quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Opinião do dia - O projeto democrático de Habermas

Certamente o projeto de realizar um diagnóstico crítico do tempo presente e de sempre atualizá-lo em vista das transformações históricas não é, em si, uma invenção de Habermas. Basta se reportar ao ensaio de Max Horkheimer sobre "Teoria Tradicional e Teoria Crítica", de 1937, para dar-se conta de que é essa maneira fecunda pela qual se segue com a Teoria Crítica. Contudo, se em cada diagnóstico atualizado é possível entrever uma crítica ao modelo teórico anterior, não se pode deixar de reconhecer que Habermas elaborou a crítica interna mais dura e compenetrada de quase toda a Teoria Crítica que lhe antecedeu -- especialmente Marx, Horkheimer, Adorno e Macuse. Entre os diversos aspectos dessa crítica, particularmente um é decisivo para compreender o projeto habermasiano: o fato de a Teoria Crítica anterior não ter dado a devida atenção à política democrática. Isso significa que, para ele, não somente os processos democráticos trazem consigo, em seu sentido mais amplo, um potencial de emancipação, como nenhuma forma de emancipação pode se justificar normativamente em detrimento da democracia. É em virtude disso que ele é também um ativo participante da esfera pública, como mostra boa parte de seus escritos de intervenção.
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Antonio Ianni Segatto, Denilson Luiz Weber, Luis Repa, e Rúion Melo. (Cf. Apresentacao do livro J. Habermas. Conhecimento e interesse. São Paulo, Unesp, 2014. Tradução de Luis Repa).

Ataque à liberdade de expressão mata 12 em Paris

Massacre em jornal traumatiza a França

• Ataque com motivações religiosas deixa 12 mortos e 11 feridos no semanário "Charlie Hebdo", ameaçando a liberdade de imprensa, no maior atentado no país em 50 anos

Fernando Eichenberg – O Globo

PARIS - A França está em profundo estado de choque e em alerta máximo após o sangrento atentado terrorista que vitimou 12 pessoas e deixou 11 feridos - quatro deles gravemente - na manhã de ontem, na sede do jornal satírico "Charlie Hebdo", próxima à Praça da Bastilha, no centro de Paris. Foi o ataque com o maior número de mortes no país em meio século - em 1961, uma bomba explodida pela Organização do Exército Secreto francês provocou 28 vítimas na linha de trem Estraburgo-Paris - e um grave golpe à liberdade de expressão na França. A vigilância contra ameaças terroristas foi elevada ao seu nível de maior segurança na capital e arredores. Em reação ao terror, na noite de ontem mais de cem mil pessoas participaram de uma centena de espontâneas e emotivas manifestações em cidades pela França, além de várias cidades pelo mundo. O presidente François Hollande decretou dia de luto nacional hoje, e solicitou um minuto de silêncio da população.

Por volta das 11h20m, dois dos três agressores envolvidos no atentado - mascarados, vestidos de preto e portando fuzis kalashnikov e coletes à prova de bala - desceram de um veículo Citroën C3, com vidros escuros, estacionado próximo ao número 10 da Rua Nicolas-Appert, sede do semanário. Os dois homens primeiro se dirigiram ao número 6, onde se situa a entrada dos arquivos do jornal, e bradaram "É aqui o Charlie Hebdo?". Ao perceberem que se equivocaram de endereço, entraram no prédio correto e abriram fogo na recepção, matando uma pessoa. Em seguida, subiram ao segundo andar, e voltaram a descarregar seus fuzis na redação, executando oito cartunistas e jornalistas, um visitante e o policial que mantinha guarda permanente junto ao diretor do jornal após o incêndio criminoso ocorrido no local, em 2011. Após a chacina, os terroristas gritaram "Allahu Akbar!" ("Deus é grande!") e "Vingamos o profeta Maomé, matamos o Charlie Hebdo!". Na fuga, assassinaram mais um policial na rua.

Seu rastro foi perdido pelas autoridades, mas à noite o Ministério do Interior identificou três suspeitos - uma grande operação envolvendo grupos de elite da polícia ocorreu na cidade de Reims, no Nordeste da França. Segundo informações vazadas pela polícia, seriam três indivíduos, de 18, 32 e 34 anos. Os dois mais velhos seriam os irmãos franceses Saïd e Chérif Kouachi - Chérif foi julgado em 2005 por participar de um grupo de envio de jihadistas para combater no exterior. O mais jovem seria Hamyd Mourad.

lista negra da al-Qaeda
Entre as vítimas estão quatro nomes históricos do "Charlie Hebdo": Stéphane Charbonnier, o Charb (diretor); Jean Cabut, conhecido como Cabu; Bernard Verlhac, o Tignous; e Georges Wolinski. Os terroristas pareciam saber o dia e horário da reunião semanal, da qual participavam os principais profissionais do jornal. Segundo uma testemunha que sobreviveu ao se esconder atrás de uma mesa, os agressores falavam perfeitamente francês e se diziam representantes do grupo terrorista al-Qaeda, mas até ontem o atentado não havia sido oficialmente reivindicado.

Hollande convocou os líderes do Senado e da Assembleia para uma reunião esta manhã no Palácio do Eliseu, e ordenou o aumento da segurança em todos os locais com maior potencial de alvo de ataque terrorista. Ontem mesmo, o efetivo policial foi reforçado diante das sedes do jornal "Libération" e do canal BFMTV, já ameaçados no passado. E o número de soldados em patrulha passou de 450 para 650 na capital. No local da tragédia, o presidente pediu união:

- É uma barbárie. Os atiradores serão perseguidos durante o tempo que for necessário para que sejam levados à Justiça. A França está em choque. É um ataque terrorista, não há dúvida. Temos que mostrar que somos um país unido.

Desde 2013, o diretor do jornal figurava numa lista negra da al-Qaeda, condenado à morte por crimes contra o Islã.
- Talvez seja pomposo dizê-lo, mas prefiro morrer de pé a viver de joelhos - disse ao "Le Monde" há dois anos.

Philippe Val, ex-diretor e amigo da maioria das vítimas, estava abalado.

- Perdi todos meus amigos - disse, às lágrimas, à rádio France Inter. - Temos de estar juntos contra este horror. Ele não pode impedir a liberdade, a expressão, a democracia. É o que está em jogo.

Líderes repetiram apelos à unidade nacional. O ex-presidente Nicolas Sarkozy, no comando do principal partido de oposição, declarou que "a democracia deve ser defendida sem fraquezas":

- A firmeza absoluta é a única resposta possível. Conclamo todos os franceses a apresentar uma frente comum face ao terrorismo, à barbárie e aos assassinos.

Marine Le Pen, líder do partido de extrema-direita Frente Nacional, também insistiu na união nacional, e condenou firmemente o islamismo radical:

- O tempo da negação, da hipocrisia, não é mais possível. A recusa absoluta do fundamentalismo islâmico deve ser proclamada alto e forte por todo aquele que preza a vida e a liberdade como os valores mais preciosos - defendeu.

Ato contra jornal satírico é mais letal na França em 50 anos

• Investigações da polícia levaram a dois irmãos na região de Paris, de 32 e 34 anos, e a outro homem, de 18 anos

Andrei Netto - O Estado de S. Paulo

PARIS - Três homens armados com fuzis AK-47 invadiram ontem a redação do jornal Charlie Hebdo e mataram 12 pessoas – sendo nove jornalistas. Foi o pior atentado terrorista na França nos últimos 50 anos. O ataque ocorreu às 11h20 (8h20 em Brasília), quando o prédio do jornal foi invadido aos gritos de “Allahu Akbar” (Deus é maior, em árabe).

Além dos nove jornalistas, foram assassinados um economista, que era colaborador do jornal, um porteiro do prédio e dois policiais. Outras 11 pessoas ficaram feridas. Na fuga, os atiradores afirmaram agir para “vingar o Profeta Maomé”, segundo imagens de vídeo e testemunhas.

As investigações da polícia levaram a dois irmãos na região de Paris, de 32 e 34 anos, e a outro homem, de 18 anos, de Reims, no noroeste da França. Na noite de ontem, o Ministério do Interior identificou os três autores do atentado como os irmãos Said e Chérif Kouachi, ex-membros de uma rede terrorista, e Hamyd Mourad, um morador de rua recrutado pelos dois. O mais jovem dos três suspeitos de participar do atentado se entregou ontem à noite à polícia perto da localidade de Charleville-Mézières, perto da fronteira com a Bélgica, revelou à agência AFP uma fonte ligada à investigação. Os irmãos Kouachi seguem foragidos.

Segundo a Procuradoria, responsável pela investigação, dois homens mascarados e armados ingressaram na sede do Charlie Hebdo, ameaçando funcionários. Ao obter a informação de onde seria a redação, dirigiram-se para o segundo andar. Ao invadir, não deram chance para os que estavam lá dentro.

Um dos funcionários conseguiu telefonar para a uma amiga, Inna Shevchenko, ativista do grupo Femen, pedindo que chamasse a polícia, segundo ela informou, ainda chocada com os acontecimentos.

