terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Mauro Vieira* - Voltar ao mundo é também um bom negócio

O Globo

O mundo já reconhece plenamente um Brasil que retoma seu lugar, como ator responsável e comprometido

A visita oficial do presidente Lula a Washington, na última sexta-feira, foi muito além do simbolismo do relançamento da relação com os Estados Unidos no mais alto nível. Do encontro, tanto na dimensão pública quanto na das reuniões de trabalho, ficou clara a sintonia entre os presidentes Lula e Biden sobre a importância da retomada do diálogo bilateral estreito e da cooperação em questões cruciais, como a defesa da democracia e a volta do Brasil à liderança no debate sobre o meio ambiente e a mudança climática.

A decisão do governo Biden de engajar-se nos esforços internacionais em torno do Fundo Amazônia representa um gesto político de grande significado e também um reconhecimento ao governo Lula pelo combate à criminalidade ambiental desde o primeiro dia da sua gestão. Esses esforços revelaram a todos uma tragédia anunciada, a dos ianomâmis, fruto da ganância e da crueldade humanas, acobertadas pela omissão governamental.

Carlos Andreazza - Um problema a menos

O Globo

A autonomia do BC consiste em solução que diminui o espaço para transtornos provocados por escolhas ou pressão política

Fulanizarei: a autonomia do Banco Central existe para que Roberto Campos Neto não seja integralmente Roberto Campos Neto. Desenvolvendo: a autonomia do BC — autonomia, não independência — existe para que Roberto Campos Neto, presidente do BC, seja menos Roberto Campos Neto, o bolsonarista.

Fulanizei, mas a questão é impessoal. A autonomia do Banco Central serve para que o bolsonarismo de Sicrano, ou o petismo de Beltrano, seja esvaziado — minimizado — e tenha, pois, carga reduzida sobre a gestão da autoridade monetária.

A autonomia do BC consiste em solução que diminui o espaço para lambanças derivadas de escolhas, de pressões políticas. Atenção: não exclui a dimensão — os efeitos — da incompetência de seus dirigentes. Encurta a superfície em que paixões partidárias — e as influências, interferências, de líderes políticos — condicionam as tomadas de decisão.

Pedro Cafardo -BC é autônomo, mas não infalível

Valor Econômico

Reforma do Imposto de Renda tira sono da classe média

Só existe uma pessoa infalível no mundo, o papa. Mesmo assim, essa infalibilidade não é ampla e irrestrita. Funciona apenas para católicos e quando o papa se manifesta sobre princípios básicos e dogmas da fé cristã, algo instituído no Concílio Vaticano I, em 1870. Felizmente, Francisco não costuma se manifestar sobre taxas de juros. Mesmo que se manifestasse, sua opinião poderia ser contestada sem receios por católicos ou não católicos.

O Banco Central do Brasil ganhou autonomia em 24 de fevereiro de 2021, por decisão majoritária do Congresso. Tem liberdade total para conduzir a política de juros, mas a lei obviamente não estabelece a infalibilidade do BC para as suas decisões. Não há dogmas monetários. E a instituição pode receber críticas ou elogios sem que isso ameace a sua autonomia.

Esse tema domina a mídia de economia nos últimos dias. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi acusado de conspirar contra a independência do BC quando disse que o Brasil pratica os juros mais altos do mundo. Pura verdade. A taxa real de juros (além da inflação) está em quase 8% ano. Dois anos atrás era negativa: -0,30% ao ano.

Maria Clara R. M. do Prado* - De metas, juros e inflação

Valor Econômico

A ideia de que a credibilidade do BC será tanto maior quanto mais baixa for a meta de inflação não faz sentido

A polêmica que se prolonga há semanas a respeito da meta de inflação, da taxa de juros e de outros temas relacionados à atuação do Banco Central tem levantado pontos de vista variados, alguns procedentes, outros inconsistentes, muitos incongruentes.

Há de tudo: informação manipulada, análises distorcidas, omissões, especulações, falta de conhecimento, enfim. Ajudam a engrossar o caldo do falatório com sérios efeitos sobre as expectativas.

A reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) agendada para quinta-feira recolocou na berlinda a discussão em torno da mudança da meta de inflação fixada em 3,25% para 2023 (com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual) e em 3% para 2024 e 2025.

Marinho diz que até junho terá propostas para lei trabalhista

Ministro diz que já está criando grupo técnico formado por representantes de empregadores e trabalhadores para rever alguns pontos da legislação

Por Rafael Vazquez / Valor Econômico

SÃO PAULO - O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, pretende apresentar propostas concretas de revisão da atual legislação trabalhista até o fim deste semestre. Após reunião com empresários ontem na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), ele reafirmou que o objetivo não é revogar a reforma vigente desde 2017, mas informou que já está criando um grupo técnico formado por representantes de empregadores e trabalhadores para rever alguns pontos.

Marinho despistou sobre quais pontos da reforma da gestão Michel Temer pretende propor revisão, mas comunicou que a meta é ter algo concreto para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva avaliar no fim deste primeiro semestre. A partir disso, de acordo com o ministro, o presidente é que vai definir quando a pauta será enviada para o Congresso.

