terça-feira, 9 de março de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Fachin devolve Lula ao jogo eleitoral em 2022 – Opinião / O Globo

O ministro do Supremo Edson Fachin redesenhou ontem não apenas o futuro jurídico da Operação Lava-Jato, mas provocou um abalo político que terá repercussões até 2022. Anulou as decisões do ex-juiz Sergio Moro em quatro processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desde a aceitação da denúncia. Decidiu que Moro não tinha competência para julgá-lo nem condená-lo, pois seu escopo de ação estava limitado a suspeitas relacionadas à Petrobras. Despachou à Justiça de Brasília quatro processos que tramitaram em Curitiba e julgou não terem relação alguma com a estatal. Preservou apenas o trabalho de instrução realizado pela polícia e pelo Ministério Público. O novo juiz decidirá o que fazer. Pode nem sequer aceitar as denúncias.

O primeiro efeito da decisão se dará no julgamento, na Segunda Turma, do pedido de suspeição de Moro pela defesa de Lula. Fachin deu por extintas as causas alegando parcialidade de Moro. O segundo efeito é que, se a decisão resistir ao recurso da Procuradoria-Geral da República, Lula recuperaria seus direitos políticos e poderia se candidatar em 2022.

Não é difícil entender a intenção de Fachin, relator da Lava-Jato e ministro conhecido pela posição favorável à operação. A derrota prevista para o julgamento de Moro na Segunda Turma poderia ter consequências ainda mais nefastas. Primeiro, o processo inteiro contra Lula seria anulado (na decisão, Fachin não anulou as provas colhidas na fase de instrução). Segundo, uma decisão que referendasse promiscuidade entre Moro e os procuradores da Lava-Jato com base na troca de mensagens vazadas ilegalmente poderia ter repercussão em dezenas de outros processos e pôr a perder todo o trabalho da operação.

Luiz Carlos Azedo - Lula livre para 2022

- Correio Braziliense

O fantasma petista assombra os eleitores que elegeram Bolsonaro e dele estavam se afastando, por causa de seus desatinos na pandemia 

Como dizia o maestro Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin surpreendeu o mundo político e até seus colegas de Corte ao anular todas as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, numa “interpretação técnica” do princípio do “juiz natural”. Tomou por base a jurisprudência do próprio Supremo, contra a qual se opusera quando a maioria dos ministros decidiu desmembrar os processos da Odebrecht, OAS e JBS do caso da Petrobras, remetendo-os para Brasília, Rio de Janeiro ou São Paulo, decisão que esvaziou a força-tarefa de Curitiba e sua própria relatoria no escândalo da Lava-Jato.

A decisão foi cirúrgica: acabou com a inelegibilidade de Lula e frustrou as expectativas de punição do ex-ministro Sérgio Moro e dos integrantes da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, cuja suspeição foi arguida pela defesa de Lula. No mundo jurídicos e nos meios políticos, a aposta era de que somente a condenação de Lula no processo do triplex de Guarujá seria anulada, por suspeição de Moro, enquanto a condenação no caso do sítio de Atibaia seria mantida, no aguardado julgamento da suspeição pela Segunda Turma do Supremo. Presidente dessa Turma, desculpem-me o trocadilho, o ministro Gilmar Mendes ficou com o voto na mão.

Para o presidente Jair Bolsonaro, seus aliados e boa parte da oposição não petista, a anulação do processo do triplex de Guarujá e a suspeição dos protagonistas da Lava-Jato seriam o cenário ideal: Lula fora da eleição e Moro desmoralizado. Fachin pôs tudo de pernas para o ar, porque liberou Lula para concorrer à Presidência da República e manteve o ex-ministro Sérgio Moro no jogo de 2022, protegendo ainda os procuradores da Lava-Jato, a investigação da qual é o relator no Supremo e que estava à beira da extinção.