Após a chacina, os terroristas fugiram e se defrontaram com policiais que já atendiam ao chamado. Um vídeo da agência Premières Lignes mostra dois homens que descem de um automóvel Citroën C3 e disparam contra os agentes de segurança. Um policial, ferido e caído, pede pela vida. No entanto, o atirador se aproxima, executa o policial e corre para o veículo – onde estaria o terceiro envolvido –, desaparecendo na periferia nordeste de Paris.

“Estávamos trabalhando quando ouvimos disparos. Foi uma sequência, muitos tiros em rajadas. Então, vimos um carro partindo em alta velocidade, que não consegui identificar”, disse ao Estado o comerciante Eric Meguira, de 50 anos. “Dois policiais chegaram e trocaram tiros. Vimos o tiroteio e os feridos sendo levados pelos bombeiros.”

O diretor da agência Premières Lignes, Luc Hermann, contou que vários de seus jornalistas prestaram assistência às vítimas. “Eles foram os primeiros a entrar na redação”, disse. “Por sorte, ninguém de nossa equipes foi ferido.”

Entre os mortos, estão os principais cartunistas do Charlie Hebdo: Stephane Charbonnier, conhecido como Charb, Philippe Honoré, Georges Wolinski, Bernard Verlhac, que assina como Tignous, e Jean Cabut, conhecido como Cabu, o economista e colaborador do jornal Bernard Maris, o policial Ahmed Merabet, executado na rua, Michel Renaud, que era convidado da redação, o também jornalista revisor Mustapha Ourad e o agente Franck Brinsolaro. As identidades de duas vítimas ainda não haviam sido reveladas ontem à noite. Sabe-se apenas que eram o porteiro e um outro jornalista.

Ainda chocada, a cartunista Corine Rey disse que os homens falavam francês fluentemente e disseram ser da Al-Qaeda do Iêmen. O jornal era alvo recorrente de ameaças de grupos jihadistas e de extremistas desde 2006, por ter republicado charges do Profeta Maomé originalmente editadas por um veículo de imprensa dinamarquês.

Em 2011, a redação já havia sido destruída em um incêndio criminoso. Apesar de satirizar Maomé e o islamismo, o Charlie Hebdo não era um jornal islamofóbico e publicava sátiras também sobre judeus e cristãos. No DNA da publicação está a defesa radical da liberdade de expressão e do Estado secular – dissociado da religião.

Em resposta ao ataque, o Ministério do Interior aumentou o nível de alerta do Plano Vigipirata, que estabelece as diretrizes em caso de ameaça terrorista na França. Sedes de jornais, emissoras de rádio e TV estão sendo protegidas pela polícia, assim como grandes pontos turísticos, centros comerciais, escolas, prédios públicos e redes de transportes.

Medidas excepcionais de segurança também foram colocadas em prática, com 500 homens da tropa de choque mobilizados para operações especiais de vigilância e outros 3 mil agentes de segurança deslocados para o patrulhamento urbano.

Poucos minutos após o tiroteio, o presidente da França, François Hollande, foi ao local dos disparos. “Trata-se de um ato de barbárie excepcional”, disse o presidente, que convocou a população à “unidade nacional”. Ele também declarou uma “jornada de luto nacional” em homenagem às vítimas.

Mundo repudia ataque à democracia

• Líderes de países e chefes de organismos internacionais, cristãos, árabes e judeus, rechaçam terrorismo

PARIS - Logo após o brutal atentado terrorista à redação do semanário de humor "Charlie Hebdo" ocupar as manchetes dos jornais ao redor do globo, líderes mundiais, chefes de Estado e de organismos internacionais manifestaram repúdio ao ataque, que, entre outras qualificações, classificaram como "bárbaro", "cínico", "covarde" e "abominável". Do mundo árabe ao Ocidente, passando por Israel, manifestaram apoio à França. Os discursos também ressaltam que foi um atentado à democracia e à liberdade de expressão e de imprensa.

No Brasil, a presidente Dilma Roussef, em nota oficial, classificou o atentado de "sangrento e intolerável". "Esse ato de barbárie, além das lastimáveis perdas humanas, é um inaceitável ataque a um valor fundamental das sociedades democráticas - a liberdade de imprensa", enfatiza a nota, na qual Dilma presta solidariedade aos familiares das vítimas, ao povo francês e ao presidente François Hollande.

Em entrevista coletiva em Washington, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, condenou "nos termos mais fortes o horrível atentado":

- A França é o aliado mais antigo dos Estados Unidos e tem se mantido firme e junto, ombro a ombro, na luta contra os terroristas que ameaçam nossa segurança compartilhada e nossa visão no mundo - afirmou Obama. - Estamos em contato com autoridades francesas, e eu direcionei meu governo a fornecer toda a assistência necessária para ajudar a levar esses terroristas à Justiça.

ONU: mundo não pode cair nessa armadilha
De Moscou, o presidente russo, Vladimir Putin, também condenou "energicamente esse crime cínico e o terrorismo em todas as formas". De acordo com o porta-voz da Presidência, Dmitry Peskov, Putin expressou suas condolências aos franceses.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, se disse "ultrajado" pelo atentado "a sangue frio, desprezível, horrível e injustificado":

- Foi um ataque direto à democracia, à mídia e à liberdade de expressão. O ataque pode ter tido a intenção de dividir. Peço ao mundo que não caia nessa armadilha e se mantenha firme a favor da liberdade de expressão e da tolerância, e contra as forças que causam ódio e divisão.

Na Europa, a chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel, que estava num encontro em Londres com o premier britânico, David Cameron, também disse que "de nenhuma maneira isto pode ser justificado".

- Esse ato abominável não é só um ataque contra as vidas de cidadãos franceses e sua segurança. É também um ataque contra a liberdade de expressão e à imprensa, elementos centrais da nossa cultura livre e democrática - ressaltou Merkel.

Cameron disse que "os assassinatos em Paris são uma aberração" e que "a liberdade de expressão e a democracia, essas pessoas (os terroristas) nunca poderão arrebatar nossos valores". A rainha Elizabeth II, em nome dela e do príncipe Philip, enviou "sinceras condolências às famílias" das vítimas, numa carta com selo da realeza britânica.

"Esse ataque é um ato intolerável, uma barbárie que nos concerne a todos como seres humanos e como europeus", disse, em comunicado, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. Em Roma, o premier italiano foi à Embaixada da França na Itália manifestar solidariedade:

- Somos todos franceses. Hoje, chora toda a Europa, todos os que creem na liberdade e na razão - disse Matteo Renzi, que, antes, já havia escrito no Twitter: "A violência sempre perderá para a liberdade."

E no Vaticano, o Papa Francisco, através de um comunicado pela Secretaria de Imprensa da Santa Sé, exortou a "todos a se oporem com todos os meios à propagação do ódio e de toda forma de violência, física e moral, que destrói a vida humana, viola a dignidade das pessoas e mina a convivência pacífica entre pessoas e povos". O semanário "Charles Hebdo" também já publicou sátiras sobre a Igreja, com charges de Papas e do próprio Vaticano.

Árabes e judeus também recriminaram o ataque terrorista. No Cairo, a Universidade al-Azhar, referência sunita global, classificou o ataque como "criminoso" e disse que "o Islã condena todo tipo de violência". Também na capital egípcia, a Liga Árabe disse que os assassinatos foram um "ato terrorista". O ministro das Relações Exteriores do Egito, Sameh Chukri, disse que seu país apoia a França na luta "contra o terrorismo, que requer um esforço internacional conjunto". No Irã, a porta-voz da diplomacia do país, Marzieh Afkham, chamou o atentado de "a continuidade de uma onda de radicalismo e violência sem precedentes" e que "qualquer ato terrorista contra inocentes é alheio ao pensamento e aos ensinamentos do Islã".

Entretanto, fez uma ressalva:

- Utilizar a liberdade de expressão e as ideias radicais e humilhar as religiões divinas e seus símbolos é inaceitável - disse ela, criticando ainda a violência cometida contra os palestinos por Israel.

Por sua vez, o premier israelense, Benjamin Netanyahu, pediu unidade na "luta determinada contra o terrorismo islamista":

- O terrorismo islamista não tem fronteiras. Aponta para destruir todas as sociedades dos países livres e busca desarraigar toda cultura humanista para impor em seu lugar a tirania.

Funcionários da Mercedes fazem paralisação contra demissões

• Metalúrgicos seguem exemplo da Volks, em greve desde anteontem

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO, BRASÍLIA - Funcionários da Mercedes-Benz em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, paralisaram as atividades nesta quarta-feira (7) por 24 horas em protesto contra a demissão de 244 metalúrgicos que estavam em "layoff" (suspensão temporária do contrato de trabalho).

Os cerca de 10,5 mil trabalhadores da Mercedes se unem aos 13 mil funcionários da Volkswagen que também estão em greve em São Bernardo contra a demissão de 800 colegas de trabalho.

No caso da Mercedes, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques, diz que a cada dia ocorrerá uma ação diferente com o intuito de pressionar a montadora para recontratar os demitidos.

Já na Volks, de acordo com o sindicalista, os funcionários não retornarão ao trabalho até que a empresa torne sem efeito as cartas de demissões e retorne as negociações.

Nesta quarta, houve tumulto em uma das entradas da montadora.

Segundo a Volks, "representantes do sindicato tentavam acessar a força as áreas de desenvolvimento de produto, local de acesso restrito em razão da confidencialidade, para a retirada de empregados que não aderiram ao movimento grevista".

