segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Além dos limites e seduções do poder

Marco Aurélio
Júlio Antônio Bonatti Santos
DEU EM GRAMSCI E O BRASIL

Marco Aurélio Nogueira. Potência, limites e seduções do poder. São Paulo: Editora Unesp, 2008. 140p.

Teorizada, julgada e exaltada por grandes pensadores desde a Antiguidade, a temática do poder enfrenta percalços de conceituação que vão além das meras elucubrações de praxe. Seu léxico abarca uma infindável gama de considerações acerca das relações que caracterizam qualquer tipo de dominação de um ser por outro, tornando assim quase impossível sua compreensão de maneira estática e acabada. No entanto, entender de forma crítica as manifestações do poder no tempo hodierno, mormente no tocante à nossa consistência de zoon politikon, faz-se tarefa premente.

Quando se tem o intuito de pensar o poder, impõe-se primeiramente a necessidade de analisar as razões da obediência — os porquês da submissão de alguns aos ditames de outrem. No que se refere à política, palco por excelência do poder, tem-se a indagação secular que, a despeito das infindáveis teses sobre ela, ainda não encontra respostas suficientes: por que a maioria, naturalmente mais forte, se submete e aceita servir à fraca minoria?

Em muito este livro contribui para elucidar tal questão, não tendo, obviamente, o objetivo último de dar cabo dela. Marco Aurélio Nogueira sintetiza as principais contribuições de vários pensadores que dela se ocuparam (Maquiavel, Hobbes, Rousseau, Weber, Gramsci, Foucault, Bobbio, entre outros) e, com liberdade, busca avançar o debate em torno de conceitos-chave, como disciplina, organização, burocracia, liderança, globalização, neoliberalismo e modernidade, perscrutando suas relações intrínsecas com a ideia central de poder e com o poder específico do Estado.

Ao iniciar seu trabalho, o autor parte de conceituações genéricas, elucidando os múltiplos significados possíveis de depreender do poder em si. Na esfera individual, cada um de nós seria tentado a experimentar a volúpia de senti-lo em mãos. E, a despeito do “perigo diabólico” que envolve todo contato direto com a fonte do poder, é irresistível e inevitável ao indivíduo dele possuidor demonstrar conspicuamente o domínio, em ato e potência, que exerce sobre os outros. Para tanto, o poder precisa ser materializado, distendido da ação pura e simbolizado em alguma imagem instituída de conquista, destruição ou proteção.

Deste ponto em diante, Nogueira desenvolve seu raciocínio em torno das implicações mais contundentes do poder no âmbito da sociedade globalizada. Na ânsia de dominar a natureza e seus demais semelhantes, de conquistar um campo de ação cada vez mais amplo, o homem se vê menor, efêmero e impotente ante a hostilidade do meio físico que o transcende. Há aí, incrustada neste processo, a dialética da dominação: ao impingir sua vontade sobre a natureza e fazer valer seus interesses de exploração, o homem destrói a si próprio — que também é natureza — e se vê refém das forças que esta acumula e lhe devolve.

Ampliando, agregando e aprofundando novas perspectivas para pensar o poder, Nogueira enfrenta o tema da globalização. O autor desnuda os rumos por ela tomados nos últimos anos, no que concerne ao falso consenso de que os campos decisórios de encadeamento global se restringiriam tão somente à esfera econômica. Tece, logo em seguida, uma argumentação crítica bem fundamentada ao neoliberalismo, matizando sua deturpação dos valores democráticos e de outros princípios geradores do liberalismo clássico. Em última instância, a ideologia neoliberal defenderia o poder do mercado sobre o poder do Estado, a dinâmica econômica prescindindo da ação política direta, sendo que, deste modo, “deveríamos todos viver de costas para Estados e governos, indiferentes a partidos, a parlamentos e a regulamentações legais” (p. 29).

Ainda que estes valores neoliberais ensejem um lugar comum no pensamento dos grandes líderes de multinacionais e outros donos do capital fluente no mundo, sabe-se da impossibilidade da ação econômica privada suplantar a função do Estado como mantenedor dos sistemas de proteção social. Ademais, como bem explícito fica nos primeiros capítulos do livro, é patente o consenso de que a globalização sob a égide da ideologia neoliberal não suprimiu as reivindicações e as conquistas políticas de seguridade social, pelo contrário: se espalham e se fortificam cada vez mais os órgãos internacionais de regulação e controle do poder, fundados nos pilares do desenvolvimento humano, em suas várias gradações, e na bandeira triunfante da democracia.

Se tomarmos por base as tendências centralizadoras do poder político que vingaram alguns decênios atrás, hoje o poder toma novos rumos: está diluído entre várias instâncias, não somente restrito ao Estado, mas representado em algumas instituições pela sociedade civil. Nos trâmites da globalização, o poder encontra-se demasiado fragmentado: houve uma democratização do acesso ao poder no sentido de este passar por um campo decisório e de controle que congrega mais pessoas. Porém, naquilo que compete ao acesso de fato aos benefícios do poder, Nogueira pontua a contradição das desigualdades sociais existentes, sempre recrudescidas, e a miséria de inúmeros povos figurando ao lado do crescimento das riquezas econômicas e melhorias políticas da sociedade global.

Quanto ao percurso histórico de certas doutrinas do poder do Estado e da ciência política, Nogueira ressalta que devemos a Maquiavel a liberação da ideia de poder de suas vinculações teológicas. A “razão de Estado” tem aí sua gênese concisa: a esfera do político não é algo divino, mas terreno; o poder dos homens não se deve pautar em ditames e preceitos da tradição, ou nos preconceitos e crenças religiosas, mas sim na razão, na análise da história e na compreensão de suas exigências conforme as circunstâncias.

De acordo com Nogueira, é mister do poder sua manifestação contínua, recorrente, que refaz sua imagem de dominação para que seus submissos não o ameacem. Todavia, o recurso da força, se utilizado com frequência, evidencia a fraqueza do poderoso: aquilo que demanda um teste, obrigado à coerção para se mostrar e manter, revela um conflito patente de afirmação. Somado a isso, o uso da força requer um alto custo ao Estado, sendo mais racional estruturar um sistema de controle que vigie os cidadãos de forma espontânea, dispensando ou minimizando a ação direta do poder ostensivo. Assim, há em demasia mecanismos controladores, de imputações disciplinares sutis, imiscuídos no convívio prosaico dos indivíduos que comungam de um mesmo território sob a tutela do Estado.

Para o autor, a cristalização do domínio do Estado sobre seus súditos veio com o advento da sociedade moderna, que trouxe consigo o fruto da organização — a burocracia — como princípio básico: o contato entre as forças em cena passa a ser cada vez menos direto, necessitando o poder sempre de intermediações, de encarregados competentes sobre suas áreas que buscam oficializar um caráter impessoal no trato entre os que vão de encontro ao poder e os que o representam. O poder passa a fazer parte de um sistema de poderes. A diversificação técnica e o aprimoramento dos conhecimentos científicos geraram consigo um novo encadeamento de vários nichos de poder.