Ricardo Noblat - Para estancar a sangria da Lava Jato, Fachin reabilita Lula

- Blog do Noblat / Veja

De volta à pergunta que não cala há dois anos

Salvo se recuar do que disse na última sexta-feira ao jornal El País, logo mais, a partir das 14h, quando concederá uma entrevista coletiva à imprensa na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, Lula repetirá que só será candidato à sucessão de Bolsonaro se os brasileiros quiserem, mas que está disposto a isso e que fará política até seu último dia de vida.

Em outubro de 2022, ele completará 77 anos de idade. Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, estará com 78. Considera-se em boa forma para enfrentar mais uma campanha e afirma sentir-se como se tivesse apenas 30 anos – um exagero, por suposto, mas político costuma exagerar quando a seu favor. Tomará a primeira dose de vacina contra a Covid na próxima semana.

Tão logo tome a segunda dose e seja liberado pelos médicos, começará a viajar para fazer o que mais gosta – conversar. Falar mais do que ouvir. Relembrar as realizações dos seus governos. E bater duro em Bolsonaro, que ele considera um acidente na história do Brasil, um perigo à democracia, e responsável em parte pelas mortes da pandemia que deixou correr solta.

Pedro Cafardo - Os riscos reais de um capitalismo antissocial

- Valor Econômico

Em plena crise econômica, a maior em um século, o capitalismo antissocial, que já reformou as leis trabalhistas e da Previdência, tem larga avenida pela frente

Vai aí um teste para quem gosta de economia. Nos cinco parágrafos abaixo estão, entre aspas, declarações de um grande economista brasileiro. Tente descobrir quem é, mas sem olhar para baixo no texto, onde aparece o nome dele.

“Inflação é modificar a distribuição de renda. A gente pensa que é modificar os preços. Pode-se ter inflação com os preços estáveis e a renda se modifica. Numa economia de mercado, os preços estão se modificando a todo o instante. Mas se alguém tem a possibilidade de comandar essa modificação de preços a seu favor já criou a pressão inflacionária. Se outros agentes aceitam a perda de renda de braços cruzados, a economia absorveu. Se resistem com pressão sindical ou mecanismos de correção monetária, o negócio vai adiante.”

 “Atualmente, na economia brasileira, a iniciativa de investimento está na mão de grupos privados e essencialmente estrangeiros. Os investimentos de vanguarda, que representam a introdução de produtos novos, os mais rentáveis, aqueles que colocam a economia brasileira em dia com as economias em expansão lá fora, estão todos na mão de grandes grupos privados. Estes, se buscam os seus próprios interesses, terão que insistir nesse modelo. É muito melhor para uma empresa que está lançando um produto novo em 30 ou 50 países introduzir seus ‘blue prints’ imediatamente no Brasil do que consultar as necessidades reais da população brasileira. Isso é óbvio e qualquer industrial estaria totalmente de acordo comigo, porque isso reduz seus custos. Num plano puramente abstrato, o problema teria solução desde que houvesse uma vontade política no Brasil para provocar uma reciclagem progressiva do sistema de produção e uma certa disciplina nos padrões de consumo.”

Raphael Di Cunto - O alerta para os sonhos de Guedes

- Valor Econômico

Presidente da Câmara encontrou-se com o ministro oito vezes em um mês

Animado com a perspectiva de ver seus projetos avançarem com a vitória de Arthur Lira (PP-AL) sobre Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara, o ministro da Economia, Paulo Guedes, fez planos ambiciosos num almoço no começo de fevereiro com deputados. O cardápio era a autonomia do Banco Central, mas um entusiasmado Guedes já projetava, entre uma garfada e outra, a aprovação de marcos legais, privatizações e reformas que ainda nem tinham chegado ao Congresso. Líder do PL e principal aliado de Lira, o deputado Wellington Roberto (PB) foi o responsável por estragar a sobremesa: “Não pensa que agora está tudo resolvido não, viu?”