O presidente da Anfavea (associação de montadoras), Luiz Moan, afirmou que há espaço para negociação entre empresas e sindicatos para conter a atual onda de greves e demissões.

Moan esteve com os ministros Manoel Dias (Trabalho), Joaquim Levy (Fazenda), Nelson Barbosa (Planejamento) e Armando Monteiro (Desenvolvimento) nesta semana. Segundo ele, não houve uma proposta do governo e as negociações serão feitas entre montadoras e sindicatos.

Emprego terá ano ruim na indústria

• Após demissões em montadoras, especialistas preveem cenário negativo no emprego

Ronaldo D"Ercole, João Sorima Neto, Eliane Oliveira, Geralda Doca e Cristiane Bonfanti - O Globo

SÃO PAULO e BRASÍLIA - Se a demissão de pouco mais de mil funcionários da Volkswagen e da Mercedes-Benz assustou trabalhadores, as perspectivas para o emprego industrial nos próximos meses são desalentadoras. Segundo analistas e dirigentes industriais, o setor está mergulhado num cenário de dinamismo pífio e não há sinais de mudança. Na avaliação da consultoria Tendências, o fraco desempenho da indústria deve levar a taxa de desemprego geral do país a subir dos 4,8% registrados em 2014 para um patamar em torno de 5,4% este ano.

No ABC paulista ontem, os 11 mil empregados da fábrica da Mercedes aprovaram paralisação por 24 horas contra a demissão de 244 funcionários. Somados aos 13 mil empregados da Volkswagen, que entraram em greve na véspera, eram 24 mil os trabalhadores de braços cruzados na região. Desta vez, o governo afirma que não pretende intervir no embate entre os sindicatos e as montadoras. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Armando Monteiro, afirmou que, a princípio, são ajustes que aparentemente não se traduzem em um problema setorial:

- Não é um problema que justifique ação direta do governo. Temos entre 130 mil e 140 mil trabalhadores no setor automotivo. Essas demissões representam algo que podemos considerar como uma questão extremamente limitada. Acompanharemos o caso com toda a atenção, mas é algo que se restringe às relações entre empresas e sindicatos.

O ministro do Trabalho, Manoel Dias, disse ao GLOBO que acompanha o caso e ouviu da Anfavea, associação do setor, que há disposição para o diálogo.

- Há vontade das partes de buscar uma solução. Espero que isso ocorra até o fim da semana - disse.

Setor teme impacto de ajuste fiscal
Segundo Rafael Bacciotti, analista da Tendências, a produção industrial deve crescer apenas 1% neste ano depois de recuar 2,8% em 2014. A ligeira melhora, influenciada em parte pela desvalorização cambial, ajudará empresas exportadoras, mas deve ser incapaz de evitar o aumento das demissões.

- Em 2014, a indústria de transformação fechou cerca de 200 mil postos de trabalho. Entre março e novembro o setor só demitiu, na maior sequência de cortes em cinco anos - disse.

Para Paulo Francini, diretor da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), medidas urgentes devem ser tomadas para estancar o corte de vagas. Até novembro do ano passado, a federação registrou quase 150 mil demissões.

Diante do ritmo fraco de produção, o aperto fiscal que está sendo elaborado pelo governo preocupa o setor.

- Tem que fazer os ajustes, mas com cuidado. Nossa indústria já vem muito fraca. Não se pode matar o paciente - diz José Velloso, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

Segundo a associação, a indústria de máquinas teve queda de 16% a 17% em 2014, o que resultou na demissão de cerca de 12 mil trabalhadores, quase 5% do total de empregos do setor.

Julio Gomes de Almeida, economista da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, avalia que todo ajuste fiscal implica um quadro mais recessivo, o que pode tornar a situação do setor delicada. Para ele, a escassez de mão de obra especializada e as políticas de incentivo a setores como o automobilístico funcionavam como "amortecedores" do desemprego industrial.

- Esses amortecedores já não existem, e a capacidade do setor de serviços de absorver trabalhadores de outras áreas parece esgotada - disse.

O setor automobilístico foi beneficiado com sucessivas desonerações do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) nos últimos anos. Mesmo assim, para Stephan Keeze, sócio da consultoria Rolland Berger, a situação do setor é complicada, o que deve resultar em novos cortes de vagas.

- A estrutura de custos fixos das montadoras está muito pesada. Foi dimensionada para um mercado de 4 milhões de veículos e as vendas neste ano não devem passar de 3,2 milhões de unidades - disse, destacando que o auxílio do governo não foi suficiente para mudar o quadro. - Sem os incentivos, as demissões aconteceriam um ano ano antes.

Em visita à nova fábrica da marca em Santa Catarina, o presidente da Mercedes-Benz no Brasil, Philipp Schiemer, admitiu que novos cortes podem acontecer ainda este ano. Além das 244 demissões, a empresa tem mil trabalhadores em licença remunerada ( Layoff ).

- Na nossa empresa, nos últimos dois anos, se fez de tudo para manter o quadro de funcionários estável. Agora estamos chegando no momento em que não dá mais e temos que nos adequar - disse, acrescentando: - Se a situação não melhorar nos próximos meses, teremos que encontrar soluções.

Mesmo setores da indústria com pouca concorrência doméstica dão sinais de fragilidade. A Avibras, maior fabricante nacional de equipamentos militares, prorrogou ontem por mais uma semana a licença remunerada de todos os seus trabalhadores da unidade de Jacareí, no interior paulista, e voltou a atrasar os salários. A licença, segundo a empresa, terminará na próxima segunda-feira. Mas, segundo o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, não há solução para o acerto dos salários de dezembro.

'O mar não está tranquilo e há nuvens pesadas'

• O segundo governo Dilma pode enfrentar mais resistência dos sindicatos

Cássia Almeida – O Globo

Greves e demissões no setor automobilístico, no berço do PT, vão enfraquecer o governo dos trabalhadores. Num momento em que todos os discursos vindos de Brasília vão na direção de cortar benefícios para o setor, a presidente Dilma Rousseff pode enfrentar resistência maior do movimento sindical, diante do acordo quebrado de manutenção de empregos em troca de isenções fiscais, afirma a cientista política Sonia Fleury, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV):

- O governo Dilma é de uma coalização bastante ampla. Não é um governo petista puro. No primeiro ministério do Lula, havia uma predominância de sindicalistas. Os governos foram se afastando da identificação com o movimento sindical, embora tivessem o apoio.

Para o professor de História Contemporânea da UFRJ Francisco Carlos Teixeira, essa crise atinge as bases do partido, o que pode intensificar a oposição dentro do próprio PT, inclusive por causa da política econômica de austeridade adotada.

- A coalização é mais instável, e Dilma não tem o carisma de Lula, que falava com as partes e tinha sucesso em contornar as crises políticas. Reação de movimentos sociais e sindicatos é quase inevitável.

O professor de Ciência Política da UFF Eurico Figueiredo também tem essa percepção. Para ele, uma das armas do governo é o fato de os principais líderes sindicais, de certo modo, ainda estarem em contato com o governo.

- A base do PT é o sindicalismo, ela tem enraizamento orgânico com a sociedade. Mas, com o agravamento da crise, as próprias lideranças são obrigadas a ceder às bases e podem radicalizar.

Figueiredo cita os movimentos sindicais organizados e as manifestações espontâneas que tomaram as ruas em junho do ano retrasado.

- O mar não está tranquilo e há sinais de nuvens pesadas.

Para Sonia Fleury, se os sindicalistas tiveram a ilusão de que poderiam influenciar as decisões dentro do governo, descobriram agora, com as demissões no setor automobilístico, que não.

- O que conta é a influência na sociedade. Mostra que governo é governo, sindicato é sindicato. Há possibilidade de diálogo, mas cada um no seu quadrado. Eles voltam ao papel de defesa dos trabalhadores. A política de benefícios não funcionou. Aprendemos todos. Uma política que não melhorou o desempenho da indústria, que não investiu em inovação e se acomodou. E sobrou para o mais fraco: o trabalhador que vai perder o emprego.

Lava Jato atinge obra da Mendes Júnior

• Com dificuldades de crédito, construtora deixa cerca de 500 operários da Transposição do São Francisco sem receber 2ª parcela do 13º salário

Renée Pereira - O Estado de S. Paulo

Os funcionários da construtora Mendes Júnior, nas obras de Transposição do Rio São Francisco, já começaram a sentir os efeitos da operação Lava Jato, da Polícia Federal, que investiga esquema de corrupção nos contratos da Petrobrás. Sem crédito na praça e sem receber da estatal, a construtora não fez o pagamento da segunda parcela do 13.º salário, previsto para 20 de dezembro, para os cerca de 500 empregados que continuam na obra.

De férias coletivas desde o dia 18, os funcionários voltaram ao trabalho na segunda-feira e continuam parados. "No escritório da empresa (em Salgueiro-PE), dizem que não há dinheiro nem para comprar combustível para colocar nos veículos e equipamentos da obra. Por isso, os funcionários ficam de braços cruzados sem saber o que fazer", afirma o coordenador do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Construção de Estradas, Pavimentação e Obras de Terraplenagem em Geral no Estado de Pernambuco (Sintepav), Luciano Silva.

