sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna

No entanto, com tudo isso, ainda podemos ter o registro de sermos um dos países mais tolerantes do mundo em termos de convivência entre religiões, entre etnias diferentes. Mas tudo que era da nossa tradição foi depredado, foi jogado no lixo da história. O resultado não se fez esperar. A candidatura de Bolsonaro contém todos esses elementos de reação ao que fomos, ao que temos sido, mas pode-se dizer também que o PT se comportou do mesmo modo, desqualificando o tempo todo a nossa história e os nossos feitos, que não foram poucos. Basta ver que somos um país emergente do terceiro mundo que cumpriu uma das agendas mais vitoriosas de modernização: estão aí a nossa indústria, a nossa agricultura.

Não temos uma história desprezível para começar tudo de novo, como na verdade, ao fundo, tanto a campanha de Lula quanto a de Bolsonaro fizeram. Nesse sentido há um elemento de confluência entre a campanha de Bolsonaro e a de Haddad, que não pode ser obscurecido. Alguns traços são muito significativos disso: a fala do candidato a vice-presidente da República sobre a nossa composição étnica e as hipotecas negativas que elas comprometem a nossa história, é um registro. O tema do racialismo que setores da esquerda petista têm trazido para a cena política com a aparência de irem no sentido contrário, reforçam essa questão de não reparar, de não valorizar o processo extraordinário que criamos aqui de convivência entre tradições, culturas e etnias diferentes.

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Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio. Entrevista: ‘Depois do “teatro de sombras”, Brasil precisará se reinventar e sair do caminho da prancheta.’, Blog Democracia Política e novo Reformismo, 23/10/2018

* Lourdes Sola: O eleitorado mira o ‘efeito túnel’

- O Estado de S.Paulo

Liderança do ‘defensor dos ricos’ é atribuída às aspirações das classes médias emergentes

Vivemos uma conjuntura crítica, quem não sabe? Em alguns aspectos, sem paralelo na nossa História ou na trajetória de outras democracias jovens, menos ainda nas democracias do Atlântico Norte. Mas podem-se traçar paralelos com a maioria delas. A razão é que quase todas passam por transformações que podem genuinamente ser caracterizadas como deslocamentos de placas tectônicas. Compartilham um grau de polarização inédito em relação à História (recente) de cada uma delas.

Mais intrigante ainda, em quase todas se registra a dominância da política sobre a economia. Pois o que a literatura jornalística analisa como “crise da democracia” ou “o risco de regressão autoritária” inclui tanto casos de prosperidade quanto de crise econômica. Exemplos: o estilo divisionista de Trump, mesmo com pleno emprego; um Brexit problemático, sem crise; a regressão autoritária na Turquia de Erdogan ganhou impulso com altas taxas de crescimento. É o caso também de Orbán, na Hungria, e Moraviecki, na Polônia - cujo “sonho é (re)cristianizar a Europa”. De fato, não é só a economia, idiota.

Analistas políticos selecionam uma ou outra desse rico menu de opções sombrias focalizando o risco de uma regressão autoritária, com base na ideia de uma “guerra cultural”, entre valores opostos. O problema existe, mas essa noção não faz jus à dominância da política, tampouco às características distintivas da nossa conjuntura. E essa é uma falta grave para os que querem situar-se no território da oposição democrática. Como lembrou Gabeira neste espaço (19/10), o horizonte de alianças políticas para quem defende o meio ambiente, direitos humanos e os das minorias se estreita, mas está longe de se fechar. Concordo também com sua caracterização da cena eleitoral, “talvez mais reveladora do Brasil que as outras”, desde que se a mire, como ele, com olhos de ver.

A ênfase dominante na dimensão cultural leva a crer que as inclinações autoritárias da sociedade, antes submersas, vieram à tona de repente - ao contrário do que registram os índices de aderência à democracia, os mais altos desde 1989 conforme o Datafolha. Pior, obscurece a resiliência do ethos democrático (e das instituições), apesar da sucessão de traumas, a Lava Jato, o impeachment, a falência do sistema partidário. Ao mesmo tempo, o eleitor nunca esteve tão bem servido de informações e de análises doutas: com pesquisas de opinião, de alta qualidade, cujo efeito multiplicador a mídia e as redes repercutem em escala ampliada.

Eliane Cantanhêde: Não vai ser de goleada

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro perde e Haddad ganha milhões de votos, mas sem tempo para virada

O PT espanca Fernando Henrique Cardoso há quase 20 anos, fez uma campanha canalha contra Marina Silva em 2014 e atacou a candidatura Ciro Gomes em todos os flancos em 2018, mas os petistas estão indignados, ou irados, porque FH, Marina e Ciro têm enorme dificuldade em apoiar Fernando Haddad antes do domingo. Engraçado, não é?

Aliás, se fosse o PSDB, a Rede ou o PDT contra Jair Bolsonaro, o PT iria manifestar apoio a eles? Ou faria como sempre, em cima do muro, vendo o circo (e o País) pegar fogo para depois lucrar ao apagar o incêndio?

Bolsonaro é franco favorito para a Presidência, mas a diferença entre ele e Haddad vem caindo e isso mexe com os nervos das duas campanhas. Bolsonaro ameniza o tom e acena com um governo de coalizão. O PT aumenta a pressão e o constrangimento para que outras forças políticas se manifestem pró-Haddad, contra o “autoritarismo”.

Ciro teve 12% dos votos, mas o tucano Alckmin nem chegou a 5% e Marina despencou do segundo lugar até um raso 1%. FH nem voto tem. Mas, para o PT, um sinal deles a favor de Haddad poderia tirar do muro milhões de eleitores que oscilam entre votar nulo ou em Haddad. Seria um empurrão.

Assediado pela mídia, por telefone, pela internet e ao vivo, Fernando Henrique reclama que “intimidação é inaceitável”. Parece se deliciar com a insistência e com a própria resistência a apoiar automaticamente o PT, que nunca apoiou automaticamente ninguém. Muito pelo contrário.

Marina e o PDT anunciaram um “apoio crítico” a Haddad, enquanto Ciro Gomes viajava com a família para a Europa e seu irmão Cid fazia a papagaiada no evento do PT – “Vocês vão perder! Vocês vão perder!”. Depois, anunciou apoio a Haddad, mas simplesmente ignorou os eventos de campanha do PT no Ceará.

É muito provável que FH, Marina, Ciro e Cid venham a votar em Haddad no domingo, mesmo que não anunciem publicamente o apoio. Mas não pelo PT, nem mesmo pelo próprio Haddad, mas contra Bolsonaro e o que ele representa. Assim como há antipetismo, há um forte antibolsonarismo.