Se o alerta naquele dia não foi suficiente, assim como parece não ter sido a demissão do presidente da Petrobras e a intervenção no Banco do Brasil, o balde de água fria pode ter chegado em outra votação tão importante quanto, a proposta de emenda constitucional (PEC) emergencial. Guedes queria desvincular tudo, ficou sem o fim dos pisos para educação e saúde, sua principal bandeira nesse projeto, e ainda acabou engolindo verbas carimbadas para os militares.

Marco Aurélio Nogueira* - Virando a página para trás

- O Estado de S. Paulo

Lula, de novo elegível, não tem um mar aberto a sua frente. Não joga o jogo sozinho.

É difícil avaliar a repercussão e os desdobramentos da decisão de Edson Fachin que, de uma só vez, monocraticamente, considerou sem validade todas as condenações de Lula. O ministro considerou que a Vara Federal de Curitiba não era o foro adequado para julgar os processos do ex-presidente, remetendo-os à justiça do Distrito Federal.

É mais fácil pensar no que a motivou. Fachin sabia que seria derrotado na Segunda Turma, antecipou-se a ela e deve ter tentado esvaziar a provável suspeição de Sergio Moro, artífice das condenações. Se terá êxito nisso não se sabe. Depois que se decidiu liberar os áudios da Vaza-Jato a Lula, era só questão de tempo soltar as amarras do ex-presidente, fazendo com que os processos voltassem à estaca zero.

Tudo isso tem um preço: como fica a imagem do STF, órgão supremo que precisou de cinco anos para descobrir que tudo que havia sido endossado pelos tribunais inferiores não passava de erro, de farsa, de injustiça? Há um quê de desmoralização que não passa despercebido. Pior para a vida institucional do País, que fica sem retaguarda.

Carlos Melo* - Decisão de Fachin acelera o processo político

A decisão do ministro Edson Fachin traz um fato dentro do fato: foi tomada pelo maior aliado que os ex-membros da Operação Lava Jato possuem Supremo Tribunal Federal; aparentemente, aquele que guarda mais concordância com o que foi feito nos processos que condenaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não foram os tradicionais críticos e desafetos dos procuradores de Curitiba e de Sérgio Moro que se impuseram. Foi Edson Fachin. E isso dá maior força à decisão, tornando-a ainda mais simbólica.

Outra dimensão diz respeito ao jogo político: a condenação de Lula, desde sempre questionada por parcela da comunidade jurídica, mais uma vez se torna elemento de disputa política. Agora, com sinal trocado. Se antes, desafetos do ex-presidente usavam a Justiça para detratá-lo; neste momento, serão seus aliados que evocarão a mesma Justiça para erguer a bandeira de sua vitimização. Isso traz saldos.

Eliane Cantanhêde – Fachin bagunça o correto

- O Estado de S. Paulo

Fachin bagunçou o coreto eleitoral, bem na hora mais dramática; Lula e Bolsonaro agradecem penhoradamente

Tudo já caminhava para a anulação das condenações e o resgate da elegibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para 2022, mas o ministro Edson Fachin arranjou um atalho e chegou direto lá. E justamente no dia em que o presidente Jair Bolsonaro reclamou, enigmático, que “alguns estão se excedendo”. Ganha Lula, de volta ao palanque, ganha Bolsonaro, com o pretexto e o desvio do foco na pandemia, e ganha, enfim, a polarização que tantos prejuízos causa ao País. 

“Eu quero paz, tranquilidade, democracia, respeito às instituições, mas... alguns estão se excedendo”, disse Bolsonaro depois de falar no “meu Exército” e horas antes da decisão monocrática de Fachin. Referia-se a outras questões, como lockdown e toque de recolher na pandemia, e a ameaça velada era a outros atores, como governadores e prefeitos. Mas a decisão de Fachin pode servir de pretexto... 

Indiretamente, isso remete à “advertência” do então comandante do Exército, generaEduardo Villas Bôas, na véspera de uma decisão do mesmo Supremo sobre a prisão do mesmo Lula. Mas com uma diferença: em 2018, Lula era forte e o objetivo era tirá-lo do páreo para a Presidência; para 2022, o Planalto considera Lula o melhor adversário para Bolsonaro. 