Raphael Di Cunto - Demora do governo alonga incertezas

Valor Econômico

Lua de mel será curta, mas Lula parece não perceber

Governo não é corrida de 100 metros, é maratona. Há três ou quatro anos para apresentar resultados. Isto posto, a velocidade de largada do governo Lula 3, e em especial a forma atabalhoada deste início, causam preocupação. Ministros escolhidos a dois dias da posse sem qualquer critério técnico, desorganização da base no Legislativo, cargos de chefia ainda a preencher depois de 45 dias de governo, falta de assertividade sobre o que é prioridade de fato na agenda e os ataques do presidente da República ao chefe do Banco Central são más notícias de um governo que, em sua terceira versão, se esperava mais experiente e gabaritado para enfrentar os desafios de gestão.

Maria Cristina Fernandes - Para Lara Resende, equipe conciliatória expõe Lula frente ao BC

Valor Econômico

Economista propõe manutenção da meta de inflação e definição de regime fiscal

A proposta do novo regime fiscal deveria ter aberto a pauta econômica do governo no Congresso. A proposta de reforma tributária do governo é boa, mas está na praça há algum tempo e enfrenta muita resistência. Para aprová-la, o governo corre o risco de queimar cartuchos que podem lhe faltar no debate do regime fiscal.

Ao se expor nesta contestação aos métodos do atual governo, sem aviso prévio aos titulares da economia, André Lara Resende não aceita a visão de que esteja a atropelar o Ministério da Fazenda, instância responsável pela condução do debate com o Congresso. “Não sou governo, mas torço pelo bem do Brasil e não sou obrigado a concordar com tudo”, diz, em conversa de vídeo com o Valor na tarde desta segunda-feira (13).

Integrante da equipe da transição na economia, ao lado do ministro Fernando Haddad, Lara Resende foi insistentemente convidado para integrar a Pasta, mas preferiu compor um comitê consultivo do BNDES que discute estratégias de desenvolvimento.

Alvaro Costa e Silva - A reinterpretação do Oito de Janeiro

Folha de S. Paulo

Enquanto golpistas viram 'descontentes', militares nem sequer são alvos de investigação

Antes o revisionismo histórico demorava um bom tempo —uma, duas, cinco décadas?— para começar a ser divulgado. A ação hoje é imediata. A história mal acabou de acontecer diante de nossos olhos e já tem início sua reelaboração ou "ressignificação", para usar uma palavra da moda.

Os golpistas do Oito de Janeiro não são golpistas. São jovens e velhos descontentes. A invasão das sedes dos três Poderes não foi uma etapa do golpe —combinada com a tentativa de explodir bombas no aeroporto de Brasília e de fazer bloqueios em rodovias e refinarias, a presença de fanáticos financiados e acampados na porta dos quartéis e a existência do documento de ruptura inconstitucional escondido no armário do ex-ministro da Justiça— e sim um movimento natural de quem não concordava com a eleição do novo governo e queria, apenas, expressar sua opinião.

Fernando Canzian - Classe média lidera perda de renda na pandemia e impulsiona desigualdade

Folha de S. Paulo

Estudo aponta cidades e regiões mais ricas; áreas de Brasília lideram ranking

A classe média foi quem mais perdeu rendimentos durante parte da pandemia do coronavírus, o que levou ao aumento da desigualdade de renda no Brasil. Entre os mais pobres, os rendimentos mantiveram-se praticamente inalterados, graças principalmente ao pagamento do Auxílio Emergencial.

No período, foi mantida a tradicional concentração de rendimentos em estados mais ricos e em áreas do Distrito Federal, onde há preponderância de funcionários públicos bem pagos e com estabilidade no emprego —apesar de a maioria, com exceção dos militares, estar sem reajuste salarial desde 2017.

Segundo dados inéditos da FGV Social com base em declarações de Imposto de Renda de 2020 e pesquisas do IBGE, a classe média (brasileiros localizados entre os 41% mais pobres e os 10% mais ricos) perdeu 4,2% de sua renda no primeiro ano da pandemia.

No 10% mais rico, muitos deles moradores de áreas abastadas do Distrito Federal (como Lago Sul e Lago Norte) e de cidades tradicionalmente ricas como Nova Lima (MG), São Caetano do Sul (SP) e Florianópolis (SC), a queda nos rendimentos foi bem menor, de 1,2%. Entre os 40% mais pobres, houve praticamente estabilidade (ganho de 0,2%).

Segundo Marcelo Neri, diretor da FGV Social, ao contrário do que se imaginava, em função do Auxílio Emergencial que chegou a até 67 milhões de pessoas, a desigualdade de renda não caiu no país no primeiro ano da pandemia —mas foi puxada para cima por conta do empobrecimento da classe média.

Utilizando o mesmo método que o economista francês Thomas Piketty, autor do best-seller "O Capital no Século 21", e unindo a base de dados do IRPF à da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, a FGV Social calcula que o índice de Gini chegou a 0,7068 em 2020, bem acima dos 0,6013 calculados pelo IBGE, que usa apenas a Pnad Contínua. Para o cálculo do Gini, quanto mais perto de 1 o índice, maior a desigualdade.

