domingo, 11 de abril de 2021

Entrevista | Maria Tereza Sadek: STF ‘cumpriu seu papel’ ao ordenar abertura de CPI da Covid

Maria Tereza Sadek, cientista política e professora da USP, afirma que Corte só age se ‘provocada’ e não invadiu atribuições do Senado ao decidir por investigação

Bianca Gomes / O Estado de S. Paulo

Ao contrário do que sustenta o presidente Jair Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal (STF) “cumpriu seu papel” ao determinar a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a atuação do governo federal na pandemia. A avaliação é da cientista política e professora doutora da Universidade de São Paulo (USP) Maria Tereza Sadek. Estudiosa do sistema de justiça, ela defendeu o papel da Corte na atual crise de enfrentamento da covid-19. Em entrevista ao Estadão, Maria Tereza lembra que o Supremo só age se for provocado, o que tem ocorrido com frequência por causa da atuação dissonante entre os Poderes, a União, Estados e municípios. “O Judiciário tem sido provocado porque o governo não tem respeitado as medidas demonstradas pela ciência.”

Confira os principais trechos da entrevista.

Como a sra. avalia hoje a atuação do Judiciário na manutenção das garantias constitucionais e democráticas?

Vivemos hoje um clima de muita incerteza. Veja a liminar do ministro Kassio Nunes Marques sobre a realização de missas e cultos na pandemia. Sou capaz de apostar que, se não estivesse em jogo a aposentadoria do ministro Marco Aurélio (Mello), a discussão não teria tomado esse rumo. Muitas vezes é complicado entender a pauta e os argumentos se ficamos estritamente presos na letra da lei. Para analisar qualquer questão relativa ao Judiciário, Legislativo e Executivo, é preciso olhar o contexto geral.

Por que teria sido diferente?

Marco Aurélio vai se aposentar e temos vários candidatos ao posto. O presidente Jair Bolsonaro já falou que queria um ministro “terrivelmente evangélico” e os discursos no julgamento do Supremo (de André Mendonça, ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), e Augusto Aras, procurador-geral da República) foram assim. Me pareceu que tinha um recado.

A sra. falou que vivemos um clima de incerteza. O Judiciário tem contribuído com esse cenário?

O Judiciário é mais um ator nesse grau de instabilidade e incerteza que vivemos. Ele deveria ser um fator de previsão, pois trabalha com as leis e com a Constituição. Mas quando isso não ocorre, aumenta a instabilidade. Mas o Judiciário não é o único. Todos (os Poderes) estão contribuindo para esse cenário.

A insegurança jurídica se restringe ao STF ou está em todo o judiciário brasileiro?

É do primeiro ao último grau. A insegurança jurídica é a ideia de uma roleta. Ou seja, a decisão sobre uma mesma questão pode variar de juiz para juiz. E isso cria áreas de incerteza.

Como resolver essa questão?

O Judiciário tem mecanismos para tomar decisões mais previsíveis. Por exemplo, a utilização da súmula vinculante (interpretação pacífica ou majoritária adotada por um Tribunal a respeito de um tema específico), da reforma de 2004. A pergunta é: por que são tão poucas as súmulas vinculantes?

O ministro Luis Roberto Barroso invadiu as atribuições do Senado ao determinar a abertura da CPI da Covid-19?

O ministro cumpriu seu papel, assim como o STF, que só age provocado. Todos os requisitos constitucionais foram cumpridos para a instalação da CPI. Não houve "ativismo jurídico" nesse caso. 

Paulo Fábio Dantas Neto* - Impressões sobre uma ambígua quinta-feira

Imediatamente após o desfecho favorável à democracia e à estabilidade institucional que teve a crise, artificialmente criada pelo governo federal, em suas relações com as corporações militares, o ambiente político se desanuviou, ainda que sem permitir celebrações, em face da gravidade mantida de uma tragédia sanitária com fortes e variadas implicações sociais. Retornou com mais força a sensação (já presente em semanas anteriores ao episódio dos militares) de que ações simultâneas – mesmo que nem sempre bem articuladas - do Congresso, STF, governadores, prefeitos e lideranças políticas, além de significativas manifestações unitárias no plano da sociedade civil, estavam conseguindo afrouxar um pouco o nó que ata a política e a sociedade ao clima depressivo da pandemia.

