quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Opinião do dia – Hans Kelsen*

Em uma democracia, a vontade da comunidade é sempre criada através de uma continua discussão entre maioria e minoria, através de um livre exame dos argumentos pró e contra uma dada regulamentação de uma matéria. Essa discussão tem lugar não apenas no parlamento, mas também, e principalmente em reuniões políticas, nos jornais, nos livros e em outros meios de divulgação da opinião pública. Uma vez que a opinião pública só pode surgir onde forem garantidas as liberdades de pensamento, a liberdade de palavra, de imprensa e de religião, a democracia coincide com o liberalismo político, embora não coincida necessariamente com o liberalismo econômico

*Hans Kelsen (11/10/1881-19/4/1973), foi jurista e filósofo austríaco. “Teoria Geral do Direito e do Estado”. Citação de Norberto Bobbio, em “Teoria Geral da Política”, p.283, Editora Campus, 2000.

Merval Pereira - Ainda o populismo

- O Globo

É interessante que pesquisa Datafolha mostre que Bolsonaro e Moro têm eleitores semelhantes, assim como Lula e Luciano Huck

É interessante esse recorte da recente pesquisa do Datafolha que mostra que Bolsonaro e Moro têm público eleitor muito semelhante, assim como Lula e Luciano Huck. No mínimo indica que tanto o presidente atual quanto o ex-presidente têm adversários em uma eventual corrida presidencial em 2022.

Num país tão desigual quanto o Brasil, Getulio Vargas sempre derrotará o Brigadeiro Eduardo Gomes, diz-se a propósito da eleição de 1945, quando o Brigadeiro – tão popular que deu até nome de doce – foi derrotado pelo ministro da Guerra de Getúlio, General Eurico Gaspar Dutra. Em 1950, o Brigadeiro Eduardo Gomes foi derrotado pelo próprio Getúlio.

Eduardo Gomes era popular, mas não era populista. De lá para cá, só tivemos governantes populistas eleitos diretamente para a presidência da República. Juscelino, Jânio, Collor, Lula, Dilma. Fernando Henrique não era popular nem populista, mas tornou-se o símbolo de um programa, o Plano Real, muito popular e em alguns momentos populista, mesmo que tecnicamente pudesse haver razões para fazer o Real valer mais que o dólar logo na largada do plano, e depois demorar a desvalorizá-lo no final do primeiro governo.

O ministro da Economia Paulo Guedes, antes de procurar Bolsonaro, foi a Luciano Huck, pois sabia que para derrotar o petismo era preciso um candidato que representasse a renovação política, mas que fosse popular, idealmente populista.

A propósito do populismo, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello fez há algum tempo uma palestra na Universidade de Coimbra, em Portugal, onde chamou a atenção para o movimento antissistema que surgia entre os populistas, “que tem como nota a oposição aos elementos da democracia”.

Falava da ascensão de populistas da direita radical, com discursos autoritários e nacionalistas, em várias partes do mundo. “Exacerbam a polarização com a diferenciação entre “nós” e “eles” e o ataque ao que seria uma elite política corrupta, que favorece países estrangeiros e imigrantes, traindo o próprio povo”.

Bernardo Mello Franco - O PT insiste em Maduro

- O Globo

Argentina, México e Uruguai condenaram o cerco de Maduro à Assembleia Nacional da Venezuela. No Brasil, o maior partido de esquerda insiste no apoio ao regime chavista

O cerco militar à Assembleia Nacional da Venezuela agravou o isolamento internacional do regime de Nicolás Maduro. Os governos de Argentina, México e Uruguai, que não reconhecem Juan Guaidó como presidente autoproclamado, condenaram a manobra para impedi-lo de entrar no prédio. “O funcionamento legítimo do Poder Legislativo é um pilar inviolável das democracias”, advertiu a chancelaria mexicana.

No Brasil, o maior partido de esquerda escolheu outro caminho. Nas redes sociais, figurões do PT festejaram o tumulto em Caracas. “Acabou a aventura e a brincadeira chamada Juan Guaidó”, tuitou o líder do partido na Câmara, Paulo Pimenta. “Já vai tarde. Aproveita e leva o Bolsonaro com vc. Derrotado até como autoproclamado...”, empolgou-se a deputada Maria do Rosário.

Zuenir Ventura - O Rio tem saída?

