sábado, 7 de maio de 2016

Opinião do dia – Alberto Aggio*

As encruzilhadas da História brasileira invariavelmente encontraram soluções sustentadas pela “via autoritária”. Pode ser que esta seja a primeira vez que estejamos enfrentando um impasse condicionado e determinado pela democracia, que já é, entre nós, uma experiência concreta em termos constitucionais e institucionais, embora nos falte um lastro maior de cultura política democrática.

A insistência na falácia do golpe, com o seu vitimismo, sua artificialidade e suas ameaças, atua no sentido de enfraquecer e virtualmente bloquear a democracia. Desmistificar as falácias do petismo e superar a “herança maldita” do governo Dilma assumem hoje o mesmo significado.
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*Alberto Aggio é historiador e professor titular da Unesp. ‘As falácias vão ficando pelo caminho’, O Estado de S. Paulo, 7/5/2016

Impeachment avança, e Dilma usa tom de despedida

• Comissão do Senado aprova relatório pelo afastamento da presidente por 15 a 5

Sessão que deve decidir a saída temporária da petista ocorrerá na próxima quarta-feira, e a oposição tem nove votos além do necessário; ‘meu coração vai ficar partido’, diz ela, resignada, em evento em Pernambuco

A comissão especial do impeachment no Senado aprovou ontem, por 15 votos a 5 e uma abstenção, o relatório do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) que pede o afastamento e posterior julgamento da presidente Dilma por crime de responsabilidade. Na próxima quartafeira, o parecer será votado pelo plenário. Se aprovado, Dilma será afastada, e o vice Michel Temer assumirá. Já há 50 votos declarados pelo afastamento, nove a mais do que o necessário. Nos bastidores, governistas descartam qualquer chance de virada. Em Pernambuco, a própria Dilma adotou um tom de despedida. “Meu coração vai ficar partido porque é uma grande injustiça”, disse. A presidente, porém, afirmou que lutará nos 180 dias em que deve ficar afastada e que “não vai para debaixo do tapete”. A sessão decisiva pode durar 20 horas.

A um passo da saída

• Comissão do Senado aprova parecer por afastamento de Dilma; aliados já não acreditam em virada

Eduardo Bresciani e Cristiane Jungblut - O Globo

BRASÍLIA - A comissão especial do impeachment no Senado aprovou ontem a aceitação do processo contra a presidente Dilma Rousseff por 15 votos a 5. O parecer de Antonio Anastasia (PSDB-MG) seguirá agora para o plenário do Senado e deve ser votado na próxima quartafeira, dia 11. Nos bastidores, aliados da própria presidente Dilma não acreditam numa virada no plenário. Dos 81 senadores, 50 já declararam voto pela admissibilidade, o que levará ao afastamento de Dilma por até 180 dias para que a Casa conclua o julgamento. A notificação e o consequente afastamento da presidente devem ocorrer entre os dias 12 e 13.

O parecer afirma que Dilma cometeu crime de responsabilidade ao editar decretos de crédito suplementar sem autorização prévia do Congresso e pelas “pedaladas fiscais”, atrasos em pagamentos do Tesouro ao Banco do Brasil para pagar despesas do Plano Safra de 2015 e, com isso, maquiar o resultados das contas públicas.

A sessão de votação foi a mais curta das nove realizadas nessa fase. Foram menos de três horas para consumar o placar que já era anunciado desde o início da tramitação no Senado, há duas semanas, com as declarações de voto feitas pelos senadores. Presidente interino do PMDB, o senador Romero Jucá (RR), um dos principais aliados do vice Michel Temer, fez questão de passar pelo local para verificar se o que estava previsto se consumaria.

Depois de exaustivas reuniões de até 12 horas, a sessão foi rápida, mas nem por isso o clima tenso ficou de fora. O presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), chegou a interromper a sessão e pedir a troca da campainha, que estava com defeito. A campainha é sempre acionada para conter os ânimos exaltados.

— Vou suspender por cinco minutos, enquanto trocam essa campainha, que não está à altura deste momento histórico — disse Lira, irônico.

Antes da votação, feita por sistema eletrônico, os líderes partidários puderam discursar. Ronaldo Caiado (DEM-GO) afirmou que a comissão cumpriu seu papel:

— Estamos encerrando hoje a primeira etapa, mostrando que a presidente teve amplo direito de defesa e com um relatório com indícios claros de materialidade.

Décima a falar como líder, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) foi a primeira a defender Dilma. Afirmou que as acusações contra a presidente não são suficientes para lhe retirar o mandato:

— É como se fossemos penalizar uma infração de trânsito com pena de morte. É isso que estamos fazendo aqui. Diante da fragilidade das acusações é que se fala a todo momento em conjunto da obra.

O líder do governo no Senado, Humberto Costa (PT-PE), disse que o processo de impeachment está viciado e tem as “digitais” de Eduardo Cunha:

— Estamos hoje num momento muito difícil, em torno de um processo absolutamente viciado pelo desvio de poder praticado pelo ex-presidente Eduardo Cunha, pelo seu desejo de vingança. Será que estaríamos aqui se Eduardo Cunha tivesse sido defenestrado antes? Não! Esse processo tem a digital de Eduardo Cunha.

O relator fez agradecimentos e falou sobre os ataques que recebeu nas últimas semanas:

— Sabia que teria muitos ataques. Aqueles frutos do debate político fazem parte do nosso trabalho, da discussão do Parlamento. Aqueles de ordem pessoal, eu os repilo veemente por serem insignificantes, desprezíveis e resultado de mau caratismo — afirmou Anastasia.

O presidente da comissão ressaltou que o regimento não lhe permitiria registrar sua posição, que só seria necessária em caso de empate. E defendeu a decisão de abrir debates nessa fase, o que não era previsto no rito.

— Foi muito bom termos ouvido os dois lados. Assim, as possibilidades de judicialização são mínimas — avaliou Raimundo Lira.

Depois da sessão, o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), disse que haverá um placar ainda mais folgado na votação de quartafeira. A abertura do processo e o consequente afastamento só precisam ser aprovados por maioria simples, ou seja, 41 votos dos 81 senadores, se todos estiverem presentes.

— Esperamos ter no plenário 52 ou até 54 votos. A decisão de hoje (ontem) foi correta. A presidente cometeu os erros e perderá o mandato por isso — disse o senador tucano.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), já tomou algumas decisões para a votação do processo no plenário. Os 81 senadores terão 15 minutos para falar ao longo dos debates, o que pode arrastar a sessão por mais de 20 horas. A votação será no painel eletrônico, para evitar o festival de declarações citando familiares que ocorreu na Câmara. A previsão é que a sessão termine na madrugada do dia 12 e que, se o processo for aberto, Dilma seja notificada no dia 13.

Comissão do Senado aprova abertura de processo de impeachment de Dilma

Mariana Haubert, Leandro Colon e Débora Álvares – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A comissão especial do Senado aprovou nesta sexta-feira (6) o relatório a favor do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Foram 15 votos a favor e cinco contrários ao parecer do relator, o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que aponta a existência de elementos suficientes para a petista ser afastada e julgada por crime de responsabilidade. O presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), não votou sob a alegação de que, pelo regimento, só deveria se manifestar em caso de empate.

O resultado era previsível diante da minoria governista de apenas cinco membros no colegiado. Durante os trabalhos, autores da denúncia e a defesa de Dilma foram ouvidos, além de especialistas a favor ou contra o impeachment.

A votação foi eletrônica, mas antes os líderes puderam se posicionar. "O impeachment é um remédio amargo para punir o mau governante com seu afastamento", afirmou o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), pela oposição.

A petista Gleisi Hoffmann (PR) rebateu: os que votam a favor, segundo ela, são "golpistas da Constituição". Discurso seguido pelo líder do governo, Humberto Costa (PT-PE). "Não há crime cometido pela presidente. O relator teve que se armar de uma lupa, fazer contorcionismo jurídico", afirmou.

A presidente Dilma é acusada de editar, em 2015, decretos de créditos suplementares sem aval do Congresso e de usar dinheiro de bancos federais em programas do Tesouro, as chamadas "pedaladas fiscais".

Agora, o caso vai ao plenário do Senado na próxima quarta (11). São necessários os votos da maioria dos presentes na sessão para que o relatório seja aprovado e Dilma afastada por até 180 dias. Até agora, 51 dos 81 senadores já se manifestaram a favor da abertura do processo, conforme levantamento da Folha.

Confirmado o resultado em plenário, o próximo passo é o processo contra Dilma. Nesta etapa, exige-se o mínimo de 54 votos para afastá-la definitivamente do cargo - até agora, 41 declararam voto neste sentido.

Em nome da bancada do PMDB, partido do vice Michel Temer, o senador Waldemir Moka (MS) defendeu o parecer de Anastasia na comissão especial. "Não nos cabe outra alternativa a não ser votar pela abertura do processo", disse.

Como nos demais dias de comissão, deputados favoráveis ao afastamento da presidente apareceram para assistir aos trabalhos. A abertura do processo foi aprovada na Câmara, no dia 17 de abril, com 367 votos.

