sábado, 6 de fevereiro de 2016

Opinião do dia: Alberto Aggio

Apesar das circunstâncias que atormentam a vida da maioria dos brasileiros em razão da crise que assola o País, as eleições municipais de outubro próximo, como sempre foi no passado, não deixarão de demarcar a sua importância. Se as instituições da República suportarem a carga das crises que se avolumam a cada dia, provocada pelo desgoverno de turno, estaremos todos convocados a eleger ou reeleger os dirigentes das nossas cidades, desde as menores até as grandes metrópoles.

Apesar de tudo, os brasileiros, com a sua costumeira “desesperança esperançosa”, ainda creem no poder da sua participação por meio do voto. Pela via da política, estas eleições têm o poder de definir, mesmo que parcialmente, se o futuro imediato será ou não melhor do que os desencantos, as desilusões e as carências do presente.

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* Alberto Aggio é historiador, professor titular da Unesp, A democracia e a ‘cidade futura’, O Estado de S. Paulo, 5.2.2016

OAS pagou móveis de sítio em dinheiro, diz testemunha

Testemunha afirma que empreiteira pagou em dinheiro móveis de sítio

• Funcionário da empresa Kitchens, especializada em cozinhas, relata pagamentos em espécie feitos por ex-executivo da OAS para equipar propriedade em Atibaia, utilizada pelo ex-presidente Lula e sob suspeita de estar em nome de laranjas

Por Andreza Matais e Fabio Fabrini e Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Um funcionário da empresa Kitchens afirmou, em depoimento ao Ministério Público, que a empreiteira OAS pagou em dinheiro vivo os móveis e eletrodomésticos da cozinha e da área de serviço do sítio em Atibaia (SP) frequentado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua família. A testemunha relatou ter recebido a primeira parcela, de R$ 50 mil, em espécie e ainda confirmou que a compra foi negociada pelo ex-executivo da OAS Paulo Gordilho.

“Em relação aos móveis da cozinha e área de serviço do sítio, além do pagamento do sinal em pecúnia (de R$ 50 mil), que presenciou, obteve, ao levantar informações documentais para entrega ao MPF (Ministério Público Federal), que as demais parcelas também foram quitadas mediante pagamento em espécie, na loja”, relata a investigação. O nome do funcionário, com cargo de gerente, vem sendo mantido em sigilo. O total comprado para o sítio foi de R$ 180 mil. Só com eletrodomésticos e mobiliários da cozinha, foram R$ 130 mil.

O sítio passou a ser investigado pela Operação Lava Jato por suspeitas de que as melhorias foram usadas como pagamento de propina em troca de contratos fechados pela empreiteira no governo. Há suspeitas de que Lula seja o real dono do sítio, que está em nome dos empresários Fernando Bittar e Jonas Suassuna, sócios de Fábio Luís Lula da Silva, filho de Lula.

Embora a OAS tenha pago pelos equipamentos, a empreiteira pediu que Bittar figurasse como comprador. “Gordilho, no momento de aquisição dos armários do sítio, indicou os dados de Bittar para que constasse na nota fiscal”, aponta outro trecho de documento da investigação em curso.

A indicação fez os vendedores suporem que o sócio de Lulinha, como Fábio Luís é conhecido, era um funcionário da OAS. “Para a empresa Kitchens, o tal Fernando Bittar seria um diretor da OAS, uma vez que o projeto inicial e o orçamento foram solicitados pela OAS, além da intermediação e pagamento.”

O MP suspeita que Suassuna e Bittar atuaram como “laranjas” do petista no imóvel rural. A área tem 173 mil m², o equivalente a 24 campos de futebol e foi comprada por R$ 1,5 milhão.

Embora os dois tenham comprado terrenos contíguos, supostamente de mesmo tamanho, Suassuna pagou R$ 1 milhão e Bittar, R$ 500 mil. O advogado Roberto Teixeira – a compra do sítio foi lavrada no escritório de Teixeira, compadre de Lula –, disse que a diferença dos valores é “porque os sócios convencionaram dessa forma, como é absolutamente lícito em qualquer negócio privado”.