- O Globo

Os problemas são muitos, alguns acumulados durante décadas, mas todos podem ser resolvidos com vontade política e competência de gestão

Não tem nada de pessoal. Mas em 2019 o Rio chegou ao fundo do poço. As crises da saúde e da segurança, para só citar estas, não tiveram precedentes, e é difícil saber qual das duas foi mais grave.
A primeira atingiu os hospitais federais, estaduais e municipais, em cujos corredores pacientes morreram por falta de médicos, de remédios ou de assistência. Ou de tudo isso. A segunda caracterizou-se pela marca registrada da cidade: as balas perdidas.

Elas se especializaram em vítimas infantis. Houve crianças de todas as idades. Chegou-se ao extremo paradoxo de matar a tiros até quem não havia nascido, como o caso da senhora grávida atingida por balas. Ela fez cesariana e salvou-se, mas o bebê, não. O ano termina de luto também pelas outras seis crianças executadas em poucos meses.

Bem-vindo 2020. Faço minhas as palavras dos 13 “especialistas em Rio” que o jornal convidou para falar de seus desejos e sugestões para a cidade e o estado, cada um ou uma em sua área: Sérgio Magalhães (arquitetura), Cláudia Costin (educação), Roberto Medina (turismo), Washington Fajardo (urbanismo), Mário Moscatelli (meio ambiente), Gil Catello Branco (administração), Ilona Szabó e Melina Risso (segurança), Viviane Mosé (social), Elena Landau (economia), Eva Vider (transporte), Paulo Betti (cultura), Roberto Medronho (saúde).

Míriam Leitão - Os combustíveis e suas verdades

- O Globo

Estados estão em crise fiscal, mas o governo quer que eles subsidiem o combustível fóssil, reduzindo alíquotas de ICMS

Os preços do petróleo voltaram a subir ontem à noite após o ataque de mísseis a uma base americana no Iraque. Isso aumenta a pressão dentro do governo brasileiro para se encontrar uma solução mágica para o preço dos combustíveis. Toda vez que as cotações ficam voláteis o governo ensaia a mesma discussão, a de reduzir impostos, interferir nos preços, ou de criar um colchão de amortecimento. Foi assim na ameaça de uma greve dos caminhoneiros, e depois no atentado às refinarias da Arábia Saudita e agora na crise do Irã. Se quer alguma solução, ela tem que ser pensada quando não há crise.

Durante a campanha, o então candidato Bolsonaro era sempre perguntado sobre o que faria com os preços dos combustíveis. Isso porque a fórmula criada no governo Temer para conter a crise da greve dos caminhoneiros terminaria no dia 31 de dezembro de 2018. Bolsonaro sempre saía pela tangente ou divulgava um factoide. Na Globonews, ele chegou a sair da pergunta afirmando que privatizaria a Petrobras. O desconforto vinha do fato de que ele precisava caber na forma de um programa liberal na economia, no qual ele nunca acreditou.

Agora, com 372 dias no cargo, Bolsonaro ainda está prisioneiro do mesmo dilema entre o seu natural intervencionismo e o proclamado liberalismo de seu governo. Ele oscila entre a sua intenção de conter a alta, e a explicação da equipe econômica de que segurar preços de combustíveis não é liberal, além de prejudicar todo o projeto de privatizar as refinarias. Para piorar, ouve que foi exatamente o que a ex-presidente Dilma fez. Esse é o argumento que incomoda o presidente.

Luiz Carlos Azedo - Fora do “grande jogo”

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Não está claro o objetivo de Bolsonaro ao desafiar os xiitas iranianos e seus aliados no mundo árabe. O mais correto é manter o Brasil longe da rota do terrorismo árabe”

O Irã é uma república islâmica, tem um Estado teológico desde a queda da monarquia em 1979. Recém-chegado de 14 anos de exílio, o Aiatolá Khomeini protagonizou a Revolução Iranian com amplo apoio popular e é seu líder máximo até hoje. Berço de uma das civilizações mais antigas do mundo (data de 2.800 a.C.), a antiga Pérsia viveu grande expansão durante o Império Aquemênida, fundado por Ciro, o Grande, em 550 a.C: se estendeu do Vale do Indo, no Leste, à Trácia e Macedônia, na fronteira nordeste da Grécia. São quase cinco milênios de história.