 A queda do ministro das Relações Exteriores foi fator de descompressão que desobstruiu caminhos para se seguir correndo atrás do prejuízo por ele causado à imagem do Brasil no exterior e às possibilidades de o país obter apoio para o combate à pandemia. No plano das ações internas, o fluxo da vacinação melhorou, conseguiu-se criar ambiente um pouco mais cooperativo entre setores do Executivo e o Legislativo, levando a comprometimento mínimo do novo ministro da Saúde com um discurso racional e responsável, ainda que omisso quanto a medidas de restrição a aglomerações e atividades econômicas, decretadas por governadores e prefeitos. Esse é, como sabemos, o principal ponto de tensão que Bolsonaro, em crescente processo de isolamento político e queda de popularidade, promove no ambiente político e social. O isolamento, aliás, acentuou-se, como deixaram evidente manifestos de políticos e empresários que já fizeram parte da sua base de apoio.

Nada disso eliminou, ou mesmo aliviou, a dura rotina mortífera da contaminação e do colapso sanitário. Mas em meio à espiral crescente de efeitos perversos que se verificava antes da queda do ministro Pazuello, reabriu-se, com a rotinização relativa e lenta da vacinação, alguma perspectiva de alívio futuro. O carro do desespero permanece lotado e em movimento, mas é sensato supor que em abril ele parou de descer ladeira na banguela, como ocorria desde o início desse ano. A realidade dos recordes diários de mortes registra o ocorrido; a de internações e leitos, um processo que, timidamente, desenha esperanças. Bolsonaro segue hostil a todo alívio, mas com decrescente poder de criar retrocessos reais.

Merval Pereira - Reserva de mercado

- O Globo

O ministro Edson Fachin, relator dos processos da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), levou à luz uma discussão jurídica que os criminalistas que defendem condenados na operação não gostariam de reabrir. O “Prerrogativas”, ou “Prerro” para os íntimos, formado por advogados criminalistas que se julgam proprietários da verdade jurídica, reagiu com rispidez a uma entrevista que Fachin deu à revista Veja, como se ele anunciasse “uma manobra com objetivos políticos”.

O que disse Fachin na entrevista?  “O caso ainda não terminou”, referindo-se ao julgamento da próxima quarta-feira sobre sua decisão de enviar para a Justiça Federal em Brasília os processos do ex-presidente Lula. A medida cancelou as condenações já havidas, mas manteve íntegras as investigações e as provas coletadas na 13ª Vara de Curitiba.

Para ele, o plenário do Supremo pode rever a decisão da 2ª Turma que aprovou a suspeição de Moro por 3 a 2. Como relator, Fachin havia determinado que o processo de suspeição perdera o objeto, mas o ministro Gilmar Mendes, presidente da Turma, decidiu dar prosseguimento, com o apoio de 4 dos 5 ministros que a compõem. Diz Fachin: “Não seria inusual o plenário derrubar a suspeição da Turma”.

Míriam Leitão - Bolsonaro, nossas mortes são culpa sua

- O Globo

O tempo deixará ainda mais claro o que já é inegável hoje. Grande parte das mortes que temos sofrido no Brasil é responsabilidade direta do presidente da República. Ele agiu intensa e deliberadamente para que o vírus se espalhasse. Ele tem sido incansável nas mentiras, no estímulo à exposição ao risco, na criação de conflitos políticos. Ele nunca deixou de sabotar os esforços de proteção da vida de qualquer gestor público, nas três esferas administrativas. Ainda hoje, mais de um ano de pandemia. Ainda hoje, mais de 350 mil mortos. Faltam oxigênio, remédios, vagas nos hospitais, vacinas. Mas Bolsonaro protege o vírus e as suas mutações. Bolsonaro é o comandante supremo da morte no Brasil.

Alguém pode achar exagero, afinal é o vírus que mata e não o presidente. Líderes poupam vidas com suas decisões. Ele não. Todos os seus atos, todas as suas palavras, desde o desembarque do coronavírus no Brasil, tiveram o único resultado de fortalecer o inimigo. É a bala que mata ou quem apertou o gatilho? A lista das culpas de Bolsonaro nesta pandemia é exaustiva e nem é preciso refazê-la. A leitora e o leitor sabem, viram, sofreram, se indignaram. A verdade é conhecida. Ela é uma só. Bolsonaro é culpado.

Bernardo Mello Franco - O inferno visto de fora

- O Globo

O sonho de Ernesto Araújo se realizou. Com o bolsonarismo no poder, o Brasil virou um pária aos olhos do mundo. O país já despertava preocupações pela escalada autoritária, pela devastação da Amazônia e pela liberação indiscriminada de armas. Agora também é visto como uma ameaça à saúde global.

