Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
sábado, 19 de novembro de 2022
Luiz Werneck Vianna* - Sem o direito de errar
Oscar Vilhena Vieira* - Por um triz
Folha de S. Paulo
Alguns esforços imediatos terão que ser
feitos para reduzir os riscos de uma recaída autoritária
A democracia constitucional
brasileira resistiu a um presidente de extrema direita e seu intenso vandalismo
institucional. Sem disparar um só tiro, a maioria dos eleitores apeou do poder
um governante hostil ao estado
democrático de direito e cercado de apoiadores fortemente armados.
Esse é um feito que devemos celebrar, especialmente em uma conjuntura na qual
diversas outras democracias ao redor do mundo têm sucumbido a processos de
autocratização.
O fato, porém, é que foi por um triz. Não
há como negar que o projeto autoritário e regressivo de Bolsonaro atraiu
amplos setores do eleitorado, como demonstra a adesão de um número
significativo de pessoas às manifestações
antidemocráticas que se sucederam ao término do pleito eleitoral.
Isso é sinal de que o pacto democrático estabelecido em 1988 se esgotou? Penso que não. Mas alguns esforços imediatos terão que ser feitos para reduzir os riscos de uma recaída autoritária. O primeiro desafio, no plano das relações políticas e sociais, é buscar arrefecer a polarização visceral, que contaminou o tecido democrático brasileiro, a partir de 2014.
Cristina Serra - Lula e o ectoplasma do Alvorada
Folha de S. Paulo
Nem tudo está fechado, mas o que está
delineado vai muito além do Ministério do Meio Ambiente
Lula entendeu a gravidade da urgência
climática e tem indicado que dará ao Brasil uma inédita estrutura de proteção ambiental, em seu terceiro
mandato. Nem tudo está fechado, mas o que está delineado vai muito além do
Ministério do Meio Ambiente.
Uma das novidades é o Ministério dos Povos
Originários, que, ao dar voz e poder de decisão aos indígenas, equivale ao começo de um
processo de reparação histórica por 520 anos de massacre. São eles os
principais guardiões dos nossos biomas.
A deputada eleita Marina Silva (Rede-SP) propôs uma instância autônoma para coordenar a ação climática do governo e fiscalizar o cumprimento das metas do Brasil para redução da emissão de gases do efeito estufa. Seria a Autoridade Climática Nacional e agiria com total independência de ingerências políticas.
Demétrio Magnoli - O mercado não tem Comitê Central
Folha de S. Paulo
É uma teia complexa de intercâmbios pela
qual flui o sangue das economias
O Povo (famélico) contra o Mercado (rico,
ganancioso, especulativo) –o tema circulou desde o esboço da PEC da Transição,
nos discursos de Lula, dos
dirigentes petistas e da torcida uniformizada na imprensa e nas redes sociais.
Neles, o Mercado emerge como um sujeito político: o inimigo do "governo
dos pobres". É investimento especulativo (ops!) na ignorância do público.
A política populista, ao contrário do que se pensa, não nasceu na América Latina, mas nos EUA. Seu protagonista icônico foi Andrew Jackson, o sétimo presidente (1829-1837), eleito sob o lema "a vontade do Povo". De lá para cá, o discurso populista fixou-se no mítico confronto entre Main Street (a rua popular do comércio) e Wall Street (a rua dos bancos). A cristalização da imagem geográfica desdobrou-se nas procissões de charges que opõem o "homem comum" ao banqueiro concupiscente. O mercado (financeiro) tornou-se o retrato do Mal.
Ascânio Seleme - O bem-vindo protagonismo de Alckmin
O Globo
Perfil conciliador, negociador e
trabalhador que foi útil na campanha, está sendo muito bem-vindo na transição,
e poderá ser ainda mais importante no governo
Enquanto Luiz Inácio brilhava no Egito, com
todos os méritos, nos braços dos ambientalistas globais, no Brasil quem operava
a máquina da transição com eficiência e diligência era Geraldo Alckmin. Lula escolheu
um candidato a vice para ganhar a eleição e encontrou um aliado para governar
efetivamente a nação. Alckmin é um homem honesto, de hábitos simples e gestos
limitados. Não é exuberante e muito menos extravagante. Seu perfil conciliador,
negociador e trabalhador que foi útil na campanha, está sendo muito bem-vindo
na transição, e poderá ser ainda mais importante no governo.