Celso Ming: Fusão de ministérios

- O Estado de S.Paulo

O candidato do PSL, Jair Bolsonaro, avisou que reduziria o atual número de ministérios de 28 para 15, mas recuou, ao menos em parte, diante das primeiras reações contrárias.

A fusão de ministérios viria por simplificação administrativa ou redução de custos. As primeiras manifestações em sentido contrário têm a ver com manutenção de estruturas protecionistas.

O projeto de fusão entre o Ministério da Agricultura e o Ministério do Meio Ambiente não faz sentido. Ainda que a preservação florestal tenha algo a ver com a agropecuária e, nessas condições, poderia levar as duas pastas a se entenderem sobre o assunto – o que é discutível –, a defesa do meio ambiente é assunto complexo demais para ser confiado apenas ao Ministério da Agricultura. Meio ambiente é também preservação das condições do ar que, até certo ponto, tem mais importância nas grandes metrópoles e está ligada à política energética. E é, também, preservação do mar e dos rios e demais recursos hídricos, que nada tem a ver com agricultura.

Mas a inclusão do Ministério da Indústria e do Comércio num ministério mais amplo, o da Economia e Planejamento, faz, sim, muito sentido.

A reação imediata veio das associações dos empresários, porque a união dos ministérios desmancharia boa parte do seu jogo de preservação de privilégios. Nesse caso, predomina ainda no Brasil, a concepção corporativista do governo Getúlio Vargas. Ela não se manifestou apenas na construção de uma estrutura sindical, com representações classistas de trabalhadores e de empregadores. Mas se estendeu, também, ao organograma de governo. O Ministério do Trabalho passou a cuidar dos interesses dos trabalhadores; o da Agricultura tratou dos interesses da agropecuária; e o da Indústria e do Comércio, dos interesses dos empresários. Assim, cada um desses ministérios se transformou em centro de lobby e de influência destinado a prover a maior porção de brasas para as sardinhas de determinados segmentos da economia e vice-versa.

Merval Pereira: Emoções inesperadas

- O Globo

Petista cresceu 8 pontos na faixa acima de dez salários mínimos, o que pode ter sido influenciado pela retórica de Bolsonaro

A redução da diferença entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad na reta final da campanha adiciona mais emoção a um resultado que parecia já estar dado. O PT tem a fama de mobilizar seus militantes no que chamavam de “onda vermelha”, mas não se sabe exatamente se essa capacidade continua ativa.

Jair Bolsonaro, que continua liderando a pesquisa Datafolha em todas as regiões do país, menos no Nordeste, onde Fernando Haddad vence por 56% a 30%, tem também uma capacidade de convocação de seus adeptos que já se mostrou eficiente nas manifestações organizadas pelos novos meios de comunicação, e não se sabe se essa força se mostrará na ida às urnas, e no proselitismo de última hora para impedir que a “boca do jacaré” se feche em favor do petista.

Os pesquisadores usam essa gíria para indicar que a diferença entre dois candidatos está diminuindo. Há uma tendência histórica de que a boca do jacaré não se feche totalmente nas disputas presidenciais, mas, como essa eleição é atípica e muito polarizada, nada é impossível.

A diferença, que era de 18 pontos, caiu para 12, mas, na prática, ela era de 9 pontos percentuais e caiu para 6, pois cada ponto que um candidato ganha, o outro perde em disputas polarizadas. Isso ainda significa cerca de cinco milhões de votos por dia para serem revertidos.

Bernardo Mello Franco: O capitão fugiu dos debates. E depois?

- O Globo

Na campanha, Bolsonaro se recusou a debater com os adversários e tentou desmerecer o trabalho da imprensa. O que mais ele fará se chegar ao Planalto?

Hoje à noite, o eleitor teria a última chance de comparar os candidatos à Presidência. Jair Bolsonaro e Fernando Haddad deveriam se enfrentar ao vivo na TV Globo. O duelo começaria às 22h, mas foi cancelado por motivos de fuga. O capitão fugiu do combate. Desertou.

No primeiro turno, Bolsonaro alegou razões médicas para não comparecer a debates. Tudo certo, porque ele sofreu uma facada e passou 23 dias no hospital. Agora que o atestado perdeu a validade, o deputado admite que ficará em casa por “estratégia”. “Quem conversa com poste é bêbado”, debochou, no Twitter.

O capitão acredita que o arrego vai prejudicar seu adversário. Pode ser, mas quem mais perde é o eleitor. A três dias das urnas, e o favorito para assumir o governo continua a esconder suas ideias. Nem seus aliados sabem dizer ao certo o que ele vai fazer se chegar lá.

Bolsonaro costuma se esquivar de perguntas objetivas com chavões que já viraram piada, como “Tem que mudar isso aí” e “Não dá pra continuar desse jeito”. A fórmula funciona na propaganda e nos comícios de Facebook. Quando ele pode ser contestado, é outra história.

Jungmann manda PF investigar ameaças a profissionais da Folha

O jornal considera haver indícios de uma ação orquestrada com tentativa de constranger a liberdade de imprensa

- Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, determinou nesta quinta-feira (25) que a Polícia Federal investigue as ameaças contra uma jornalista e um diretor da Folha.

Em ofício enviado ao diretor-geral da PF, Rogério Galloro, Jungmann pede que "sejam adotadas as providências necessárias à apuração dos fatos e à identificação de autoria, circunstâncias e motivações com eles envolvidas".

A Folha entrou com uma representação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na terça-feira (23) solicitando à PF que instaure inquérito para apurar ameaças à repórter Patrícia Campos Mello e ao diretor-executivo do Datafolha, Mauro Paulino.

Os ataques começaram após a publicação da reportagem "Empresários bancam campanha contra o PT pelo WhatsApp", no dia 18.

O jornal considera haver indícios de uma ação orquestrada com tentativa de constranger a liberdade de imprensa.

No despacho ao comando da PF, Jungmann diz que, confirmadas as informações relatadas pelo jornal, "pode-se estar diante da configuração de ilícitos penais, e de direta ofensa à inviolabilidade de correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa".

A repórter Patrícia Campos Mello recebeu centenas de mensagens nas redes sociais das quais participa e por email.