Derrotados por Alexandre, o Grande, os aqueménidas entraram em colapso em 330 a.C., mas o país alcançou uma nova era de prosperidade após o estabelecimento do Império Sassânida, em 224 d.C.. Durante quatro séculos, o Irã foi uma das principais potências da Europa Oriental e da Ásia Central. Em 633, árabes muçulmanos invadiram o Irã, num processo de expansão do Islã que também chegou à Península Ibérica, em 711, com a invasão comandada por Tarik, o Grande. Com cientistas, acadêmicos, artistas e pensadores persas influentes, em 1501, a formação do Império Safávida promoveu o xiismo duodecimano islâmico como religião oficial e se tornou um divisor de águas do mundo árabe. Esse momento é a gênese do atual projeto de expansão da influência religiosa do Irã.

Em 1794, Aga Muhammad Khan, chefe de uma tribo turca, fundou a dinastia que permaneceu no poder até 1921. Em meio às disputas entre a Rússia czarista, que lhe tomou a Geórgia, o Daguestão, Baku e a Arménia caucasiana, e o Império Britânico, que exerceria grande influência sobre os reis Qadjaridas, o Irã conseguiu manter sua soberania e nunca foi colonizado. Mas jamais saiu de sua posição subalterna no “grande jogo” entre as duas potências europeias na Ásia, mesmo depois da revolução constitucional persa de 1905-1921, que derrubou a dinastia Qadjar, e levou ao poder Reza Pahlavi.

Em 1941, em plena Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido e a União Soviética chegaram a invadir o Irã, de olho nos seus poços de petróleo. Durante a “guerra fria”, os Estados Unidos forçaram o xá a abdicar em favor de seu filho, Mohammad Reza Pahlavi, em quem enxergavam um governante que lhes seria mais favorável. O reinado do xá tornou-se progressivamente ditatorial, especialmente no final dos anos 1970. Com apoio incondicional norte-americano, Reza Pahlavi modernizou o país, mas insistiu em esmagar o clero xiita e os defensores da democracia.

Rosângela Bittar - Ciranda, cirandinha

- O Estado de S.Paulo

Na ciranda do Jair que ama Sérgio, que ama Jair, também tem passe livre o Paulo

Por que Sérgio Moro, juiz conhecido no exterior, popular no Brasil, primeiro lugar na confiança do eleitorado, carcereiro de políticos e empresários, está engolindo tanto sapo?

O presidente Jair Bolsonaro, em cujo governo ele foi alçado à política, o desautoriza, contraria e confronta. Demite quem ele contratou, desfaz negociações, não veta quando ele pede, veta quando não pede. E o ministro da Justiça vai ficando, altivo, como se com ele não fosse, oferecendo explicações para justificar cada revés.

Uma hipótese a considerar é que Moro precisa tanto do governo quanto Bolsonaro precisa dele. O presidente, ao trazê-lo para perto, sugou sua credibilidade, identificou-se com o combate à corrupção, criou uma película de proteção ao redor dos seus que, mesmo frágil, oferece resistência.

Moro mantém o posto para continuar nutrindo seu portfólio de realizações com vistas ao futuro. Agora, na política. Seja como candidato a cargo executivo ou legislativo, seja ministro do Supremo Tribunal Federal ou autoridade internacional em qualquer organismo. O temido juiz de Curitiba extrapola o figurino da primeira instância.

Moro precisa da visibilidade, da proeminência, do holofote, que o credenciam a tudo.

Na ciranda do Jair que ama Sérgio, que ama Jair, também tem passe livre o Paulo, de quem Sérgio e Jair dependem para o sucesso seguinte. Já marcando seus pontos nas pesquisas de popularidade, o ministro da Economia também é um exímio engolidor de sapos: uma demissão de autoridade do seu gabinete, um passo atrás na reforma, um reajuste de preço sustado. Mas Paulo Guedes também está na posição da dependência mútua. Ele tem uma ideia na cabeça e um superministério na mão. Bolsonaro lhe proporcionou a condição de agir incondicionalmente, e ele usa a carta-branca.

E não chia quando contrariado: dois meses depois de perder o amigo e secretário que defendeu a CPMF, demitido pelo presidente, ao estilo indireto e público, Guedes encontrou um substituto e passou a defender a CPMF digital. Faz que não é com ele, um efeito do método de sobrevivência na selva. Afinal, as transações financeiras em pouco tempo serão todas digitais, portanto é melhor brigar por algo que vai existir do que por algo que tem os dias contados.