Alckmin passou por todos os testes dentro do PT. Foi visto com muita má vontade quando Lula começou a falar internamente em seu nome como candidato a vice. Num dado momento, líderes do PT tentaram barrar o ex-tucano, mas Lula o bancou. Depois de sacramentada a chapa, foi sendo digerido com paciência. Muitos acharam que ele seria apenas mais uma das sacadas políticas do líder, que serviria para ganhar a eleição e nada mais. Os diversos gestos de deferência feitos por Lula em direção a Alckmin mostraram o contrário, e os reticentes começaram a entender que o papel do vice seria importante. Sua nomeação para coordenar a transição não deixou mais dúvidas, o presidente eleito apostava em seu vice.
Eduardo Affonso - Perdeu, mané
O Globo
O Brasil desandou a falar de seu maior
complexo: a irrefreável vocação para matar o pai, Portugal, começando pela
língua
Preocupado com a saúde mental do país, O
GLOBO levou o Brasil a
quatro renomados psicanalistas. Os diagnósticos estão lá, na página 29 da
edição de domingo passado (13 de novembro): psicose, luto, autossabotagem,
idealização, desilusão.
O Brasil ouviu, elaborou, racionalizou,
introjetou, fechou uma gestalt, teve um insight e resolveu ouvir uma quinta
opinião. Procurou Pai Dudu da Gamboa, que incorpora Freud, Jung, Reich e Lacan
em seu terreiro — e volta e meia faz previsões imprevisíveis aqui, nesta
coluna.
Acomodado no divã depois de um rápido banho de descarrego (não por falta do que descarregar, mas premido pelo tempo lógico), o Brasil desandou a falar de seu maior complexo: a irrefreável vocação para matar o pai, Portugal (começando pela língua) e se amasiar com a mãe África (uma relação ambígua de orgulho e preconceito). E, claro, do trauma recente:
Pablo Ortellado - Bolsonaro participou do movimento golpista?
O Globo
É muito pouco provável que mais de 2 mil
bloqueios de estradas tenham surgido de maneira espontânea
Já se passaram três semanas das eleições, e
o movimento golpista segue vivo. Apesar de politicamente isolado e sem
expectativa razoável de êxito, continua mobilizado num patamar elevado, ainda
que decrescente.
Polícia
Federal, polícias estaduais, Ministério Público e Supremo Tribunal
Federal (STF)
investigam a organização e o financiamento dos protestos antidemocráticos. O
desafio é entender em que medida são espontâneos, em que medida organizados. E,
se organizados, qual é a cadeia de comando. A questão de fundo é descobrir se
foi formada uma organização criminosa para contestar a ordem democrática e o
processo eleitoral e se (e até que ponto) o presidente ou lideranças
bolsonaristas estão envolvidos.
Um dos pontos fundamentais é entender o silêncio de Bolsonaro e dos influenciadores e lideranças bolsonaristas. Foi resultado de perplexidade e desolamento pela derrota ou estratégico? O presidente e seu entorno ficaram paralisados por uma derrota não esperada ou seu silêncio foi manobra para articular o movimento golpista de forma sorrateira, fora da esfera pública, de maneira a não se fazerem notar e a fugirem das implicações políticas e jurídicas?
Carlos Alberto Sardenberg - Não é empréstimo, é carona. Sério?
O Globo
Presidente eleito ganhou favor de um
empresário cujos negócios dependem do governo, para o bem ou para o mal
Qual a diferença entre tomar um jatinho de
empréstimo ou pegar uma carona nesse avião? Nenhuma, claro. Lula,
presidente eleito, viajou de graça no jato de um empresário, José Seripieri
Junior, que ganha dinheiro no ramo de corretagem de planos de saúde, setor
fortemente regulamentado. Erro mais evidente, impossível: o presidente ganhou o
favor de um empresário cujos negócios dependem do governo, para o bem ou para o
mal.
Acrescente-se que o empresário fez fortuna
durante governos petistas; financiou campanhas de Lula; emprestou ou “apenas”
hospedou o presidente, como diria Geraldo
Alckmin, em casa de veraneio em Angra; foi apanhado numa das
operações da Lava-Jato; fez delação premiada e pagou multa de R$ 200 milhões.
Não há ressalva possível. Trata-se de
equívoco ético e político. Levanta suspeitas.
O caso da PEC da Transição — que libera gastos de até R$ 200 bilhões fora do teto — guarda algumas semelhanças na narrativa.
Carlos Góes - Herança maldita
O Globo
O desafio do terceiro mandato de Lula é
repensar a estrutura fiscal do país, já que o teto de gastos não sobreviveu ao
governo Bolsonaro
Eu morava em Brasília ao início do primeiro
governo Lula. No dia da posse, o vermelho se misturava com camisas da seleção,
ainda reverberando o pentacampeonato mundial de futebol, celebrado alguns meses
antes naquela mesma Esplanada dos Ministérios.