Além de entrar com uma ação na Justiça reivindicando o pagamento do 13.º salário e por dano moral coletivo, o sindicato fará hoje uma mobilização na BR-232 para protestar contra a situação. "A empresa disse que fará o depósito hoje, quando vence também o salário dos funcionários. Mas ela está falando isso todos os dias", diz Silva.

Segundo ele, nos últimos meses, a Mendes Júnior demitiu quase 2.500 pessoas no canteiro de obras do lote 8, que deverá ser concluído apenas em 2016. "Tem muita coisa para fazer nesse trecho." Procurada, a Mendes Júnior não respondeu ao pedido de entrevista.

Fontes do setor de construção, que preferem não se identificar, afirmam que a situação da empresa, como a de outras construtoras envolvidas no escândalo de corrupção, é bastante delicada, com risco até de ter de pedir recuperação judicial. Só na Mendes Júnior Engenharia, o valor de debêntures previsto no balanço de 2013 somava R$ 1,91 bilhão.

Na época, o grupo tinha 40 projetos em andamento, como a Transposição do São Francisco, Rodoanel Norte de São Paulo e o Porto de Santana (AP). Não é a primeira vez que a Mendes Júnior passa por maus bocados. No início da década de 90, com dívidas e sem poder disputar licitações por causa de uma pendência com a Chesf, a empresa quase quebrou. Só em 1998 a companhia começou a engrenar com novos contratos para a construção de rodovias, hidrelétricas e na área de petróleo e gás.

Na opinião de especialistas, o risco é que as obras de outras áreas tocadas pelas construtoras envolvidas na Lava Jato sejam atingidas. Com caixa debilitado, as empresas vão passar por momentos complicados, sem dinheiro até para fazer a rescisão dos funcionários, afirma um executivo do setor.

Rebaixamento. Outra empresa que corre o risco de entrar em recuperação judicial é a OAS, alerta a agência de classificação de risco Fitch Rating. Ontem, pela segunda vez em menos de uma semana, a agência rebaixou a nota de crédito da empresa. Desta vez, de C para RD, o que significa que a empresa está inadimplente, mas legalmente ainda não entrou em processo de recuperação judicial.

A revisão ocorreu porque a empresa não fez o pagamento de principal e juros relacionados à nona emissão de debêntures, de R$ 103 milhões, com vencimento em 5 de janeiro. Ela também não pagou US$ 16 milhões de juros de um título de US$ 400 milhões com vencimento em 2021.

Em observação. A Fitch colocou em observação negativa o rating da 70ª série da primeira emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) da RB Capital. Os papéis foram emitidos em outubro de 2013 no valor de R$ 66,99 milhões e são atrelados a um financiamento imobiliário garantido por um contrato que "obriga a Odebrecht Participações e Investimentos (OPI) e a Odebrecht S.A. (OSA) a aportarem os recursos necessários para cumprir os pagamentos devidos".

Segundo a agência, a devedora do financiamento, a Centrad Participações S.A., é uma sociedade de propósito específico controlada pela Odebrecht Participações (95% das ações) e pela Construtora Norberto Odebrecht (CNO). As empresas do grupo Odebrecht integram, com a Via Engenharia S.A., o consórcio vencedor da parceria público-privada para construção, operação e manutenção de um centro administrativo localizado em Taguatinga, no Distrito Federal.

Segundo a Fitch, a colocação do rating em observação se baseia na avaliação da capacidade de crédito da Odebrecht S.A., que foi afetada pela colocação do rating da CNO em observação negativa, no fim do ano. O contrato obriga a Odebrecht, em última instância, a aportar recursos para qualquer pagamento devido no âmbito do financiamento imobiliário até três dias úteis antes da data prevista.

Ex-gerente da estatal atuou para aumentar preço de gasodutos

• Pedro Barusco, que fez acordo de delação, propôs aditivos ao contrato

Eduardo Bresciani, Vinicius Sassine e Alexandre Rodrigues – O Globo

BRASÍLIA e RIO - O ex-gerente executivo de Engenharia da Petrobras Pedro Barusco, que acertou com o Ministério Público Federal a devolução de cerca de US$ 100 milhões desviados da Petrobras, foi o responsável por propor diversos aditivos contratuais que encareceram as obras da rede de gasodutos Gasene, inclusive em parcerias que tinham como subcontratadas empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato.

Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) mostrou um superfaturamento superior a 1.800% em obras do maior trecho do gasoduto, entre Cacimbas (ES) e Catu (BA). Para construir o gasoduto, a Petrobras constituiu, segundo a Agência Nacional de Petróleo (ANP), uma "empresa de papel", a Transportadora Gasene.

Documentos internos da Petrobras obtidos pelo GLOBO mostram que a atuação de Barusco não se restringiu aos aditivos. Ele encaminhou propostas sobre o gasoduto à diretoria executiva da Petrobras; firmou compromisso com a principal parceira do empreendimento, a empresa chinesa Sinopec; assinou contratos da Petrobras com a Transportadora Gasene; e autorizou o aproveitamento de licitações com empresas que integravam o chamado "clube de empreiteiras".

Barusco era braço-direito do ex-diretor de Serviços Renato Duque, indicado pelo PT ao cargo e que chegou a ser preso na última etapa da Lava-Jato, em novembro. O ex-gerente fez um acordo de delação premiada e se comprometeu a devolver US$ 100 milhões aos cofres públicos, o maior valor já acertado nesse tipo de acordo. Em um dos depoimentos, Barusco afirmou ter recebido, junto com Duque, propinas em "mais de 60 contratos da estatal".

Nove aditivos
No caso do Gasene, Barusco teve protagonismo no direcionamento das decisões relativas às obras. É ele quem assina os relatórios técnicos recomendando nove aditivos contratuais com a Sinopec, empresa chinesa contratada sem licitação para gerenciar e para executar as obras do trecho Cacimbas-Catu. Esses nove aditivos fizeram o contrato saltar de R$ 1,8 bilhão para R$ 2,4 bilhões (aumento de 33%), e foram aprovados pela diretoria executiva.

Os aditivos beneficiaram, entre outras, a Galvão Engenharia e a Mendes Júnior, duas das empreiteiras que tiveram donos e executivos presos pela PF na última fase da Lava-Jato. A Galvão e a Mendes Júnior foram subcontratadas pela Sinopec. Em um dos aditivos, que teve a aprovação defendida por Barusco em dezembro de 2008, há uma carta da Galvão Engenharia argumentando que, devido a alterações na fase de execução do projeto, precisava de mais recursos para realizar o trabalho para o qual foi contratada. O aditivo aprovado contemplou outros lotes e teve valor final de R$ 104 milhões.

Questionada sobre a atuação de Barusco, a Petrobras respondeu que, como ele era o único gerente executivo de Engenharia entre fevereiro de 2003 e março de 2011, era "responsável por encaminhar à diretoria executiva da Petrobras, para aprovação, todos os documentos relacionados à contratação e aditivos de empreendimentos para todas as áreas da companhia".

A advogada de Barusco, Beatriz Catta Preta, informou que, devido à delação premiada do cliente, não poderia fazer qualquer comentário sobre a atuação dele na Petrobras. A defesa de Renato Duque afirmou que os atos dele relativos ao Gasene foram chancelados pelo departamento jurídico da estatal e negou que ele "tenha participado de qualquer negociação ou recebimento de propina". Procuradas, a Mendes Júnior e a Galvão Engenharia não se pronunciaram.

Petistas perderão posto de maior bancada da Câmara para o PMDB

• Dos sete deputados da sigla que vão para o Executivo, apenas dois têm como suplente outro petista

• Bloco formado por PSB, PV, PPS e SD terá mesmo número de deputados (67) que PMDB e mais que o PT

Raphael Di Cunto

A composição do secretariado nos Estados vai tirar do PT o simbólico posto de maior bancada da Câmara dos Deputados a partir de fevereiro. Dos sete deputados convidados para exercer funções nos governos petistas ou no ministério da presidente Dilma Rousseff, apenas dois têm como suplente outro petista. Insatisfeito com a reforma ministerial, o PMDB voltará a ostentar a posição de maior sigla da Casa quatro anos depois de perder o posto.

Os petistas também serão ultrapassados pelo bloco formado por PSB, PPS, SD e PV, que contará com 67 deputados, mesmo número que terá o PMDB. O grupo reúne partidos de oposição, como PPS e SD, e os "independentes" PSB e PV, que tiveram candidatos próprios à Presidência da República. Os quatro prometem marchar unidos na nova legislatura, mas já estão divididos na decisão sobre quem apoiar para a presidência da Câmara.

A redução dos deputados do PT não deve mudar a disputa pela presidência da Casa, onde o candidato do partido, Arlindo Chinaglia (SP), mede forças com o líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), e com Júlio Delgado (PSB-MG). Muitos dos nomeados para o Executivo já sinalizaram com a possibilidade de pedir demissão para votarem na disputa e depois retornarem a suas funções.

A mudança no tamanho dos partidos também não afeta a divisão de cargos de liderança e do comando das comissões da Câmara porque o cálculo é feito com base na bancada da posse, mas pode ter influência nas votações. A taxa de fidelidade dos petistas ao governo foi de 91% no ano passado, contra 54% dos pemedebistas, que continuam divididos sobre o apoio ao Planalto.