Míriam Leitão:Feitos da equipe do tempo difícil

- O Globo

Equipe econômica trabalhou sob condições adversas e em um governo impopular, mas conseguiu se blindar e deixar legados importantes

Esta foi uma grande equipe econômica que trabalhou em condições adversas. O resultado fala por si. A inflação caiu e chega ao fim do período de tensão política no centro da meta. O déficit foi reduzido ainda que o rombo deixado pelo PT não tenha sido vencido. A Caixa solucionou seu enorme desequilíbrio através de uma revolução silenciosa. A Petrobras voltou ao lucro e construiu mecanismos de proteção contra a corrupção. O Banco Central tomou decisões com autonomia e levou as taxas de juros ao mais baixo ponto desde o Plano Real.

O candidato do PT diz que não vai mantê-la caso ganhe porque ela é a equipe “que não pensa em geração de emprego, só pensa em lucro pra banqueiro”. Falso e demagógico. A escalada do desemprego começou no governo do PT e os juros pagos pelo Tesouro eram mais altos no governo Dilma. A equipe do candidato do PSL diz que manterá quem se manifestar que quer ficar. Faz, portanto, a proposta com a arrogância dos vencedores de véspera, como se fosse uma concessão, e o faz por oportunismo porque sabe que eles têm boa reputação.

O mérito inicial cabe ao ex-ministro Henrique Meirelles que foi excelente formador de equipe. O ministro Eduardo Guardia agiu discretamente junto com o competente Mansueto Almeida oferecendo aos economistas dos candidatos que os procuraram as informações necessárias sobre a situação fiscal e os desafios econômicos. Jamais polemizaram com as propostas descabidas que surgiram. De forma republicana têm trabalhado pela transição, seguindo o modelo que Guardia aprendeu com seu ex-chefe Pedro Malan na passagem do governo tucano para o PT em 2002.

Fernando de Barros e Silva: A era da bestialidade

- Revista Piauí (25/10/2018)

Das palavras às coisas, o bolsonarismo em ação

Alguém falou, com razão, que o discurso de Jair Bolsonaro transmitido ao vivo para seus seguidores na avenida Paulista, no último domingo, é uma versão atualizada do “Brasil, ame-o ou deixe-o”, o bordão ufanista criado no período mais sinistro da ditadura a fim de promover o regime e esconder seus crimes. É muito provável que o próprio capitão-candidato se orgulhe da comparação. Recolho algumas frases dessa peça histórica:

“Nós somos a maioria.”
“Nós somos o Brasil de verdade.”

“A faxina agora será muito mais ampla” (se comparada as que foram feitas pela ditadura e pelo impeachment de Dilma).

“Esses marginais vermelhos serão banidos da nossa pátria.”
“Você vai apodrecer na cadeia” (a “seu Lula da Silva”, como ele se refere ao ex-presidente).

“O Haddad vai chegar aí também. Mas não será pra visitá-lo, não. Será para ficar alguns anos ao teu lado.”

“Será uma limpeza nunca vista na história do Brasil.”

“Vocês, petralhada, verão a polícia civil e militar com retaguarda jurídica para fazer valer a lei no lombo de vocês.”

“Bandidos do MST, bandidos do MTST, as ações de vocês serão tipificadas como terrorismo. Ou vocês se enquadram ou vão fazer companhia ao cachaceiro lá em Curitiba.”

“Sem mentiras, sem fake news, sem Folha de S. Paulo. Nós ganharemos essa guerra”

Limpeza, faxina, marginais, bandidos, petralhada, cachaceiro, lombo, apodrecer na cadeia – o vocabulário de Jair Bolsonaro espelha de modo transparente suas intenções e sua personalidade. Ele fala a língua da tortura, a língua do extermínio, a língua da porrada. Exagero se disser que a palavra “lombo” nos remete aos suplícios contra os negros na época da escravidão?

Fiz questão de apresentar um pot-pourri desse discurso porque seu alcance foi de certa forma menosprezado. Em parte, isso ocorreu porque, no livre mercado das atrocidades em curso, no último final de semana Bolsonaro perdeu a concorrência para o filho Eduardo – o deputado federal mais votado do país –, que numa palestra falou que bastaria para fechar o Supremo “um soldado e um cabo”. Gravado meses atrás, o vídeo veio a público quase ao mesmo tempo em que seu pai saciava os instintos mais primitivos das pessoas de bem em festa na Paulista.

Se tudo ocorrer conforme o previsto, daqui a quatro dias o homem cujo ídolo é o torturador Brilhante Ustra estará eleito. A partir de 2019, se tornará a autoridade máxima da República. Será o comandante supremo das Forças Armadas, o novo chefe da Polícia Federal. Devemos esperar uma conversão súbita da bestialidade em sabedoria? Devemos acreditar que depois da posse seu extremismo cederá terreno à moderação? Que o terrorismo retórico e as recorrentes ameaças à imprensa, às instituições e à democracia são só arroubos de candidato? Não será mais realista supor que as palavras – parte delas, pelo menos – irão se materializar em ações? Não é isso que as pessoas vestidas de verde e amarelo estão pedindo quando gritam “mito, mito”? As evidências recomendam que não se deve subestimar a riqueza escondida no subsolo da alma do brasileiro. Bolsonaro representa o desrecalque do pior de nós como nação.

Ele será eleito sem fazer nenhuma concessão, nenhum movimento em direção ao centro. Pelo contrário, está onde sempre esteve, muito à vontade na extrema direita, representante genuíno do obscurantismo raiz. Não participará de nenhum debate, só concedeu e concederá as entrevistas que bem entender, nas condições que ele mesmo estabelece. São, invariavelmente, fake interviews. Quase sempre, Bolsonaro discorre em detalhes sobre a bolsinha que armazena seu cocô. É uma fixação.

A facada o liberou de fazer qualquer aceno à civilização. Liberou também as falanges que o circundam a partir antes mesmo da eleição da retórica para a prática. Afinal, “a vítima foi o nosso capitão”, “a violência não partiu de nós”.

No dia seguinte ao atentado de Juiz de Fora, um amigo manifestou seu temor de que o país mergulhasse numa espiral ensandecida de vinganças, com guerra campal, violência descontrolada, mortes em série. No primeiro momento isso não aconteceu, pelo menos não dessa forma. Assim que se definiu que o adversário a abater seria Fernando Haddad, no entanto, a truculência logo recrudesceu.

Houve o assassinato – tão simbólico – de Moa do Katendê, na Bahia, e começaram a pipocar pelo país, na internet e nas ruas, as intimidações, as agressões físicas, os espancamentos, as ameaças de morte. Negros, gays, travestis, nordestinos, petistas, portadoras do adesivo #elenão, artistas, intelectuais, ativistas dos direitos humanos – o espectro de pessoas insultadas, agredidas ou aterrorizadas é imenso. Ele inclui, como se sabe, jornalistas.