Mas o poder em exercício, que existe de fato, enfrenta outras dificuldades de aceitação e efetivação. Ele não necessariamente tem autoridade e, nesse sentido, há um ponto nevrálgico a se resolver que é o da “legitimidade”. Ao tratar desta questão, Nogueira toma como base a tipificação weberiana da dominação legítima (o poder tradicional, o poder do carisma e o poder racional-legal). Todo poder de um governo sobre seus governados, para se fazer legítimo, teria suas pilastras fundadas, ou nos costumes, há muito enraizados na memória e nos hábitos que dão identidade ao povo de uma nação; ou nas capacidades extraordinárias de um indivíduo, dotado de uma graça especial que o faz liderar, ou sobre um conjunto de leis expressando a racionalidade e a técnica do poder, numa forma praticamente burocrática de governar.

A “modernidade radicalizada” e a burocratização de nossos tempos trouxeram o desencanto com o mundo: não se incorreria mais na possibilidade do erro, cada vez mais exato e conformado com os padrões técnico-científicos, adequados à racionalização perpétua. Os campos do arbítrio e da moral, por si relativos, seriam banidos do desejável ante o escopo do possível num mundo assaz burocratizado e objetivo. O cotidiano do poder, subdividido e tendenciosamente oligárquico, prontamente suplantaria o carisma de um grande líder, que congregasse as esperanças de quaisquer humanismos.

Não obstante, cônscio da inevitabilidade do poder, principalmente dos aparelhos repressores do Estado, Nogueira aposta a todo custo na democracia. Destarte, a democracia seria a melhor forma possível de convívio político, por congregar o maior número de pessoas com interesses diversos em torno dos campos de debate e decisão dos assuntos públicos. Além do quê, os problemas que um Estado democrático apresenta são significativamente menores que aqueles advindos de uma oligarquia explícita ou uma autocracia constituída.

Enfim, a solução para interromper os caminhos da onipotência do poder (econômico, ideológico, político, burocrático) está na sua “politização”. Precisamos penetrar nesta racionalidade instrumental que escraviza o mundo globalizado com a razão crítica e política. E, nas palavras de Marco Aurélio Nogueira, devemos ter consciência que “podemos usar o poder contra o poder”, fazendo da democracia o poder legítimo e ideal para contestarmos toda forma de opressão e construirmos uma coletividade deveras humana e igualitária.

Júlio Antônio Bonatti Santos é estudante do curso de História da Unesp/Franca.

A conjuntura, Brasil e Estados Unidos

Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO


No dia 27, em sua coluna no Valor, Maria Inês Nassif apontava com acerto um aspecto que merece atenção da cena política brasileira atual: o fato de que o descrédito dos políticos e de várias faces de nossa dinâmica institucional se dá sem que seja comprometida a estabilidade política. De fato, especialmente na perspectiva das muitas turbulências que, em tempos ainda recentes, culminaram na longa ditadura militar de 1964, é notável, e notavelmente positivo, que os problemas com que se liga aquele descrédito perante a santificada e problemática "opinião pública" sejam processados institucionalmente, sem mais, e que as dificuldades enfrentadas possam elas mesmas ser vistas, assim, como um fator de fortalecimento institucional. Ainda no dia seguinte à publicação da coluna de Nassif, vimos o STF a decidir sobre a denúncia de Antonio Palocci e outros no caso Francenildo com base em matizes na interpretação das leis pertinentes - seguramente para o desagrado das certezas rombudas de parte substancial da opinião pública e seus pregoeiros - e encerrar o assunto, não obstante os desdobramentos politicamente relevantes por possibilitar-se o ressurgimento público desembaraçado do ex-ministro .

Algumas reflexões são sugeridas pelo confronto desse aspecto de nossa atualidade política com o momento vivido pelos Estados Unidos. O que se vê nos EUA, com a intensificação da "guerra cultural" e a feição que adquire com a eleição de Barack Obama e as resistências suscitadas, pode provavelmente ser descrito como a reabertura do problema "constitucional", no sentido em que tenho usado aqui a expressão, indicando o desafio de acomodação institucional estável dos conflitos sociais básicos. Assim, vemos a reforma da saúde, setor em que se tem evidência gritante das deficiências da incorporação social no país, erigida em pedra de toque ideológica em que se afere a fidelidade patriótica ou a traição "socialista" dos valores americanos, enquanto pesados interesses econômico-financeiros se mobilizam contra. Vemos, de maneira talvez mais reveladora pelos traços que exibe, a incitação à violência: em artigo de 22 de agosto no "New York Times" ("The Guns of August"), Frank Rich volta com apreensão crescente ao tema para advertir contra o "murmúrio efervescente de violência" na política americana, em que a ação dos malucos armados (que se têm feito presentes, aos bandos, até em eventos públicos, sem falar de efetivos assassinatos praticados, como o do guarda do Museu do Holocausto em Washington por um neonazista ligado ao movimento "birther" contra Obama, ou o do médico executado por um fanático antiaborto no Kansas) encontra agora inédito apoio aberto nas manifestações de lideranças do Partido Republicano, como o senador Tom Coburn ou o congressista Phil Gingrey, sem falar da campanha presidencial do ano passado e da atuação de Sarah Palin. Apesar da conexão menos direta com a dimensão social do problema "constitucional" tal como considerado aqui, também os descaminhos legais da "guerra ao terror" de Bush são certamente relevantes na criação do clima geral sombrio.

É evidente o sentido em que o fato de "reabrir-se" o problema constitucional merece leitura positiva. Esse é o sentido em que a eleição de Obama é em si mesma um avanço na incorporação sociopolítica de minorias submetidas longamente a condições de inferioridade, e é apenas um desdobramento natural que ela se traduza em políticas de governo incorporadoras em que certos conflitos se agudizam. O confronto com o Brasil permite salientar tanto contrastes quanto paralelos relevantes.

Para começar, cabe ver um Lula presidente (ou uma Marina Silva como potencial candidata relevante à Presidência) como fenômeno de relevância "constitucional" análoga por aspectos importantes, e o aguçamento "udenista", como diz Maria Inês Nassif, do enfrentamento governo-oposição no período recente também comporta analogia com a polarização intensificada nos EUA. Nossa condição atual, porém, à parte o fato de carecermos da peculiar tradição individualista em que se cultua o acesso às armas e proliferam os malucos armados, redunda em recuo - e, ao que parece, aprendizado - em relação a momentos, apenas um pouco menos recentes, de mais agudos enfrentamentos "constitucionais", em que as instituições políticas se viram radicalmente comprometidas e houve o recurso aberto e desregrado à violência política.

Não há por que presumir que venhamos a ter também nos Estados Unidos a violência política que vá além dos malucos armados e alcance mais fortemente o plano institucional. Contudo, é preocupante que as vacilações e os recuos produzidos na postura do governo Obama pelo empenho de mitigar o enfrentamento e a polarização (vacilações que se mostram nas propostas quanto à reforma da saúde, ou nas medidas destinadas a superar a crise econômica) alcancem até os desmandos da "guerra ao terror" e o abandono que revelam do apego à ideia de direitos civis ou humanos, mais comezinhos e consensuais do que a de direitos sociais. Pois isso redunda em corroborar a conduta pela qual um Estado há muito consolidado em seus fundamentos liberais decide por de lado os princípios legais que o definem como tal e agir como o bandido que comete crimes supostamente políticos, em que a violência arbitrária seria justificada pela suposta nobreza da causa - o que, note-se, arrisca legitimar tortamente as disposições dos malucos armados. A anistia assim concedida implicitamente aos torturadores e criminosos seria mesmo menos defensável do que a dos torturadores do regime de 1964 que presentemente se discute entre nós. Pois, à diferença de Bush e seus agentes, estes operaram em circunstâncias em que uma ditadura indisfarçada atropelara radicalmente o quadro institucional-legal e os mantinha inapelavelmente sob as ordens dos ditadores.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais.