A diminuição do PT ocorreu por causa da escolha de deputados eleitos para atuarem como secretários dos governos petistas de Minas Gerais, Bahia e Piauí e no ministério de Dilma - Patrus Ananias (MG) foi para o Desenvolvimento Agrário e Pepe Vargas (RS) para as Relações Institucionais. Como as coligações incorporaram o maior número possível de partidos para fortalecer as chapas majoritárias, nem sempre o suplente é da mesma legenda do titular do mandato.

Foi o que ocorreu com o PT, que terá a bancada reduzida dos 69 deputados federais eleitos em outubro para 64 em fevereiro, quando o novo Congresso toma posse. Já a maior bancada do Senado Federal, o PMDB será beneficiado por essa mesma regra e ultrapassará os petistas. Quatro pemedebistas foram chamados para fazer parte dos governos estaduais ou ministérios, mas cinco suplentes do partido vão assumir o mandato. A legenda chegará a 67 deputados.

Dos sete deputados da sigla que vão para o Executivo, apenas dois têm como suplente outro petista
Desde 2011, com a eleição da presidente Dilma Rousseff, o PT é o maior partido da Câmara dos Deputados, posto que o PMDB tinha lhe tomado na legislatura anterior. Contudo, as duas siglas perderam força na eleição de outubro: o PT fez 17 deputados a menos que a bancada atual e o PMDB, sete. Juntas, as duas bancadas têm pouco mais de um quarto da Casa.

Se a notícia não é boa para os petistas, pelo menos o governo pode comemorar que a nomeação de deputados para os Estados não alterará significativamente a força da oposição, embora o bloco PSB, PV, SD e PPS rivalize o posto de maior bancada enquanto outros agrupamentos não se formarem. Os oito partidos de oposição ou independentes ganharão apenas um deputado a mais, que se somará à atual bancada, de 160 parlamentares.

A base aliada perde um deputado e vai para 328 - em cálculo que considera apenas os partidos com representantes nos ministérios. A diferença ocorre porque o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), nomeou a esposa, a deputada Rejane Dias (PT), para o cargo de secretária de Educação. O suplente é José Maia Filho, do Solidariedade, partido aliado ao PT no Piauí, mas que faz oposição à legenda no plano federal.

Dentro da oposição, o PSB é a legenda que mais perde. A nomeação de Danilo Cabral e Felipe Carreras pelo governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), reduzirá a bancada em duas cadeiras, que serão ocupadas por deputados do PP e SD. Os tucanos serão desfalcados de apenas um deputado e o DEM ganhará dois.

Já no campo governista, o mais favorecido numericamente é o PCdoB, com a posse de três suplentes. Mas quem sai melhor do cenário pós-nomeações é o PP, que ampliará a distância para o PSD como terceira maior bancada da base, com seis deputados a mais. A posição dará aos pepistas mais força para reivindicar cargos no governo depois de verem justamente o PSD lhes desalojar do Ministério das Cidades após nove anos no controle da Pasta.

O levantamento do Valor foi feito com base em informações dos governos estaduais sobre os nomes já divulgados e na lista de suplentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Apenas o governador reeleito do Amazonas, José Mello (Pros), ainda não definiu todo seu secretariado, o que deve ocorrer ao longo de janeiro.

Ao todo, 23 deputados foram escolhidos para compor os governos nos Estados e quatro viraram ministros de Dilma - além dos petistas, George Hilton (PRB-MG) foi para o Esporte e Edinho Araújo (PMDB-SP) foi para os Portos. O número representa 4,5% da Câmara. Esses parlamentares têm o direito de optar pelo salário como deputado, de R$ 33,9 mil, ou do posto que ocuparão, que é geralmente menor.

Bloco formado por PSB, PV, PPS e SD terá mesmo número de deputados (67) que PMDB e mais que o PT
O número de deputados federais escolhidos para funções no Executivo é menor do que em 2011, quando 43 se licenciaram do mandato logo no primeiro dia para atuarem como ministros ou secretários de Estado. Uma explicação para a diferença é que muitos optaram por não concorrerem à reeleição este ano com o objetivo de permanecerem em funções no governo.

Foi o que ocorreu, por exemplo, com os atuais deputados tucanos Edson Aparecido e Júlio Semeghini. Dois dos mais votados parlamentares de 2010, ambos tinham postos de relevância no governado de Geraldo Alckmin (PSDB), em São Paulo, e preferiram não disputar à reeleição. O mesmo aconteceu com os deputados José de Filippi (PT) e Jilmar Tatto (PT), que optaram por ficar na Prefeitura de São Paulo com o prefeito Fernando Haddad (PT).

Em alguns Estados houve também maior preocupação em nomear um secretariado de perfil "técnico". Foi a opção, por exemplo, de Waldez Góes (PDT) no Amapá. O pedetista foi preso em 2010, em plena campanha para o Senado, por suposta participação em um esquema de desvio de dinheiro durante sua gestão no governo. Eleito novamente em 2014, o governador buscou nomear funcionários de carreira e gestores com pós-graduação em resposta as críticas de adversários e a desconfiança da população

O líder do PT na Câmara, Vicentinho (SP), diz que o partido ainda não fez as contas do saldo de nomeações para os governos estaduais, mas que pode superar a diferença em aliança com outras bancadas. "Estamos discutindo a formação de um bloco para a disputa da Mesa Diretora e que pode ser mantido após a eleição", diz.

A formação de blocos virou uma alternativa de fortalecimento para todas as bancadas diante da eleição de deputados de 28 diferentes partidos, 11 deles com menos de cinco representantes. Os nanicos, contudo, discutem formar um grupo próprio (que batizaram de G10), e ainda é incerto se os blocos terão atuação parlamentar ou se serão formados apenas para a disputa da Mesa.

PMDB diz que denúncia contra Cunha é 'golpe'

Raphael Di Cunto e Thiago Resende – Valor Econômico

A possibilidade de abertura de um inquérito para apurar suposto envolvimento do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), em desvios investigados na Operação Lava-Jato, da Polícia Federal (PF), foi alvo de fortes críticas de parlamentares da legenda, que acusaram armação contra a candidatura do pemedebista à presidência da Casa, e vista com ceticismo por oposicionistas.

Na quarta-feira, o jornal "Folha de S. Paulo" publicou que investigadores que atuam no caso analisam suspeitas de que Cunha teria recebido dinheiro do esquema por meio do policial federal Jayme Alves de Oliveira Filho, o "Careca", que seria responsável por entregar dinheiro para pessoas indicadas pelo doleiro Alberto Youssef.

A suspeita deve-se, segundo o jornal, a depoimento em que o policial diz ter entregado dinheiro em uma residência que "tinha ouvido falar" ser do pemedebista. Diante desta declaração, diz a "Folha", o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pedirá em fevereiro ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de inquérito para saber se o pemedebista participou do esquema.

Cunha, que sempre negou qualquer envolvimento nos desvios, disse pelo Twitter que o endereço citado é bem diferente do seu e que não conhece Oliveira Filho nem Youssef. "O tal depoimento não me acusa de nada, é uma tentativa política de me constranger que não vou aceitar", escreveu. "É lamentável que oponentes meus usem desse expediente baixo tentando me desqualificar. Se a pólvora da bomba deles é dessa qualidade, será tiro de festim na água."

O candidato do PT à Presidência da Câmara, Arlindo Chinaglia (SP), não quis comentar a notícia. Um de seus coordenadores de campanha, o deputado Vicente Cândido (PT-SP), afirmou que a denúncia parece incipiente e que não é por esse caminho que o partido quer levar a disputa. "Estou torcendo para que seja verdade a incipiência da matéria porque essa acusação não é boa para o Brasil nem para o Parlamento. Não é esse o debate que queremos fazer", disse.

A avaliação de que a denúncia não terá impacto na eleição também foi feita pelo PMDB. "Não tem densidade nenhuma. Pelo contrário, vai acabar fortalecendo. O Eduardo foi citado como citaram o Lula, sem provas", afirma o vice-líder do partido, deputado Lúcio Vieira Lima (BA).

Frente de oposição quer disputar SP com Marta

Cristiane Agostine – Valor Econômico

A Frente de Oposição, bloco formado pelo PSB, Solidariedade (SD), PPS e PV na Câmara, tenta atrair a senadora Marta Suplicy (PT) para disputar a Prefeitura de São Paulo em 2016. À frente das negociações, o presidente nacional do SD, deputado Paulo Pereira de Silva (SP), o Paulinho, teve duas conversas com Marta no fim do ano passado e deve retomar as negociações ainda este mês.

Paulinho disse a Marta que a senadora poderá ter tempo de televisão semelhante ao do PT e do PMDB. "A candidatura pelo bloco pode ser uma alternativa viável. Ela poderá ter as mesmas condições para disputar que teria nos partidos grandes", afirmou.

A Frente de Oposição articula o lançamento de um candidato único dos quatro partidos nas próximas eleições. O bloco formado no fim do ano passado para atuar na oposição ao governo federal tem 67 deputados eleitos em 2014. O número é semelhante aos 70 eleitos pelo PT e aos 66 do PMDB e poderá dar tempo de televisão parecido com o das bancadas petista e pemedebista nas eleições de 2016.