Sóstenes Cavalcante (PSD-RJ) e Marcos Rogério (DEM-RO) estiveram no colegiado e gravaram vídeos. Um dos principais articuladores do impeachment, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que deve ser ministro do Planejamento de um eventual governo de Temer, também compareceu.

Por 15 votos a 5, comissão do Senado aprova relatório pelo impeachment de Dilma

• Admissão do processo segue para o plenário, que deve decidir na quarta-feira, 11, se a presidente será afastada

Eduardo Rodrigues, Luísa Martins e Isabela Bonfim - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A Comissão Especial do Impeachment no Senado aprovou no começo da tarde desta sexta-feira, 6, o parecer do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) pela admissibilidade do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. A aprovação aconteceu pelo placar já esperado de 15 votos a favor e 5 contrários, além da abstenção do presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), que só votaria em caso de empate.

A admissão do processo de impeachment contra Dilma vai agora ao plenário do Senado. A expectativa é de que a peça seja lida na segunda-feira, 9, com a votação pelos senadores na quarta-feira, 11 - são necessários 41 votos para a aprovação.
Se aprovada também no plenário do Senado, Dilma será afastada do cargo por até 180 dias, até o julgamento do mérito do processo pela Casa.

Neste período, o vice-presidente Michel Temer assume o comando do Poder Executivo e poderá montar o seu governo, indicando novos ministros e outros cargos.

A Comissão Especial do Impeachment do Senado continua o seu trabalho, desta vez analisando o mérito do processo de impeachment e a culpa ou não da presidente da República. A previsão é que o julgamento final de Dilma Rousseff aconteça por volta de setembro.

Veja como votaram os senadores da comissão:

Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP): SIM
Ana Amélia (PP-RS): SIM
Antonio Anastasia (PSDB-MG): SIM
Cássio Cunha Lima (PSDB-PB): SIM
Dário Berger (PMDB-SC): SIM
Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE): SIM
Gladson Cameli (PP-AC): SIM
Gleisi Hoffmann (PT-PR): NÃO
Helio José (PMDB-DF): SIM
José Medeiros (PSD-MT): SIM
José Pimentel (PT-CE): NÃO
Lindbergh Farias (PT-RJ): NÃO
Raimundo Lira (PMDB-PB) - presidente, não votou
Romário (PSB-RJ): SIM
Ronaldo Caiado (DEM-GO): SIM
Simone Tebet (PMDB-MS): SIM
Telmário Mota (PDT-RR): NÃO
Vanessa Grazziotin (PC do B-AM): NÃO
Waldemir Moka (PMDB-MS): SIM
Wellington Fagundes (PR-MT): SIM
Zeze Perrella (PTB-MG): SIM

Temer convida Tasso Jereissati para assumir Ministério do Desenvolvimento

• Senador faz parte do grupo mais próximo do presidente nacional do PSDB, Aécio Neves, que tem ressaltado nos últimos dias que não indicaria nenhum dos quadros para compor um eventual novo governo

Erich Decat - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Na reta final da montagem de um eventual novo governo, o vice-presidente, Michel Temer, convidou o vice-presidente do PSDB e senador Tasso Jereissati (CE) para assumir o Ministério de Desenvolvimento, Industria e Comércio Exterior (MDIC).

A possibilidade de Tasso ir para MDIC pode atrapalhar, contudo, os planos do senador José Serra (PSDB-SP) que deverá assumir a pasta de Relações Exteriores. Nas negociações preliminares com Temer chegou-se a ser discutida a possibilidade de se transferir as funções de comércio exterior do MDIC para o Itamaraty. Já a formulação da política industrial passaria para o ministério do Planejamento, previsto para ser comandado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR). O desenho, no entanto, ainda não foi fechado por Temer.

Além dos senadores Tasso Jereissati e José Serra, o deputado Bruno Araújo (PSDB-PE) também deverá fazer parte da nova equipe ministerial, comandando a pasta das Cidades, que no governo Dilma estava nas mãos do PSD.

Presidente do PMDB diz que Dilma "pedalou" para conceder reajuste do Bolsa Família

• Para Romero Jucá (RR), a presidente "inventou" uma receita para justificar o aumento do programa, anunciado no Dia do Trabalho, 1º de maio

Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente em exercício do PMDB, senador Romero Jucá (RR), acusou há pouco, em entrevista exclusiva ao Broadcast, a presidente Dilma Rousseff de "pedalar" para conceder o reajuste do Bolsa Família às vésperas de um provável afastamento dela por decisão do Senado no pedido de impeachment. Para Jucá, a presidente "inventou" uma receita para justificar o aumento do programa, anunciado por Dilma no Dia do Trabalho, 1º de maio e publicado hoje em decreto no Diário Oficial da União.

"É uma bondade para fazer uma onda, mas é uma maldade com as contas públicas. Agrava o déficit. Ela continua pedalando", criticou Jucá, cotado para assumir o Ministério do Planejamento no eventual governo Michel Temer.

Presidente nacional do PMDB, Romero JucáDe acordo com o decreto, o repasse do valor básico mensal para famílias em situação de extrema pobreza sobe de R$ 77 para R$ 82. Os outros benefícios passam de R$ 35 para R$ 38 e de R$ 42 para R$ 45. O documento não cita a data de vigência dos novos valores, o que deverá ser definido em ato posterior dos três ministérios. Mas a previsão é que o aumento comece a valer em junho, conforme Dilma anunciou. Segundo o governo, o custo desse aumento já estava previsto no Orçamento deste ano.

O senador do PMDB afirmou que o governo pretende se valer de uma receita de arrecadação incerta com a elevação do Imposto sobre Operação Financeiras (IOF). Um dia após o anúncio de Dilma, o governo baixou um decreto com a elevação do IOF para compra de moeda estrangeira à vista, com impacto estimado em R$ 1,4 bilhão este ano - o aumento do Bolsa seria de R$ 1 bilhão em 2016.

Jucá, que é economista, disse que o efeito poderá ser o inverso do previsto, ou seja, queda de receita. "O aumento de IOF não é elástico, você não aumenta o IOF e vai dizer que vai arrecadar aquilo", disse. "Então quem ia tirar o empréstimo com o IOF menor, ao ter um IOF maior, além de não tirar o empréstimo e não pagar a diferença, não vai pagar o que era antes. Você pode ter até queda de receita, o resultado pode ser o inverso do que o governo propôs", completou.

Questionado se o eventual governo Temer vai revisar o aumento do Bolsa Família, Jucá disse que não vai se antecipar. "Ela inventou essa receita para dizer que era uma operação neutra. Não é uma operação neutra porque não é um aumento sustentável", criticou.

Entrevista. Marcos Nobre, filósofo e professor da Unicamp

‘PMDB só consegue unidade na economia’

• Para estudioso do partido e das relações entre governo e Congresso, Temer dificilmente conseguirá traçar coesão entre outras políticas do governo

Marianna Holanda - O Estado de S. Paulo

Um dos maiores estudiosos do PMDB, o filósofo e professor da Unicamp Marcos Nobre acredita que o único consenso que haverá no governo Michel Temer será a política econômica, personalizada por Henrique Meirelles. Todas as demais políticas, segundo ele, serão “feudalizadas”. Nobre também avalia que o fracasso do governo Dilma Rousseff pode ser explicado por uma tentativa de reformar o capitalismo brasileiro de forma tecnocrática, ou seja, sem buscar apoio político ou da sociedade.

• Com o iminente afastamento de Dilma, qual sua análise do PT no poder?

O governo Temer é um governo de restauração de um modelo de funcionamento do sistema político que funcionou desde o Plano Real, em 1994. Teve um momento de dificuldade na transição de Fernando Henrique Cardoso para Lula, mas depois retomou seu formato de megacoalizões. Ele foi inviabilizado no governo Dilma, que não conseguiu levar adiante esse modelo. Temer restaura o que foi o sistema político de FHC e Lula com uma diferença importante. Esse esquema das megamaiorias parlamentares funcionava porque você tinha um partido líder, especializado em dirigir a grande coalizão, e tinha partidos que apenas faziam parte da coalizão e dividiam os recursos de governo. Hoje há uma crise nos partidos líderes. O PT está sendo objeto de uma demonização, de confundir o partido com tudo que há de errado na política brasileira, uma tática que não vai funcionar muito tempo, mas que vai abater o partido. E o PSDB não consegue ter unidade, está saturado a tal ponto que não consegue mais funcionar como partido. O PMDB, por definição, não é um partido líder. Pra você ser um partido líder, você precisa ter unidade de ação, precisa dizer a essa megacoalizão qual é o rumo a seguir. E isso você não tem. O governo Temer é um governo que vai dar poder ao Henrique Meirelles e à equipe econômica para fazer o que é necessário, ao mesmo tempo em que o resto das políticas não vai ter qualquer unidade visível.

• O sr. diz políticas sociais?

Não é só política social. A política por exemplo de transporte, qual vai ser? E a política educacional? Esse tipo de unidade que o partido líder confere… No caso do Lula e do PT, o discurso foi: “olha, esse aqui é um governo que tem a marca social”. No caso do FHC, foi outra coisa: “Temos que estabilizar esse País para que ele tenha uma moeda, para que seja possível depois fazer as outras tarefas”. Veja, tem a ideia de que você tem certo plano de governo e que as ações individuais estão todas concatenadas e têm um sentido. No governo Temer a única coisa que vai ter unidade vai ser a política econômica. Todo o resto vai ser controlado, feudalizado.