Paulo depende de Jair para realizar seu plano, e Jair depende do sucesso de Paulo para se reeleger. Se rompida essa corrente, Sérgio Moro, que já faz política em tempo integral, estará garantido. Para os incrédulos sobre o apetite e chances de Guedes, há o exemplo de Fernando Henrique Cardoso. Basta repeti-lo.

Vera Magalhães - Livros para colorir

- O Estado de S.Paulo

Ao sugerir que livros sejam ‘suavizados’, Bolsonaro segue script de todo candidato a autocrata

Retorno hoje a este espaço depois de um breve recesso de ano-novo. Para ele, escolhi dois livros tirados da estante de “ficção”, mas que se mostraram perturbadoramente atuais. Primeiro devorei Submissão, do francês Michel Houllebecq. Depois, ainda abalada, enfileirei finalmente O Conto da Aia, de Margaret Atwood. Duas distopias que têm em comum, além da discussão sobre fanatismo religioso e sua imbricação com o poder, o ataque à educação, e aos livros como seu combustível. De volta à realidade (sic), encontro Jair Bolsonaro estreando 2020 com um ataque aos livros didáticos, que, para ele, contêm um “amontoado” de coisa escrita e deveriam ser suavizados. Qualquer semelhança…

Todo candidato a autocrata tem horror ao conhecimento, à ciência, ao pensamento crítico, ao contraditório, a dados, evidências, fatos históricos, à dúvida, à filosofia, às ciências humanas, à pluralidade de pontos de vista, à palavra sem cabresto.

Não é à toa que não só as obras que me acompanharam nas férias, mas toda a literatura do gênero, tenham na destruição dos livros um ponto fulcral. No ano passado, convidada pelo Estado a listar livros para quem se interessa por política, recomendei o clássico sobre o assunto, Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, este devorado nos tempos de faculdade – ah, essa universidade pública subversiva –, em que a sociedade de um futuro então longínquo, e hoje assustadoramente familiar, é construída a partir da queima de todos os livros (o título faz referência à temperatura em que o papel entra em combustão) por “bombeiros”. Nada mais atual que esta ironia num país em que o ministro da Educação ofende os cidadãos nas redes sociais, não?

Fábio Alves - O petróleo e o PIB

- O Estado de S.Paulo

Cada 10% de alta no preço do petróleo, PIB mundial perde 0,15 ponto em um ano

O temor de um conflito militar entre americanos e iranianos levou à alta no preço do petróleo e reacendeu dúvidas sobre a recuperação da confiança de consumidores e do investimento global neste ano.

Isso depois que a expectativa com a assinatura da fase 1 de um acordo comercial entre Estados Unidos e China, para dia 15, e também com uma saída (Brexit) negociada do Reino Unido da União Europeia injetou um maior otimismo em relação ao crescimento da economia global em 2020, após o ano passado ter sido marcado por uma desaceleração sincronizada do PIB mundial.

Após o ataque aéreo ordenado pelo presidente americano Donald Trump que matou o general iraniano Qassim Suleimani em Bagdá, na sexta-feira, o preço do barril do petróleo Brent chegou a superar a barreira de US$ 70, mas ao fim da sessão de negócios da segunda-feira, a cotação já havia cedido para o patamar de US$ 68, ou apenas US$ 2 acima do patamar negociado antes do ataque.

Ou seja, o estrago causado pelo ataque que matou o líder militar do Irã tem sido relativamente limitado até o momento e reflete a aposta de investidores de que o conflito não desembocará numa guerra em larga escala entre os EUA e o Irã. Todavia, os iranianos já prometeram vingar a morte do seu general. Uma retaliação é amplamente esperada. A dúvida é se um ataque iraniano a alvos americanos será de tal magnitude que ficaria inevitável uma guerra entre os dois países, arrastando aliados no Oriente Médio.

Bruno Boghossian – Governo do improviso

- Folha de S. Paulo

Bagunça é produto de um grupo que não mede consequências de atos e declarações

Jair Bolsonaro reforçou sua vocação para o improviso na inauguração deste segundo ano de governo. Da crise do Irã ao debate sobre a energia solar, o presidente mostrou que sua especialidade é mesmo criar confusão e tomar decisões sem base técnica ou cálculo de riscos.