Ex-presidente estadual do PPS-SP, David Zaia afirmou que as conversas com Marta ainda são preliminares, lideradas pelo Solidariedade. Zaia, no entanto, disse que a ideia dos quatro partidos do bloco é de disputarem juntos em 2016.

Marta também tem mantido conversas com o PMDB.

Desgastada com a presidente Dilma Rousseff e com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Marta perdeu espaço no PT e deve deixar em breve o partido. A senadora saiu do ministério da Cultura no fim de 2014 em meio a críticas ao governo e atacou a escolha de Juca Ferreira para sucedê-la.

Prefeita de São Paulo entre 2001 e 2004, Marta não conseguiu se reeleger e perdeu também a disputa municipal em 2008. Em 2012, foi preterida pelo ex-presidente Lula e teve de retirar sua candidatura para o lançamento de Fernando Haddad, atual prefeito da capital.

Ministros divergem sobre novo tributo para a saúde

• Após sinalizar apoio à criação de imposto para financiar a área, titular da pasta teve ideia criticada pelo novo comandante do Desenvolvimento

- Zero Hora (RS)

A indicação dada pelo ministro da Saúde, Artur Chioro, sobre a possível criação de um tributo para ajudar a financiar o setor provocou reações contrárias do novo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Empossado ontem, Armando Monteiro afirmou ser contrário à recriação de um imposto semelhante à CPMF, que definiu como "um grande retrocesso":

– Essas especulações em torno da CPMF sempre estiveram mais localizadas no ambiente político do que no de formulação da política macroeconômica. Todos reconhecem que há um subfinanciamento da saúde.

Monteiro ainda avaliou que, pelas características do imposto, que é cumulativo, seria "disfuncional" para a economia. Na entrevista, Chioro defendeu a discussão pelo Congresso de uma contribuição para financiar a saúde, em especial diante da perspectiva de um ano difícil e de reajuste pequeno no orçamento do ministério:

– Este ano será de dificuldade para governo e sociedade. Não há perspectiva de novos recursos.

Após a cerimônia que empossou Monteiro, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, disse que trabalhará contra um novo tributo.

– Somos completamente contra. Vamos lutar porque pesa no bolso de todo mundo – destacou.

A opinião foi endossada por empresários como o presidente do conselho de administração do Grupo Gerdau, Jorge Gerdau. Também presente na posse de Monteiro, ele condenou ter um imposto para financiar a saúde:

– Tem um monte de outras alternativas à criação da CPMF. Não se deve fazer impostos cumulativos, impostos velhos. Na saúde, o maior financiamento está dentro dela, melhorando eficiência.

Merval Pereira - Violência x liberdade

- O Globo

A tragédia que se abateu sobre o jornalismo mundial é, sobretudo, a tentativa de sobrepor a violência à liberdade de expressão, um dos pilares do Estado democrático. Mas é também a expressão mais brutal do desentendimento de sociedades que marca nosso mundo contemporâneo.

Teve a mão globalizada da al-Qaeda a puxar o gatilho das kalashnikov contra jornalistas satíricos franceses, mas obedece ao mesmo conceito bárbaro que leva um político do interior brasileiro a assassinar jornalistas que expõem suas mazelas, ou simplesmente os expõem ao ridículo, como tantas vezes aconteceu nos últimos anos, crescentemente.

O elemento religioso que serviu de pretexto para a ação dos terroristas na redação do "Charlie Hebdo" é outro ingrediente de uma tragédia contemporânea, em que o desentendimento entre as civilizações está prevalecendo em lugar da tentativa de compreensão mútua.

Os direitos humanos como valores universais custam a se impor em sociedades que ainda lutam por liberdades individuais, e até agora apenas a Tunísia vem se saindo bem do movimento que se chamou Primavera Árabe e hoje não consegue ser um contraponto ao extremismo terrorista, que tem no Estado Islâmico sua imagem mais exemplar.

O filósofo francês François L´Yvonnet, secretário executivo da Academia da Latinidade, acompanha de perto a tentativa de aproximação das culturas, tarefa primordial da Academia, e tem também uma visão das questões francesas que estão em jogo nesta tragédia. Ele classifica o ataque ao "Charlie Hebdo" de "um acontecimento inominável, um atentado particularmente inqualificável à liberdade de expressão".

Mas há outras razões, particulares da França, para serem analisadas, diz L´Yvonnet. Para ele, a violência que se imiscui na sociedade francesa está presente na escola, nas ruas, em certas comunidades (judaicas e muçulmanas em particular). É essa violência, com alguns grupos particularmente radicalizados, que se expressa hoje (ontem).

Para L´Yvonnet, a França, por seu passado colonial e pela importância de sua comunidade árabe-muçulmana, está exposta à frente da crise que abala o sul do Mediterrâneo, "crise vivida muito intensamente e quase em tempo real pelos subúrbios de nossas grandes cidades". A integração republicana dessa comunidade é um desafio global, analisa, ressaltando as questões sociais que estão em disputa: exclusão, desemprego, evasão escolar, violência, zona de não direitos.

"O que nós oferecemos às crianças dos subúrbios? Quais suas perspectivas?". É preciso ser lúcido, diz L"Yvonne; "numerosos entre eles não têm outra perspectiva de sucesso social que a droga ou os assaltos a mão armada. Outra perspectiva de sucesso individual é a adesão largamente fantasiada ao Islã político".

Como professor, François L"Yvonnet diz que mede a mudança de atitudes de certos estudantes muçulmanos, "que não têm mais o perfil baixo, mas reivindicam fortemente o seu pertencimento a um Islã orgulhoso de si, feito de solidariedades transnacionais".

Ele alerta que "o amálgama será feito certamente entre uma pequena minoria de radicais e o conjunto da comunidade, composta de vários milhões de indivíduos. O amálgama clássico. Não há nada de surpreendente". Mas admite que "encontra um terreno propício numa França formando a imagem detestável da religião muçulmana pela ignorância sobre a cultura árabe-muçulmana e o desprezo que é dado aos árabes".

Para François L´Yvonnet, a França não está sendo confrontada por um inimigo externo. "Está sendo confrontada por ela mesma, suas contradições, seus temores políticos, seus maus hábitos pós-coloniais".

Dora Kramer - Pão e água

- O Estado de S. Paulo

Quem vê hoje um partido magro como o DEM não enxerga sombra da robustez do antecessor, o PFL de Antônio Carlos Magalhães, que mandava chover e fazer sol na República. Dominava o Congresso e cercanias.
Dividia esse poder todo com o PMDB, que não tentou se reinventar como oposicionista. Assim, ao prosseguir na carreira de governista após a vitória dos petistas até então adversários, sobreviveu, cresceu, se fortaleceu, ficou do tamanho de um elefante e agora incomoda muita gente.

E essa "gente" que se sente importunada pelo partido que não disputa eleições presidenciais porque prefere distribuir sua força nos Estados e municípios, e dessa forma ficar vigoroso o suficiente para reivindicar a divisão do poder federal, acha que chegou a hora de o PMDB emagrecer.

A dieta começou pelo corte nas doses da ração que mantém vivo esse organismo. Nenhum dos ministérios reservados ao partido (que se desconte da lista Agricultura e Minas e Energia, nomeações pessoais da presidente) - Turismo, Pesca, Portos e Aviação Civil - serve para atender a interesses regionais de parlamentares.

São esses interesses que os fortalecem nas "bases" e permitem que se apresentem aos eleitores como representantes do governo, canais de recursos e benfeitorias em geral. Não só com isso, mas também com isso se elegem prefeitos, vereadores, deputados estaduais, federais, senadores e governadores.

Ora, se esses instrumentos são retirados - e aqui se incluem não apenas ministros, mas cargos de segundo e terceiro escalões - começa a faltar oxigênio para recarregar as baterias.

Mas as coisas não param por aí. Há no PT, no governo e em partidos aliados olhos voltados para a Operação Lava Jato com grandes esperanças de que na fase em que aparecerem os nomes dos políticos surjam expoentes do PMDB. Gente da cúpula, de modo a enfraquecer o partido a ponto de atingir o poder de mando dos pemedebistas no Congresso.

É bom que se diga, há ministros preocupados com essa torcida do contra. Acham arriscada a manobra e consideram que a presidente e seus conselheiros se acham os inventores da esperteza e não levam em conta a experiência do PMDB no ramo.

De todo modo, o governo toca em frente. Obviamente sem admitir que o faz. Em termos de apoio partidário conta, por exemplo, com a criação do PL para breve. Sob a inspiração do ministro das Cidades, Gilberto Kassab, a expectativa é a de que o partido esteja regularizado na Justiça Eleitoral em meados de abril.

Com quantos deputados? "De 20 a 80, ainda não sabemos", diz um aliado de Kassab. Ainda que sejam 20, somados aos 36 do PSD do ex-prefeito de São Paulo, seriam 56 contra 66 do PMDB.

Ilusão de ótica. Na visão dos mais otimistas do governo, a questão da presidência da Câmara dos Deputados terminará em acordo entre o PT e o PMDB, repetindo o sistema de "rodízio" de comando entre os dois partidos. Nesta versão, os pemedebistas teriam prioridade. O deputado Eduardo Cunha presidiria a Casa nos próximos dois anos.