Centro avalia que Lula enfraquece ideia de frente ampla para 2022

Congressistas consideram que retomada de polarização beneficia tanto Lula como Bolsonaro

Danielle Brant, Renato Machado e Gustavo Uribe / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A decisão do ministro Edson Fachin (Supremo Tribunal Federal) de anular os processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e restaurar seus direitos políticos foi recebida com preocupação por líderes de partidos de centro.

A avaliação tanto de deputados como de senadores é de que uma candidatura do petista enfraquece a formação de uma frente ampla contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para as eleições presidenciais de 2022.

O diagnóstico é de que uma disputa entre Lula e Bolsonaro tende a retomar a polarização política de 2018, deixando pouco espaço para o fortalecimento de uma terceira via.

Nesta segunda-feira (8), Fachin concedeu habeas corpus para declarar a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar quatro processos que envolvem Lula –o do tríplex, o do sítio de Atibaia, o de compra de um terreno para o Instituto Lula e o de doações para o mesmo instituto.

O ex-presidente está, portanto, com os direitos políticos recuperados e pode se candidatar a presidente em 2022. Segundo líderes petistas, Lula ainda não tomou uma decisão formal, mas já demonstrou disposição em tentar retornar ao comando do Palácio do Planalto.

Defensor da frente ampla para 2022, o ex-presidente da Câmara dos Deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) observa que Lula e Bolsonaro são posições fortes na política nacional e que caberá aos partidos de centro contruir um projeto.

 “O que cabe agora para aqueles que se opõem ao PT e ao Bolsonaro que consigam construir um projeto de centro viável e que tenha chance de fazer o debate e o enfrentamento político com as duas posições mais fortes da política nacional", disse.

O líder do MDB no Senado Federal, Eduardo Braga (MDB-AM), acredita que ainda deve haver novos desdobramentos na tramitação do processo na justiça federal no Distrito Federal, por isso ainda é cedo para tratar da candidatura de Lula.

No entanto, Braga acredita que participação do petista não necessariamente fará solapar uma frente contra Bolsonaro, uma vez que ele duvida da possibilidade de haver a formação de uma grande aliança política já no primeiro turno da eleição de 2022.

Hélio Schwartsman - Fachin tenta salvar a Lava Jato

- Folha de S. Paulo

A corrupção mostrada pela operação precisa ser julgada pelo processo legal

Ao anular processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e devolver-lhe os direitos políticos, o ministro do STF Edson Fachin tenta salvar o que for possível da Lava Jato. É um caso clássico de entregar os anéis para não perder os dedos.

Se a decisão de Fachin se mantiver, não há mais razão para o Supremo julgar a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro em relação a Lula. Evita-se assim que se abram comportas que poderiam levar à anulação de várias condenações de vários réus. A decisão permite até que os casos do tríplex no Guarujá e do sítio em Atibaia sejam julgados de novo, mas agora pela Justiça Federal de Brasília.

Objetivamente, o que Fachin fez foi acatar pedido da defesa para considerar a Justiça Federal de Curitiba incompetente para julgar os casos de Lula. Esse sempre foi o melhor argumento jurídico do ex-presidente.

O deslocamento de processos que corriam em São Paulo para as mãos de Moro sempre me pareceu forçado.

Alvaro Costa e Silva - Bolsonaristão

- Folha de S. Paulo

Instituições se deixam contaminar por políticas favoráveis ao presidente

Não é só a Covid. A bolsonarização também avança no país. Segue o último boletim com os sintomas da doença:

Na compra da mansão de R$ 6 milhões no Lago Sul, bairro nobre de Brasília, rolou um ménage à trois: a juíza que ajudou a fazer um parecer a favor do senador Flávio Bolsonaro no caso das rachadinhas, no Superior Tribunal de Justiça, é namorada do ex-dono do imóvel negociado com o filho 01. No Rio, o Ministério Público dissolveu o grupo que investigava Flávio e o vereador Carlos Bolsonaro em esquemas de corrupção. Em outra mudança, a promotora Carmen Eliza Bastos de Carvalho, bolsonarista de vestir a camisa, foi transferida para o inquérito sobre lavagem de dinheiro que envolve o senador.