Filho de um amigo de Lula, o fundador do PT e ex-prefeito de Campinas Jacó Bittar, Fernando Bittar é sócio de Lulinha na G4 Entretenimento. A empresa tem fatia da BR4 Participações, que, por sua vez, tem participação do grupo Gol Mídia, de Jonas Suassuna. Ele consta como atual ou ex-sócio de 17 empresas.

O gerente deu, ainda, um detalhe que intrigou os investigadores. A formalização da compra, incluindo pedido, contrato e projetos, foi assinada fora da Kitchens, que a recebeu já com as firmas, por meio de um portador da OAS. Isso significaria que o verdadeiro comprador não queria aparecer. A Kitchens não foi autorizada a entrar no sítio para fazer as medições dos armários, o que é atípico, pois havia uma reforma no imóvel. Os armários foram fabricados com base numa planta fornecida pelo ex-executivo.

Tríplex. O gerente confirmou a informação de que a OAS comprou cozinha e armários para o tríplex do Guarujá que está sob suspeita de pertencer a Lula. Nesse caso, contudo, os pagamentos foram feitos por meio de transferência bancária e via escritório da empresa.

Procurado, por telefone e e-mail, Fernando Bittar não se pronunciou. A defesa de Suassuna diz que o sítio é dele e a parte registrada em seu nome não tem benfeitorias. A OAS não atendeu aos telefonemas do Estado. Gordilho não foi localizado.

Reforma de sítio será alvo de fiscalização

O sítio de Atibaia, frequentado pelo ex-presidente Lula, será fiscalizado pelo governo de SP por suspeita de irregularidades ambientais. O lago do sítio, que integra Área de Preservação Ambiental, foi ampliado em 2010, informa Silvia Amorim.

Sítio usado por Lula será fiscalizado por obras de ampliação em lago

• Imagens revelam mudanças no reservatório, suspeitas de irregularidades ambientais

Silvia Amorim - O Globo

SÃO PAULO - O sítio usado 111 vezes pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Atibaia, interior de São Paulo, será alvo de uma fiscalização do governo paulista por suspeita de irregularidades ambientais na reforma da propriedade, que começou no final de 2010. Imagens de satélite indicam que as obras de ampliação do imóvel chegaram ao lago do sítio, um dos locais preferidos do ex-presidente, que tem a pescaria como principal hobby.

Pelas imagens é possível identificar que o reservatório foi esvaziado em junho de 2012 e, em dois meses, uma estrutura em uma das bordas do lago, que parece ser um píer, foi construída. Há suspeitas de que o lago tenha sido aumentado.

Um documento apreendido pela Lava-Jato mostra que o sítio Santa Bárbara tem uma parte dos seus 173 mil metros quadrados em Área de Preservação Permanente (APP). Nesses casos, a legislação determina que intervenções em locais com nascentes e cursos d'água, mesmo dentro de propriedades privadas, só podem ser feitas mediante autorização dos órgãos ambientais competentes porque é preciso preservar a vegetação no entorno de recursos hídricos. Em São Paulo, os órgãos são a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) e o Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo (Daee).

O Daee, após consulta do GLOBO ontem, informou que não recebeu desde 2010, quando a propriedade foi comprada por dois sócios de um dos filhos de Lula, nenhum pedido de autorização referente ao uso da água do lago para qualquer finalidade. Há rumores de que um tanque de peixes tenha sido construído no sítio. O órgão comunicou que fará uma fiscalização no local nos próximos dias.

A reportagem apurou junto à Cetesb que, no mesmo período, não houve solicitação dos proprietários do sítio Santa Bárbara para modificações na estrutura do lago.