A novidade

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Marina Silva discursou ontem por 34 minutos. Filiou-se ao Partido Verde. Firme, culta, falou para a classe média bem informada. Citou Gandhi, Mandela, Luther King, Leonardo Boff, Santo Agostinho e Guimarães Rosa.

A cerimônia foi transmitida ao vivo pela internet. A senadora pelo Acre deixou o PT disposta, como disse, a "construir uma nova casa". Ela é uma novidade, mas se soma a outra ainda maior que é o uso da web na política. O PV e sua cúpula parecem estar dispostos a pisar firme nessa estrada irreversível.

Se for candidata a presidente, o maior obstáculo de Marina é o tamanho de seu novo minúsculo partido e o tempo mínimo que terá na TV durante a campanha. Aí entrará um pouco, como ontem, a força realmente nova da eleição de 2010: o uso amplo da internet.

Mas é necessário relativizar antes de classificar Marina como um "Obama de saia". Nos EUA, foi transposta no ano 2000 a barreira de mais de 50% dos domicílios conectados à rede mundial. Aqui, numa conta otimista, haverá cerca de 60 milhões de internautas em 2010 -num universo próximo de 200 milhões de brasileiros.

É claro que 60 milhões formam um contingente nada desprezível. Mas esse é também o número mínimo de votos para vencer a eleição presidencial de 2010 -Lula, em 2006, foi reeleito no segundo turno com 58,3 milhões de votos.

Marina Silva certamente terá como se beneficiar do novo meio. Sobretudo arrecadando fundos e oferecendo uma forma de participação eficaz aos seus eleitores nestes tempos de praças vazias.

Ainda assim, no Brasil, é sobretudo pela TV o contato com os eleitores. Até porque está prestes a ser votada uma lei no Congresso restringindo o uso da web na política. Tudo somado, sem alianças para turbinar seu horário eleitoral, a senadora acriana arrisca-se a entrar na disputa sem chances reais.

Serra quer aproximação com sindicatos

Paulo Totti, de Praia Grande (SP)
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Quem convidar o governador de São Paulo para eventos promovidos por sindicatos de trabalhadores deve efetivamente reservar-lhe um lugar à mesa. José Serra, o mais provável candidato do PSDB à Presidência da República, decidiu comparecer a todos os atos sindicais a que for convidado. Confirmará presença na última hora, chegará com algum atraso, mas fará até discurso. Sindicalistas como o padeiro Chiquinho Pereira, tesoureiro estadual do PPS, antigo PCB, articularão os convites.

Ao contrário da campanha de 2002, quando pouca referência fez à sua militância contra a ditadura, Serra quer agora demonstrar que convive com dirigentes sindicais desde quando foi presidente da União Nacional dos Estudantes, UNE (1963-64), e participou da Frente de Mobilização Popular pelas reformas de base do então presidente João Goulart. Como constituinte, deputado federal, senador e ministro, Serra patrocinou iniciativas como o seguro-desemprego, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), o programa de treinamento de mão-de-obra do Ministério do Trabalho e o indicador de desemprego do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese).

"A minha obra legislativa mais importante foi na área do trabalho", lembrou Serra sexta-feira para 853 representantes de 584 sindicatos de todo o país, filiados à União Geral dos Trabalhadores (UGT). A central, criada há dois anos numa fusão da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), Social Democracia Sindical (SDS) e Central Autônoma dos Trabalhadores (CAT), realizava no Ocian Praia Clube, em Praia Grande, sua Primeira Plenária Nacional. "Convidamos Serra, Aécio, Dilma, Marina, Ciro Gomes. Só Serra veio", disse o presidente da UGT, o comerciário paulista Ricardo Patah.

A UGT, segundo Patah, não decidiu a quem apoiará em 2010. Em 2006, Patah era tesoureiro da Força Sindical e apoiou a reeleição de Lula. "Fui vaiado na Força por causa do Lula", disse.

Na época, o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), presidente da Força Sindical, hoje na base do governo federal, apoiava a candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB). Patah afirma que está entre os fundadores da UGT porque a Força Sindical, como a CUT, tem predominância de metalúrgicos, e "há categorias de trabalhadores mais necessitados, como os comerciários e o pessoal de serviços. Esses são os verdadeiros excluídos". Os comerciários constituem a base nacional da UGT. Em São Paulo, a central conquistou a filiação do sindicato dos motoboys, categoria de 150 mil profissionais, com 30 mil sindicalizados.

"As pessoas dizem: Serra não gosta de sindicatos. Não é verdade. Ao contrário. Não há democracia numa sociedade forte sem sindicatos fortes", disse Serra, sob palmas. O governador sofre oposição dos sindicatos de servidores do Estado de São Paulo, inclusive da Apeoesp, a entidade dos professores onde Serra obteve seu primeiro emprego ao voltar de um exílio de 14 anos. Referindo-se a essa oposição que considera intolerante, Serra fez distinção entre bons e maus sindicalistas, "como os há no Senado, na área da saúde, na área do ensino, na política. Tudo que é ruim a gente deve combater", disse. E acrescentou: "O atrelamento político é um problema. Passa-se a usar a reivindicação social, de classe, para (beneficiar) partido político: "Vamos fazer greve aqui para desgastar o governador, o prefeito, o presidente". Isso é manipulação, não é luta social autêntica. Me considero aliado dos bons sindicalistas e por isso me considero aliado da UGT (mais aplausos)".

A aproximação com os trabalhadores organizados e, especialmente, a lembrança do passado estudantil é abordada pelo governador, entretanto, com cautela. Em Praia Grande, por exemplo, fez menção à sua amizade com Clodsmith Riani, presidente, em 1964, da Comando Geral dos Trabalhadores, cassado pelo golpe militar, mas a memória não retroagiu até o comício do dia 13 de março de 1964, na Central do Brasil, no Rio, onde foi um dos oradores mais radicais. O comício foi um dos pretextos para o golpe que viria a 1º de abril. A oposição, na época, chamava de pelegos e oficialistas os dirigentes da UNE.

Esclarecida essa questão de que não é inimigo dos trabalhadores - uma tentativa, no particular, de igualar-se aos adversários petistas - Serra partirá para o diferencial no discurso de candidato a presidente: a política de juros do governo Lula. O governador vai manter-se coerente com a crítica à ortodoxia monetária que já fazia ao próprio governo que integrava, o de Fernando Henrique Cardoso, e vai acentuar esse detalhe na disputa com Dilma Rousseff. Como Serra, a ministra não concorda com os juros praticados pelo Banco Central, mas não o explicitará na campanha para não contrariar o presidente Lula. Serra não fez, em Praia Grande, qualquer crítica a Lula (acusou apenas o prefeito de Carapicuíba, do PT, de omitir o apoio estadual a um programa de saúde local) mas não poupou a política econômica. "O Brasil cresceu menos que a economia mundial porque tem problemas na política econômica, especialmente nos juros. E isso tem a ver diretamente com o emprego dos trabalhadores." Novos aplausos.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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A Justiça é cega

Ricardo Noblat
DEU EM O GLOBO


"É questão de status: 99% dos brasileiros na situação de Palocci seriam réus a essa altura.” ( Luiz Flávio Gomes, jurista )

O que é, o que é? Tem tromba de elefante, corpo de elefante, pata de elefante, mas não é um elefante, segundo o Supremo Tribunal Federal? É o ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, depois de livrar-se da denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República contra os suspeitos pela quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa.