Joel Pinheiro da Fonseca – Na beira do precipício

- Folha de S. Paulo

Estamos tão viciados na dicotomia Bolsonaro-PT que não largamos dela

Em breve descobriremos se a decisão do ministro Fachin de anular quatro processos contra Lula por um erro de jurisdição (que já tinha sido discutido no passado) veio a favor ou contra Lula, a favor ou contra Moro, para salvar ou matar a Lava Jato.

Tudo está em aberto, a depender da velocidade do tribunal do Distrito Federal e da segunda instância. Se os julgamentos demorarem, a vitória é de Lula, que concorrerá em 2022. Se forem rápidos, Lula voltará a ser ficha-suja, dessa vez sem a esperança de uma reversão graças à suspeição de Sergio Moro. Uma decisão judicial deveria ser completamente alheia à política. Mas a instabilidade, arbitrariedade e casuísmo das decisões no Brasil obrigam que a gente as interprete apenas dessa maneira.

Seja como for, essa reviravolta monocrática, ainda que coloque tudo de volta no mesmo lugar, reacendeu nos corações e mentes aquela suspeita chata, que buscamos afastar e que, como uma mosca, se recusa a ir embora: a de que, em 2022, ficaremos entre Bolsonaro e PT.

Rubens Glezer* - Decisão jurídica de Fachin é simples, mas resta saber por que foi tomada agora

- Folha de S. Paulo

Anulação não realiza juízo sobre Lula, Moro ou a presença ou ausência de provas no processo

Por mais complexa que seja a elegibilidade de Lula sob a perspectiva política, a decisão que anulou as condenações do petista na Operação Lava Jato é bastante simples do ponto de vista jurídico.

Essa ambiguidade é central para entender a perplexidade que ela promove. Ela não realiza nenhum juízo sobre Lula ser culpado ou inocente, sobre a imparcialidade ou parcialidade de Sergio Moro ou sobre a presença ou ausência de provas no processo. Trata-se de algo muito mais objetivo. O argumento é que Lula só poderia ser julgado pela Lava Jato de Curitiba se suas ações tivessem alguma relação direta com o que era investigado pela Lava Jato.

Esse é um pilar essencial do Estado democrático de Direito: ninguém pode escolher o juiz que lhe julgará e nenhum juiz pode escolher quem quer julgar. Na linguagem jurídica, essa orientação é chamada de “princípio do juiz natural”. É um mecanismo para coibir tanto a corrupção de juízes quanto a perseguição por parte dos magistrados. Como regra, as ações são julgadas por processos aleatórios de sorteio e distribuição.

Cristovam Buarque* - Sequestradores sonsos e tolos

- Correio Braziliense

Convencionou-se dizer que “crianças abandonam a escola”, quando o certo seria dizer que elas são “arrancadas da escola”, por um conjunto de forças: pobreza da família, inospitalidade dos prédios, descontinuidade por interrupção das aulas, desmotivação familiar ou dos professores, equipamentos obsoletos, métodos ultrapassados, falta de perspectiva de futuro, merenda ruim, desincentivo ao estudo. Tudo se passa como se o Brasil conspirasse para sequestrar as crianças para fora da escola. Isto acontecia no século XIX, nos Estados Unidos, contra as crianças negras.

Por quase um século, aquele país foi dividido entre estados escravocratas no Sul e abolicionistas no Norte, com permanente fuga de escravos em busca da liberdade do outro lado da fronteira. Havia rede de apoio aos fugitivos, da mesma forma que havia redes de políticos, advogados, policiais, que agiam no sentido contrário, sequestrando afro-americanos no Norte para levá-los de volta ao Sul. O “Clube do Sequestro”, como ficou chamado o mecanismo que fazia este processo, tinha agentes que retiravam crianças negras das escolas, e as levavam para juízes que autorizavam o envio para seus senhores, no Sul.