Patrícia Campos Mello, da Folha, se tornou alvo preferencial desses grupos depois da reportagem sobre a confecção e distribuição em massa de notícias falsas, via WhatsApp, financiadas por empresários apoiadores de Bolsonaro. Recebeu telefonemas anônimos intimidadores, teve seu WhatsApp invadido, se viu obrigada a desmarcar um compromisso profissional do qual seria moderadora depois que grupos bolsonaristas convocaram sua militância pelas redes sociais para constrangê-la.

Ela não é a única. O diretor executivo do Datafolha, Mauro Paulino, também foi ameaçado de morte. Eis o teor de uma mensagem que lhe foi endereçada na semana passada:

“Discutir e pesquisar democracia, tortura e etc nessa semana é muita putaria sua seu filho da puta. Merece uma navalha na garganta! Comunista ordinário e sem vergonha!!! Te dar tiro é desperdício! Você não vale a bala! Mas só esperar! Bolsonaro vai te foder tanto quanto merece!

VAGABUNDO!
SUJO!
COVARDE E FACCIOSO!
Eu teria um orgasmo se te desse um belo soco na cara!”

A Polícia Federal, ao que consta, está investigando o caso. É desse tipo de coisas que estamos falando. Está se esboçando com nitidez no país uma espécie de novo CCC, o Comando de Caça aos Comunistas que agiu na ditadura.

Nas redes sociais, FHC diz que intimidações são 'inadmissíveis'

Fernando Henrique Cardoso afirmou que repudia ameaças a jornalistas e ao jornal 'Folha de S.Paulo'

- O Estado de S.Paulo

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) afirmou nesta quinta-feira, 25, que intimidações contra qualquer pessoa ou jornais são inadmissíveis. "Repudio ameaças à Folha e seus jornalistas com energia", escreveu o tucano em seu Twitter.

Fernando Henrique escreveu, ainda, que os democratas devem ter o respeito à divergência e à liberdade de pensamento acima de tudo. Na segunda, FHC disse que era inacreditável um candidato à Presidência pedir às pessoas que se ajustem ao que ele pensa ou pagarão o preço.

"Lembra outros tempos. O que o Brasil precisa é de coesão no rumo do crescimento e diminuição da desigualdade".

“Intimidações a pessoas, jornais ou a quem seja são inadmissíveis. Repudio ameaças à Folha e seus jornalistas, com energia . Os democratas, apoiem um candidato ou outro, votem em branco ou nulo têm o país, o respeito à divergência e a liberdade de pensamento acima de tudo.”

No domingo, 21, o candidato Jair Bolsonaro apareceu em um telão na Avenida Paulista em ato organizado por seus apoiadores. Em seu discurso, ele disse que o jornal Folha de S.Paulo é o "maior fake news do Brasil". "Sem mentiras, sem fake news, sem Folha de São Paulo. Nós ganharemos esta guerra. Queremos a imprensa livre, mas com responsabilidade. A Folha de S.Paulo é o maior fake news do Brasil. Vocês não terão mais verba publicitária do governo. Imprensa livre, parabéns. Imprensa vendida, meus pêsames", disse o candidato.

Hélio Schwartsman: Frouxidão, chiliques e faniquitos

- Folha de S. Paulo

O que significaria não ser frouxo com Jair Bolsonaro?

A primeira regra dos manuais de sobrevivência é a de que, diante de uma emergência ou ameaça, não podemos entrar em pânico.

Contra todas as minhas advertências, a maioria dos brasileiros deverá votar no próximo domingo em Jair Bolsonaro para ser o presidente do Brasil pelos próximos quatro anos. A parcela dos cidadãos que consideramos essa escolha desastrosa não podemos fazer muito para mudar isso.

Com efeito, gritar mais alto ou xingar o candidato de nomes mais feios não deve alterar a opção da maioria. Repisar argumentos racionais contra a eleição do militar reformado também parece, a essa altura, pouco efetivo.

O que significaria não ser frouxo com Bolsonaro? Esfaqueá-lo? Isso já foi tentado, sem muito sucesso. Talvez devêssemos pedir a anulação do pleito, com base numa recém-iniciada investigação de financiamento ilegal. Nesse caso, porém, receio que estaríamos agindo contra a democracia que dizemos defender.

Bruno Boghossian: O centro se move

- Folha de S. Paulo

Eleitores de centro e 'não petistas' escolhem lado na reta final

O movimento de ponteiros na reta final do segundo turno indica um ajuste sutil na posição do eleitorado de centro. Os números do Datafolha mostram que Fernando Haddad ganhou terreno em redutos típicos do PT, mas também tirou pontos de Jair Bolsonaro (PSL) entre os eleitores mais ricos e escolarizados.

Essa troca de votos, registrada pela nova pesquisa, pode ser um sinal de decisão nos grupos que ainda não haviam se comprometido com nenhum dos dois candidatos.

Embora Bolsonaro mantenha a liderança no segmento com curso superior completo, sua vantagem sobre Haddad caiu sete pontos. O candidato do PSL também domina com folga todas as faixas de renda acima de dois salários mínimos, mas perdeu espaço no topo da pirâmide.

A vantagem de Bolsonaro ainda é significativa e ele continua sendo o favorito para vencer a eleição. Só a próxima pesquisa, no sábado (27), pode apontar se a variação se transformará numa curva ou numa reta que levará o candidato ao Planalto.

O fato de Haddad ter conseguido crescer em fatias tradicionalmente avessas ao PT (nas quais sua rejeição ainda é alta) sugere que a aversão ao candidato do PSL empurra alguns “não petistas” para o outro lado. A taxa de eleitores que dizem não votar em Bolsonaro subiu em quase todos os segmentos.

Mauro Paulino e Alessandro Janoni: Arroubo autoritário faz Bolsonaro perder eleitores na reta final

- Folha de S. Paulo

São apenas dois candidatos, quando um ganha, o outro perde na mesma proporção

A diminuição da diferença de Jair Bolsonaro (PSL) para Fernando Haddad (PT), de 18 para 12 pontos percentuais em curto espaço de tempo (uma semana), é acentuada em função da dicotomia que caracteriza o cálculo dos votos válidos nas disputas em segundo turno. São apenas dois candidatos —quando um ganha, o outro perde na mesma proporção.

É impossível afirmar, no entanto, tratar-se de uma migração contínua de votos com potencial para estender-se até o domingo da eleição. Apenas o próximo levantamento, às vésperas da votação, poderá sugerir se a curva se intensificará ou se perderá força e estacionará.

