindo Chinaglia (PT-SP).

Ele acusa os rivais de competirem para ver quem promete mais benesses aos colegas, sem discutir os problemas que interessam à sociedade.

"A campanha se dá na base das negociações internas e do corporativismo. É dominada por jantares, viagens de jatinho e promessas de cargos e de mordomias", reclama.

Chico descreve Cunha como um deputado que "faz do mandato um investimento". "Ele é um símbolo da pequena política. Representa a política dos negócios, onde o público e o privado perdem fronteiras", afirma.

O azarão diz respeitar a história de Chinaglia, de quem foi colega no PT, mas o acusa de usar a máquina do governo para cooptar aliados.

"Os dois estão fazendo a pequena política, o fisiologismo. São métodos rasteiros que, se forem exitosos, revelarão o baixo padrão de cultura política do Parlamento", critica.

Sem chances de vitória, Chico defende ideias impopulares entre a maioria dos colegas. É contra o aumento das verbas de gabinete e defende a cassação de quem for denunciado por corrupção na Petrobras.

"Quanto mais digo isso, menos votos tenho", brinca o anticandidato. "A Lava Jato pode revelar, de modo assustador, a degradação profunda dos grandes partidos. Parece que o pessoal não está atento a isso. O abismo entre os representantes e representados ficou muito grande. Se a gente não prestar atenção, o trem da história nos atropela", alerta.

É um discurso incômodo, mas Chico promete repeti-lo hoje na tribuna. "O Eric Hobsbawm dizia que o papel do historiador é lembrar o que os outros querem esquecer. A razão da minha candidatura está aí", afirma.

Luiz Carlos Azedo - Blindagem da velha política

• O Palácio do Planalto vê o controle do Congresso como uma questão de vida ou morte, quer impedir a instalação de uma nova CPI da Petrobras e o agravamento da crise

Correio Braziliense

O Congresso reabre hoje diante de uma encruzilhada: escolher entre a pequena e a grande política. A primeira, pautada pelos interesses corporativos e fisiológico de deputados e senadores, resultou no desgaste do parlamento, dos partidos e dos políticos de modo geral. Caracteriza-se pela entrega ao Executivo do monopólio da iniciativa em relação aos grandes temas nacionais e do Estado.

A grande política, porém, pede passagem aos novos deputados e senadores. É aquela que trata dos grandes interesses nacionais — da crise dos recursos hídricos à vigilância de fronteiras, da gestão da Petrobras à reforma política — e vê no bem comum, e não apenas nas benesses do governo e nos negócios, o caminho para a renovação dos partidos e de fortalecimento do Congresso. Não é à toa que a disputa pelo comando das duas Casas está acirrada.

No Senado, contra o favoritismo do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que tenta mais uma reeleição, insurge-se a candidatura de um dissidente de sua própria bancada, o senador Luiz Henrique (SC), ex-presidente do PMDB e ex-governador de Santa Catarina. A disputa pode ser dura, pois rachou a base do governo e mobiliza a oposição. Calheiros é governista de carteirinha; Luiz Henrique promete uma atuação independente.

Na Câmara, tudo indica que o pleito se decidirá no segundo turno. O favorito continua sendo o líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), que representa o segundo maior partido governista — o maior é o PT. Enfrenta, porém, a oposição do Palácio do Planalto, que cacifa a candidatura de Arlindo Chinaglia (PT-SP), ex-presidente da Casa e ex-líder do governo. A oposição disputa uma vaga no segundo turno para o candidato do PSB, Julio Delgado (MG), que tem o apoio do PSDB e do PPS. O deputado Chico Alencar (PSol-RJ) apenas marca posição.

As duas eleições se realizam à sombra das denúncias de envolvimento de número expressivo de parlamentares no escândalo da Petrobras, que está sendo investigado pela Operação Lava-Jato, da Polícia Federal. O estresse entre as principais lideranças do Congresso é ainda maior porque circula a informação de que um dos empresários presos, o ex-presidente da UTC Ricardo Pessoa, apontado como coordenador do cartel de empreiteiras responsáveis por desvios bilionários da estatal, estaria colaborando com as investigações e pode ampliar o número de políticos envolvidos.

A versão é corroborada pelo fato de a Polícia Federal abrir novos inquéritos para investigar mais 10 empresas suspeitas de envolvimento no escândalo, entre elas a Andrade Gutierrez e a GDK. A Polícia Federal também pediu à presidente da Petrobras, Graça Foster, que envie detalhes sobre contratos com as construtoras OAS e Odebrecht na refinaria Abreu e Lima. Essas empreiteiras fazem parte do rol de grandes financiadores das campanhas eleitorais.

Acordão
O Palácio do Planalto faz fortes gestões para circunscrever o escândalo da Petrobras aos ex-diretores da estatal e executivos envolvidos e salvar as empresas denunciadas. Apoia um acordão entre elas e o Ministério Público Federal, com a chancela do Supremo Tribunal Federal (STF), para impedir a quebra do setor da construção pesada. Apenas quatro empresas envolvidas na Lava-Jato têm 70% dos contratos firmados com o governo federal, o que confirma a cartelização do setor e a existência de relações privilegiadas.