Na sexta-feira, as Nações Unidas fizeram um apelo por medidas para conter a pandemia. “A intensificação da curva de óbitos, a falta de medidas restritivas efetivas e a falta de uma estratégia nacional de vacinação estão levando o país a uma catástrofe”, alertou Marlova Jovchelovitch Noleto, coordenadora da ONU no Brasil.

Em Genebra, a Organização Mundial da Saúde definiu a situação brasileira como um “inferno furioso”. A entidade reforçou que não adianta esperar pela chegada de vacinas: o país precisa de isolamento social para frear a transmissão do coronavírus.

Fatos, dados e alertas não são capazes de convencer quem não quer ser convencido. Na quarta, Jair Bolsonaro fez mais um comício contra as medidas de distanciamento. “Não vamos aceitar a política do fique em casa”, repetiu, em Chapecó. O presidente dividia o palanque com o prefeito João Rodrigues, que já foi condenado e preso por fraude em licitação. Agora ele tapeia eleitores com a fábula do tratamento precoce.

Eliane Cantanhêde - CPI, agora ou nunca

- O Estado de S. Paulo

Hoje, dor e luto. Em 2022, Bolsonaro conta com esquecimento para triturar a realidade

Perguntei ao ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta se a CPI da Covid seria só uma fagulha ou pegaria fogo e ele respondeu: “Tem palha, querosene e fósforo e há mais incendiários do que bombeiros. Vai pegar fogo”. O presidente Jair Bolsonaro vai fazer tudo para apagar, mas motivos e indignação não faltam para o incêndio.

Como “palha”, os fatos determinantes, visíveis a olho nu, só não vê quem não quer: Bolsonaro não agiu como presidente, não tomou nenhuma das medidas obrigatórias, não mobilizou o governo e não liderou a Nação para enfrentar a pandemia. Pior: ele agiu, mobilizou o governo e liderou a Nação a favor do coronavírus.

Como “querosene” da CPI, o resultado da inação absurda e da ação criminosa: o Brasil tem mais de 350 mil mortos, 3 mil por dia, o maior número do mundo, com os Poderes, os Estados e os municípios batendo cabeça. Sem comando, sem coordenação central, sem seguir a OMS, a ciência e a medicina, cada um faz o que quer, a população está completamente perdida. E cadê as vacinas?

Como “fósforo”, temos o presidente da República, sem máscara, defendendo aglomeração, fazendo propaganda de remédios sem sentido – e perigosos –, atacando as vacinas, xingando, brincando com a vida e principalmente com a morte. “Não sou coveiro!”, “Vão chorar até quando?”

Pedro S. Malan* - Espesso nevoeiro

- O Estado de S. Paulo

Efeitos da pandemia estarão conosco no que resta deste trágico 2021 e ainda em 2022

A tarefa de construir uma coalizão em torno da ideia de um “centro ampliado” tornou-se ainda mais complexa. Trata-se agora de se diferenciar, aos olhos do eleitorado, em duas frentes: a de Bolsonaro e a de Lula, ou de quem vier a ser seu candidato. Em ambas haverá que formar uma visão minimamente clara sobre onde estamos, e como chegamos até aqui, como base indispensável para projetar uma visão do futuro – que é o que importa.

Quanto a Bolsonaro, suas perspectivas dependem da avaliação de seu governo, que por sua vez depende do avanço da covid-19 e da evolução da economia, inexoravelmente imbricados, pelo menos nos próximos 12 meses. Em instigante artigo recente, O paradoxo do bolsonarismo e a tragédia brasileira (Folha 28/03), João Cesar de Castro Rocha identifica um paradoxo: “O êxito do bolsonarismo na guerra cultural implicaria o fracasso do governo Bolsonaro na administração da coisa pública”.

Cobra preço alto o esforço cotidiano do presidente e de seu núcleo duro para manter suas redes digitais permanentemente mobilizadas, em constante estado de excitação, em torno de fatos alternativos e realidades paralelas. Preço particularmente alto em razão da postura do presidente diante da tragédia da pandemia. Ele deriva da percepção, cada vez mais clara, da inépcia em implementar políticas públicas consistentes nas áreas não só de saúde, como de educação, cultura, meio ambiente e relações internacionais, para citar as deficiências mais patentes de um governo disfuncional. Bolsonaro pode chegar a um segundo turno, mas, talvez, ser derrotado então. Tudo vai depender dos próximos 18 meses, ou menos que isso.