No Brasil, a transição civilizada entre
presidentes eleitos democraticamente foi ali inventada. O presidente Fernando
Henrique Cardoso (FHC) assinara uma medida provisória que instituía a equipe de
transição e permitia ao governo entrante nomear funcionários e ter acesso aos
processos governamentais. Posteriormente convertida em lei, este é, até hoje, o
marco legal que governa as transições.
Lula herdou mais do que uma transição
pacífica.
Herdou um longo processo de estabilização
macroeconômica, começada com o Plano Real e consolidada em 1999 com o que
entrou para história como “tripé macroeconômico”: a política de metas de
inflação, superávits primários e câmbio flutuante.
Herdou também uma política de transferência
de renda focalizada nos mais pobres, com Bolsa Escola, Vale Gás, Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) e o projeto de consolidar tudo isso em
um só plástico, por meio do Cadastro Único de programas sociais.
Na retórica, Lula chamava o legado do governo FHC de “herança maldita”. Na prática, a história era outra.
Lula declara compromisso com responsabilidade fiscal
'Se o conselho for bom, eu sigo', diz Lula sobre carta de alerta fiscal de economistas
Presidente eleito afirmou que ninguém deve
gastar o que não tem, mas, se precisar fazer alguma dívida para investir, que
isso seja feito de forma responsável
Gian Amato / O Globo
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da
Silva afirmou hoje, após encontro com o primeiro-ministro de Portugal, Antonio
Costa, que ainda não leu a carta
enviada pelos economistas Arminio Fraga, ex-presidente do Banco
Central, Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda, e Edmar Bacha, ex-presidente do
BNDES, que apoiaram sua candidatura no segundo turno e fizeram um alerta para o
papel da responsabilidade fiscal.
Lula disse ter sido informado por
companheiros que havia uma carta alertando sobre problemas econômicos e o
aconselhando.
- Eu ainda não li, mas fiquei feliz quando
companheiros me ligaram dizendo que tinha tido uma carta de pessoas
importantes, ex-ministros, me alertando dos problemas econômicos e
aconselhando. Sou um cara muito humilde e gosto de conselho. E se o conselho for
bom, eu sigo.
Lula citou a melhora de indicadores
econômicos como emprego e inflação ao fim do seu governo e destacou que o país
tinha acumulado reserva cambial bilionária e tinha pago a dívida com o FMI.
O presidente eleito disse que fica chateado
quando vê sinais de “qual a política fiscal?”
- Eu tenho dito que ninguém tem autoridade para falar em política fiscal comigo porque durante todo o meu período de governo eu fui o único país do G20 que fiz superávit primário em todos os oito anos.
Bolívar Lamounier* - Vamos perder mais uma década?
O Estado de S. Paulo
Esqueçamos de vez o ‘Brasil Grande
Potência’ – aquela que nos levou a perder a década de 1980 – e cuidemos da
vida
Mais uma década perdida nos levará a outras mais, isso é óbvio. Podíamos ter perdido a de 1980? Noves fora, penso que sim, pois, embora o general-presidente não pudesse ter previsto a guerra de 1976 no Oriente Médio e o abrupto impacto financeiro que ela teve sobre nós, não teríamos caído no despenhadeiro dos anos 80 se ele, em vez de tentar industrializar o Brasil “em marcha forçada”, tivesse dado ouvido a pessoas mais sensatas. Mário Henrique Simonsen, por exemplo, sabia que natura non facit saltus. A insistência na estratégia faraônica custou-nos um longo período de inanição econômica e desemprego furando o teto. Por sorte, dispúnhamos da inteligência de que precisávamos para brecar uma inflação de 33 anos, coisa de que já não podemos estar certos.
Adriana Fernandes - ‘Puxadinhos’ nas contas públicas
O Estado de S. Paulo
Procrastinar a definição de uma nova regra para os gastos só aumenta a insegurança fiscal
O governo eleito e o Congresso não podem
perder a janela de oportunidade de fazer uma ampla e boa reforma do regime
fiscal brasileiro.
Com a falência do teto de gastos, os
parlamentares não podem cair na tentação de aprovar a PEC da Transição, com a
expansão de R$ 200 bilhões em despesas, para empurrar com a barriga o problema.
Essa possibilidade está no radar de quem
acha que Lula queimaria capital político em 2023 propondo uma nova PEC para
aprovar o novo regime fiscal. Seria uma saída fácil.
O próprio relator do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), falou nessa direção ao dizer que, com o anteprojeto da PEC, “ninguém mais iria falar de teto de gastos”. Foi um péssimo sinal capturado pelo mercado.