“Decisão judicial não se discute, cumpre-se”, repetem os que consideram errada uma sentença, mas preferem calar a respeito. Decisão judicial se discute, sim. Juiz não é infalível. A infalibilidade do Papa só se tornou dogma em 1817. Mesmo assim se restringe às questões e verdades relativas à fé e à moral. Acata-se decisão judicial. Mas quando possível se contesta junto à própria Justiça.

Francenildo foi caseiro de uma mansão em Brasília frequentada por prostitutas de luxo, Palocci e ex-assessores da época em que ele foi prefeito de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Desconfia-se que ali rolavam negócios sujos. Em depoimento na CPI dos Bingos do Senado, um motorista havia dito ter visto Palocci na mansão várias vezes. Palocci jurou jamais ter ido lá.

Descoberto pelo jornal O Estado de S. Paulo, Francenildo contou que flagrara Palocci na mansão de 10 a 20 vezes. A entrevista foi publicada no dia 14 de março de 2006. No dia 16, Francenildo renovou a acusação na CPI. Só pôde fazê-lo porque chegou com atraso ao Senado liminar concedida pelo ministro Cezar Peluso em ação impetrada pelo PT proibindo Francenildo de depor.

No mesmo dia, pelo menos seis órgãos do Estado, entre eles a Polícia Federal e a Receita, se ocuparam em devassar a vida de Francenildo. Um empregado da jornalista Helena Chagas confidenciara à ela que Francenildo procurava uma casa para comprar. Como poderia ter tanto dinheiro para isso? A informação bateu nos ouvidos do senador Tião Viana (PT-AC), que a repassou a Palocci, que convidou Helena para um encontro.

Palocci perguntou a Helena se o empregado dela toparia depor contra Francenildo. Helena respondeu que não. Às 19h, no Palácio do Planalto, Palocci reuniu-se com Jorge Mattoso, presidente da Caixa Econômica. Em seguida foi para casa e Mattoso voltou ao prédio da Caixa. Às 20h, Mattoso entregou a um assessor o CPF e o nome completo de Francenildo. Saiu para jantar em um restaurante.

Dali a uma hora, Mattoso recebeu do assessor um envelope pardo com os extratos bancários de Francenildo, dono de uma conta na Caixa e de depósitos que somavam R$ 38.860,00. Estava consumado o crime de quebra do sigilo bancário. Ainda no restaurante, Mattoso atendeu a um telefonema de Palocci. Foi ao encontro dele. Palocci examinou os extratos. Que no dia seguinte foram parar na sucursal da revista Época.

Pouco depois das 19h do dia 17, a revista postou os dados em seu site junto com a explicação de Francenildo sobre a origem do dinheiro - uma doação do empresário Eurípides Soares da Silva, seu pai. Eurípides confirmou a doação, mas negou que fosse pai de Francenildo. A tentativa de desacreditar o caseiro, sugerindo que ele fora subornado para mentir, acabou desmontada até as 22h. A mãe de Francenildo admitiu que ele era filho bastardo do empresário.

O próprio Eurípides confessou que dera dinheiro a Francenildo para não ter que reconhecê-lo como filho. “Por que fizeram isso comigo?”, queixou-se Francenildo. Porque “a corda sempre arrebenta do lado do mais fraco”, conferiu o ministro Marco Aurélio de Melo, um dos quatro votos vencidos na sessão do Supremo da semana passada. Cinco colegas dele rejeitaram a denúncia contra Palocci. Não viram indícios suficientes de sua participação na quebra do sigilo.

Sobrou para Mattoso, que será processado pela quebra do sigilo bancário do caseiro. Para a Justiça, o elefante da história é ele. Quanto a Palocci, poderia ter denunciado Mattoso ao receber dele os extratos de Francenildo. Ignora-se por que não o fez.

Marina no PV em clima de comício

Flávio Freire
DEU EM O GLOBO


Recebida como candidata, senadora chora e critica políticos

Asenadora Marina Silva (AC) filiou-se ontem ao Partido Verde (PV) em ato com tom de comício e marcado pela atmosfera de sua provável candidatura presidencial. Marina, que chegou a chorar, pontuou o discurso de 40 minutos entre elogios ao seu passado no PT e críticas veladas às políticas e aos personagens do governo federal, embora tenha evitado citar nomes. Numa metáfora sobre uma árvore amazônica em torno da qual nada consegue nascer, ela atacou a forma de fazer política no país.

- Ninguém deve querer ser líder de tudo e querer ser líder do resto. Isso não dá certo. No Brasil, isso está destruindo a política - disse ela.

Perguntada em seguida se o recado tinha endereço certo, saiu pela tangente.

- Não, não tem. Esse pode ser um recado até para mim mesma - disse, rindo.

Aos cerca de mil filiados do PV presentes, Marina procurou fazer uma defesa da incorporação das questões ambientais nas diferentes esferas de governo. Lembrou a amizade e trabalho ao lado do ambientalista Chico Mendes, assassinado no Acre em 1988, e citou Nelson Mandela e Martin Luther King. Uma das convidadas era a filha de Chico Mendes, Elenira. Mas foi o tom político que deu contorno ao discurso, principalmente nas queixas sobre diferenças ideológicas que levam à falta de ética na política.

- Em cima de princípios éticos e valores morais duradouros, podemos fazer alianças pontuais porque não somos obrigados a pensar da mesma forma e do mesmo jeito. Não somos sacos de estopa. Somos pessoas diferentes, com desejos diferentes, com interesses diferentes. Não é errado ter diferentes interesses. O erro é quando alguém, de forma ilegítima, faz seu interesse se sobrepor aos demais - disse Marina, sem citar nomes.

No discurso, ela evitou falar em candidatura presidencial, mas deixou escapar que o processo eleitoral está batendo à sua porta.

- Estamos aqui porque temos ideais, porque temos uma visão de mundo. Não apenas para ganhar uma eleição de deputado, vereador, senador, presidente da República - afirmou a senadora.

Marina, a certa altura, citou o escritor Guimarães Rosa para homenagear o PT.

- "Será que você seria capaz de se esquecer de mim e assim mesmo depois e depois, sem saber, sem querer, continuar gostando? Como é que a gente sabe?" Essa é a homenagem que faço para meu passado. Vou continuar gostando de todas aquelas pessoas que construíram aquela história - disse.

Depois, citou Santo Agostinho para agradecer as boas-vindas ao PV.

- "Tarde vos amei, beleza tão antiga e tão nova. Tarde vos amei. É que estava dentro de mim e eu estava fora de mim" - declamou, aplaudida de pé pelos convidados, entre eles o ministro da Cultura, Juca Ferreira, e o ex-ministro do Meio Ambiente, Zequinha Sarney, ambos do PV. Zequinha disse que PT e PSDB já estão de olho no "efeito Marina":

- Vamos qualificar a discussão política, que não ficará mais polarizada entre dois candidatos.