Bastou uma conversa de meia hora com um lobista para que o presidente passasse a atacar o plano de sua própria equipe econômica para reduzir subsídios na produção de energia solar. Bolsonaro ignorou dados do governo e passou três dias recitando apenas a cartilha repassada pelos empresários do setor.

Alguém poderia imaginar que o presidente havia sido acometido por um surto ambientalista na virada do ano, passando a advogar fervorosamente pela geração de energia limpa. Mas era só demagogia.

Bolsonaro desprezou os argumentos de que esses incentivos são pagos por todos os contribuintes e, em muitos casos, acabam beneficiando mais usuários ricos do que pobres. No fim, em vez de ouvir os conselheiros do governo, ameaçou demitir quem falar sobre o assunto.

Igor Gielow - Um 'poodle tropicalizado

- Folha de S. Paulo

No caso do Irã, alinhamento imediato ao americano é novamente alvo de resistência

Nos primeiros de seus dez anos como primeiro-ministro britânico, Tony Blair era o xodó da centro-esquerda mundial. Expoente da tal Terceira Via, personificava um novo político, gente boa, nem tão socialista, nem tão conservador.

Apesar do oba-oba e de sua inconsistência, no poder Blair deixou algum legado, como o acordo de paz na Irlanda do Norte. Em 2007, ao renunciar, carregava contudo o epíteto de poodle de George W. Bush.

A imagem de cachorrinho dócil do presidente americano decorria de seu apoio automático à guerra ilegal que derrubou o desprezível Saddam Hussein no Iraque, em 2003.

Tal subserviência foi o erro central de seu mandato, punido por um eleitorado que soube identificá-lo como tal.

Jair Bolsonaro tem se esforçado para macaquear Blair com seu amor, “hétero, claro”, por Donald Trump. Quando se considera que o atual líder republicano dos EUA faz a gestão Bush parecer racional, temos a noção do buraco em que o Brasil está metido na área.

Ruy Castro* Esquerdireita

- Folha de S. Paulo

Lula e Bolsonaro fizeram de esquerda e direita uma coisa só

É uma sensação inédita, a de acordar em 2020 e descobrir que, por uma insólita química, esquerda e direita se tornaram uma coisa só. O símbolo dessa simbiose é Eduardo Fauzi Richard Cerquise, ativista integralista, correligionário de Jair Bolsonaro no PSL e terrorista que, há duas semanas, atirou a bomba na produtora do grupo Porta dos Fundos. Na ficha de Cerquise, consta ter sido preso como black bloc nas manifestações de 2013 e defendido pela infame Sininho, militante próxima do deputado Marcelo Freixo, do PSOL. E que, para escapar à nova prisão, fugiu para onde? Para a Rússia. Mudou o Natal ou mudaram Cerquise, Sininho, Freixo e a Rússia?

Essa redução ideológica tem raízes. Começou quando Lula conseguiu empurrar toda a esquerda brasileira que não ele para a direita, fazendo de si próprio um dogma político-religioso e eliminando até possíveis sucessores —ou alguém os enxerga nos boulos, dilmas e haddads? Bolsonaro faz agora o mesmo com a direita —empurra-a para a esquerda, de modo que só reste ele como opção em 2022. Para não haver dúvida, dedica-se, desde que se sentou na cadeira, a desmoralizar seu único aliado ainda ameaçador, o ex-sergiomoro Sergio Moro.

Elio Gaspari - O reino da treva quis taxar o Sol

- Folha de S. Paulo / O Globo

Ou a Aneel faz um debate limpo ou o Congresso limitará seus poderes

Em menos de 24 horas o presidente Jair Bolsonaro e os presidentes da Câmara e do Senado desmancharam uma costura que vinha sendo armada há anos pelas distribuidoras de energia e pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). À primeira vista, o propósito dos empresários e dos eletrotecas era tungar os consumidores de energia solar, mas a coisa ia mais longe: queriam tungar a disseminação de uma energia limpa.

Desde 2012 sabia-se que em 2020 a Aneel rediscutiria os incentivos dados à produção e ao consumo de energia solar. Essa questão poderia ter sido conduzida de forma transparente, honesta e inteligente. Preferiu-se o caminho dos corredores, da onipotência e da treva. Primeiro, plantando-se uma versão segundo a qual o sujeito que coloca placas de energia solar no telhado de sua casa recebe subsídios.