João Gabriel de Lima* - A inspiração que vem da África do Sul
O Estado de S. Paulo
Mpumalanga mostra que o mundo está disposto a investir em quem olha para frente
A Província de Mpumalanga, na África do Sul,
é famosa pelo Parque Nacional Kruger, onde se podem observar elefantes, leões,
leopardos, rinocerontes e búfalos – os “big 5” dos turistas que fotografam
animais. Nos próximos anos, é possível que a região fique conhecida por um
motivo mais nobre. Ao que tudo indica, será um exemplo internacional do que os
ambientalistas chamam de “transição justa”.
Um dos casos mais inspiradores apresentados na COP-27, no Egito, foi o plano de descarbonização da África do Sul. O país precisa de bilhões de dólares para mudar sua matriz energética, cuja base é o carvão produzido em Mpumalanga. Na COP-26, na Escócia, apresentou um plano a possíveis investidores. A repercussão foi enorme. Entre a Escócia e o Egito, a África do Sul captou US$ 8,5 bilhões – e colocou o projeto em marcha.
Marcus Pestana - Sistema eleitoral: avanços e limites
Dizem que, aqui nos trópicos, temos memória
curta. Daqui a pouco, o processo eleitoral de 2022 será coisa do passado e esqueceremos
o aprendizado.
Vamos falar um pouco sobre nosso sistema
eleitoral.
Comecemos pelas vitórias consolidadas.
O primeiro grande acerto foi a introdução do processo de votação em dois turnos. O segundo turno permite um ajuste na escolha da população, dando ao governo eleito maior legitimidade a partir da obtenção do apoio da maioria absoluta dos eleitores. É o melhor antidoto contra os questionamentos vividos por Getúlio Vargas e JK.
George Gurgel de Oliveira* - O 20 de novembro, a população afrodescendente e os desafios da sociedade brasileira
Saber como tudo isso se desenvolveu e os fundamentos da escravidão no Brasil, assim como o processo de libertação da escravatura até à atualidade, são desafios para avançarmos e superarmos a difícil realidade enfrentada pela população negra ainda hoje na sociedade brasileira.
As lutas de
libertação da população negra
A escravidão
africana, até meados do século XIX, era um dos fundamentos da vida econômica na
América e na Europa. Fazia parte da estrutura das relações políticas,
econômicas e sociais, assim como tornou-se base de acumulação de riqueza dos
países europeus, inclusive da Inglaterra, berço da revolução industrial.
A cultura do racismo nasceu como uma maneira de exclusão dos povos africanos da vida e das conquistas da sociedade humana durante o século XV, foi se desenvolvendo e deixando marcas profundas até à atualidade. Desde então, o escravismo passou a ser diretamente relacionado aos povos africanos, como uma maldição, a partir de uma visão cultural e religiosa eurocêntrica nas colônias da América, na Europa e no próprio continente africano. O Brasil foi o país de maior concentração de escravos africanos do mundo. Chegou a uma população de 5 milhões de escravos ao longo de mais de 300 anos em que perdurou o escravagismo negro em nosso país.
O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões
Novo ministro da Defesa precisa ser civil
O Globo
Principal desafio será desvincular as
Forças Armadas do papel político adquirido sob Bolsonaro
O próximo ministro da Defesa será um civil,
segundo anúncio do governo de transição. É uma decisão correta, um primeiro
passo para a necessária revisão do papel das Forças Armadas na política depois
do caótico governo Jair Bolsonaro. Um nome reconhecido por todos, pelo
estamento militar inclusive, terá oportunidade de recompor a relação entre a
caserna e a sociedade.
A Defesa precisará de um bom comunicador
para lembrar à opinião pública que Forças Armadas não são sinônimo de
bolsonarismo. É fato que boa parte dos militares torce o nariz para Luiz Inácio
Lula da Silva, mas a ampla maioria são profissionais cientes de suas missões
constitucionais e comprometidos com projetos estratégicos para o país. O que
mais querem é sair do turbilhão político a que foram lançados por Bolsonaro e
seguir com suas vidas.
Como o aparelhamento do Estado por militares foi gigantesco, muitos certamente mudarão de endereço profissional a partir de janeiro. É preciso toda a cautela para que o desaparelhamento não seja interpretado como revanchismo. É importante que os próprios militares compreendam que a intromissão em todo tipo de atividade só contribuiu para deteriorar a imagem das Forças Armadas. Basta lembrar a absurda fiscalização das urnas eletrônicas, um episódio vergonhoso.