• O sr. falou em restauração de um modelo, que começou com FHC e seguiu com o PT. Que continuidade foi essa?

Esse modelo político tem como característica a produção de megamaioria de apoio. Você produz um apoio no parlamento que é esmagador, uma base que tem 400 deputados, que tem 50, 60 senadores. E isso é uma coisa que foi instalada desde o governo Fernando Henrique. Isso significa que quase todos os partidos, no limite, estão no governo.

• Um supercentro?

Se quiser chamar de centrão, pode chamar. Porque foi o primeiro modelo que apareceu, na Constituinte. É o modelo do que foi realizado a partir de 1994. Ele significa o seguinte: a unidade do governo é precária, porque pra ter uma base desse tamanho de apoio você precisa ser menos coeso do ponto de vista das políticas que vai desenvolver. Agora, esses partidos líderes, PT e PSDB, líderes desse condomínio que eu chamo de condomínio pemedebista, eles são os síndicos desse condomínio. Eles tinham essa capacidade de conseguir estabelecer alguma unidade. O PMDB não tem essa capacidade nem pode ter, porque o PMDB é uma empresa de venda de apoio parlamentar. Ele se especializou nisso, ele não se especializou em ser um partido líder, uma locomotiva.

• Em entrevista recente, o sr. falou que o pemedebismo estaria em declínio. Mas é a terceira vez que o PMDB vai chegar à presidência de forma indireta. Não seria um auge da pemedebização?

Normalmente, na filosofia, a gente costuma dizer que o ponto mais alto é o ponto em que começa o declive. Então não tem contradição. Claro que o pemedebismo pode se reformar, se transformar em outra coisa a partir das eleições deste ano e de 2018. Mas o PMDB tem um problema muito grave: ele é dividido estruturalmente, ele sempre teve pelo menos dois grandes grupos, e um acordo interno para que um não sufoque o outro. Acontece que, para você ter alguma unidade de governo, precisa ter uma unidade de ação dentro do partido. Produzir essa unidade é fraturar o PMDB. Então pegue o exemplo do governo Sarney. O que aconteceu com o PMDB depois do governo Sarney? Ficou esfacelado. Depois se recuperou, mas levou um tempo. Pode ser que ele se transforme em alguma coisa, pode ser que mude. Mas ele está diante de uma tarefa que não tem como realizar.

Qual seria?

A de dar unidade para o governo, dizer que existe um conjunto de políticas, não só econômicas. As políticas de governo tem uma certa coerência, um sentido de futuro, de projeto. O PMDB não tem capacidade de produzir isso.

• Ainda é possível falar em lulismo?

O lulismo, pra mim, é uma figura determinada do pemedebismo, dessa produção de megamaiorias. É como se você tivesse um conjunto de vagões que são sempre os mesmos e o que você decide quando vota é qual vai ser a locomotiva, pra que lado esses vagões vão ser puxados. Com o mensalão, o fantasma do impeachment no horizonte, o governo Lula aderiu a esse maneira de gerenciar o sistema político e reproduziu a megacoalizão. O que o André Singer chama de lulismo, é correta a caracterização. Mas para mim é uma ocupação pela esquerda do pemedebismo.

• Uma pemedebização do PT?

É uma pemedebização petista. Assim como o governo Fernando Henrique foi uma pemedebização tucana.

• Mas o lulismo ainda existe?

Para mim, o lulismo é uma coisa do passado. No sentido de que essa maneira de gerenciar o sistema político ela está em risco, o pemedebismo está em risco. A partir de junho de 2013, ela se torna problemática. Há uma recusa social generalizada dessa maneira de gerenciar o sistema político. Então pode ser que uma coisa semelhante se refaça em 2018, mas eu acho mais difícil.

• Qual o papel do governo Dilma em fazer do lulismo “coisa do passado”?

A especificidade foi um projeto ambicioso do governo Dilma de reformar de cima a baixo o capitalismo brasileiro. E uma maneira de produzir essa reforma que foi tecnocrática. Não foi uma proposta de mudança profunda na maneira de organizar a sociedade, a relação do Estado e a sociedade, a economia. Não foi algo que foi negociado publicamente nem politicamente. Então, se aproveitando desse esquema pemedebista, Dilma viu que havia a possibilidade de dar um passo além do lulismo, da política anticíclica de 2008 que, para mim, não estão direta ou automaticamente ligadas a essa reforma do capitalismo que Dilma propõe a partir de 2011. A Dilma fez um projeto de reintegração do Brasil nessa nova ordem econômica mundial, só que fez dentro de um gabinete. Fez com planilhas. Cercada por um numero muito restrito de pessoas, e não uma negociação ampla, social e política, feita por exemplo durante uma eleição. Pensa por exemplo no Plano Real. O Plano Real foi um enorme acordo político econômico, não foi só técnico. Tanto é que o acordo com o PFL é o outro lado da moeda, literalmente, para poder sustentar isso. E foi objeto de uma eleição. O que aconteceu foi a imposição de um plano tecnocrático. Isso é um elemento decisivo para explicar o fracasso do governo Dilma.

• O sr. faz uma crítica das megacoalizões, mas como se aprova reformas importantes sem essas maiorias?

Uma coisa é você dizer que precisa de uma boa maioria, vamos dizer que é 257 deputados. Então uma maioria folgada seria 290. Isso é diferente de 400, entende? E isso da uma coesão muito maior para o governo. Porque quanto menos inchada é a base mais coesão é o governo.

Você pode dizer o seguinte: “O Fernando Henrique tinha que aprovar reformas constitucionais, e para aprovar precisa de 308 deputados”. Mas será que precisava mesmo? Ou a história da necessidade de aprovação era na verdade uma maneira de você legitimar a construção desse megabloco?. A ideia é que uma reforma constitucional tem que ir além do bloco de apoio do governo. Essa é a lógica de uma reforma constitucional: é aquela que você negocia com a oposição, não é uma reforma que você pode sempre fazer porque sua base é suficiente. A Constituição não é pra ser mudada toda hora.

• Falando especificamente de Lula: ele ainda é a figura mais representativa da esquerda, um “mito”?

Não é mito nem entre aspas. Essa coisa do mito cai no momento em que você vê que a rejeição aumentou, quando tem identificação por uma parcela importante da sociedade que toda a corrupção deve ser associada ao PT, e o PT é Lula. Mas o mais importante é que Lula continua sendo um líder político para uma parcela enorme da população. É claro que ele é a figura mais importante da esquerda no País. A outra questão é se ele vai conseguir, nessa posição de maior líder da esquerda, refazer o campo da esquerda. Acho difícil, muito difícil. Mas ele é uma figura decisiva, uma referencia, não só pra esquerda, para enormes parcelas da população. Basta ver as pesquisas espontâneas de quem foi o melhor presidente da República.

• Lula colocou em xeque a biografia com o episódio de voltar ao governo, mas como ministro de Dilma?

Foi um episódio complicado. Se ele tivesse simplesmente se retirado da política quando saiu do governo, um papel semelhante ao de Fernando Henrique, você se coloca fora do jogo político eleitoral. O Lula nunca saiu do jogo político eleitoral. Ficam algumas questões: ele vai poder ser candidato? Se ele tiver condenação na Justiça em segunda instância, não pode. Se ele for candidato, ele representa a melhor alternativa para esquerda? 2018 vai ser uma eleição em princípio muito aberta, que tem quatro candidatos, digamos, com 15%. Não tem uma concentração grande em nenhum dos candidatos. É possível mesmo que tenha cinco candidatos fortes. Se formos pensar em 1989, teve Collor, Lula, Brizola e Mário Covas. A eleição de 2018 projeta uma característica de 1989.

Com receio de crise, Temer não quer novas eleições na Câmara

Gustavo Uribe, Ranier Bragon e Gabriel Mascarenha – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Com o receio de enfrentar de partida uma crise na base aliada, o vice-presidente Michel Temer decidiu não encampar neste momento movimento por uma nova eleição para a sucessão na Câmara dos Deputados e iniciará aproximação na semana que vem com o presidente Waldir Maranhão (PP-MA).

Segundo a Folha apurou, emissários do peemedebista fizeram chegar ao parlamentar a disposição de um encontro entre os dois logo após a votação no Senado Federal da admissibilidade do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, marcada para quarta-feira (11).

No início da noite desta sexta-feira (6), Maranhão foi à casa do presidente da Câmara afastado, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), gesto visto como mais um passo para uma composição entre o deputado do PP e as forças políticas em torno de Temer.

A equipe do vice-presidente reconhece a falta de estatura política e de preparo administrativo de Maranhão para comandar a Casa. Para ela, o ideal seria eleger um substituto para o parlamentar, mas a prioridade é manter uma base aliada ampla e unida, que consiga aprovar nos dois primeiros meses de um eventual governo interino um pacote de medidas econômicas.

Neste primeiro momento, o vice-presidente não irá interferir na questão e deixará a decisão nas mãos da Câmara dos Deputados. Nas palavras de um aliado do peemedebista, dessa forma, o ônus de uma decisão equivocada não recairia sobre ele.