Falso. Subsídio haveria se o cidadão consumisse R$ 100 de quilowatts e só pagasse R$ 90. No caso, quem tem placas de energia solar paga às distribuidoras até o último centavo pela energia que consome. Só não paga por aquela que o Padre Eterno lhe manda durante o dia. Hoje a energia solar representa 1% do consumo, e em 2019 a Aneel estimava em R$ 340 milhões os incentivos dados aos consumidores, sabendo que o subsídio ao uso do carvão custa R$ 1 bilhão.

Fernando Exman - Um Bolsonaro mais político em 2020

- Valor Econômico

Presidente vem se envolvendo mais nas pautas econômicas

O presidente Jair Bolsonaro inicia 2020 com um novo figurino. Um traje que Bolsonaro recusou durante a campanha eleitoral e parte considerável do ano passado, mas que, depois de repaginado, parece ter conquistado de vez o seu gosto. É o modelito de quem se apresenta com ampla experiência política e responsabilidade direta pelos resultados da política econômica.

O novo figurino cai bem para um chefe de Estado e de governo, que precisa interagir com autoridades de outros Poderes e articular os interesses do Executivo. Mas pode ser considerado fora da estação, se usado como uniforme de campanha em vez da roupa usada para executar os afazeres do dia a dia.

Nos últimos meses, o presidente foi deixando de lado o Bolsonaro que rechaçava a política. A despeito das quase três décadas exercendo o cargo de deputado federal, ele fazia questão de tentar se diferenciar dos políticos e se desvincular dos partidos.

Aquele Bolsonaro também se dizia completamente desinteressado pela economia. Terceirizava a auxiliares a responsabilidade de formular as propostas da área econômica, executar essas políticas e monitorar os resultados de cada ação colocada em prática.

Deu-se nesse contexto a ascensão do deputado do chamado baixo clero ao posto mais poderoso da República. Esse comportamento deu credibilidade à promessa de que, mesmo sendo Bolsonaro um parlamentar com históricas posições nacionalistas, uma equipe econômica estava sendo contratada com autonomia para implementar um programa liberal.

Ao longo de 2019, contudo, ocorreu uma paulatina calibragem no discurso do presidente. O ano passado é visto, no Palácio do Planalto, como um período de adaptação do presidente às suas novas atribuições à frente do Executivo e de realinhamento das engrenagens da máquina federal ao novo comandante. O próprio Bolsonaro chegou a dizer publicamente, no início do governo, que ainda não estava habituado à liturgia do cargo.

Pedro Cafardo - Sobre erro de Churchill e soluços heterodoxos

- Valor Econômico

É perigoso acreditar em transformações radicais de pessoas que detêm o poder

“A história está repleta de exemplos de homens que chegaram ao poder empregando métodos duros, severos e até assustadores, mas, quando examinada sua vida toda, foram avaliados como grandes vultos, cujas vidas enriqueceram a história da humanidade. Que assim seja com Hitler.” Sabemos que não foi assim.

O primeiro parágrafo deste texto, entre aspas, foi escrito em 1935, ipsis litteris, por Winston Churchill. Está no livro “Grandes Homens do Meu Tempo” (Nova Fronteira).

Antes do início da Segunda Guerra Mundial, Churchill tinha esperanças em relação a Adolf Hitler. Imaginava que ele poderia ser o homem que iria “restaurar a honra e a paz de espírito da grande nação germânica, trazendo-a de volta, serena, prestativa e forte, para a vanguarda do círculo familiar europeu”. Também sabemos que não foi assim.

Nos anos 1930, os alemães lançaram planos para recuperar seu poder militar, as fábricas foram adaptadas para produzir material bélico, aeroclubes e a aviação comercial viraram organizações voltadas para a guerra. Toda a Alemanha estava mobilizada para o confronto: fuzis, canhões, submarinos, esquadras aéreas.

Minouche Shafik* - Rumo a um novo contrato social

- Valor Econômico

Precisamos de investimentos maciços em tecnologias verdes para transformar cidades, transportes e sistemas de energia. Considerado em conjunto, esse contrato social tem o potencial de restaurar um senso de esperança e otimismo com relação ao futuro

Toda sociedade se assenta em uma rede de normas, instituições, políticas, leis e compromissos com aqueles que precisam de apoio. Nas sociedades tradicionais, essas obrigações são assumidas principalmente por famílias e grupos familiares. Nas economias avançadas, um fardo maior é posto no Estado e nos mercados (por meio de planos de saúde e pensões). No entanto, mesmo neste último caso, grande parte do contrato social ainda é mantida por famílias (por meio de serviços de assistência não remunerados), pela sociedade civil (organizações de caridade e voluntariado) e empregadores, que frequentemente precisam fornecer seguro-saúde ou contribuições para o seguro-desemprego.