Do ponto de vista do PMDB as coisas não são bem assim. Hoje não há a menor disposição para um acordo. E, se a cúpula fechar, a bancada não vai aderir. O que se diz entre os deputados é que será "um acerto para não entregar".

Já os mais realistas do governo pensam o seguinte: a presidência da Câmara, hoje, está perdida para Eduardo Cunha. Pode ser uma derrota acachapante se o PT insistir na disputa ou uma derrota "light" se decidir apoiá-lo.

Uma terceira hipótese, remota, de vitória é considerada: o governo entrar na briga com todas as armas. O problema aí é que se perder o tamanho do estrago é enorme.

Charlie Hebdo. Não há liberdade possível nem expressão cabível.

Bernardo Mello Franco - Os idos de fevereiro

- Folha de S. Paulo

Numa das falas mais célebres do "Júlio César" de Shakespeare, um adivinho avisa o imperador romano: "Cuidado com os idos de março". Se o bruxo reencarnasse hoje em Brasília, deveria alertar os parlamentares: "Cuidado com os idos de fevereiro".

No início do mês que vem, o Ministério Público Federal pedirá a abertura de inquéritos e ações penais contra os políticos citados na Operação Lava Jato, que apura o esquema de corrupção na Petrobras. A ofensiva coincidirá com a eleição dos presidentes das duas casas do Congresso.

O favorito para comandar a Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acaba de aparecer entre os futuros alvos de investigação. Se tiverem juízo, os deputados e partidos que o apoiam devem considerar a ideia de pular do barco e escolher outro candidato.

O petrolão será o assunto mais importante da cena política em 2015. Já se sabe que o esquema envolveu dezenas de parlamentares. Quando as denúncias começarem a chegar ao Supremo Tribunal Federal, nas próximas semanas, a abertura de processos de cassação será inevitável.

Em campanha para conquistar os colegas, Cunha vinha repetindo que suspeita de ilícito penal não é sinônimo de quebra de decoro. No dialeto do Congresso, isso quer dizer que os parlamentares envolvidos no escândalo poderiam contar com sua ajuda para preservar o mandato.

Enquanto o peemedebista conseguia se manter fora do escândalo, sua candidatura parecia útil a quem tentará salvar a própria pele. Agora, passou a representar um risco para todos os deputados.

Um presidente sob suspeita levará a Câmara para o centro da crise. Terá a autoridade comprometida e precisará dedicar mais tempo à sua defesa do que à preservação da Casa, sob pressão popular por punições.

Os deputados têm a opção de ignorar o adivinho e manter as juras de apoio a Cunha. Mas podem acabar como César, apunhalados na nossa Roma do Cerrado.

Cristian Klein - O ex-Partido dos Trabalhadores

• PT não terá trabalhadores em sua bancada federal

- Valor Econômico

O segundo mandato de Dilma Rousseff começou marcado pela inflexão na política econômica, coroada pelo simbolismo do primeiro ministro da Fazenda não petista em 12 anos. Mas há outro dado, despercebido nos resultados da eleição de outubro, que reflete a transformação progressiva do PT. Pela primeira vez, o Partido dos Trabalhadores não terá trabalhadores em sua bancada de deputados federais, que toma posse em fevereiro.

O fato inédito é um dos achados de um levantamento feito pelo cientista político da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Luiz Domingos Costa. No estudo, trabalhadores são considerados os candidatos que declararam ao TSE exercer 111 ocupações: de motoristas a carpinteiros, de petroleiros a auxiliares de escritório. De torneiro mecânico - origem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - a bancário - como o atual ministro das Comunicações Ricardo Berzoini. Foram analisadas as profissões dos 23.220 candidatos que concorreram nas últimas cinco eleições à Câmara dos Deputados.

A principal conclusão, afirma Costa, é que o PT "abandonou", "largou a mão" de recrutar trabalhadores para suas fileiras. É um processo de aburguesamento de seus filiados, semelhante ao descrito pelo sociólogo Robert Michels, há cem anos, na análise do SPD alemão, e expresso em sua "lei de ferro da oligarquia".

E que inclui casos como o de Vicentinho, que se reelegeu, mas pela primeira vez se declarou como político, e não metalúrgico.

Em 1998, entre os candidatos petistas a deputado federal, 21% eram trabalhadores, índice que caiu a menos da metade, 9,8%, na disputa do ano passado. No mesmo período, a presença de trabalhadores na eleição à Câmara teve um crescimento moderado. Passou de 10,6% do total de concorrentes para 13,1%.

Para onde, então, foram os trabalhadores? Espalharam-se para a miríade de pequenas legendas que nos últimos anos levaram o Brasil a bater o recorde mundial de fragmentação partidária.

"A queda de candidatos trabalhadores no PT é muito alta, principalmente quando levamos em consideração que este é o período em que o partido cresce. O PT, quando se profissionaliza, expurga os trabalhadores", diz Luiz Costa.

Uma vez no poder, acrescenta o pesquisador, o partido passou a confiar mais em práticas eleitorais tradicionais. Por exemplo, utilizar intermediários políticos, como prefeitos e vereadores, para alcançar o eleitor. Ou confiar no poder das emendas parlamentares individuais. Deixou de botar a mão na massa e fazer o trabalho de "formiguinha", de contato direto com as bases eleitorais.

Com a retirada, os demais partidos ocuparam o espaço - embora ainda não consigam eleger trabalhadores com a mesma eficiência que o PT fazia. Apesar de uma leve recuperação desde 2006 (de 1% para 1,9%), a proporção de eleitos ainda é menor do que em 1998 (3,1%).

A mudança, porém, está em curso, e o que se vê hoje seria apenas a ponta de um iceberg. Ou de uma arena em que o PT vem "apanhando" nas periferias das regiões metropolitanas, afirma o pesquisador.

O recrutamento dos trabalhadores, antes conduzido tipicamente pelos sindicatos, deu lugar à mobilização essencialmente por meio de três canais: pelas igrejas, pelas rádios e pelas brechas aproveitadas por candidatos que "surfam" nas deficiências dos serviços públicos e constroem carreiras políticas movidas a assistencialismo.

Luiz Costa cita o caso do vereador mais votado de Curitiba, em 2012, Cristiano dos Santos (PV). O motorista conseguiu seu próprio mandato depois de trabalhar para um vereador, que tinha contatos privilegiados e oferecia atendimento médico para seus eleitores. "Ele carregava gente em sua Belina. São esses os candidatos do povão. Escoram-se num deputado, num vereador, que depois os mandam embora porque montam sua própria rede", afirma Costa.

Os métodos e a competitividade, compara o pesquisador, diferem dos utilizados pelos petistas. "No PT não tem essa. Só se é candidato depois de ter sido secretário da juventude, vereador etc. É uma escadinha, que não tem nos outros partidos", diz.

Uma das consequências é que os trabalhadores migraram para outras legendas, pequenas e mais conservadoras, favorecendo o recente fenômeno da popularização da direita - também apontado por Costa e seu colega Adriano Codato, também da UFPR.

Em 2014, "nanicos" como PHS (4,8%), PEN (4,5%) e PTdoB (4%) lançaram mais trabalhadores do que o grande PMDB (3,8%). O PT, apesar da queda, ainda é o quarto (4,9%), porém bem atrás do líder PSOL (11,7%) - o que indica que seu nome de batismo pode perder sentido, ou ser ameaçado, à direita e à esquerda.

Carlos Alberto Sardenberg - A parte do governo

- Globo

Não se trata apenas de cobrir alguns buracos das contas públicas. O discurso de posse do ministro Joaquim Levy vai mais longe: revalida a tese segundo a qual a austeridade é virtude permanente e, sobretudo, a base para o crescimento da renda e do emprego.

É o contrário perfeito da política dos anos 2011/14, período em que o então ministro Guido Mantega, falando pela presidente Dilma, definia superávit primário - gastar menos do que se arrecada - como um sacrifício a fazer em determinados momentos. O certo era gastar mais para estimular a atividade. Economia, austeridade - isso só para acalmar o mercado, este entendido como a súcia de especuladores e banqueiros. Por isso, o então ministro apresentava aquelas contas marteladas, que davam uma aparência formal de equilíbrio do Orçamento federal. No fundo, entendiam, ex-ministro e presidente, que fazer superávit primário elevado, definindo-se a austeridade fiscal como prioridade, era o caminho da recessão e do desemprego.

E quer saber? É muito provável que essas duas coisas aconteçam neste ano. O desemprego deve ser maior que em 2014. E não digo recessão, mas que o PIB vai crescer muito pouco, se crescer, não há dúvida. Isso dará a impressão de que a política anterior estava certa. Será só impressão, porque o país ainda levará algum tempo para se livrar dessa herança do baixo crescimento com inflação e juros elevados. Ou seja, o problema não estará no remédio da austeridade, mas na lambança anterior. Mas, como isso não é simples de explicar, a turma do Mantega poderá apontar o dedo: não falei?