Rolf Kuntz* - Fome no celeiro do mundo

- O Estado de S. Paulo

Governo inepto e irresponsável faz o País reviver o pesadelo de 1983

A fome assola o Brasil, grande produtor de comida, um dos países com maior potencial para dar segurança alimentar a um mundo cada vez mais povoado. Com milhões de famílias sem renda para comer o mínimo necessário, a sociedade brasileira revive o pesadelo de 1983, o ano da grande crise da dívida externa. Naquele momento, como agora, campanhas de solidariedade, conduzidas por igrejas, sindicatos, grupos civis e também por famílias com pelo menos uma pessoa empregada, garantiram a sobrevivência de muita gente. Supermercados passaram a vender asas de frango, facilitando algum consumo de carne aos mais necessitados. Mas nem todos aguentaram a pressão, e os suicídios aumentaram.

Passados quase 40 anos, o jornalista econômico é de novo forçado a descrever quadros tétricos. Há, naturalmente, diferenças importantes – com alguns detalhes muito piores. A fome, hoje, é muito mais chocante, muito mais escandalosa, porque a oferta de alimentos é muito maior. Com ou sem crise, com maior ou menor inflação, a comida era mais cara no começo dos anos 1980. Os frutos da revolução agrícola, iniciada na década anterior com a Embrapa e com políticas de modernização, só se tornariam visíveis mais tarde.

Com enormes ganhos de produção e de produtividade, a alimentação consumiria, nas décadas seguintes, uma parcela menor dos orçamentos familiares, deixando mais espaço para outros gastos. No início dos anos 1990 alguns índices de inflação foram reformulados para refletir a nova ponderação das despesas.

Ricardo Noblat - À falta do que fazer, Bolsonaro passeia e ataca João Doria

- Blog do Noblat / Veja

O fim de semana do presidente da República

Jair Bolsonaro foi às compras no fim de semana. Às compras de corações e mentes disponíveis em São Sebastião, região administrativa do Distrito Federal, a 26 quilômetros de Brasília.

Fez o de sempre e disse o de sempre. Comeu galeto assado do lado de fora de um estabelecimento comercial onde tentou entrar, mas foi barrado por uma empregada: “Não pode”.

Ali, respeitava-se o mínimo de distanciamento social. Sem máscara, e acompanhado de ministros sem máscaras, visitou refugiados venezuelanos a pretexto de conhecer como eles vivem.

Com um cachorrinho no colo, tentou conquistar a simpatia do grupo ao comentar: “Não tem mais animais na Venezuela. Comeram tudo. Não é só gato e cachorro não, até cavalo”.

Com direito à transmissão ao vivo por seus canais na internet, voltou a criticar a decisão do Supremo Tribunal Federal que avalizou o fechamento de templos e igrejas durante a pandemia.

Elio Gaspari - O governo já soube lidar com epidemia

- O Globo / Folha de S. Paulo

Com um pé no atraso e outro no progresso, ditadura promoveu vacinação contra meningite em paralelo a ações de censura. Bolsonaro tem os dois pés no atraso

Sérgio Buarque de Holanda já ensinou: conservador é uma coisa, atrasado é outra. Bolsonaro e seu pelotão têm os dois pés no atraso. Outro dia, o jornal francês “Le Monde” publicou uma reportagem que faria a alegria do general Eduardo Ramos, aquele que não gosta de fotografias de sepultamentos. Louvava a campanha de vacinação brasileira que imunizou 80 milhões de pessoas em poucos meses com uma mistura de “ambição, audácia e paixão”. Só que isso aconteceu em 1975, quando o Brasil estava numa ditadura que tinha o outro pé no progresso.

A reportagem está no site do jornal (só para assinantes), mas na rede há um trabalho que conta a história da fabricação de uma vacina contra a meningite pelo laboratório francês Mérieux [Histoire du développement, de la production, et de l’utilisation du vaccin contre la méningite A (1963-1975), de Baptiste Baylac-Paouly ].

Em 1973, quando a epidemia de meningite ainda era chamada de surto no Brasil, o laboratório francês testava uma vacina e a aplicava com sucesso na África. No ano seguinte, a ditadura lidou com a doença.

O pé fincado no atraso, tendo reconhecido a epidemia (dois mil casos em São Paulo), chamava as notícias de “alarmantes”. Em julho do ano seguinte, a censura vetou uma longa reportagem de Clóvis Rossi. Ela falava de 200 pessoas mortas naquele mês.