Com isso, ganha importância o contingente de eleitores sem candidato, isto é, aqueles que pretendem votar em branco, anular o voto ou se mostram ainda indecisos. A taxa (14%) é recorde para este período da disputa —em segundos turnos de eleições anteriores chegou no máximo a 10%. Caso parcela pretenda praticar voto útil, resta saber em que direção a atitude se dará.

Entre os que querem votar em branco ou nulo, 78% rejeitam totalmente Bolsonaro, enquanto 74% reprovam Haddad. Entre os que estão indecisos, essas taxas correspondem a 33% e 27%, respectivamente. Uma eventual conversão favoreceria ligeiramente o petista principalmente porque, entre os que ainda não sabem em quem votar, 19% já o escolheram no primeiro turno contra 16% que optaram pelo candidato do PSL e 12% por Ciro Gomes (PDT).

Queda de Bolsonaro reflete noticiário negativo sobre campanha do PSL e a divisão da sociedade brasileira

Guilherme Evelin | O Globo

BRASÍLIA — A pesquisa do instituto Datafolha divulgada ontem confirmou a tendência captada dois dias antes pelo Ibope: na reta final do segundo turno, Fernando Haddad está com viés de alta, enquanto as intenções de voto em Jair Bolsonaro , frente ao conjunto do eleitorado, estão em queda. 

Em uma semana, pela medição do Datafolha, a distância de Bolsonaro para Haddad caiu de 18 para 12 pontos . A três dias da eleição, ainda é uma vantagem considerável, mas que pode ser revertida. A redução da dianteira do candidato do PSL confere uma emoção adicional a essa campanha eleitoral repleta de lances imprevisíveis.

Como acentuou o diretor do Datafolha, Mauro Paulino, ainda não é possível saber se essa tendência representa uma transferência contínua de votos para Haddad. A cada pleito, os eleitores, cada vez mais, deixam a definição do voto para o último momento, na boca de urna. Essa é uma tendência mundial intensificada pela ampla disseminação das redes sociais e pelo bombardeio de informações ao qual os eleitores passaram a ser submetidos. Um fator que tende a aumentar a volatilidade do cenário nessa reta final é a fatia do eleitorado que se declara sem candidato: segundo o Datafolha, 14% dos eleitores tendem a votar em branco ou nulo ou ainda se declaram indecisos. Em eleições anteriores, essa taxa, no segundo turno, girava em torno de 10%.

Lara Mesquita*: A escolha pelo não voto

- O Globo

Votar nulo, branco ou não comparecer indiretamente beneficia o candidato vencedor

Na história recente da democracia brasileira o comparecimento às urnas no segundo turno sempre foi inferior ao primeiro turno. Nas disputas presidenciais de 2002, 2006, 2010 e 2014 o comparecimento foi, em média, 3% menor no segundo turno em relação ao primeiro turno. Já o número de votos válidos, aquele dado em um dos dois candidatos que disputam o segundo turno, foi praticamente o mesmo. Ou seja, embora menos brasileiros compareçam às urnas, o mesmo montante que escolheu um candidato no primeiro turno escolhe no segundo turno.

Nos últimos dias muitos eleitores têm se manifestado publicamente, em artigos assinados de jornais e em seus perfis de redes sociais, para defender seu direito de não votar em nenhum dos dois postulantes ao Palácio do Planalto no pleito do próximo domingo. Votar em branco, nulo ou sequer sair de casa para votar seria a opção. São professores universitários, profissionais liberais, funcionários públicos. Pessoas com diferentes vieses políticos e que entendem que Jair Bolsonaro ou Fernando Haddad não sejam uma opção.

O argumento mais comum entre os eleitores desse grupo é que escolher entre um candidato que faz publicamente um discurso autoritário, de desrespeito às minorias, e incentiva o ódio e a violência contra a oposição política de um candidato de um partido envolvido em escândalos de corrupção, que adotou política econômica equivocada e critica as decisões da justiça, o melhor é não escolher.

Esses eleitores precisam saber que não votar em um dos dois concorrentes não significa não interferir no resultado da eleição. O não voto (seja ele branco, nulo ou a abstenção eleitoral) indiretamente beneficia o candidato vencedor.

Vinicius Torres Freire: Biruta de Bolsonaro causa paralisia

- Folha de Paulo

Candidato descobre agora políticas públicas e amolda programa vago a pressões da realidade

Nos dois meses entre a eleição e a posse, sobra tempo para o presidente eleito virar do avesso suas falações de campanha. Foi o que fez Dilma Rousseff, com os resultados conhecidos.

Favorito para vencer no domingo (28), Jair Bolsonaro insinua-se como um caso particular desses revertérios. Não se sabe bem o que nele é avesso e direito, qual é o lado de dentro e o que está por fora de seu programa, ao menos no que diz respeito à economia.

A inversão dos planos de Dilma Rousseff provocou choque de confiança econômica e queimou seu prestígio, descréditos que minaram as bases políticas e os acordos sociais necessários para a implementação de qualquer programa. O resultado ruinosamente certeiro de sua reviravolta deveu-se à clareza do seu estelionato eleitoral.

É inverossímil que Bolsonaro possa repetir tal proeza, mas por motivos ruins. É implausível que o candidato do PSL, eventualmente eleito, declare-se adepto das políticas de Dilma 1 ou, mais condizente com sua carreira, do programa de Ernesto Geisel —sim, é sarcasmo.

José de Souza Martins: Macunaíma vai às urnas

- Eu & Fim de Semana | Valor Econômico

Nestes dias, Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, se prepara para a escolha do cacique que governará a taba chamada Brasil. Passa cuspe no pente para ajeitar o cabelo com que fingirá a boniteza de que carecem os que vão cortejar a urna donzela. Espera encontrar ali a muiraquitã mítica e sagrada para enfeitar-se ainda mais e iludir-se quanto ao que é e pode.

Na incerteza, talvez não encontre nem a si mesmo, perdido na extensão do território e na identidade fragmentada, moqueada desde o seu estranho nascimento para não degradar-se. Não nasceu, foi desovado, de repente, no meio da tiguera de uma roça antiga. Despencou, preto, de dentro do ventre de uma mãe sacrificial e se tornou branco à luz do dia tropical.

Seres de metamorfoses, continuamos sendo assim, macunaímicos, à procura da muiraquitã de nós mesmos. Serão dois os candidatos: Macunaíma e Macunaíma, espelho um do outro, que se fizeram reciprocamente, negando-se na intolerância que é a mesma em nome de causas opostas. Coisa da dialética da mesmice, do mudar sem sair do lugar, do caminhar cada vez mais para ficar cada vez mais longe do destino, como descobriu a macunaímica Alice do País das Maravilhas, inventada por Lewis Carroll, clérigo e matemático. É que Macunaíma não é apenas o herói local de nosso patriotismo difuso. Ele é universal. Ele ou ela? Sabe lá, Deus.