Não é uma disputa nova. Na verdade, debate-se sobre isso no mundo todo, sempre que há uma crise ou problemas graves a atacar. Todo mundo sabe que, em qualquer país, o governo sempre gasta bastante, e o setor público tem papel muito forte, se não dominante. A convergência acaba aqui. Como e onde gastar? Até quando se pode usar o déficit das contas públicas para animar a economia?

Para um dos lados (para simplificar: a turma que anda elogiando o ministro Joaquim Levy), esse tipo de política é sempre provisório e deve ser conduzido de modo a manter as bases do equilíbrio fiscal para o pós-crise e para quando a economia já estiver se reanimando. Ou seja, o equilíbrio das contas é sagrado, vem na frente. E, mesmo quando não há crescimento - caso atual do Brasil -, isso não decorre da falta de gasto público, mas, ao contrário, por excesso de gastos perdulários e mal feitos.

Para o pessoal do outro lado, é um absurdo pregar e praticar austeridade quando a economia anda devagar. O Prêmio Nobel Paul Krugman vem dizendo isso há muitos anos a propósito dos EUA e da Europa. E estava errado, notou Jeffrey D. Sachs, em artigo publicado ontem pelo "Valor Econômico".

Os números: em 2011, o déficit no Orçamento federal dos EUA era de 8,4% do PIB; caiu para 3% no ano passado; o desemprego, no mesmo período, caiu de 8,6% para 5,8%; o PIB, que crescia a 1,2% em 2011, está evoluindo no ritmo de 3% ao ano.

Querem mais? A Grã-Bretanha, cujos eleitores votaram na plataforma conservadora de David Cameron em 2010, apresenta os melhores resultados na Europa. O déficit público saiu de 8,4% do PIB para 4% no ano passado; o desemprego, de 7,9% para 6%. E dos países do euro, a Alemanha, onde quase todo mundo é "fiscalista", mostra o melhor desempenho. Já a França, onde François Hollande se elegeu com a plataforma antiausteridade, continua patinando.

De novo, não se trata de tirar o governo da jogada. Mas de respeitar uma simples equação: o governo deve gastar ali onde o setor privado não funciona bem para toda a população - educação, saúde e segurança, por exemplo. E deve se financiar não com déficits crescentes, mas com impostos corretos e justos. Contas públicas desarrumadas estragam todos os demais esforços.

Caramba!
E, por falar nisso, eis alguns dados compilados pelo Telebrasil, o sindicato das empresas de telecomunicações: de 2002 a 2013, os usuários pagaram R$ 1,7 trilhão (em valores correntes). Desse total, algo como o faturamento bruto, a maior parte ficou com o governo: foram nada menos que R$ 510 bilhões de tributos arrecadados (30%).

Mas há mais, segundo os números preparados pelo secretário-geral do sindicato, Cesar Rômulo. Descontando-se custos e outros gastos, o valor adicionado distribuído pelo setor, mais ou menos a riqueza gerada, foi equivalente à metade do faturamento, em torno de R$ 850 bilhões. Logo, os R$ 510 bilhões recolhidos pelo governo representam quase 60% dessa riqueza produzida.

Sabíamos que pagávamos impostos demais. Mas... caramba!

Celso Ming - O impacto do petróleo

- O Estado de S. Paulo

As cotações do petróleo desabaram 34% em apenas seis semanas. Ninguém se atreve a apontar para o fundo do poço nem para o nível em que oferta e procura se reequilibrarão.

Este é um mercado volátil, sujeito a grande número de variáveis que, a todo momento, mudam seu peso na equação. Os preços vieram abaixo não porque a Opep, ou, mais particularmente, a Arábia Saudita, tenha interferido na delicada relação entre produtores e consumidores. Ao contrário, a decisão tomada no dia 27 de novembro, que afundou os preços, foi de deixar tudo como está. Além disso, grande número de produtores está em regiões expostas a conflitos armados, cujos poços e instalações estão sujeitos a ataques.

O que já aconteceu é suficientemente forte para mudar muita coisa. Se mantidos por um ano, os atuais preços deverão provocar uma poupança de pelo menos US$ 1,5 trilhão entre os consumidores. É o quanto deixarão de gastar em combustíveis e, no caso das térmicas, em energia elétrica. Essa economia, correspondente a transferências de renda de produtores aos consumidores, equivale ao que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) emitiu de setembro de 2012 a outubro de 2014 para recuperar a economia americana.

Além de ser novo (e forte) estímulo para a economia mundial, essa alentada sobra de renda é fator de aumento do consumo de combustíveis e, mais adiante, de recuperação dos preços.

O objetivo declarado da Opep com sua decisão de novembro foi derrubar os concorrentes que operam a custos altos. A cada queda de preços, o facão vai decepando negócios e projetos de investimento. Essas quebras não são automáticas porque o ciclo do petróleo leva mais de dez anos. Entre a descoberta de uma reserva e a produção contínua vão mais de oito. Quem começou um projeto não pode parar de repente. Mas novos investimentos tendem a ser adiados até que o novo equilíbrio fique mais claro. Este fator deverá derrubar também os preços dos equipamentos de petróleo tais como sondas, navios-plataforma e dutos. Independentemente disso, o produtor tem de enfrentar redução do fluxo de caixa e a quebra de retorno.

O caso do pré-sal no Brasil é preocupante. Como já foi lembrado na Coluna de ontem, declarações recorrentes da presidente Graça Foster e do diretor de produção e exploração, José Formigli, dão conta de que o custo de produção do pré-sal brasileiro varia de US$ 45 a US$ 50 por barril, aí incluídos os custos da infraestrutura. Isso significa que, aos preços de hoje, a viabilidade do pré-sal começa a enfrentar questionamentos. Continuar exigindo que os produtores brasileiros (e não só a Petrobrás) paguem substancialmente mais para dar preferência a equipamentos nacionais pode agravar situações já muito delicadas.

A nova relação de preços e de expectativas de retorno tende a reduzir a capacidade de endividamento das petroleiras, especialmente a da Petrobrás, que enfrenta problemas graves.
Toda a política de petróleo – e não somente a dos preços dos combustíveis – está pedindo por revisão, à luz do que acaba de ser entendido.

Vinicius Torres Freire - Apagar os incêndios de Dilma 1

• Governo promete plano fiscal em breve, mas crise na energia também precisa de programa de urgência

- Folha de S. Paulo

Não vai ser de pronto que os economistas de Dilma 2 vão lavar toda a louça suja e arrumar a cozinha do governo Dilma 1.

Também não é de modo algum razoável esperar um plano para lidar com problemas imensos como a desordem financeira do setor elétrico ou a desordem geral da Petrobras.

Isto posto, é tão urgente dar um destino racional a tais problemas quanto indicar que se vai logo dar uma solução à pindaíba do governo. A gente fica, no entanto, cismada de ouvir o rumor de que o governo estuda aplicar outro remendão no buraco das contas das empresas de distribuição de energia elétrica (as que vendem a eletricidade para o consumidor final).

Trata-se de um arranjo talvez inevitável, de emergência, que envolveria empréstimos de bancos públicos para as distribuidoras, um esparadrapo necessário até que as empresas recebam o dinheiro que virá do reajuste futuro das tarifas, encarecido, de resto, pela gambiarra.

A energia elétrica está muito cara porque falta água nas hidrelétricas e a eletricidade tem sido produzida por usinas térmicas, de custo maior. Também está cara porque as empresas distribuidoras têm de comprá-la no mercado de curto prazo, pois o governo criou confusão no mercado de longo prazo. Como não podem repassar, sem mais, o custo para o consumidor final, aparecem rombos.

Um empréstimo arranjado com bancos públicos e privados, em 2014, tapou temporariamente o buraco. Agora, a banca privada reluta em participar. Pode ressurgir então a estratégia de Dilma 1: empurra-se o problema com a barriga e fantasias, com ajuda da banca estatal.

Dar jeito no ora confuso mercado de energia, nos subsídios sem fundo, no programa falido de antecipação de entrega de concessões, nas obras atrasadas e em tantos desarranjos vai tomar tempo. Mas trata-se de uma crise que está engrossando. Assim como vai ficando grosso o caldo entornado da Petrobras.

A crise da petroleira se derrama sobre um monte de empresas, não apenas nas empreiteiras da propina. Desarranja e começa a paralisar os negócios de infraestrutura, asfixia empresas e deve causar desemprego. Nem é preciso mencionar o descrédito que a malversação da petroleira já causou no crédito dela mesma e no do país; no impacto que teve na confiança de que os investimentos possam voltar a crescer, do que o país carece desesperadamente.

Je suis Charlie
Os "mercados" não reagiram ao massacre de dez colegas jornalistas e dois policiais, ontem em Paris. Vez e outra, a demência terrorista parece "elevar o risco geopolítico". Ontem, não.

As Bolsas importantes do mundo viraram o ano trôpegas, o petróleo caiu de novo, soube-se ontem que houve deflação na eurozona em 2014. Mas esta última notícia também não caiu mal.

Para os povos dos mercados, a deflação europeia reforça a hipótese de que o Banco Central Europeu vá despejar dinheiro na praça, barateando o jogo da finança, nas Bolsas em particular, que assim podem continuar inflando, alegremente, inclusive na Europa do desemprego e da estagnação.

"Je suis Charlie" ("Sou Charlie"). "On s"en fout" ("Dane-se").