Com o pé que tinha no progresso, em agosto, o ministro da Saúde, Paulo de Almeida Machado, foi a Lyon, onde ficava a sede do Mérieux. Em São Paulo morriam vinte pessoas por dia no hospital Emílio Ribas. Sem apostas em tratamentos precoces ou parolagens, o Brasil correu atrás da vacina, que só era produzida pelo Mérieux. Tratava-se de imunizar 80 milhões de pessoas. Não se discutiram detalhes nem dinheiro. Os dois lados confiaram na boa-fé.

O laboratório de Lyon não tinha instalações para produzir 60 milhões de vacinas em menos de um ano. Tratava-se de multiplicar por cem sua capacidade. Fez as obras e começou a operar em 90 dias. Em meados de setembro (um mês depois da visita de Almeida Machado), remanejando estoques, despachou dois milhões de vacinas e começou a imunização de 500 mil crianças em São Paulo. O governo começou uma campanha nacional e, em 12 dias de janeiro de 1975, foram vacinadas quatro milhões de pessoas no Rio de Janeiro. No carnaval daquele ano os casos de meningite na cidade começaram a cair.

Vinicius Torres Freire – As ideais da entidade ‘os empresários’

- Folha de S. Paulo

O que vai pela cabeça política de empresários que temem e detestam Bolsonaro e pensa 22

Os empresários” e “os militares” reapareceram na conversa política como entidades ou caricaturas de um modo que não se ouvia fazia décadas (mas não “os trabalhadores”). A gente sabe pouco dessas abstrações genéricas. Para aumentar um pouco a confusão, este jornalista ouviu seis empresários de negócios que estão entre os cem maiores do país.

A amostra é enviesada. São todos do centro-sul, nenhum do relevante agronegócio. É gente que lê, parece a velha elite tucana e participa do debate público, mas pede reserva em conversas que envolvam Jair Bolsonaro. A seguir, depoimentos sobre a “articulação” de empresários para 2022.

 “Tem um grande desgosto com essa forma totalitária de agir. O Bolsonaro não tem adversários, tem inimigos.”

“Os empresários têm receio do poder de qualquer governo [por isso evitariam a exposição política]. O principal instrumento de retaliação é a Receita, não importa se está tudo correto. E esse governo tem também as redes sociais para te difamar e ameaçar.

Bruno Boghossian - A CPI e o negacionista-chefe

- Folha de S. Paulo

Comissão pode investigar atos com impressão digital de Bolsonaro na pandemia

No pedido de criação da CPI da Covid, senadores anunciaram a apuração de "ações e omissões do governo federal". O objeto formal da investigação não menciona nomes específicos, mas nem precisava. Parlamentares dizem que um dos propósitos centrais da comissão é expor os atos praticados diretamente por Jair Bolsonaro na pandemia.

O presidente é o negacionista-chefe da equipe que administra o morticínio, mas sua imagem permanece intacta para uma parcela da população. Ainda que a reprovação a seu trabalho tenha crescido, o esforço esdrúxulo de Bolsonaro para se desviar de responsabilidades foi suficiente para ajudá-lo a preservar o apoio de cerca de 30% de brasileiros.

Janio de Freitas – A criminalidade em questão

- Folha de S. Paulo

Há mais do que crimes de responsabilidade à mercê de uma CPI, há crimes contra pessoas

Os 61 mortos por asfixia à falta de oxigênio por si sós justificam a CPI que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, precisou ser obrigado pelo Supremo a instalar. Esse horror sofrido em hospitais do Amazonas está envolto por quantidade tão torrencial de horrores que uma CPI é insuficiente para dar-lhes as devidas respostas.

Apesar de tantos fatos e dados à sua disposição, com fartura de comprovações já prontas e públicas, a mera possibilidade da CPI nos força a encarar outra tragédia: no Brasil de 4.000 mortos de Covid por dia, não se conta com seriedade nem para evitar-nos a dúvida de que a CPI busque, de fato, as responsabilidades pelo morticínio, as quais já conhecemos na prática.

A reação imediata dos contrariados é a esperável, mas também traz sua incógnita. O choque iniciado com o STF soma-se ao jogo duro do governo, sobre os parlamentares, para dominar tudo que se refira à CPI. Disso decorre um potencial alto de agravamento e de incidentes sob a nova, e ainda mal conhecida, disposição de forças derivada das alterações em ministérios e em cargos e correntes militares.