Na segunda quinzena de junho o plenário da Câmara poderá fazer a votação definitiva sobre se cassa ou não o mandato de Cunha, alvo de processo no Conselho de Ética da Casa. Se o peemedebista perder o mandato, a Câmara tem que realizar novas eleições em até cinco sessões.

Na quinta-feira (5), logo após a decisão pela suspensão do mandato de Cunha, partidos de oposição, como PSDB e DEM, iniciaram movimentação por uma nova eleição, defendendo nos bastidores um nome tucano para o posto.

O PMDB, maior partido da Câmara, reagiu à articulação. A maior parte da bancada peemedebista defende neste momento um mandato-tampão de Maranhão. Caso a Casa inicie movimentação por uma nova eleição, no entanto, a sigla reivindica que seja um nome do partido.

Para o grupo de Temer, uma crise neste momento na base aliada ou a realização de uma eleição para presidente poderia atrasar ou até mesmo inviabilizar a aprovação de propostas que serão sugeridas pelo vice-presidente caso Dilma seja afastada.

O diagnóstico é que, à frente do Palácio do Planalto, o peemedebista terá de apresentar como cartão de visitas mudanças efetivas e uma gestão superior à da petista nos primeiros dois meses de mandato, aproveitando uma espécie de "lua de mel" com o Congresso Nacional.

Nos cálculos do grupo do peemedebista, no período será possível contar com uma base aliada de cerca de 400 deputados federais e 56 senadores, tropa que poderá ser reduzida caso o governo não consiga estabilizar a economia. Para que sejam aprovadas mudanças na Constituição, por exemplo, são necessários pelo menos 308 votos.

O vice-presidente também terá de acelerar a aprovação da alteração da meta fiscal, que teria de ser feita até o dia 22 para evitar a interrupção do pagamento de despesas básicas do governo, como luz e telefone.

Para o caso de votações importantes, que demandem um nome de peso para conduzir a tramitação, aliados do vice-presidente defendem que seja feita uma negociação com Maranhão. Em troca do apoio à sua manutenção, ele aceitaria deixar que o o primeiro-secretário, Beto Mansur (PRB-SP), assuma as sessões legislativas.

Além de ser mais experiente, o deputado do PRB teria mais pulso para presidir o processo. O próprio Mansur disse em reunião com líderes partidários na noite de quinta que a fragilidade política e administrativa de Maranhão não é problema na condução das sessões. "Eu ajudo ele ou toco as sessões", afirmou, de acordo com relatos.

O alívio de se ver livre de um aliado incômodo

Paulo Celso Pereira - O Globo

Em uma de suas frases mais célebres, Tancredo Neves dizia que Presidência da República não é projeto, mas destino. Ao que tudo indica, em uma semana a fortuna deve levar Michel Temer ao Palácio do Planalto. Só que a generosidade dela não se restringe à sua provável ascensão ao mais alto posto da República — para a qual o vice-presidente deu empurrões decisivos. Com a decisão do Supremo Tribunal Federal que sacou Eduardo Cunha da Câmara, Temer se livrou do maior incômodo que enfrentaria na relação diária com o Parlamento.

Na noite da última quartafeira, horas antes de o ministro Teori Zavascki conceder liminar o afastando do mandato e da presidência da Câmara, Eduardo Cunha foi ao Palácio do Jaburu e deu uma amostra de sua capacidade de pressão. Só que, desta vez, a vítima era Temer. Articulando um grupo de pequenos partidos, Cunha pressionava para emplacar um nome do PSC — sobre o qual exerce enorme influência — no Ministério da Previdência. Representantes de Temer lembraram o óbvio: a pasta terá o desafio de nos próximos meses encontrar uma solução para o principal problema das contas públicas brasileiras. Cunha bateu pé, e o clima azedou. Isso antes mesmo de Temer chegar ao Planalto.

Sempre que perguntado a respeito da onipresença de Cunha em sua residência, o vice respondia que o deputado lá aparecia sem ser formalmente convidado e que não seria do seu feitio constranger um correligionário. Mas a relação de Cunha e Temer é bem mais profunda que isso. Cunha sempre foi útil a Temer, e este, ao deputado fluminense.

Como nunca se preocupou com a própria imagem, Cunha auxiliava das sombras nas tarefas, que iam de pressionar abertamente o governo por cargos para seus correligionários até arrecadar recursos para o partido. Nos dois casos, fortalecia a ala do PMDB da Câmara, cujo líder maior é Temer. O vice, por sua vez, emprestava a Cunha o prestígio que faltava ao deputado. Foi em certa medida pela presença de Cunha nas cercanias de Temer — desde os tempos em que este era presidente da Câmara — que o meio político e empresarial do país ficou sabendo da importância do fluminense. Colado ao poder, Cunha também tornou-se poderoso.

Com o avanço da Lava-Jato, a relação utilitária começou a ficar desbalanceada. Temer precisava de Cunha para abrir o impeachment, mas ao mesmo tempo tinha de manter-se distante daquele que se tornara o símbolo da corrupção nacional. Os encontros, antes públicos, passaram a ser muitas vezes reservados. No ano passado, Cunha usou aviões da FAB para ir várias vezes a São Paulo sem agendas oficiais. Perguntado, explicou que eram visitas a Temer.

Agora, com o afastamento, o vice se livra — sem precisar sujar as mãos — de um dos maiores problemas que poderia ter na condução do país. Cunha continuará esperando que Temer o ajude a se salvar. Nos últimos meses, o deputado dizia ter certeza de que o Supremo não o afastaria do cargo. Lembrava, inclusive, que teve papel fundamental para aprovar a PEC da Bengala, que alongou o mandato dos ministros. Quinta-feira, os 11 integrantes do Supremo o mandaram para casa. Em breve, decidirão se o mandam ou não para a cadeia. É fato que Cunha poderia ser útil a Temer na aprovação de matérias de seu governo. Mas o preço tornou-se exorbitante.

Presidente adota em discursos tom de despedida e resignação

• Dilma diz que vai resistir, mas que luta será nos 180 dias de afastamento

Eduardo Barretto - O Globo

Apesar dos duros discursos contra o “golpe” até duas vezes por dia, a presidente Dilma Rousseff adotou um tom de despedida e resignação quanto a seu possível afastamento do Planalto na semana que vem. Dilma tem dito que vai “resistir, resistir e resistir”, mas que o fará no período em que ficar afastada, tentando evitar sua destituição. Ontem, em obra de transposição do Rio São Francisco em Cabrobó (PE), ela afirmou que ficará com o “coração partido” se não estiver na Presidência quando o projeto for concluído.

— Se tiver uma coisa que eu vou ficar muito triste na minha vida é não estar aqui no dia que a dona Maria ou o seu João abrirem a torneira e a água escorrer, e eu não estar aqui para comemorar com vocês — declarou Dilma no começo do discurso na zona rural de Cabrobó, e completou: — Quero dizer que meu coração vai ficar partido. Vai ficar partido porque é uma grande injustiça.

Na noite de quinta-feira, em entrevista à televisão venezuelana Telesur, Dilma disse pela primeira vez que a luta se dará nos 180 dias do afastamento temporário. A presidente foi entrevistada por Erde nesto Villegas, ex-ministro da Comunicação de Hugo Chávez e Nicolas Maduro.

— Acho que temos condição de reverter o processo. A luta está começando e não se esgota nesse primeiro momento. Vamos lutar durante os 180 dias para que o golpe não se concretize, período em que vão julgar o mérito. Vamos lutar para que não seja um golpe definitivo contra a democracia — disse.

Ontem, a presidente disse que não vai “para debaixo do tapete” e que é a “prova da injustiça”, dando a entender que, mesmo afastada, não iria parar enfrentar o impeachment :
— Se eu renunciar, eu iria pra debaixo do tapete. Eu vou ficar aqui brigando. Porque eu sou a prova da injustiça. Eles estão condenando nesse impeachment uma pessoa inocente. E não há nada mais grave do que condenar uma pessoa inocente.

Na atual maratona de cerimônias, Dilma tem recorrido ao expediente de citar feitos seus e do seu antecessor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e criticar o governo de Fernando Henrique Cardoso. Ela também vem afirmando que orgulha-se das escolhas que fez e que privilegiou programas sociais.
Em Pernambuco, estado de Lula, a presidente opôs sua gestão e a do petista ao eventual governo de Michel Temer, sem mencioná-lo diretamente. Nas polarizações que fez, Dilma concentrou-se na parte social. A presidente brincou com a plateia ao ilustrar que foi eleita pelo alinhamento com programas sociais.

— Ninguém votou em mim pelos meus belos olhos, apesar de eles serem muito belos.

— Acham que é um desperdício, um gasto desnecessário, o Bolsa Família para a quantidade de famílias que nós colocamos o Bolsa Família para elas — disse a presidente, falando novamente que o governo interino tirará 36 milhões do Bolsa Família, e que a filosofia para essas pessoas será “os 36 milhões que se virem”.

Mesmo atacando propostas da possível gestão Temer de escrutinar os atuais gastos sociais, Dilma acusou que essas mudanças serão disfarçadas por eufemismos.