Marina também comentou um suposto embate com a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), pré-candidata petista à Presidência.

- A sociedade tem visões diferentes sobre essa questão do desenvolvimento sustentável, e isso ocorre também dentro do governo. Não vou me colocar de vítima da ministra Dilma - destacou ela, para quem a tese de que sua candidatura beneficiaria o candidato tucano à Presidência só funciona entre os que não pensam na agenda ambiental como prioridade de governo.

Para a senadora, quando ela era ministra do Meio Ambiente, "o que não tinha consenso (entre ela e Dilma) seguia para o presidente Lula arbitrar. Quando era ministra, até fizemos algumas coisas juntas".

Antes da chegada de Marina ao bufê Rosa Rosarium, no bairro de Pinheiros, a organização do evento exibiu vídeo mostrando a empolgação de militantes verdes pelo Brasil com a filiação da senadora ao partido.

Muito aplaudido no discurso, o deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) - derrotado na eleição de 2008 para a prefeitura do Rio - reconheceu que o PV poderia ter crescido mais, "mas agora começa a se abrir uma nova oportunidade". Em seguida, fez duras críticas ao momento atual na política:

- Esse tema (a ética na política) é importante porque nós temos no Brasil hoje um governo moralmente frouxo, um Congresso apodrecido e um Supremo Tribunal Federal em princípio de decomposição com a decisão tomada nesta semana - em referência ao arquivamento da acusação contra o ex-ministro Antônio Palocci, acusado da quebra de sigilo do caseiro Francenildo Costa.

O Hino Nacional acabara de ser tocado quando Marina entrou. A senadora chegou à mesa de autoridades com a ajuda de um cordão de isolamento, formado por seguranças e pelas mulheres de dirigentes do partido. O público gritava: "Brasil, urgente, Marina presidente", enquanto ela acenava. Na primeira fila, os filhos, sobrinhos e os sogros de Marina acompanharam a cerimônia. A direção do partido não informou quanto gastou na festa.

Lula cede à pressão dos governadores do pré-sal

Christiane Samarco, BRASÍLIA
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Isolado na negociação das regras para a exploração de petróleo na camada do pré-sal, o presidente Lula acabou forçado a ceder à pressão dos Estados produtores de óleo - Rio, São Paulo e Espírito Santo - antes mesmo do anúncio oficial hoje, em cerimônia pomposa, do novo modelo regulatório do setor. Para a cerimônia, foram convidadas 3 mil pessoas. Lula queria uma partilha dos royalties igual para todos os Estados. Mas os governadores Sérgio Cabral (RJ), Paulo Hartung (ES) e José Serra (SP) disseram não às mudanças e, pelo menos por enquanto, as regras da distribuição dos royalties deverão continuar como estão. Os três foram chamados para um jantar com Lula, ontem, no Palácio da Alvorada, para receber informações sobre os projetos para o pré-sal e avisaram que não participarão da cerimônia de hoje. A proposta do governo será lançada na forma de três projetos - um criando a nova estatal de petróleo do pré-sal; outro alterando o sistema de contratos, que passará do modelo atual de concessão para a partilha, e o último sobre o novo Fundo Social para gerir e distribuir os recursos.

Lula cede à pressão de governadores dos Estados produtores de petróleo

Sistema de partilha de royalties deverá, por enquanto, continuar como está, como queriam Cabral, Hartung e Serra

Isolado na negociação das regras para a exploração de petróleo na camada do pré-sal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acabou forçado a ceder à pressão dos Estados produtores de óleo - Rio, São Paulo e Espírito Santo. O anúncio oficial do novo modelo regulatório do setor ocorre hoje, em cerimônia pomposa. Para o evento no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, foram convidadas 3 mil pessoas.

Lula queria uma partilha dos royalties igual para todos os Estados. Mas os governadores do Rio, Sérgio Cabral, do Espírito Santo, Paulo Hartung, e de São Paulo, José Serra, fincaram pé na compensação aos Estados produtores. Nas áreas já licitadas por regime de concessão, as regras da distribuição dos royalties continua como estão. Os três foram chamados para um jantar com o presidente Lula, ontem, no Palácio da Alvorada, para receber informações sobre os projetos do pré-sal. Eles avisaram que voltariam para os seus Estados após o jantar e, portanto, não participariam da cerimônia de hoje.

A proposta do governo será lançada na forma de três projetos: um criando a nova estatal de petróleo do pré-sal; outro alterando o modelo de contrato de concessão para um sistema de partilha, com as regras de transição do modelo atual para o novo; e o último sobre a criação de um Fundo Social para gerir e distribuir os recursos.

As propostas seguirão para o Congresso hoje mesmo, em regime de urgência constitucional, o que dá aos parlamentares o prazo máximo de 90 dias para aprovar a matéria - 45 dias na Câmara e 45 dias no Senado.

Aliados e adversários de Lula avaliam que o governo conduziu mal a negociação. Primeiro, por não ter chamado nenhum setor para opinar sobre o modelo e, segundo, por começar pressionando o Congresso a concluir em três meses a análise e a votação de projetos que o governo levou mais de um ano para elaborar. Além de ficar exposto à pressão dos governadores, que exigiram, e levaram, um tratamento "diferenciado" na partilha dos royalties, Lula teve de enfrentar críticas até de aliados, como o governador petista de Sergipe, Marcelo Déda.

Serra, Cabral e Hartung desembarcaram em Brasília pouco antes das 19 horas. Antes de irem para o jantar com Lula, no Palácio da Alvorada, fizeram uma breve reunião no hangar da Líder Táxi Aéreo. "Vim para ouvir, para conhecer a proposta", disse o governador José Serra.
"Essencial para mim são os prazos para o debate dessa proposta. Já se passaram quase dois anos desde que o pré-sal foi anunciado e ainda existem muitas incógnitas sobre a proposta".

Para o governador, fundamental é ter um bom conhecimento das propostas e que se faça um bom debate a seu respeito, sem interferências político-partidárias, porque se referem a "marcos muito importantes que vão condicionar o futuro econômico no médio e longo prazo". "Tem de ser algo muito positivo para o Brasil. Se não for muito bem discutido e conduzido, poderá comprometer as questões futuras. Tem de haver tempo para que a proposta seja muito bem debatida."

Ao optar por se isolar no debate sobre o pré-sal, o governo acabou ficando numa situação incômoda. Nenhum dos 24 governadores, que seriam beneficiados com a possibilidade de mudança na distribuição dos royalties, saiu em defesa do governo e do presidente Lula.

Aliados e adversários do Planalto no Congresso também reclamam da pressa do governo em remeter ao Legislativo uma proposta que não foi debatida com a sociedade. Só para se ter uma ideia, a 24 horas do lançamento, em plena manhã de domingo, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, ainda tentavam dar os retoques finais na proposta. Segundo Lobão, o encontro ocorreu para que fossem fechados "os últimos detalhes" do novo marco regulatório. Mas ele próprio ainda não tinha certeza de nada . "O presidente Lula deve tomar a decisão sobre o modelo de partilha no final desta tarde", disse Lobão.

O setor industrial ficou tão insatisfeito por não ter sido ouvido que seus representantes enviaram mensagens pela internet aos governadores do Rio, Espírito Santo e São Paulo agradecendo-os pela interferência.