Fernando Abrucio: Desafios de uma nova fase política

- Eu & Fim de Semana | Valor Econômico

O eleito neste domingo enfrentará uma nova fase política do país. Muitas coisas do antigo sistema foram rejeitadas pelas urnas e outras terão de ser remodeladas para que se inicie um ciclo de estabilidade política, econômica e social, como houve entre 1993 e 2013. A necessidade de reformulação não significa, porém, que o país conseguirá sair facilmente da crise. Pelo contrário, o próximo presidente terá um mandato muito difícil e deveria começar a se preparar para o tamanho do desafio já no dia seguinte da eleição, criando as condições políticas para uma mudança bem-sucedida.

O primeiro desafio será restabelecer um novo padrão de governabilidade no Congresso Nacional. O sistema partidário foi bastante alterado pelo voto e haverá um novo jogo de alianças interpartidárias. De todo modo, serão necessárias coalizões para governar, pois nem Bolsonaro, mesmo com todo o avanço do PSL, nem Haddad têm apoio majoritário dos deputados federais, muito menos dos senadores.

Pode-se criticar os vícios do presidencialismo de coalizão, em particular porque muitas vezes houve vinculação entre a distribuição de cargos e a corrupção. Mas ninguém conseguirá exercer democraticamente o poder sem algum tipo de aliança formalizada. Qualquer tentativa de subverter isso tende a ser malsucedida ou, pior, pode produzir um modelo bonapartista de governo, com o Executivo tentando comandar monocraticamente o sistema político. Collor e Dilma, cada qual a seu modo, devem servir de exemplo para o próximo presidente. É bom lembrar que a lua de mel com o povo é sempre mais curta do que imaginam os vencedores.

A maioria da Câmara é nitidamente de centro-direita. Só que a montagem da agenda parlamentar não se define apenas pelo perfil ideológico dos deputados. Todo o jogo do próximo mandato começa com a eleição do presidente da Casa, pois as regras internas favorecem uma forte centralização do poder. Errar nesse processo pode custar muito caro, porque o apelo ao clamor das ruas pode incomodar os deputados no início e em momentos de grandes escândalos, mas a aprovação de reformas constitucionais, que exigem maioria qualificada, depende de um processo decisório mais lento e contínuo.

César Felício: O eleitor pisa no freio

- Valor Econômico

Radicalização de Bolsonaro pode ter assustado

O estreitamento da diferença entre Bolsonaro e Fernando Haddad registrado ontem pelo Datafolha e já detectado, de modo mais tênue, pelo Ibope, mostra que o parlamentar do PSL pode ter errado a mão na radicalização.

É curioso observar que a curva se inverteu depois que a militância bolsonarista foi às ruas em um domingo em que teve ampla divulgação o vídeo de Eduardo Bolsonaro discorrendo sobre o fechamento do Supremo. Para coroar o raro dia ensolarado de outubro, Bolsonaro fez um discurso inflamado, falando em colocar os adversários na cadeia.

Chama a atenção o paralelismo com o primeiro turno: Haddad entrou em trajetória declinante depois do #Elenao do sábado 29 de setembro. A primeira manifestação eleitoral feita não a favor, mas contra um candidato, no caso Bolsonaro. Há um bocado de raiva no eleitorado, mas os dados sugerem uma preocupação com a preservação de certos parâmetros. Parte do eleitorado, talvez a mais expressiva, busca mais a mudança e menos a revolução.

Uma eventual virada petista é um cenário improvável, raramente registrado não apenas em eleições brasileiras, mas em termos mundiais. Não pode mais ser dada, contudo, como absolutamente impossível. Para se materializar, Bolsonaro precisa errar mais.

Claudia Safatle: Um roteiro para o presidente eleito

- Valor Econômico

Economia em estado bipolar: pode piorar mais ou melhorar

Com o novo presidente que será eleito no domingo, é hora de pensar em um roteiro para a recuperação do crescimento e do emprego. Até agora, as reflexões têm sido sobre os tremendo riscos de dar tudo errado e a crise se aprofundar se Jair Bolsonaro, do PSL, que lidera as pesquisas, for eleito. O temor procede. Afinal, o Brasil nunca foi governado por uma crença liberal. Reformas de natureza liberal foram feitas por necessidade, mas não por opção programática. Além do fato de que, durante a campanha, o candidato exacerbou no verbo e foi pródigo em lançar polêmicas esdrúxulas, para arrepio da esquerda e inquietação dos mais progressistas.

Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos, dedicou os últimos meses para, junto com alguns especialistas, elaborar proposta de reforma da Previdência para um novo governo.

Ele entregará na semana que vem, ao candidato que for eleito, um amplo projeto de reforma que prevê, dentre várias e importantes mudanças, a possibilidade de os trabalhadores destinarem parte do depósitos do FGTS para contas individuais em fundos de previdência, em um regime de capitalização parcial. Outro aspecto é a desindexação dos benefícios ao salário mínimo. A implementação do novo modelo seria gradual, ao longo de 20 anos.

A reforma da Previdência é parte crucial do ajuste fiscal e este é precondição para a recuperação da confiança e do crescimento.

Luiz Carlos Azedo: Chegada eletrizante

- Correio Braziliense

“A maior dificuldade enfrentada por Haddad para virar a eleição é sua própria rejeição. A de Bolsonaro subiu de 41% para 44%, mas a do petista é quase intransponível: 52% não votam nele

Caiu a distância entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), segundo pesquisa Datafolha divulgada ontem, o que confirma as previsões de que parcela significativa dos eleitores começa a definir ou mesmo rever o voto que pretende sufragar no próximo domingo. Realizada na quarta e na quinta-feira, a pesquisa mostra uma diferença de 12 pontos percentuais entre os dois candidatos, considerando-se os votos válidos: 56% a 44%, ou seja, uma queda de seis pontos no decorrer de uma semana. Dessa vez, a movimentação de ambos está fora da margem de erro.

A alteração decorre dos erros cometidos por Bolsonaro e seu filho, Eduardo Bolsonaro. Os ataques ao Judiciário, à imprensa e às ameaças de prisão e exílio aos adversários “vermelhos” favoreceram as acusações de Fernando Haddad quanto ao viés autoritário do adversário. O petista também foi beneficiado pela adesão de personalidades e políticos que são desafetos do PT, mas foram empurrados para esse reposicionamento em razão dessas atitudes. Na verdade, o salto alto e o fogo amigo complicaram uma disputa que parecia decidida. Entretanto, a pesquisa ainda mostra que uma virada nos próximos dois dias é muito difícil.