Joel Pinheiro da Fonseca - O eterno retorno do balcão de negócios

Folha de S. Paulo

O Legislativo eleito em 2022 é consideravelmente de direita, mas, felizmente para o governo Lula, também bastante fisiologista

Até mesmo partidos que compõem formalmente a base do PT neste governo —como PSD, MDB e Solidariedade— votaram contrariamente ao PT ao longo dos últimos anos, conforme revela matéria na Folha desta segunda. Ou seja, ainda que estejam do lado do governo, não necessariamente votarão com ele em todas as pautas; especialmente nas econômicas, que mais inspiram o temor de afundar o Brasil numa nova crise como a de 2015.

Mesmo supondo —o que é bastante improvável— que essa base vote como um bloco coeso a favor do governo em todas as pautas, isso somaria apenas 223 votos, ou seja, nem mesmo o bastante para se aprovar um simples projeto de lei, que requer 257 votos. Isso para não falar de uma PEC, que exige três quintos da Câmara.

Eliane Cantanhêde - Clima de barata-voa

O Estado de S. Paulo

Além do presidente do BC, os juros e a meta de inflação empurram Haddad para o alvo

Se o alvo até a semana passada foi o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que se assumiu bolsonarista, o desta semana passa a ser o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, lulista, petista e candidato à Presidência pelo partido uma vez. Mas o tiroteio é com boatos e ciumeiras, não com balas, e muito menos uma bala de prata.

O presidente Lula atirou no BC, admitiu intervir na autonomia da instituição, desdenhou de Campos Neto como “esse cidadão”, mirou os juros altos e evoluiu para uma negociação para alterar a meta da inflação que, quase consensualmente, é irrealizável. Mas alterar para quanto? E isso baixa a taxa de juros?

Rubens Barbosa* - As relações entre civis e militares

O Estado de S. Paulo.

Chegou o momento de colocar a questão no centro das preocupações do Legislativo nacional e desmontar armadilhas que possam estimular a radicalização política

As Forças Armadas, nos últimos anos e, especialmente, antes e durante os acontecimentos de 8 de janeiro, como instituição, não tomaram partido, apesar de sucessivas iniciativas em contrário, e permaneceram silenciosas e respeitosas da Constituição e do Estado de Direito. O não envolvimento da instituição, fator importante para reduzir as tensões, e a disposição de identificar e punir militares da ativa que individualmente se omitiram ou participaram dos atos de vandalismo em Brasília abrem um espaço para que a confiança seja restabelecida e o tema da relação entre civis e militares possa ser tratado de maneira objetiva.

Jorge J. Okubaro* - O mundo real é maior do que a Selic

O Estado de S. Paulo.

O que deveria ocupar o centro das preocupações, e dos discursos, de Lula e de quem o apoia é que os problemas sociais voltaram a mostrar sua gravidade

A inflação de 0,53% em janeiro, que levou a alta acumulada de preços em 12 meses para 5,77%, foi puxada por alimentos e combustíveis. É uma variação muito alta. Problemas que nos assombraram há pouco podem estar voltando. Mas ninguém no governo parece estar preocupado com isso. Também não há preocupação com os sinais de desaceleração da economia, o que antecipa problemas de emprego e renda. Indicações mais sombrias sobre a economia mundial começam a esmaecer, mas é pouco para desenhar um cenário colorido. Intencionalmente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está longe de ser um aprendiz em política, parece disposto a tornar ainda mais turvo um quadro preocupante com sua insistência, e sua veemência típica de palanque, em criticar o Banco Central (BC).

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

STF precisa rever decisão que criou tributos retroativos

O Globo

Precedente aberto no caso da CSLL poderá ser aplicado a outros impostos, agravando a insegurança jurídica

O Supremo Tribunal Federal (STF) precisa rever uma decisão tomada na semana passada sobre a cobrança de tributos de empresas. Ela contribuirá para aumentar a insegurança jurídica, com consequências econômicas negativas difíceis de estimar. O tema em pauta na Corte era a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), mas a decisão tem alcance sobre vários outros impostos.

Na questão do mérito, o STF não surpreendeu e acertou. Um contribuinte pode entender que a cobrança de um tributo não está certa e entrar com ação pedindo autorização para deixar de pagá-lo. Ao ganhar a causa, passa a ter uma vantagem em relação aos competidores que não entraram com a mesma ação ou sofreram decisão contrária. Do ponto de vista concorrencial, tal situação é inaceitável. Portanto era esperado que, em nome da isonomia, a Corte decidisse pelo cancelamento de decisões judiciais. Se o STF decidir a favor da cobrança de um imposto, os contribuintes que porventura foram beneficiados perderão esse direito.

Poesia | Ferreira Gullar - Escrito/Homem comum/Maio 1964 /O açúcar

 

Música | Insensato Destino - Zeca Pagodinho, Almir Guineto