A tramitação do processo na Justiça deve ganhar velocidade a partir de amanhã. O ministro Teori Zavascki examinará o trabalho dos procuradores e policiais e abrirá prazo para a defesa prévia dos acusados. Advogados dos executivos presos manobram para impedir que seus clientes sejam julgados pelo juiz federal Sérgio Moro, em primeira instância, em Curitiba. Querem vincular esses acusados aos políticos e levar os respectivos processos para o STF.

O escândalo da Lava-Jato ronda a disputa pelo comando do Senado e da Câmara. O Palácio do Planalto vê o controle das duas casas como uma questão de vida ou morte, quer impedir a instalação de uma nova CPI da Petrobras e o agravamento da crise. Por isso, a vitória de Arlindo Chinaglia é considerada tão importante pela presidente Dilma Rousseff, que não confia no líder do PMDB, Eduardo Cunha. No Senado, a candidatura de Luiz Henrique foi estimulada pelo Palácio do Planalto, mas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrou em campo para garantir o apoio do PT a Calheiros, pelos mesmos motivos.

Eliane Cantanhêde - A galinha dos ovos de ouro

- O Estado de S. Paulo

Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? E quem criou o esquemão e deflagrou a roubalheira da Petrobrás: as empreiteiras ou os partidos que a dominaram e depois fatiaram?

Essa dúvida vai permear todo o desdobramento político e jurídico do maior escândalo investigado neste País. Vai virar um empurra-empurra e sua resposta vai definir, não o destino, mas o tamanho do buraco dos sabe-se lá quantos deputados e senadores a serem processados pelo Supremo Tribunal Federal.

No site do Ministério Público Federal, encontra-se um "Entenda o Caso" sobre a Operação Lava Jato que explica a história como um complô das grandes empreiteiras para predeterminar os resultados de licitações e pós-remunerar altos funcionários da Petrobrás. Em vez de esclarecer, o texto e seus diagramas aprofundam a dúvida atroz sobre ovos e galinhas.

Lê-se ali que as empreiteiras, "com o objetivo de aumentar a margem de lucro e obter favores, pagavam propina". Que agentes públicos "aceitavam propina para facilitar a atuação dos cartéis". E que os doleiros "intermediavam e entregavam a propina para os beneficiários" (incluindo políticos).

Nesse caso, os maiores vilões são as empreiteiras, que criaram uma organização criminosa para assaltar a Petrobrás. Elas teriam tomado a iniciativa, elas teriam cooptado diretores como Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró e Renato Duque, e elas teriam contratado doleiros para lavar a sujeira.

Mas onde entra, por exemplo, o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto? Ele não é executivo de empreiteira, nem diretor da Petrobrás, nem doleiro...

Por isso, as suspeitas - no mundo jurídico, por exemplo - é de que a origem não está nas empreiteiras e sim no PT, no PMDB e no PP. Com a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os sindicalistas do PT assumiram a Petrobrás (além do Banco do Brasil...) e se deslumbraram diante do oceano de oportunidades. Aí começou tudo.

Nessa segunda hipótese, os partidos articularam o esquemão para financiar a eternização do PT no poder, convenceram as empreiteiras, cooptaram os diretores e listaram os doleiros. Um crime quase perfeito, não tivesse ficado fácil demais, abundante demais, e a turma não tivesse exagerado na dose, deixando rastros e uma montanha de sinais exteriores de riqueza que atraíram a atenção da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça.

Um parênteses doloroso, constrangedor: nunca tantas pessoas - dos governos, da área privada e principalmente dos quadros da empresa - lavaram as mãos, fecharam olhos e ouvidos e calaram diante de tamanho descalabro. Ninguém via aquilo tudo?! Durante tanto tempo?!

Mas isso foi uma digressão. O essencial é discutir se foram as empreiteiras que arrastaram os diretores e os partidos para a farra, ou se foram os partidos que cooptaram quadros da Petrobrás e atraíram as empreiteiras para o grande roubo do século no País.
Vai ser muito divertido assistir à guerra dos advogados, ao custo de mais alguns milhões de reais.

Quem foi o mentor, o mandante, o gênio do mal? Quem corrompeu quem, e quem "apenas" se deixou corromper? Ou será que, em todo esse caso, o corruptor e o corrupto, o ativo e o passivo se embolam de tal maneira que é simplesmente impossível desembaraçar?

É assim, sem saber quem veio primeiro, o ovo ou a galinha, que chegamos à reabertura do Congresso e à eleição para as presidências da Câmara e do Senado. A única certeza é que partidos, empreiteiros, diretores e doleiros estavam envolvidos. E que a nossa Petrobrás era a galinha dos ovos de ouro deles.