Ao conhecer a maldade destes sequestradores organizados, percebe-se que isto é feito no século XXI com nossas crianças que abandonam a escola e caem na escravidão que aprisiona e devora os sem educação. No Brasil não é necessário “Clube de Sequestro”, porque as condições sociais e educacionais forçam as crianças a abandonar a escola. Agimos como o “Clube do Sequestro” norte-americano, levando estas crianças à escravidão do desemprego, baixos salários, despreparo para enfrentar e usufruir do mundo moderno.

Carlos Andreazza - O mundo real se impõe (de novo)

- O Globo

Todo mundo viu o último chilique de Bolsonaro, na quinta-feira, 4 de março. Faz e avança — abrigando crimes de responsabilidade em seus pitis — porque nunca formalmente cobrado. Dirá um otimista — para quem o mito seria somente um fanfarrão — que ele estica a corda para logo soltá-la. Sim. Mas estará nosso tecido social — em tão esgarçada circunstância, sob a tensão de um espírito do tempo autoritário — com fibras para essa sucessão de estresses? O cético acrescentará que, uma vez relaxada, a corda nunca volta ao viço anterior; o fanfarrão — um populista autocrático cujos ataques influem — ganhando terreno, adiantando seus danieis-silveiras, sobre o chão da ordem política.

Tem sido assim há dois anos. E o homem vai à vontade. No último dia 6, fez um ano desde que afirmou ter provas de que a eleição de 2018 fora fraudada. Um investimento, de natureza golpista, contra o sistema eleitoral. E também um teste da disposição de Supremo e Congresso à acomodação. Omissas as instituições, captou o recado: convite a que comparecesse a uma manifestação que alvejaria STF e Congresso.

O faniquito da última quinta, como os outros, foi autorizado pela covardia institucional. Outros virão. Cada um com suas razões. A da semana passada, uma obviedade. Fôramos informados de que Flávio Bolsonaro — beneficiado por um financiamento que transformara banco em pai — havia comprado a mansão de R$ 6 milhões. O show do presidente pretendeu desconcentrar as atenções. Mas teve motivações adicionais. Todas derivadas de nova leva de imposições do mundo real sobre o discurso bolsonarista. (Há um ano, Bolsonaro projetava em 800 o número de brasileiros a morrer pela peste; e Guedes falava em domá-la com R$ 5 bilhões).

Míriam Leitão - As reviravoltas da terra redonda

- O Globo

O terremoto Fachin terá muitos efeitos secundários, mas começou mudando o dia de ontem. Havia amanhecido um tempo ruim para o presidente Bolsonaro, com o pacto entre governadores deixando claro que a sua inépcia agravava a tragédia da pandemia. No fim do dia, abrigado num guarda-chuva, Bolsonaro falou longamente sobre variados assuntos, reclamou até da alta do dólar provocada pela decisão que beneficiou o ex-presidente Lula. “A bolsa foi lá pra baixo, o dólar lá pra cima. Todos nós sofremos com uma decisão como essa”. Nos dias anteriores, o dólar subiu e a bolsa despencou por causa dele, Bolsonaro.

Um dos primeiros efeitos da decisão de Fachin de anular tudo o que foi decidido a partir da 13ª Vara Federal de Curitiba sobre Lula é mudar o cenário para a eleição de 2022, com Lula elegível. Outra consequência é que réus como o ex-governador Sérgio Cabral e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha podem vir a se beneficiar da reviravolta. Todos que não forem diretamente ligados à Petrobras podem questionar seus processos. Cabral foi condenado pela Calicute e julgado pela 7ª Vara, no Rio, mas um ministro do Supremo me disse que, a partir de agora, tudo tem chance de ser revisto.