Apartada das discussões, a indústria vem trabalhando nos bastidores para fazer reserva doméstica de mercado. O que se quer é que toda a extração do pré-sal conte com uma taxa mínima de equipamentos fabricados localmente, o chamado índice de nacionalidade.

Como o setor admite não estar preparado para tal no momento, a ideia é contar com uma atuação forte do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) por meio de financiamentos. A exigência do setor produtivo começa, aos poucos, a ganhar eco já que, na semana passada, o próprio presidente da instituição, Luciano Coutinho, defendeu esse ponto em Brasília.

Nos casos em que não houver know-how brasileiro para a construção de máquinas e equipamentos, o lobby nos bastidores é para que empresas estrangeiras montem parcerias com indústrias nacionais, por meio de joint ventures. O objetivo é barrar a todo o custo a simples importação de máquinas e equipamentos. Se a pressão do setor dará certo, ainda não se sabe, pois essa é uma questão a ser debatida apenas em um segundo momento. Os industriais contam, porém, com a sinalização dada pelo presidente Lula de que quer aproveitar a onda positiva do pré-sal para desenvolver a indústria naval brasileira.

A crise internacional: as verdadeiras e as falsas questões

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Estamos entrando no terço final de 2009 com uma visão mais clara sobre os fatores que levaram à crise financeira que nos atingiu a partir do colapso do banco Lehman Brothers. Um dos pontos centrais na sua construção foi certamente a questão da regulação e controle das instituições financeiras. Mesmo não sendo a origem propriamente dita da crise, a regulação falha permitiu que os elementos de fragilidade no sistema assumissem enormes proporções. Depois de termos vivido um longo período em que prevaleceu a ilusão da racionalidade intrínseca aos mercados financeiros, hoje há novamente o reconhecimento das fragilidades e dos riscos sistêmicos associados a seu funcionamento.

Não tenho dúvidas de que um novo entendimento sobre o controle da atividade financeira nascerá a partir das lições duramente aprendidas nestes dois últimos anos. Esta minha posição nasce também a partir do acompanhamento de fatos ocorridos recentemente. Cito ao leitor do Valor dois que me impressionaram nos últimos dias: o presidente da poderosa agência que regula os mercados futuros nos Estados Unidos - a CFTC - falando à imprensa revela que já há consenso nesse órgão de que os mercados de derivativos financeiros precisam ter uma regulação própria. Ele - que foi funcionário do Tesouro americano entre 1997 e 2001 - cita que, em 2000, no governo Clinton, essa mesma questão foi discutida no âmbito dessa agência federal e a decisão foi a de deixar o mercado totalmente livre de regulação externa, o que, em sua análise, foi um erro muito grave.

O outro fato que merece nossa atenção está estampado na edição de sexta-feira do site da Bloomberg. A SEC, outra agência regulatória do governo americano e responsável pelo mercado de títulos em geral, contratou um respeitado professor universitário para ser o responsável pela análise de risco nas operações sob sua supervisão. "Nós estamos criando um novo foco na análise de riscos para podermos identificar as áreas da indústria de títulos financeiros que podem representar riscos para os investidores" disse o presidente da SEC à agência de notícias. É preciso lembrar que, nos anos Bush, a SEC foi um dos centros do movimento pela liberdade total dos mercados.

Quem acompanha o dia a dia dos mercados financeiros sabe que o pensamento ultraliberal em relação à regulação dos mercados financeiros foi dominante desde a década de 1980, mas especialmente a partir do governo Clinton. Bush deu continuidade a essa visão. Os perigos associados a essa postura ficaram ainda maiores em função do aparecimento de uma série de inovações financeiras que criaram segmentos do mercado sem nenhum acompanhamento pelos órgãos reguladores. Além desses espaços sem lei, instrumentos legítimos de busca de eficiência das instituições financeiras e que funcionaram adequadamente durante muito tempo foram sendo desvirtuados. Como não havia a disposição das autoridades de acompanhar os movimentos das instituições financeiras, os riscos associados a essa evolução também não foram identificados com antecedência.

Tomemos o exemplo tão discutido do pagamento de bônus aos executivos das instituições financeiras. Essa prática, usada para estimular talentos, nasceu em instituições financeiras organizadas sob a forma de associação de sócios. Nesse tipo de instituição, a maioria dos funcionários que recebe bônus participa também no capital da empresa. Além disso, essas empresas não tinham ações colocadas no mercado junto a investidores. Elas funcionavam como uma grande cooperativa de funcionários, de maneira que o pagamento de bônus por performance a cada período não causava distorções em relação ao valor futuro dos lucros dos acionistas. Esse sistema funcionou de forma correta por décadas no mercado financeiro. Mas a partir do momento em que se aprofundou a separação entre beneficiários dos bônus e os detentores de ações, a racionalidade do sistema foi destruída e uma nova fonte de risco criada. Neste momento, os mecanismos que criavam estímulos positivos se tornaram instrumentos perigosos e destrutivos. O exemplo do ocorrido com o Citi e a Merrill Lynch, entre outros, é ilustrativo dessas mudanças.

Esse envelhecimento de todo um arcabouço institucional construído ao longo de muitos anos é o resultado direto de uma postura errada em relação à questão da regulação externa dos mercados. A interferência dos governos é a única forma capaz de equilibrar os interesses individuais, principalmente em função da assimetria de informações que existe no sistema financeiro moderno. No modelo ideal de regulação deveria haver a centralização das informações sobre as transações financeiras em um único órgão regulador. Mas isto certamente levaria à criação de uma burocracia enorme e que dificilmente conseguiria ser eficiente. Uma segunda alternativa seria a manutenção dos vários órgãos reguladores hoje existentes e a centralização apenas no caso das grandes unidades financeiras integradas e que representam riscos sistêmicos. Nesse caso o Banco Central assumiria esse papel.

Outra lição da crise atual e que será certamente incorporada no desenho de um novo sistema de regulação é que, no mundo integrado que existe hoje, o sistema de regulação e controle das operações financeiras não pode estar restrito às fronteiras nacionais. Uma das causas da crise recente foi exatamente a existência de espaços vazios de regulação entre um país e outro e que foi aproveitado por várias empresas para fugir da regulação. O exemplo mais claro dessa esperteza é o da AIG, que criou uma empresa em Londres para fugir da supervisão dos órgãos americanos no mercado de companhia de seguros.

Usando aqui a imagem dos movimentos de um pêndulo, podemos dizer que o risco agora passa a ser o de exagero na regulação. Os custos associados à liberdade excessiva dos mercados financeiros foram tão grandes que existe hoje um clima de caça às bruxas. Por isso o papel das cabeças mais lúcidas neste momento é o de evitar exageros, pois a liberdade legítima dos mercados precisa ser preservada para manter sua eficiência.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.

Japão: oposição obtém vitória esmagadora em eleição histórica

DEU EM O GLOBO ONLINE

TÓQUIO - O primeiro-ministro japonês, Taro Aso, anunciou sua renúncia como líder do partido que governou o Japão pelas últimas décadas em consequência da aparente vitória esmagadora do partido da oposição neste domingo, conforme indicam pesquisas de boca de urna. O Partido Democrata do Japão (PDJ) teria conquistado 308 das 480 cadeiras do Parlamento, impondo uma derrota sem precedentes ao Partido Liberal Democrata (PLD), que governou o país quase ininterruptamente nos últimos 54 anos.