— Resolveram que essa crise tem que ser enfrentada reduzindo só programa social. Reduzindo. Às vezes, eles mudam a palavra para “rever”, às vezes é “revisitar”, outras vezes é “focar”. Mas é isso que está em curso — declarou, e complementou: — É porque se forem para eleição direta, o povo não vota neles. É por isso.

Críticas a Temer
O afastamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do mandato e da presidência da Câmara foi considerado tardio em discursos de Dilma, mas desde então ela busca estabelecer conexões entre Temer e Cunha, que abriu o processo de impeachment na Câmara e o conduziu. Ontem, ela disse que o vice é “cúmplice” e “usurpador do poder”.

— Não vamos nos iludir. Todos aqueles que são beneficiários desse processo, como por exemplo os que estão usurpando o poder, infelizmente o vice-presidente da República, são cúmplices de um processo extremamente grave.

Campanha de Dilma recebeu caixa 2 da JBS, diz Mônica Moura

Mônica Moura, mulher e sócia do marqueteiro João Santana que negocia delação premiada, contou a procuradores que a JBS, maior processadora de alimentos do mundo, fez doações de caixa 2 à campanha da presidente Dilma em 2014 ao quitar dívidas do PT com a gráfica Focal, revela Thiago Herdy. A JBS nega e afirma não ter encontrado em sua contabilidade pagamentos feitos à gráfica.

Empresária diz que JBS pagou caixa 2 ao PT

• Monica Moura, mulher de João Santana, afirmou à Lava-Jato que a empresa quitou dívida com gráfica

Thiago Herdy - O Globo

SÃO PAULO - A mulher do marqueteiro João Santana, Monica Moura, afirmou a procuradores — em depoimento durante negociação para fechar acordo de delação premiada — que a JBS pagou caixa 2 à campanha pela reeleição de Dilma Rousseff. Segundo o relato, a empresa pagou diretamente a dívida do PT com a gráfica Focal Confecção e Comunicação Visual, de São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Este pagamento não está declarado à Justiça Eleitoral. A JBS doou R$ 361,8 milhões nas eleições de 2014, legalmente. A empresa nega veementemente a afirmação, diz que vasculhou todos os seus arquivos e não encontrou registro do suposto pagamento.

A Focal é a segunda maior fornecedora da campanha de Dilma e Michel Temer, em 2014, e pertence ao empresário Carlos Cortegoso, que presta serviços ao PT desde os anos 90. Segundo Mônica, o então tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, determinava que serviços gráficos de campanha deviam ser concentrados nas empresas de Cortegoso, porque ele aceitava receber os pagamentos depois das campanhas.

O GLOBO apurou que a Focal emitiu notas fiscais de serviços para a JBS, mas nunca imprimiu peça ou fez serviços para a empresa, maior processadora de proteína animal do mundo, que tem BNDES e Caixa como sócios, com 27% do capital. As notas emitidas para os pagamentos foram entregues pessoalmente na sede da JBS, em SP, por funcionários de Cortegoso.

Os pagamentos em caixa 2 da JBS à campanha de Dilma foram citados por Mônica em um dos anexos produzidos por sua defesa e levados ao Ministério Público Federal para tentar acordo. Os procuradores têm resistido a aceitar, por considerar que a colaboração teria mais informações para relatar do que o apresentado.

Na última semana, Mônica e Santana foram denunciados pelo MPF por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, por pagamentos feitos por fornecedores da Petrobras aos dois, no Brasil e no exterior.
No fim de abril deste ano, a ministra do Tribunal Superior Eleitoral Maria Thereza de Assis Moura autorizou a Polícia Federal a realizar perícia contábil de vários fornecedoras da campanha da chapa Dilma/Temer, entre elas a Focal. Maria Thereza é a relatora da quatro ações que propõem a cassação da chapa.

A Focal é a 2ª maior fornecedora oficial da campanha de Dilma em 2014: recebeu R$ 23,9 milhões, valor que só não é maior do que o recebido pelo casal Santana (R$ 78 milhões). A empresa está registrada em nome de uma das filhas de Cortegoso — Carla Regina Cortegoso — e de um de seus motoristas, Elias Silva de Mattos, que também é motivo de apuração.

Outra empresa de Cortegoso, a CRLS Confecção Consultoria e Eventos Ltda., é alvo de inquérito na Lava-Jato que apura pagamentos feitos pelo operador petista Alexandre Romano com propina da Consist Software, empresa de SP beneficiada em acordo no âmbito do governo federal. À PF, Romano disse que passava parte do acerto com a Consist para a CRLS a pedido do ex-ministro Luiz Gushiken.

Delator da Lava-Jato em troca de redução de pena caso condenado, Romano prestou novas informações sobre a atuação de Cortegoso para o PT ano passado; os depoimentos seguem em sigilo. Por decisão do STF, o inquérito foi desmembrado de Curitiba e tramita hoje em SP.

Janot denuncia Pimentel à Justiça por corrupção

Pimentel é denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro

• Governador de MG é suspeito de receber propina de empresários

Jailton de Carvalho - O Globo

BRASÍLIA - A vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko Castilho, denunciou ontem o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), e os os donos da Caoa, Carlos Alberto Oliveira de Andrade e Antônio dos Santos Maciel Neto, por corrupção e lavagem de dinheiro. Também foram denunciados o empresário Benedito Oliveira, o Bené, amigo do governador, e o presidente da Cemig, Mauro Borges, e mais dois outros dois supostos cúmplices. Pelas investigações da Polícia Federal, Carlos Alberto e Maciel repassaram R$ 2 milhões a Pimentel por intermédio de empresas de Bené.

Os repasses seriam propinas em troca de favores concedidos por Pimentel quando era ministro do Desenvolvimento da Indústria e Comércio. A Caoa é a representante da montadora Huyndai no Brasil. Caberá ao ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidir se acolhe a denúncia, e transforma o governador e os demais acusados em réus. Benjamin é relator da Operação Acrônimo, base das investigações que deram origem à denúncia. A denúncia e mais quatro inquéritos sobre o assunto tramitam em sigilo.

Consultoria fajuta
Pelas investigações, Carlos Alberto e Maciel pagaram R$ 2 milhões para a Bridge e Bro, empresas de Bené. Parte do dinheiro teria sido destinada à OPR, empresa de Pimentel. Os pagamentos teriam sido feitos a título de consultoria prestada por Bené à Caoa. Mas, para a polícia, as consultorias seriam fajutas. O trabalho de Bené seria abrir as portas do Ministério do Desenvolvimento para a Caoa no período em que Pimentel era ministro. O empresário teria agilizado a liberação dos pedidos da montadora, embora os benefícios concedidos estivessem dentro das normais legais.

Segundo a vice-procuradora-geral, a Caoa pediu e foi incluída no Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores. Com isso, acabou obtendo benefícios fiscais da ordem de R$ 600 milhões por ano. A empresa também pediu e obteve autorização para trocar tipos de carros a serem importados. Os interesses da empresas teriam sido facilitados por portaria assinadas por Pimentel. “A vantagem indevida rendeu pouco mais de R$ 2 milhões a Pimentel, valor recebido dos acionistas/sócios da Caoa Carlos Alberto de Oliveira Andrade e Antônio dos Santos Maciel Neto”, sustenta nota divulgada pela Procuradoria-Geral.

No rastreamento da movimentação financeira, a polícia descobriu que parte do dinheiro serviu para pagar despesas de pelo menos duas viagens de Pimentel e da mulher Carolina de Oliveira. Uma viagem para um resort na Bahia em 2013 e outra para os Estados Unidos, entre 2013 e 2014. Mauro Borges é acusado de manter supostas facilidades para a Caoa depois que Pimentel deixou o ministério para concorrer ao governo de Minas. Borges ocupou a vaga deixada pelo governador. Depois foi chamado para presidir a Cemig.

O advogado da Caoa José Roberto Batochio negou que qualquer dirigente da dirigente tenha pago propina a Bené ou ao governador. O advogado Eugênio Pacelli, que representa Pimentel, não retornou ligação do GLOBO.

— A Caoa não deu propina para ninguém. A consultoria não é fajuta, é real — afirmou Batochio.

O advogado argumenta ainda que foi a PF quem apreendeu e levou para o processo os contratos. Depois, passou a classificar os estudos de fajutos, pois parte das informações estão na internet.

As falácias vão ficando pelo caminho - Alberto Aggio*

- O Estado de S. Paulo

Mesmo antes de ser aprovada a admissibilidade do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, o caudal de argumentos contra o impeachment, na imprensa e na opinião pública, adensou-se de maneira impressionante, ganhando parâmetros discursivos que ultrapassavam a fábula do golpe, ainda que este tenha permanecido como o eixo principal da retórica esgrimida pelo petismo para obter apoio, dentro e fora do País, a uma presidentesub judice.
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No mais paradoxal de todos os argumentos, afirmava-se que uma possível vitória do impeachment não mudaria em nada a situação do País; não aplacaria a crise econômica e não possibilitaria a retomada do crescimento; não se conseguiria sustar a crise social que bate às portas dos lares brasileiros e, portanto, o desemprego seguiria crescendo. E que o impeachment tampouco daria fim à corrupção, muito ao contrário: a presença do presidente da Câmara na condução do processo era o sinal de que um futuro governo Michel Temer exterminaria por completo as operações da Lava Jato.