Os votos totais revelam queda de 50% para 48% de Bolsonaro e a subida de 35% para 38% de Haddad; redução de 10% para 8% nos votos nulos e brancos; e aumento de 5% para 6% dos que não sabem ou não quiseram responder. Ambos estão na margem de erro. A maior dificuldade enfrentada por Haddad para virar a eleição é sua própria rejeição. A de Bolsonaro subiu de 41% para 44%, mas a do petista, mesmo caindo de dois pontos, continua sendo uma muralha quase intransponível: 52% dizem que não votam no petista de jeito nenhum. Enquanto 94% dos eleitores de Bolsonaro não admitem mudar de posição, no caso de Haddad, são 91%.

Dora Kramer: Histeria regressiva

- Revista Veja

É mais fácil o STF prender deputado que soldado fechar o tribunal

Partindo do princípio de que a preservação da liberdade requer eterna vigilância contra possíveis atentados, é de todo conveniente que nos mantenhamos alertas e diligentes. Disso deu notícia a rigorosa reação (inclusive e principalmente) de ministros do Supremo enquadrando os arreganhos de Bolsonaro pai e Bolsonaro filho aos costumes constitucionais vigentes.

Extremamente contraproducente, porém, é a excessiva emotividade dos que cultivam histeria regressiva ao modo de terror e pânico pelo antecipado fim da democracia brasileira.

Se o objetivo é alterar o rumo da correnteza, perdem tempo, pois a empedernidos convertidos ninguém convence. Se a ideia é firmar desde já os termos em que se vai dar a oposição, há maneiras mais civilizadas, consistentes e condizentes com a realidade atual.

Convenhamos que no Brasil de hoje, transcorridos 33 anos da última eleição indireta, dois impeachments, a condenação judicial da cúpula de um partido no governo e uma razia ao ritmo de lava-jato depois, é mais fácil o Supremo mandar prender deputados por ilegalidade penal que soldados e cabos fecharem o tribunal por vontade presidencial.

Ricardo Noblat: Luz amarela no bunker do capitão

- Blog do Noblat | Veja

O tamanho da vitória

Na pesquisa Ibope da última terça-feira, Jair Bolsonaro (PSL) oscilou dentro da margem de erro de 59% para 57% das intenções de voto. Na pesquisa Datafolha divulgada ontem, ele caiu de 59% para 56%, para além da margem de erro.

A rejeição a Bolsonaro aumentou cinco pontos percentuais no Ibope, enquanto a de Fernando Haddad (PT) diminuiu seis pontos. No Datafolha, a rejeição de Bolsonaro cresceu três pontos e a de Haddad oscilou dois pontos para baixo.

Não é nada, não é nada, foi o suficiente para acender a luz amarela no bunker onde Bolsonaro se esconde do Rio e de onde só saía para gravar programas de propaganda eleitoral e fazer comícios em unidades policiais. Os programas acabaram.

As recentes explosões de autoritarismo do capitão reformado do Exército e a de um dos seus garotos podem explicar a interrupção da trajetória sempre para o alto do candidato que considerava a faixa presidencial ao alcance da mão como ele dizia.

Paulo Roberto Pires: Diante do fascismo

- Revista Época

“Vocês vão dizer que estou tentando assustar vocês com esses paralelos”, pondera Stanley. “E, quer saber? Estou mesmo.”

“Intelectual”, escreveu Millôr Fernandes, “é um cara capaz de chamar a galinha em meia dúzia de línguas diferentes, mas pensa que quem põe ovo é o galo.” Foi o debate da galinha que nos últimos meses mobilizou intelectuais e comentaristas empenhados, sabe-se lá com que fins, em destacar a impropriedade de definir como “fascista” a teoria e a prática de Jair Bolsonaro e seus seguidores. Preferiu-se discutir se marola é tsunami a organizar uma eventual fuga para as montanhas. Hoje, cheios de razão, estão prestes a morrer afogados.

E tome Hannah Arendt, Norberto Bobbio, George Orwell e mal disfarçada Wikipédia para explicar por que seria exagero, tergiversação ou ignorância associar fascismo à peculiar concepção de sociedade que se traduz nos atos e planos do capitão, sua família, seu economista, seus generais e recrutas. Provou-se, por evidente, que Bolsonaro não é Stálin, Hitler ou Mussolini. Agora, com a besta à solta, quando se intimida, agride e mata em nome do que o rigor não deixa dizer, os zeladores do léxico político balbuciam, em tom moral, paráfrases de Pedro e o lobo: tanto se gritou — em vão, insistem — contra o fascismo que diante da ameaça real corre-se o risco de ninguém acudir.

Monica De Bolle: Paes é o Rio que eu conheço

- Revista Época 

Eduardo Paes teve de manter relações com Sérgio Cabral, com governos petistas. Mas isso não o arranha.

Para quem não sabe ou não suspeitava, sou carioca. O Rio de Janeiro em que eu cresci é uma cidade cheia de problemas, mas alegre. O Rio de Janeiro em que eu cresci é um estado cheio de desafios, mas irreverente. Carrega o humor na manga da camisa, sempre pronto para sacá-lo, ainda que possa ser mal compreendido, mal interpretado. Pensem em Maricá.

Não votei em Eduardo Paes para prefeito. Na época, escolhi Fernando Gabeira, a quem muito admirava. Depois que Paes foi eleito prefeito, passei a admirá-lo também. Não porque, com a ajuda de Lula, trouxera a Olímpiada ao Rio, mas porque selecionara para sua equipe de gestores pessoas de altíssima qualidade técnica. Foi duríssimamente criticado por seu projeto de derrubar a Perimetral na época, para o deleite de quem hoje passa por ali e vê o mar, a beleza de um Rio que não consegue ser afundada nem mesmo na lama de um juiz cujo nome poucos sabem pronunciar, de um prefeito que poucos admiram, passados quase dois anos de sua eleição.

Lembro-me bem de uma ocasião muito particular. Alguns meses antes da Olímpiada de 2016, escrevi uma coluna para o jornal O Estado de S. Paulo em que descrevia os estudos existentes sobre cidades que haviam sediado grandes eventos esportivos. As conclusões eram pouco animadoras: as evidências de excesso de gastos e obras malfeitas ou mal-acabadas em outras cidades de outros países sugeriam que a Olímpiada nada deixaria para o Rio de Janeiro como legado ou, se deixasse algo, seria pouco ante os custos para os cofres públicos. Passadas 24 horas da publicação de meu artigo, eis minha surpresa quando recebi um e-mail de Eduardo Paes, o prefeito.