Hélio Schwartsman - A sabedoria dos peixes

- Folha de S. Paulo

Se avaliarmos a inteligência pisciana, eles se revelam verdadeiros Einsteins

Na cultura pop, peixes, com sua proverbial memória de três segundos, viraram sinônimo de burrice (outro preconceito especista nosso, desta vez contra os asininos). Foi para tentar desmontar essa máquina de “fake news” que o etologista Jonathan Balcombe escreveu “What a Fish Knows” (o que um peixe sabe).

A obra mostra que, se utilizarmos as medidas certas, isto é, se avaliarmos a inteligência pisciana pelas questões que são relevantes para peixes, eles se revelam verdadeiros Einsteins, superando até chimpanzés e crianças em alguns testes.

Recorrendo a um amplo rol de experimentos controlados e casos curiosos, Balcombe faz um bom inventário das capacidades íctias. Alguns de nossos primos escamosos exibem preferências por indivíduos da mesma ou de outras espécies (amizade), são capazes de manipular o comportamento de terceiros (maquiavelismo) e apresentam excelente memória, que dura meses e talvez até anos. Seus hábitos sexuais e reprodutivos são dos mais interessantes.

Dorrit Harazim - Terra em transe

- O Globo

O capitão Jair e o Dr. Jairinho têm algo em comum: gostariam de virar a página. O primeiro é presidente do Brasil. Como a responsabilidade pelo caos pandêmico não sai de seu colo, ele explora tentativas cada vez mais bizarras de virar a página, de varrer a realidade fúnebre do país nem que seja aprofundando ao extremo o precipício. A mortandade que o capitão semeia é coletiva.

Já o Dr. Jairinho prefere semear terror individual. Por espancamento. Foi preso com a mulher esta semana pelo assassinato do enteado Henry, de 4 anos. Vereador carioca no quinto mandato e habituado a trafegar nas paralelas, Jairo Souza Santos Junior procurou varrer a realidade de seu crime ainda no hospital — pediu, ao arrepio da lei, que o corpo do menino não fosse encaminhado para o Instituto Médico Legal. Pretendia encaminhá-lo a um legista particular para, em suas próprias palavras, “poder virar a página logo”. Felizmente, não foi atendido. Mais tarde, segundo relato do devastado pai biológico da criança, o vereador teria se dirigido a ele em termos ainda mais crus: “Mermão, vira essa página, vida que segue. Você faz outro filho”.

Frieza insaciável existe.

Jair e Jairinho têm em comum uma desumanidade doentia. Ela parece não ter fim neste Brasil em transe, resignado a chorar. É natural chorar pelo menino Henry mesmo sem tê-lo conhecido, pois os elementos conhecidos do caso geram empatia universal: o horror e medo de uma criança brutalizada até desfalecer, a animalidade de um padrasto espancador, a frieza criminosa da mãe. Como não querer escancarar os braços para proteger o miudinho indefeso?

Cacá Diegues - A imaginação de Bolsonaro não tem limites

- O Globo

Se a realidade o incomoda, ele encontra sempre um jeito de passar por cima dela

Ninguém me contou, eu mesmo vi Jair Bolsonaro declarar na televisão que tinha informação segura de que a eleição americana tinha sido fraudada. Como o vi, meses antes, dizer que, em 2018, tinha sido roubado, pois havia vencido a eleição para presidente no primeiro turno. Nos dois casos, como sempre faz, nunca apresentou prova alguma.<SW>

A imaginação do homem não tem limites. Se a realidade o incomoda, ele encontra sempre um jeito de passar por cima dela, contando uma história lá da cabeça dele. A gente até acha graça do que considera desinformação. Mas, de repente, paramos pra pensar e descobrimos uma certa coerência nisso tudo, uma teia que ele tece aos poucos com seus parceiros. Como os galos da manhã de João Cabral, eles nos anunciam um outro dia que nasce radiante. Um dia de radiante horror.

Sua eleição deu-se por infeliz coincidência entre um candidato que representava políticos de quem ninguém queria mais saber e outro que ninguém conhecia, mas se parecia com aquele simpático conversa mole de botequim, sempre dizendo besteiras que nos fazem rir amorosamente. Com ele eleito, descobrimos que era tudo uma peça que a democracia nos pregava. Alguém aí tem hoje alguma dúvida de que, quando ele perder a eleição de 2022, vai declarar que houve fraude e armar um fuzuê para não deixar o poder? O homem só pensa nisso.

Música | Paulinho da Viola - Pecado capital

 

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Domingo

Nenhum desejo neste domingo
nenhum problema nesta vida
o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
domingo sem fim nem começo.

A mão que escreve este poema
não sabe o que está escrevendo
mas é possível que se soubesse
nem ligasse.