O curioso é que, ao se negar qualquer positividade ao impeachment, também se espera tudo dele. No fundo, retoricamente, cobra-se o restabelecimento in acto de um País novamente republicano, próspero e democrático. É um argumento de pés de barro. Como se sabe que, do ponto de vista do realismo político, se trata de uma expectativa inalcançável, pelo menos na dimensão imediata, denota-se que o impeachment, mesmo sendo bem-sucedido, apenas causaria aos brasileiros uma “frustração coletiva”, já que não solucionaria as profundas crises que assolam o Brasil.

Essa narrativa está centrada na interpretação de que o País entrou num beco sem saída, mas governo Dilma Rousseff estaria eximido de qualquer responsabilidade, tendo sido a oposição a causadora de toda a crise. Supostamente, a crise política teria sido iniciada no pedido de recontagem de votos e, em seguida, na cândida ideia de que a oposição não deu trégua à presidente reeleita, apostando no caos e prejudicando a Nação, especialmente os mais pobres. Esse argumento, por demais conhecido, oculta o fato de que o PT nunca admitiu sofrer oposição, mas especializou-se em fazê-la de forma contundente, já que se julga o único portador de uma política social digna do nome, o que é flagrantemente contestado por qualquer pesquisa séria a respeito da realidade nacional recente, desde a redemocratização.

Quando a admissibilidade do impeachment foi aprovada na Câmara, a falácia do golpe ganhou a companhia de discursos laterais: a vitória da “vingança” de um político corrupto, em referência ao deputado Eduardo Cunha, presidente daquela Casa, e a imposição à Naçãos de uma “eleição indireta” para presidente, representado no embate Dilma versus Temer.

Essas avaliações falaciosas se combinaram com ameaças de violência e a busca de “alternativas” políticas à débâcle do governo petista. O ponto nevrálgico dessas alternativas emergiu na proposta, primeiro, de “eleições gerais” e, depois, de “novas eleições” para presidente, expressa na consigna “nem Dilma, nem Temer”. Duas alternativas inviáveis do ponto de vista constitucional, sem levar em conta a oposição que teriam nas duas Casas do Congresso e, ao que parece, entre as lideranças das bases sociais do PT. Vê-se claramente que não se trata mais de defender o governo Dilma. O que sustenta a inflação de falácias do petismo é a perspectiva de garantir algum futuro ao PT como ator político, levando a conjuntura a um grau extremo de polarização por meio de discursos que afrontam as instituições de representação da cidadania e visam à radicalização das ruas.

Derrotado, o PT passou a adotar todo e qualquer casuísmo a fim de evitar que o impeachment devolva normalidade ao País e credibilidade ao novo governo. Daí as artimanhas, as ameaças e, por fim, a negativa de um processo de transição administrativa, sonegando informações aos futuros governantes. O PT tanto falou em golpe que agora pretende aplicá-lo, com requintes de vingança, em relação ao futuro governo.

Já se tornou exaustivo explicar que o processo de impeachment está plenamente justificado em termos legais e que sua legitimidade é indiscutível. Dilma violou a Lei de Responsabilidade Fiscal por meio de mecanismos fraudulentos para esconder, no período eleitoral e depois dele, que não tinha sustentação financeira para manter a economia em bom curso e evitar a crise. Uma política econômica desastrosa se somou a níveis de corrupção jamais vistos, jogando o Brasil numa crise inaudita e de grande profundidade.

Dilma é, portanto, o nome do “retrocesso” que o País está vivendo, em termos econômicos, políticos e até mesmo de convivência democrática. Assim como não há espaço vazio em política, também não há a possibilidade de deixarmos de atribuir a responsabilidade por todo este estado de coisas. Os verdadeiros culpados são mais do que evidentes.

Um novo governo pós-impeachment, legítimo em termos constitucionais e necessariamente de transição até 2018, terá como missão primeira tentar paralisar o desastre e de nenhuma forma poderá ser inculpado pela situação do País.

As encruzilhadas da História brasileira invariavelmente encontraram soluções sustentadas pela “via autoritária”. Pode ser que esta seja a primeira vez que estejamos enfrentando um impasse condicionado e determinado pela democracia, que já é, entre nós, uma experiência concreta em termos constitucionais e institucionais, embora nos falte um lastro maior de cultura política democrática.

A insistência na falácia do golpe, com o seu vitimismo, sua artificialidade e suas ameaças, atua no sentido de enfraquecer e virtualmente bloquear a democracia. Desmistificar as falácias do petismo e superar a “herança maldita” do governo Dilma assumem hoje o mesmo significado.
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*Alberto Aggio é historiador e professor titular da Unesp

Abraço de afogados - Merval Pereira

- O Globo

Mais uma vez, na sessão de ontem que por 15 a 5 decidiu pela admissibilidade do processo de impeachment, os aliados do governo insistiram na anulação do processo, aproveitando a decisão do Supremo Tribunal Federal de afastamento de Eduardo Cunha de suas funções como deputado federal e presidente da Câmara por abuso de poder e desvio de finalidade.

O problema dos governistas é que, como participaram de todas as etapas do processo do impeachment, e chamaram o STF a esclarecer situações que consideravam obscuras ou simplesmente ilegais, acabaram conseguindo o aval da Corte para todo o processo, o que torna impossível agora anulá-lo.

Também a tese de que o impeachment foi decretado por uma vingança de Cunha contra o PT não tem serventia, a não ser na luta política. Bastaria lembrar que, às vésperas da votação, os petistas no conselho — Zé Geraldo (PA), Valmir Prascidelli (SP) e Leo de Brito (AC) — deram uma entrevista anunciando a contragosto que votariam a favor de Cunha, por orientação do Planalto.

O ministro Jaques Wagner havia fechado um acordo com Cunha para, em troca, arquivar o processo de impeachment. A reação do restante do partido e dos militantes foi tão grande que o então líder Sibá Machado foi à tribuna do Senado anunciar a mudança de posição do PT. Portanto, a vingança pode ter sido a motivação subjetiva de Cunha, mas o PT tentou um acordo nos mesmos termos, e perdeu.

Depois disso, os governistas convalidaram todos os passos do processo. Foi com base numa ação do PCdoB, que tem na senadora Vanessa Graziottini uma dedicada representante na comissão de impeachment, que o STF derrubou o rito processual que havia sido determinado pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

Daquele rito original havia saído uma comissão composta por candidaturas independentes, apresentadas à revelia das lideranças partidárias. Naquela ocasião, a intenção clara de Cunha era a de formar uma comissão favorável ao impeachment, pois o governo ainda detinha certo controle sobre as bancadas dos partidos aliados.

Para preservar a independência dos poderes, e acertadamente, a meu ver na ocasião, considerando que o regimento interno da Câmara deveria prevalecer, o relator do processo, ministro Edson Fachin, surpreendeu a todos com um voto totalmente favorável à decisão de Eduardo Cunha, o que fazia prever que a maioria do plenário o seguiria, como cheguei a escrever aqui.

Quem mudou a tendência do plenário foi o voto de divergência do ministro Roberto Barroso, que viu nas ações de Cunha, já àquela altura, tentativa de manipular o resultado. A interferência do STF nos ritos da Câmara recebeu o apoio majoritário dos membros da Corte, e muitas críticas dos que viram na postura do ministro Barroso uma tentativa de ajudar o governo, que àquela altura ainda dava alguns sinais de vida.

A decisão de Barroso, mantendo todos os pontos do rito usado no impeachment do então presidente Collor, mostrou-se, no entanto, capaz de dar segurança jurídica ao processo. Os governistas comemoraram como uma vitória, mas o tempo cuidou de demonstrar que não era o rito que definiria o resultado, mas os votos que cada lado tivesse no momento definido.

As sutilezas políticas acabaram influindo na formação da nova comissão escolhida pelos líderes partidários, mas ela, que começou com maioria teórica governista, acabou com uma maioria esmagadora contrária ao governo, que se desgastou ao longo do tempo.

Não é possível mais ao PT tentar anular o processo, pois o próprio Cunha foi derrotado pela ação do PCdoB e o rito do impeachment foi o do Supremo, não o do então presidente da Câmara.

Toda a jurisprudência mostra que não é possível uma nulidade retroativa, mas o que o ministro da AGU José Eduardo Cardozo está buscando com mais uma tentativa de anular o processo é uma narrativa política que sustente a tese do golpe, o que está cada vez mais difícil.

Cardozo acabou sendo figurinha fácil nas comissões de impeachment, repetindo os mesmos argumentos em várias sessões, mesmo quando o regimento não previa sua presença. O senador Raimundo Lira, por sinal, deu um nó nos governistas, permitindo que usassem e abusassem de questões de ordens.

Deu a palavra a todos eles mesmo quando o regimento não permitia, e o que parecia uma leniência mostrou-se sabedoria, pois ficou impossível à oposição aguerrida alegar cerceamento de defesa e outros pretextos.