Democracia modera discursos de candidatos: Editorial | O Globo

Lula já havia recuado em 2002, agora Bolsonaro e Haddad fazem o mesmo, mas não se aceitam recaídas

O hoje ex-presidente Lula estava em 2001 ainda na sua primeira encarnação como radical. Vinha de três derrotas consecutivas em disputas presidenciais, até que decidiu moderar o discurso para encarar a quarta campanha consecutiva. Deu certo, elegeu-se e se manteve no Planalto para conquistar o segundo mandato consecutivo, em 2006.

Em entrevista ao GLOBO, o cientista político e professor do Insper Fernando Schüler, ao examinar a polarização radicalizada destas eleições — característica turbinada pelas redes sociais, em que o distanciamento físico entre as pessoas e a consequente possibilidade do anonimato estimulam a agressividade irresponsável — disse que, apesar de tudo, a democracia “é uma extraordinária máquina de moderar posições”.

O recuo de Lula, na campanha do primeiro mandato, quando ainda não havia redes sociais eletrônicas, é prova disso. As derrotas consecutivas lhe ensinaram que pregava para militantes e simpatizantes petistas, não para os eleitores que precisava atrair com a finalidade de furar o teto histórico do partido, de 30% dos votos.

Reta final: Editorial | Folha de S. Paulo

Datafolha mostra queda na vantagem de Jair Bolsonaro sobre Fernando Haddad

A experiência brasileira tem mostrado que viradas no segundo turno das eleições presidenciais são improváveis. Nos sete pleitos concluídos desde a redemocratização, o primeiro colocado na primeira rodada chegou ao Planalto.

Não se notaram, ademais, grandes variações nas pesquisas de intenção de voto nessa fase das disputas. Na mais apertada delas, em 2014, o tucano Aécio Neves superava numericamente Dilma Rousseff no levantamento inicial, por 51% a 49%, desconsiderando-se brancos, nulos e indecisos; acabou derrotado por 51,6% a 48,4%.

Constitui novidade, portanto, o movimento constatado pelo Datafolhanas preferências do eleitorado nacional desde a semana passada. De lá para cá, a diferença entre o líder da corrida, Jair Bolsonaro (PSL), e seu oponente, Fernando Haddad (PT), caiu de 18 para 12 pontos percentuais.

Na sondagem realizada na quarta e nesta quinta-feira (24 e 25), o capitão reformado aparece com 56%, contra 44% do ex-prefeito de São Paulo, no critério que simula o dos votos válidos. Trata-se de dianteira ainda bastante elevada, a três dias da votação definitiva.

A hora da Previdência: Editorial | O Estado de S. Paulo

Os deputados federais eleitos no último dia 7 de outubro têm uma melhor percepção da necessidade de mudança das regras previdenciárias, apurou o Estado. Num levantamento com 510 dos 513 deputados eleitos, 227 mostraram-se favoráveis ao endurecimento das regras para se aposentar no País.

Da mesma forma que indica um maior realismo da nova composição da Câmara dos Deputados em relação a um tema fundamental para o País, o levantamento do Estadoevidencia que a aprovação da reforma da Previdência continua sendo uma tarefa politicamente muito difícil. Para realizar emendas na Constituição, são necessários 308 votos na Câmara.

O cenário é desafiador. Na próxima legislatura, continuará havendo significativas dificuldades políticas para aprovar a reforma da Previdência. Ao mesmo tempo, mudar o sistema previdenciário é cada vez mais necessário. O peso da atual Previdência sobre as contas públicas é enorme, deixando o Estado refém de um déficit fiscal não administrável e absolutamente insustentável.

Sem exagero, adiar a reforma da Previdência pode representar a inviabilidade do novo governo federal. Tem-se assim uma situação peculiar. O País mobiliza-se para escolher o próximo presidente que, por causa da inadequação das regras previdenciárias, pode se ver incapaz de governar, isto é, impossibilitado de realizar as políticas públicas para as quais foi eleito. Além disso, sem reforma previdenciária, o futuro presidente estará sujeito às graves consequências de eventualmente incorrer em crime de responsabilidade por questões fiscais.

Desorientado, PT subestima sua rejeição e a atração de Bolsonaro: Editorial | Valor Econômico

É mais que previsível que um partido que, no governo, participou do maior escândalo de corrupção da história do país e causou, com políticas desastradas, a mais profunda recessão em um século, seja derrotado nas eleições presidenciais. Desde que retirado do poder por um impeachment, o PT sequer fez qualquer esforço honesto e público de autocrítica sobre seus erros ou sequer cogitou punir corruptos em suas fileiras. Com uma rejeição brutal e crescente, colaborou, com uma sucessão de maus passos, para que um partido de direita inexistente, o PSL, e um político obscuro, Jair Bolsonaro, ganhassem o favoritismo na corrida ao Planalto. Uma virada agora, pelas pesquisas, é façanha pouco provável.

Ao não rever métodos, ideias, programas e comportamentos, o PT se enredou em contradições que nem seu mais experiente líder, Luiz Inácio Lula da Silva, preso por corrupção em Curitiba, foi capaz de livrá-lo. Ao primeiro sinal de que Haddad se tornara um candidato competitivo a adesão a um mutirão antipetista, capitaneado por Bolsonaro, consolidou-se.

Como líderes populares como Lula não criam sucessores naturais em sua sombra, a escolha da chapa foi uma epopeia desconjuntada. O PT denunciou o golpe do impeachment e bradou que "eleição sem Lula é fraude", insinuando até boicote ao pleito. Insistindo na tese da conspiração para destruir o PT apostavam, sem motivo, que Lula poderia ser o candidato. E, não sendo candidato, que seu escolhido carregaria consigo sua capacidade de angariar votos.

Clara Nunes: Minha missão

Carlos Drummond de Andrade: Composição

E é sempre a chuva
nos desertos sem guarda-chuva,
e a cicatriz, percebe-se, no muro nu.

E são dissolvidos fragmentos de estuque
e o pó das demolições de tudo
que atravanca o disforme país futuro.
Débil, nas ramas, o socorro do imbu.
Pinga, no desarvorado campo nu.

Onde vivemos é água. O sono, úmido,
em urnas desoladas. Já se entornam,
fungidas, na corrente, as coisas caras
que eram pura delícia, hoje carvão.

O mais é barro, sem esperança de escultura.