Merval Pereira - A suprema guerra

- O Globo

O debate político desde a divulgação pelo “Intercept Brasil” das conversas entre os procuradores de Curitiba e deles com o então juiz Sergio Moro, fruto da invasão por hackers de aplicativos de mensagem de autoridades em Brasília, desenvolveu-se entre os favoráveis ou contrários à Operação Lava-Jato, no meio político e também no Supremo Tribunal Federal (STF).

Embora as conversas não possam servir como prova, pois conseguidas de maneira ilegal, elas foram divulgadas amplamente, mesmo com a autorização do Supremo, e certamente influenciaram a mudança do ambiente político. Essa guerra de narrativas encontrou na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) sua representação nas pessoas dos ministros Gilmar Mendes, contrário, e Edson Fachin, favorável.

O que aconteceu ontem foi apenas mais uma etapa dessa disputa, que pode ter hoje, na reunião da Segunda Turma, seu prosseguimento. O ministro Gilmar Mendes estaria disposto a levar para o plenário da Turma a questão da parcialidade de Sergio Moro e provavelmente ganharia, pois, com a chegada do ministro Nunes Marques, a maioria contra a Lava-Jato ficou fixada antes mesmo de qualquer julgamento.

Vera Magalhães - Lava Jato vira letra morta, e 2018 parte 2 é logo ali

- O Globo

08/03/2021 • 16:15

A inesperada decisão do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, que anulou todas as condenações do ex-presidente Lula faz da Lava Jato letra morta e abre um caminho para que as eleições presidenciais de 2022 sejam um repeteco de 2018, com a polarização entre Jair Bolsonaro e Lula, desta vez sem intermediário.

Para além da discussão sobre se havia ou não provas para condenar Lula nos casos do triplex no Guarujá e do sítio em Atibaia, a decisão de Fachin é uma excrescência jurídica e institucional. Ele percebeu quatro anos depois de ser designado relator que a 13ª Vara Federal de Curitiba não era o foro adequado para julgar Lula não em um ou dois processos, mas em quatro?

Foram várias as vezes em que, em diferentes processos, o STF se debruçou sobre a questão da jurisdição de Curitiba na Lava Jato. Ficou decidido que tudo que tivesse conexão com a Petrobras ficaria lá. Nos casos de Lula, o Ministério Público Federal fez a conexão nas denúncias, os juízes de primeira instância a reconheceram e o tribunal de segunda instância, o TRF da 4ª Região, chancelou as decisões (em dois dos casos).

César Felício - Lula está de volta ao jogo

- Valor Econômico

Anulação das condenações do petista, em tese, poderia ser comemorada pelo presidente Jair Bolsonaro

08/03/2021 16h30  

A decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na 13ª Vara Federal recoloca o petista na vida pública, deve levá-lo à sexta candidatura presidencial em 2022 e, em tese, poderia ser comemorada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Ficaria desde já praticamente definido o segundo turno da eleição. Lula, com alta rejeição, concorrendo virtualmente sem alianças. Bolsonaro, com alta rejeição e a sustentação do centrão, por conveniência política, e do mercado, por exclusão.

Nestas circunstâncias - a da eleição se converter em um duelo de rejeições - Bolsonaro tem mais margem de manobra, por contar com todo o instrumental disponível a um presidente candidato à reeleição.

A carreira política de Lula é tão longa que o ex-presidente já encarnou vários papéis. Ele já foi o artífice do aliancismo, em 2002 e 2006, quando se compôs com setores do empresariado e da política presidencial. Já teve uma aliança limitada à esquerda, em 1998, quando Leonel Brizola se rendeu a ser vice em sua chapa. Caprichou na veia messiânica em 1994, antes de ser atropelado pelo Plano Real e por Fernando Henrique como a solução de todos os males do país. E viveu a fase radical em 1989, na sua primeira tentativa.

Música | Cacique - Elisa e Lia - Choro das 3

 

Poesia | Vinicius de Moraes -Soneto de Fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.