Na próxima semana deveremos dar posse a um novo governo, e tanto o presidente afastado da Câmara e a presidente afastada do Brasil estarão recolhidos a seus exílios forçados, praticamente sem chances de reassumir seus postos. A previsão de Cunha de que Dilma cairia antes dele pode não se confirmar só por alguns dias. Mas os dois perderam, num autêntico abraço de afogados.

Último tango de uma nota só - Dora Kramer

- O Estado de S. Paulo

Na comissão que ontem aprovou o prosseguimento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, um dos petistas mais críticos ao modo dela de governar, o senador Lindberg Farias, foi dos mais aguerridos defensores da desgastada tese do “golpe”.

O senador repetiu argumentos e recorreu aos instrumentos da falácia cometida na campanha de 2014 e desmentida logo após a reeleição, lançando acusações ao léu: Michel Temer na Presidência “entregaria” a Petrobrás à sanha do capital estrangeiro, daria fim aos programas de benefícios sociais, entre outras inverdades ditas por Dilma na campanha e que tanto prejuízo renderam quando a realidade a desmentiu.

Na época, Lindberg era crítico da presidente. Ele era adepto da ideia, apoiada por inúmeros petistas, de que o ex-presidente Luiz Inácio da Silva seria o melhor candidato. A defesa feita ontem obedeceu ao ritmo de último tango em cadência de uma nota só.

Nenhum problema, desde que a lógica e a realidade não sejam agredidas. Lamentavelmente, existe a agressão. Houve distorção quando se discutia inutilmente a condição de “vice” de Eduardo Cunha quando o artigo 86 lhe negava claramente essa prerrogativa.

Soam precipitadas e um tanto equivocadas análises desse cenário, segundo o qual Temer teria a ganhar, mas também a perder, com a decisão do Supremo Tribunal Federal de afastar Cunha das funções de deputado e, consequentemente, da presidência da Câmara.

Por essa ótica, Temer ganhou do STF a liberdade de não precisar se posicionar sobre a condição de Cunha e de livrá-lo de companhia constrangedora, mas perdeu um imprescindível operador dos trâmites legislativos para levar a bom termo as votações das propostas que precisará aprovar. Nesse aspecto residem duas questões. A primeira, precipitação decorrente da suposição de que Cunha mantém o poder de influência sem o cargo de presidente e o exercício do mandato. A segunda, o equívoco de acreditar que Temer e grupo mais próximo não têm experiência, influência e habilidade políticas para negociar a aprovação de medidas no Parlamento.

Um dado essencial: Cunha presidiu a Câmara por meio período. Temer foi presidente da Casa por três períodos completos. Realidade e pragmatismo darão conta de estabelecer o prazo de validade do poder de Cunha.

O estado das coisas - Igor Gielow

- Folha de S. Paulo

O estado das coisas na desgovernada nave-mãe da República fez desta sexta (6) um dia quase normal. Perto da montanha-russa das notícias, o fato de que avança decisivamente o impeachment da presidente Dilma Rousseff virou notícia corriqueira, resolvida a tempo de um almoço decente.

Assim como ficou banal a ladainha dita pela sombra que dá expediente no Planalto até a semana que vem, apelando a construções shakespearianas sobre um Michel Temer "usurpando o poder". Está acabando a homonímia para o choro petista.

Não deixa de ser sociologicamente interessante ver essa apatia após os orgasmos espaçados e diversos que as ruas proporcionaram ao país desde 2013. Arriscando um Lacan de botequim, a sensação é de fastio: ninguém aguenta mais a dieta da crise.

Mesmo a defenestração de Eduardo Cunha, político que consegue ser mais impopular que Dilma, já não alcançou mais do que a masturbação em bits e terabytes das redes sociais. Onde estava o "exército de Stédile", que não tomou as ruas em júbilo?

É nessa modorra coalhada de armadilhas que se move o futuro governo interino de Temer. Em uma semana evaporaram as expectativas de uma racionalização da máquina ou de nomeações midiáticas, para não citar a óbvia semelhança entre o atual e o futuro ministério —um monte de nulidades indicadas para áreas teoricamente nobres do governo.

O cardápio é magro, basicamente econômico e agora sujeito a uma trovoada inesperada na Câmara.

Henrique Meirelles vai ganhando ares de superministro, o que é uma desgraça para a nova gerência dada a quantidade de adversários que o conhecem bem. Se um anteparo é bom para Temer, a possibilidade de ele ser abalroado no começo do jogo dissipa tal vantagem. Bom para Serra, caso ele permaneça em campo.

Como já escrevi aqui, a baixa expectativa ainda favorece Temer. Resta saber por quanto tempo.

Retrospectiva e perspectiva - Miguel Reale Júnior*

- O Estado de S. Paulo

Acusações graves de omissão dolosa da presidente diante da corrupção na Petrobrás, depois corroboradas por delações, constam da petição de impeachment; mas foram excluídas por despacho inicial de Eduardo Cunha, que para não justificar imputação a si mesmo por malfeitos praticados em mandato anterior apenas considerou fatos de responsabilidade de Dilma no ano de 2015. Restaram as afrontas ao Orçamento, igualmente sérias.

Esses crimes descritos na petição de impeachment não constituem mera questão contábil, pois têm imenso reflexo no cotidiano, em vista das consequências na economia: recessão, desemprego, falências, inflação.

O procurador do TCU, Júlio Marcelo de Oliveira, em depoimento no Senado denominou a contabilidade oficial de “destrutiva”, porque “os efeitos na economia brasileira foram de destruição do ambiente econômico brasileiro, de destruição da qualidade das contas públicas brasileiras e levaram à perda do grau de investimento, levaram a um crescimento explosivo da dívida, levaram a um ambiente de desconfiança no futuro, em que empresários não investem, investidores não se arriscam, pessoas físicas não consomem, preferem guardar porque têm medo do amanhã, têm medo do desemprego”.

Ocorreu no Brasil irresponsável política fiscal eleitoreira: elevados gastos, desonerações inúteis de receitas tributárias e contenção do preço da eletricidade e dos derivados do petróleo levaram à queda brutal da receita e ao aumento das despesas. Sem dinheiro, o Tesouro, em vez de tomar medidas corretivas, aprofundou o erro, tomando dinheiro emprestado das instituições financeiras sob seu controle, em claras operações de crédito.

Estas operações de crédito são proibidas exatamente porque constituem expediente fácil para quebrar o equilíbrio fiscal e rolar dívida, sem nada conter. Daí a razão por que o Código Penal as incrimina (artigo 359 A) e a Lei do Impeachment as pune com a perda do cargo (artigo 11, item 3).

Em 2015 a farra da operação de crédito vedada continuou, em valores astronômicos, e não só com o Banco do Brasil, que financiou a benesse dos juros baixos da safra agrícola, a ser paga pelo Tesouro. Houve operações de crédito com o FGTS, o BNDES e a própria Caixa, somando tudo um valor superior a R$ 58 bilhões.

Esse frontal desrespeito ao equilíbrio fiscal, causador do desastre econômico em que o Brasil está mergulhado, foi precisamente desenhado não só pelo procurador do TCU, anteriormente lembrado, mas também por José Maurício Conti e Fábio Medina Osório, ouvidos pela comissão especial do impeachment no Senado.

Um quadro completo da mais absoluta irresponsabilidade no uso dos instrumentos orçamentário-financeiros foi traçado também no relatório do senador Antonio Anastasia, apresentado quarta última à Comissão Especial Processante do Impeachment no Senado Federal.

O senador Anastasia frisou, no relatório, ter-se tornado costume do governo Dilma valer-se das instituições bancárias oficiais para se financiar, dando como exemplo a dívida em dezembro de 2015 com o BNDES, de mais de R$ 21 bilhões, e o Banco do Brasil, de cerca de R$ 12 bilhões, por contratações ilegais de operações de crédito. Destaca o relator que o exercício de 2015 foi marcado pela repetição, se não pelo aprofundamento, de situações críticas verificadas em 2014.

Outro expediente, ressaltado pelo relator, foi a edição de decretos de suplementação de verba fora da meta fiscal, sem a devida autorização legislativa, fugindo dos limites fixados na Lei de Diretrizes Orçamentárias, expediente a que se recorreu em 2014 e em 2015. Essa conduta, vedada pelo artigo 167, V, da Constituição federal, está prevista como infração política nos artigos 10, item 4, e 11, item 2, da Lei do Impeachment. A presidente transformou decretos em medidas provisórias, dando-lhes força de lei.

No relatório, reconhecida a configuração de crimes de responsabilidade e a gravidade de seus efeitos, ante a grita irracional dos petistas acusando haver golpe o senador Anastasia se viu na obrigação de, ironicamente, observar ser impensável um golpe com transmissão direta pela TV, com ampla defesa e larga discussão por pessoas de diferentes matizes. Para Anastasia, o presidencialismo sem impeachment é ditadura, de vez ser o impeachment, nas palavras de Ruy Barbosa, apenas uma tímida possibilidade de responsabilização do presidente, visando a que este venha a ser punido pelo mau uso do exercício do poder.

Prevista a votação do relatório em plenário para a próxima quarta-feira, a presidente será afastada temporariamente por 180 dias. Areja-se, então, de imediato, o clima de sufocamento que vitima o País.