O contrato social não é sinônimo de Estado de bem-estar social. Mais propriamente, o Estado de bem-estar social refere-se às dimensões de um contrato social que são mediadas pelo processo político e pela ação subsequente do Estado, seja diretamente, por meio de impostos e serviços públicos, seja indiretamente, por leis que exigem que o setor privado ofereça certos benefícios. Como tal, o Estado de bem-estar social é melhor entendido não como um mecanismo de redistribuição de renda, mas como uma fonte de produtividade e proteção ao longo do ciclo de vida de alguém. Como John Hills, da London School of Economics, demonstrou, a maioria das pessoas contribui tanto com o Estado quanto recebe em troca.

Tiago Cavalcanti* - Para quem serve o poder de mercado?

- Valor Econômico

Proteger e salvar a concorrência capitalista dos próprios capitalistas não é tarefa trivial

Economistas, em geral, nutrem apego ao conceito de competição. Considera-se que quando os mercados são competitivos os preços são mais baixos, a produção é mais elevada, os produtos tem melhor qualidade e as empresas tendem a investir e a inovar mais. Um bom exemplo é como a Uber transformou e barateou o transporte dentro das grandes cidades.

A concentração e o poder de mercado, por outro lado, podem também ser eficientes. Podem refletir uma inovação importante, que, sem a expectativa de lucros futuros, as empresas poderiam não investir em pesquisa e tecnologia. Talvez sem as patentes, medicamentos antirretrovirais usados no tratamento da Aids poderiam não ser desenvolvidos.

Há também os casos em que a concentração pode representar economias de escala. Isso acontece em mercados com investimentos iniciais elevados, custos operacionais baixos, quando as empresas podem atender um número maior de consumidores e ao mesmo tempo praticarem preços competitivos que dificultem a entrada de novos concorrentes. Seria talvez o caso da Netflix, mas que agora começa ter a Amazon na disputa.

Na verdade, uma maior concentração não necessariamente implica em poder de mercado exacerbado, sobretudo quando há possibilidade de entrada de novas empresas e custos baixos de entrada. Ou seja, pode não existir problema quando o mercado é aberto e a possibilidade de competição é real. Na linguagem econômica, o mercado é contestável.

O que a mídia pensa – Editoriais

Aos amigos, tudo – Editorial | Folha de S. Paulo

Só índios, quilombolas e sem-terra ficam fora da distribuição de áreas públicas

Criticam-se amiúde os governantes por descumprirem promessas de campanha, porém há ocasião melhor para reprová-los, quando concretizam propostas que ficariam melhor varridas com o entulho da refrega eleitoral. Assim ocorre com a política fundiária do presidente Jair Bolsonaro, que só agrada aos ruralistas mais retrógrados.

Em 10 de dezembro sancionou-se no Planalto a medida provisória 910, à primeira vista voltada para o objetivo louvável de regularizar terras da União em posse de particulares. A situação aí é de caos que merece ser disciplinado, com efeito, mas cabe lembrar que o demônio se oculta nos detalhes.

O governo Michel Temer já havia dado um presente para os tomadores de patrimônio público —entre os quais incluem-se de pequenos posseiros a grandes grileiros— ao ampliar de 2004 para 2011 o prazo da ocupação. Depois que assumiu, Bolsonaro esticou-o para 2018 e dispensou a obrigatoriedade de vistoria prévia.

Fez mais: aumentou a extensão máxima da área por titular de 4 para 15 módulos fiscais. Em certas partes do país, isso pode chegar a 16,5 km2 (o mesmo que um bloco de 40 x 40 quarteirões).

Música ! Luiz Melodia - Último Regresso

Poesia | Vinícius de Moraes - Ária para assovio

Inelutavelmente tu
Rosa sobre o passeio
Branca! e a melancolia
Na tarde do seio

As cássias escorrem
Seu ouro a teus pés
Conheço o soneto
Porém tu quem és?

O madrigal se escreve:
Se é do teu costume
Deixa que eu te leve

(Sê... mínima e breve
A música do perfume
Não guarda ciúme)