Mesmo sem fazer referência direta ao Brasil, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, deu ontem uma resposta às críticas da presidente Dilma Rousseff, que acusou os países ricos de estarem provocando um "tsunami monetário" ao injetar elevadas quantias no sistema financeiro. Num discurso diante de Dilma e de uma plateia de empresários, na abertura da maior feira de tecnologia do mundo, a CeBit, em Hannover, Angela Merkel disse: "Nós vamos discutir a crise e as preocupações de cada uma. A presidente (Dilma) falou que está preocupada com um tsunami de liquidez. Do nosso lado, nós estamos olhando onde estão as medidas protecionistas unilaterais". Dilma teria anunciado para a chanceler que o Brasil será obrigado a tomar medidas (para evitar a entrada excessiva de dólares), porque não pode ficar com buraco nas contas
Troca de farpas
Depois do "tsunami monetário", chanceler alemã dá recado ao Brasil ao criticar a adoção de medidas protecionistas
Deborah Berlinck
A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, deu ontem uma resposta direta às críticas da presidente Dilma Rousseff, que acusou os países ricos, especialmente os europeus e os Estados Unidos, de estarem provocando um "tsunami monetário" com suas políticas expansionistas. Merkel colocou o dedo no ponto onde o Brasil tem sido mais criticado internacionalmente: o protecionismo. Num discurso diante de Dilma e de uma plateia de empresários na abertura da maior feira de tecnologia do mundo, a CeBit, onde o Brasil é o homenageado, Merkel disse, sem citar abertamente o país:
- Nós (ela e Dilma) vamos discutir a crise e as preocupações de cada uma. A presidente falou que está preocupada com um tsunami de liquidez. Do nosso lado, nós estamos olhando onde estão as medidas protecionistas unilaterais.
Em seu discurso, Dilma limitou-se ao tema da feira. Mas, no jantar com Merkel, levantou o assunto das injeções de capital que o Banco Central Europeu (BCE) tem feito nos bancos da região, segundo seus assessores. Paulo Bernardo, ministro das Comunicações, disse que Dilma teria anunciado à chanceler alemã que o Brasil terá que "tomar medidas porque não pode ficar com este buraco nas contas". Segundo ele, Dilma teria dito que o Brasil precisa "proteger a moeda e o mercado".
Merkel, segundo Paulo Bernando, teria respondido que a medida do Banco Central Europeu (BCE) de conceder mais de 1 trilhão em empréstimos a juros subsidiados para o sistema financeiro - que, em grande parte, acaba sendo investido no Brasil e em outros países com juros altos, derrubando a cotação do dólar frente ao real - "é transitória" e vai durar três anos. Paulo Bernando comentou:
- Mas três anos, para nós, é muito.
Já Marco Aurélio Garcia, assessor para assuntos internacionais da Presidência, minimizou a crítica de Merkel ao protecionismo brasileiro. E disse que a chanceler alemã não prosseguiu com a queixa no jantar.
- Foi um pequeno comentário que não persistiu - reagiu Marco Aurélio.
Segundo Paulo Bernardo e Garcia, a conversa durante o jantar foi "tranquila", a ponto de o encontro entre as duas marcado para depois do jantar ter sido cancelado. Na descrição de Garcia, fora do tsunami, as duas só falaram de temas bilaterais e houve "entendimento forte", que ele não detalhou.
A chanceler não citou o Brasil quando falou de medidas protecionistas unilaterais no discurso. Mas quem estava na plateia, como Heitor José Müller, presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), entendeu a mensagem:
- Isso não foi recado, não. Isso foi direto! - disse ele.
Dilma desautoriza Marco Aurélio Garcia
O Brasil vem sendo criticado desde o ano passado, sobretudo depois que aumentou em setembro impostos sobre veículos importados, mirando principalmente os da China e da Coreia do Sul. Em entrevista ao jornal "Valor Econômico", no fim do ano, o diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), Pascal Lamy, disse que o país estava indo "além das regras" do comércio internacional. No Fórum Econômico Mundial de Davos, em janeiro, os chineses - que têm sido alvo de barreiras - reclamaram do Brasil. E um relatório recente do Global Trade Alert (GTA) citou o Brasil entre os dez países mais protecionistas do G-20, o grupo que reúne as maiores economias do mundo. O mesmo relatório também não poupou a União Europeia: o bloco adotou um total de 242 medidas protecionistas.
Merkel, antes de se queixar do protecionismo, falou que é preciso mais confiança entre os parceiros do G-20:
- Nós devemos confiar uns nos outros e manter uma relação de igualdade (nas trocas econômicas).
Mais cedo, Dilma disse que o Brasil vai tomar "todas as medidas" para proteger o real dos efeitos da enxurrada de capital. Mas descartou a hipótese de adotar quarentena, isto é, o instrumento que exige a permanência mínima de capital no país :
- Quarentena é você que quer fazer& Não estou defendendo quarentena, meu querido, isso é uma temeridade - reagiu, quando um jornalista perguntou sobre o instrumento.
- A senhora descarta? - insistiu o jornalista.
- Tem dó! - reagiu a presidente.
A expansão monetária nos países ricos, disse ela, "equivale a uma barreira tarifária". E provoca dois efeitos: torna os produtos daquelas nações mais competitivos artificialmente e cria bolhas de ativos. Segundo ela, os ricos não resolvem seus problemas com isso: só ganham tempo.
Dilma disse que o Brasil não está sozinho neste combate e que todos os emergentes têm a mesma queixa.
- Todos os emergentes. Mas nem precisa. O Brasil não está sozinho nisso. Isso é uma constatação técnica. Assim como é importante conter a inflação e todo mundo discute inflação, é importante discutir mecanismos incorretos de política cambial.
A presidente desautorizou Marco Aurélio Garcia a falar sobre juros. Ela reagiu à declaração de Garcia, feita anteontem, logo depois de a comitiva presidencial desembarcar na Alemanha, de que haverá redução das taxas:
- Quem fala sobre juros no meu governo é o Banco Central, Alexandre Tombini. Nem eu nem ninguém tem autorização para falar sobre juros.
Dilma sofreu um pequeno acidente quando saía para almoçar. A presidente dava entrevista aos jornalistas, na entrada do Kasten Hotel Luisenhoff, em Hannover, quando uma barra de ferro usada pela Presidência para separar os repórteres de Dilma caiu no seu pé esquerdo. Ela segurou o braço de uma jornalista, reagindo com dor. Mais tarde, ao voltar do jantar com Merkel, mostrou o pé e disse:
- Olha como estou andando rápido. Está tudo bem...
FONTE: O GLOBO