O desespero da população com Lula/Dilma e com a ditadura da propina cria expectativa positiva em face da saída da presidente. A mudança já será um alívio, mas do novo governo exigem-se também ministros dignos de respeito, com a adoção de medidas poucas e boas, urgentes e transparentes, definidoras de horizontes capazes de assegurar confiança para corresponder à ansiedade do instante.

Enquanto isso, Lula, os dirigentes do PT e a própria Dilma estarão a se preocupar com os procedimentos criminais instaurados. Lula, denunciado no STF por tentar impedir a delação de Cerveró, investigado como grande articulador da organização criminosa que promoveu, segundo o procurador-geral, o sofisticado assalto à Petrobrás e sujeito ainda a outros processos relativos ao sítio e ao tríplex; Dilma e seu advogado investigados conjuntamente com Lula por interferência no processo Lava Jato, isto é, por obstrução de justiça. Assim, devem gastar seu tempo agora em organizar sua defesa criminal.

A população, mesmo ressabiada, poderá, então, respirar desanuviada, à espera de dias melhores.
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*Miguel Reale Júnior é advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras e foi ministro da Justiça

Sob a égide do Poder Moderador – Demétrio Magnoli

- Folha de S. Paulo

No Brasil imperial, o imperador exercia privativamente o Poder Moderador, com a assessoria do Conselho de Estado. Graças a ele, o Primeiro Reinado configurou-se como monarquia absoluta. As desordens da Regência conduziram à instauração do parlamentarismo e à restauração do Poder Moderador, que passou a funcionar como "árbitro dos conflitos da elite" (José Murilo de Carvalho), estabilizando o Segundo Reinado. A decisão do STF de suspender o mandato de Eduardo Cunha, "uma das mais extraordinárias e corajosas da história político-judiciária do Brasil" (Joaquim Barbosa), ilumina uma crise institucional aguda. É um indício de que o governo transitório de Temer viverá à sombra de um novo Poder Moderador, desta vez exercido coletivamente pelos juízes da corte suprema.

A sentença do STF é "extraordinária" num sentido preciso, talvez vislumbrado por Barbosa: representa uma nítida violação das prerrogativas do Congresso e, portanto, da regra de ouro da separação de Poderes. Mas o adjetivo "corajosa" serve apenas como ornamento retórico de um ato judicial politicamente motivado, que se destina a arbitrar os "conflitos da elite".

Só os eleitos podem dispor do mandato dos eleitos –eis o princípio democrático que a corte suprema decidiu ignorar. O Congresso, mas não o STF, pode deliberar impeachment da presidente– e, ainda, o de um juiz do próprio STF. Mesmo o afastamento provisório de Dilma depende de duas deliberações parlamentares sucessivas. (Coisa diferente é a impugnação judicial da chapa eleita, que não se confunde com cassação de mandato.)

Em nome do mesmo princípio, a Constituição atribui exclusivamente ao Congresso a prerrogativa de cassar mandatos parlamentares. Até a mera confirmação da prisão em flagrante de um parlamentar exige autorização de sua Casa, isto é, da Câmara ou do Senado. Para circundar a letra constitucional, o STF recorreu ao subterfúgio da suspensão temporária do mandato de Cunha, fundamentada em interpretação ousada, ultraliberal, do Código de Processo Penal. Assim, alçando-se acima das fronteiras legais, o STF decretou uma excepcionalidade, que forma um embrião de jurisprudência. Depois de Cunha, será a vez de Renan?

Tempos anormais. A Câmara não reagirá à usurpação de poder pois sofre os efeitos devastadores da desmoralização do Poder Legislativo infligida ao longo do reinado lulopetista. Nesses 13 anos marcados pelo "mensalão" e pelo "petrolão", a maioria parlamentar associou-se ao Executivo em pactos de natureza mafiosa. Os mandatos populares converteram-se em passaportes para a delinquência política e a criminalidade comum. "Quando dizem que nossas instituições são fortes, isso cheira a piada", atirou o efêmero ministro da Justiça Eugênio Aragão, empossado com a missão impossível de implodir o que ainda resta de institucionalidade. Nesse diagnóstico (e só nisso!), ele tem razão: é sobre uma paisagem de ruínas que se ergue o novo Poder Moderador.

O STF conta com o apoio de uma opinião pública farta do personagem nefasto que seus pares protegem –e, ainda, com o elogio de um PT preso à lógica de sua própria narrativa embusteira sobre o impeachment. Mas, sobretudo, ampara-se nos interesses do governo adventício, a quem presta um serviço estratégico.

Temer monta um extenso arco governista, congregando o PMDB, os sócios menores do lulopetismo e a oposição. Ele terá esmagadora maioria parlamentar, mais que suficiente para cassar Cunha. Mas, agindo preventivamente, o STF soluciona o impasse, libertando-o do imperativo de mobilizar essa maioria num rumo capaz de produzir insanáveis fissuras entre as máfias políticas pacificadas, entregues à orgia da redivisão de feudos na administração pública. Sob aplausos gerais, o "árbitro dos conflitos da elite" anestesia a sociedade, postergando as rupturas inevitáveis.

Piso para a economia - Míriam Leitão

- O Globo

Até o placar já se sabia antes de começar a sessão da Comissão Especial do Senado. A presidente Dilma perderia por 15 a 5. Cada um foi representar seu papel. A oposição queria provar que tudo estava sendo feito dentro da Constituição e que há fortes indícios de crime de responsabilidade. Os governistas queriam firmar a tese do golpe. Na economia, permanece a incerteza sobre os caminhos da recuperação.

Para a reunião no plenário do Senado, na próxima semana, só há uma dúvida: o placar. De quanto será a derrota da presidente? Será um resultado apertado ou haverá sinais antecipados de que a saída definitiva já está garantida? Enquanto isso, na economia, a única convicção que se tem, nas conversas com economistas e empresários, é de que haverá uma forte sensação de alívio com a saída da presidente Dilma. Desde o início do ano, quando cresceram as chances do impeachment, o risco-país caiu 31%, o dólar recuou 13%, e a bolsa atingiu o maior patamar em quase um ano.

Os índices de confiança dos empresários e dos consumidores caíram muito e estacionaram nos pontos mais baixos da série. A demanda é por sinais de que haverá mudanças e que elas chegarão à vida real. No mercado, o economista-chefe e sócio da Mauá Capital, Alexandre de Ázara, explica que o sentimento é de “otimismo cauteloso”, porque sabe-se que o governo Temer terá que lidar com problemas estruturais, que não se resolvem apenas com a melhora do ânimo.

— Trocar o time terá efeito de curto prazo. Todo mundo espera que aconteça um ajuste fiscal, precisamos saber a intensidade do ajuste e como Temer vai negociar com o Congresso — explicou.

O Itaú, em relatório de análise da América Latina, avaliou que o dólar pode voltar a subir quando ficar clara a dificuldade de inverter a trajetória da dívida pública. Aliás, o país precisa de reformas estruturais, e elas são difíceis de fazer.

Uma mudança já preparada será a alteração no marco regulatório do setor de petróleo. O consultor Adriano Pires, do CBIE, lembra que o projeto do senador José Serra (PSDB-SP) foi aprovado no Senado e pode ser votado na Câmara, indo à sanção da Presidência. Isso daria alívio financeiro à Petrobras, retirando obrigações da companhia, e atrairia investimentos de outras petrolíferas.

— A Câmara já deu sinais de que tem uma base que pode aprovar a medida. Com a Dilma na Presidência, ela poderia vetar. Com Temer, não. Esse projeto é fundamental para recomeçar o setor de petróleo do país — disse Pires.

A Abinee, associação da indústria eletroeletrônica, conta que o setor já fechou 5400 vagas no primeiro trimestre. A projeção era de estabilidade, mas a crise política e a paralisia do governo agravaram o quadro. Segundo o presidente da entidade, Humberto Barbato, o cenário que tem Michel Temer assumindo a Presidência significa encontrar um “piso” para a queda. A sensação será de que o pior ficou para trás.

— A entrada do Temer estabelece um piso para a economia, como se chegássemos ao fundo do poço. A expectativa vira, para que comece a recuperação em 2017. Mas, para que ele consiga apoio para o governo, é fundamental que não seja candidato em 2018 — disse Barbato.

O diretor-presidente da Trumpf, empresa multinacional que vende máquinas no Brasil, João Carlos Visetti, também avalia que é fundamental que Michel Temer não seja candidato em 2018. Mas isso seria apenas o começo de uma lista de tarefas para colocar a economia nos trilhos.

— Temer não pode abrir mão das conquistas sociais, precisa fazer o ajuste fiscal, tem que destravar as concessões. E não pode de forma alguma interferir na Lava-Jato. O combate à corrupção é uma demanda muito forte da sociedade, principalmente das gerações mais jovens — disse Visetti.

A economia está em compasso de espera, enquanto a política passa pelo seu terremoto. Os atores políticos sabem que na próxima quarta-feira a presidente deve perder no plenário do Senado, mas não sabem como o vice-presidente vai agregar as forças que se dispersaram. Os agentes econômicos olham tudo com um certo sentimento de alívio, mas consciente de que o país continuará vivendo um tempo de incerteza, mesmo com a mudança de governo.