- As pessoas estão de mal com a política e com o coalizão no governo. Sentimos as pessoas querendo mudanças e lutamos por uma mudança - disse o líder do PDJ, Yukio Hatoyama.

Hatoyama, neto de um ex-primeiro ministro, deve nomear uma equipe de transição na segunda-feira para preparar a tomada do poder.

Nos Estados Unidos, a Casa Branca divulgou um comunicado dizendo que o presidente Barack Obama espera "trabalhar em colaboração" com o novo premier japonês.

"Estamos confiantes que a forte aliança Japão-EUA e e parceria entre os dois países continuará a se desenvolver sob a liderança do próximo governo em Tóquio", disse a Casa Branca.

Segundo as pesquisas, a oposição teria quase o dobro de votos em relação aos conservadores. As principais armas do PDJ são a crescente desigualdade social que atinge o país e a necessidade de mudança no modelo da sociedade. Se confirmadas as projeções, o experiente atual premier Taro Aso deixa o cargo, pondo fim a uma era conservadora e abrindo espaço para que o oposicionista Yukio Hatoyama mude os paradigmas no Segundo o governo japonês, a participação nas eleições gerais deste domingo foi superior à registrada em 2005. Ao meio-dia (hora local) a participação dos eleitores japoneses era de 35,19%, 0,25% acima de 2005, segundo o Ministério do Interior.
Na jornada eleitoral de quatro anos atrás 67,5% dos eleitores japoneses foram às urnas durante as 13 horas em que os colégios ficam abertos.

Além disso, cerca de 14 milhões de pessoas já votaram antes da abertura das urnas - o que já é considerado um recorde histórico. Nas últimas eleições gerais, realizadas em setembro de 2005, 8,96 milhões de japoneses exerceram o direito ao voto antecipado.

Desde sua criação, em 1955, o Partido Liberal Democrata só deixou o poder por um breve período no início da década de 90. A história do partido se confunde com a do Japão. O PLD acompanhou o milagre econômico do pós-guerra e sobreviveu à crise dos anos 90, a chamada "década perdida". Mas, envelhecido, já não pode respirar sob os escombros da recessão. Às vésperas da eleição, foi anunciado o desemprego recorde de 5,7%. O país enfrenta deflação, teve crescimento negativo durante 15 meses, reagindo timidamente no último trimestre, e o déficit chega a 170% do PIB.

A favorita é uma força que nunca governou, o Partido Democrata do Japão (PDJ), que poderia levar até 300 das 480 cadeiras disputadas, elegendo o novo primeiro-ministro.

- Não acreditamos mais no futuro. Sempre votei no PLD, mas agora votarei na oposição. Acho que a responsabilidade só vem quando há uma mudança - diz a filha de um parlamentar de uma cidade no norte do Japão.

Uma gota de discórdia

Christian Carvalho Cruz
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

Crítico do sistema de cotas nas universidades brasileiras esquadrinha a história do racismo

SÃO PAULO - Cinco anos atrás, ao matricular sua filha em um colégio paulistano, o sociólogo e colunista do Estado Demétrio Magnoli se deparou com uma "aberração". Por orientação do Ministério da Educação, o formulário trazia um campo pedindo a raça do aluno. Magnoli tascou um "humana" na ficha e voltou para casa decidido a escrever Uma Gota de Sangue - História do Pensamento Racial (Editora Contexto, 400 págs., R$ 49,90), que chega às livrarias na quarta-feira, 2.

Libelo contra o que o autor chama de mito das raças - a necessidade de diferenciar seres humanos por sua ancestralidade, por uma única gota de sangue -, o livro mergulha fundo nas origens do racismo e seus desdobramentos nos tempos atuais. "Raças não existem. O que existe é o mito da raça, uma invenção recente, nascida há 150 anos junto com a expansão das potências europeias na África e na Ásia e usada para conquistar poder político e econômico", diz Magnoli.

Uma Gota de Sangue mostra como essa invenção teria sido desinventada no pós-guerra e reinventada pelos movimentos multiculturalistas de 30 anos mais tarde, culminando em um tema caro a Magnoli: a crítica ao sistema de cotas raciais adotadas em universidades públicas brasileiras. Para ele, uma política de Estado que "cria uma clientela eleitoral" e "instala o ódio racial no meio da classe média baixa trabalhadora".

O autor sustenta ainda um polêmico paradoxo: o de que os defensores de leis raciais de hoje resgatam o discurso que ontem ajudou a justificar a segregação entre brancos e negros. "Para os multiculturalistas, a igualdade é uma falsificação, pois não existe no mundo real; no mundo verdadeiro as pessoas não são iguais, dizem. Por isso eles querem abolir a igualdade, preferem a diferença. É um pensamento do século 19", afirma. "Mas raça e igualdade são palavras de mundos distintos. Igualdade é democracia. Raça é diferença. Ou existe igualdade, ou existe raça." A seguir, os principais trechos da entrevista de Magnoli ao Aliás.

A INVENÇÃO DA RAÇA

"O conceito contemporâneo de raça como famílias humanas separadas pela ancestralidade que mantêm relações hierárquicas entre si surgiu e se consolidou no quadro do evolucionismo darwinista da segunda metade do século 19. A ciência oficial criou a raça. Esse período coincidiu, e não por acaso, com o imperialismo europeu na África e na Ásia.

Muitos imaginam que o conceito de raça surgiu com a escravidão moderna. É falso. A ideia de raça não veio para explicar ou justificar a escravidão e sim para explicar e justificar o imperialismo europeu, que vinha na esteira do iluminismo e da ideia de igualdade natural entre os seres humanos. Isso tinha consequências explosivas. Como dominar uma nação se todos são iguais? Não pode haver dominação. Então precisaram de algo que relativizasse a igualdade, que, afinal, ‘é um bom princípio, mas a ciência nos mostra que ele é falso, pois na verdade não existem pessoas iguais’.

Curioso notar que só nas sociedades fundadas sobre a ideia de igualdade se torna necessário invocar o mito da raça. As sociedades fundada sobre a diferença, como todas até o iluminismo, não precisam dele. O ‘racismo científico’ se fez necessário para justificar um dos grandes processos do mundo contemporâneo, o da expansão do poder econômico das grandes nações europeias.

DESINVENÇÃO E REINVENÇÃO

"O conceito de raça foi desinventado no final da 2ª Guerra como reação ao nazismo, ao Holocausto, aos campos de extermínio. O mundo olhou para trás e disse: ‘Essa ideia de que a humanidade está dividida em raças produz sangue em grande escala, não aceitamos mais isso’. A raça então foi desconstruída, combatida nas grandes declarações sobre direitos humanos, algo a ser abolido das sociedades democráticas. Mas 20 ou 30 anos depois ela foi reiventada pelo multiculturalismo e suas políticas descritas como ações afirmativas. Essas políticas voltaram, agora sob a alegação de fazer o bem, às ideias raciais do século 19. No momento em que a genética decifra o DNA e afirma que a raça não existe, que a cor da pele é uma adaptação superficial a diferentes níveis de insolação, e que é controlada por 10 dos 25 mil genes do ser humano, a raça reaparece pelo viés cultural, como algo essencial e imutável de um povo, como gene novamente. A Bolívia, por exemplo, está se reinventando com base num conceito racial, está se tornando um país polarizado entre ameríndios e brancos. No Brasil essa proposta está codificada como Estatuto da Igualdade Racial - uma frase inviável. Raça e igualdade são palavras de universos distintos. Igualdade é democracia. Raça é diferença. Ou existe igualdade ou existe raça. O perigo do multiculturalismo é que ele quer eliminar o mestiço. Os multiculturalistas dizem que ‘esse negócio de igualdade é uma falsificação, pois não existe no mundo real; no mundo verdadeiro as pessoas não são iguais’. Eles querem abolir a igualdade, preferem a diferença. Um pensamento do século 19.

A REVIRAVOLTA OBAMA

"Nos anos 60, o que Martin Luther King fez o tempo todo foi pedir que os Estados Unidos respeitassem o princípio da igualdade previsto na Constituição americana, ou seja, ele pretendia abolir o conceito de raça da política. Barack Obama foi mais longe ao se definir como mestiço. Foi uma afirmação revolucionária, porque a mestiçagem não existe no censo e nas leis americanas.
Lá, ou você é branco ou é negro, pois para se fazer leis raciais elimina-se a mestiçagem, definindo claramente a raça de cada um. E a mestiçagem é a indefinição, a não-raça. Então, quando Obama diz que é mestiço, filho de mãe branca e pai negro, ele dá um passo além de Luther King. Não se trata só de eliminar a raça da política, mas também da consciência das pessoas.

O BRASIL SE QUER MESTIÇO

"No Brasil, os racialistas propõem que as estatísticas demográficas tomem pardos e pretos como negros. Eles precisam transformar o quadro intermediário, cheio de tons indefinidos, em algo mais simples, com duas cores, para sustentar o mito da raça. Só que 42% dos brasileiros se dizem pardos, ou seja, não se classificam em raças. Vão dizer que se declarar pardo é uma proteção contra a discriminação racial, que é pior com os negros. Mas comparando os censos de 1940 e 2000 vemos que a proporção de brasileiros que se declaram pretos se reduz e a dos que se declaram brancos também. Dizer que o número de pardos aumenta porque as pessoas querem ‘embranquecer’ para fugir do preconceito é um argumento de quem lê as estatísticas só até a metade. O Brasil caminha para um momento em que 90% da população vai se dizer parda. E esse é o grande problema para lideranças do movimento negro que defendem as leis raciais. Não se faz lei racial num país em que as pessoas não definem sua raça.

NÃO SOMOS RACISTAS

"Há racismo no Brasil. O que não há é um conceito popular de que estamos separados por raças, como nos EUA. Assim, não somos racistas no sentido de a maioria dos brasileiros não interpretar o Brasil pelo prisma da raça; e também no sentido de o Estado brasileiro não ter feito leis raciais ao longo da história. Não somos racistas, embora existam racistas no Brasil. O racismo aparece na operação ilegal de certas instituições, claramente a parte da polícia que ainda prefere parar o jovem negro a parar um jovem branco. Mas o fato é que o racismo no Brasil está sempre ligado à questão socioeconômica. A violência policial baseada no preconceito racial é muito clara nas periferias e favelas. Pessoas que não têm pele branca, mas vivem em bairros de classe média, estão menos sujeitas a uma abordagem racista da polícia. Cada vez que o racismo se manifesta aqui é um escândalo, o que mostra o caráter antirracista da nação. Isso é uma vantagem, mas os defensores de leis raciais acham o contrário. Dizem que é melhor um racismo explícito à la americana do que o racismo envergonhado à la brasileira. O racismo explícito ajuda a definir interesses de raças - necessários aos que se dizem líderes raciais.

A ETERNA QUESTÃO REGIONAL

"No Brasil a desigualdade é essencialmente socioeconômica - e é terrível . Não é racial. A maioria dos pretos e pardos do País está no Norte e no Nordeste, as regiões mais pobres, enquanto a maioria dos que se declaram brancos está no Sul e no Sudeste, as regiões mais ricas. A partir disso algum perturbado poderia sugerir a criação de cotas para nordestinos. Os filhos de Tasso Jereissati, Ciro Gomes e José Sarney adorariam, porque as cotas sempre favorecem a nata do grupo privilegiado por elas. Eu não estou dizendo que não haja maior incidência de pobreza entre pretos e pardos. Há, mas em função do que ocorreu no fim da escravidão - quando os descendentes de escravos, por falta de ensino público abrangente e por falta de reforma agrária, não foram incluídos na sociedade que se modernizava - e não em função do racismo atual.

DISCRIMINAÇÃO REVERSA

"As cotas raciais não são um meio válido para corrigir diferenças socioeconômicas porque nunca reduziram pobreza em lugar nenhum onde foram implantadas. Elas beneficiam a nata do grupo privilegiado. A cota racial para ingresso em universidades públicas não está tirando vaga dos ricos, dos filhos de empresários. Esses, ou fizeram colégios e cursinhos tão bons que conseguirão passar no vestibular mesmo com um número de vagas menor em disputa ou cursarão universidade no exterior. O que a cota faz é instalar uma competição dentro da classe média baixa, uma competição racial dentro de um grupo social que veio do ensino público, entre os filhos de trabalhadores da classe média baixa. São aqueles que terminam o ensino médio. Não sejamos demagogos: vamos tirar os miseráveis dessa história, porque eles não terminarão o ensino médio, eles não serão beneficiados pelas cotas. Então, quem acaba beneficiado é o jovem de classe média baixa da cor ‘certa’ em detrimento do jovem de classe média baixa da cor ‘errada’. É a discriminação reversa.

À CAÇA DE VOTOS E PODER

"Os racialistas dizem estar fazendo justiça social por meio do sistema de cotas. É falso. O que as leis raciais visam é criar zonas de influência política e eleitoral. Isso acontece no Brasil, cada vez mais na Bolívia e em outros lugares onde falar em nome de uma etnia ou raça é desenvolver uma clientela política, é dizer ‘votem em mim porque eu defenderei os interesses desse grupo que eu acabei de definir’. A função é produzir lideranças políticas, carreiras política, poder político. Você não precisa falar para a sociedade como um todo, explicando que vai defender os interesses gerais dos cidadãos e assim competir com um monte de gente que diz a mesma coisa.

FRONTEIRA NO ÔNIBUS

"Ações afirmativas socioeconômicas, como cotas sociais e políticas de melhoria rápida e dramática das escolas públicas nas periferias, ajudariam mais os pobres a ingressar no ensino superior.
Fazer isso por meio de ações afirmativas raciais leva o aluno branco a olhar para o lado e pensar
‘Este é quem não tinha o direito de estar aqui, mas está porque tem a cor que agora virou "certa"; e eu estou separado dele não só pela cor da pele, mas pelas leis deste país, que o colocam num grupo com certos privilégios; ele está aqui porque alguém da minha cor de pele, mas com a mesma renda dele, não está’. Esse é um grande risco: cotas raciais traçam uma fronteira dentro dos ônibus, dentro dos bairros periféricos, no meio do povo, porque vizinhos de bairro e colegas de trabalho com a mesma renda vão se olhar e entender que estão separados pela cor da pele.
Isso é instalar no meio do povo o ódio racial."

Leila Pinheiro - Catavento e Girassol - Aldir Blanc

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