O sítio pertence a Fernando Bittar e Jonas Leite Suassuna Filho e é investigado pela Lava-Jato e o Ministério Público de São Paulo porque teria passado por reformas custeadas pelas empreiteiras OAS e Odebrecht como um agrado ao ex-presidente. Relatórios de viagem da Presidência da República foram divulgados esta semana pela revista “Época” e mostraram que Lula viajou 111 vezes a Atibaia entre 2012 e janeiro deste ano. A mulher do ex-presidente, Marisa Letícia, comprou até um barco de R$ 4,1 mil em São Paulo e mandou entregá-lo no endereço do sítio, segundo revelou o jornal “Folha de S. Paulo” no sábado.

Antes de Suassuna e Bittar comprarem a propriedade, o local pertencia a Adalton Santarelli. Um antigo parente dele diz ter certeza, pelas imagens do sítio divulgadas pela imprensa após a reforma, que houve uma obra para ampliação do lago. A família foi dona do local entre 2002 e 2010.

Antes de receber as constantes visitas de Lula, o sítio era frequentado por moradores do Bairro Portão e do Clube da Montanha, áreas vizinhas. Um engenheiro que mora na região contou ao GLOBO que sabia da existência do lago pelo menos desde 2000.

— É muito comum o pessoal fazer lagos com água de nascente aqui na região — disse o engenheiro, que pediu para não ser identificado.

O GLOBO procurou o advogado de Bittar e Suassuna, Roberto Teixeira, mas ele não retornou. O Instituto Lula também não se manifestou.

Executivos da Andrade deixam cadeia

Depois de fechar acordo de delação premiada com a Lava-Jato, o presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo, deixou a cadeia por ordem do juiz Sérgio Moro. Segundo Moro, o executivo, que cumprirá prisão domiciliar, acrescentou “fato relevante” às investigações. Em depoimento, ele deu informações sobre obras do setor elétrico e das Olimpíadas do Rio.

• Após acordo de delação premiada, Sérgio Moro autorizou prisão domiciliar de acusados

Renato Onofre - O Globo

SÃO PAULO - O presidente afastado da Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo, vai passar o carnaval em casa, depois de fechar acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República. O juiz Sérgio Moro autorizou prisão domiciliar para o executivo e também para o ex-diretor da construtora Elton Negrão. Eles deixaram a cadeia ontem e terão de usar tornozeleiras eletrônicas. Moro suspendeu ainda os prazos na ação que investiga a participação da construtora no esquema de corrupção da Petrobras. De acordo com o juiz, “diante de fato relevante” foi necessária a interrupção parcial do processo. Ele não esclareceu a que fato se referia. O acordo de colaboração ainda não foi homologado pelo Supremo Tribunal Federal.

Os dois executivos foram presos na 14ª fase da Operação Lava-Jato, deflagrada em junho de 2015. Desde outubro, seus advogados negociavam colaboração com a força-tarefa da Lava-Jato. Além da delação dos executivos, a Andrade Gutierrez fechou um acordo de R$ 1 bilhão com a PGR para ressarcir os cofres públicos. A empresa admitiu o pagamento de propina em obras da Copa do Mundo, na Petrobras, na usina nuclear de Angra 3 e na hidrelétrica de Belo Monte.

A delação de Otávio Azevedo é vista pela força-tarefa como fundamental para desvendar o esquema de pagamento de propina no setor elétrico. As investigações mostram que um cartel formado pelas mesmas construtoras que atuaram na Petrobras controlou obras federais no setor.

A colaboração dos executivos da Andrade Gutierrez é a peça do quebra-cabeça que faltava para fechar a investigação sobre a construção de Belo Monte, no Pará. Em delação premiada, o ex-presidente da construtora Camargo Corrêa Dalton Avancini relatou que se comprometeu a pagar R$ 20 milhões para atuar na construção da usina. O destino seriam políticos ligados ao PMDB.

Avancini não mencionou os nomes de políticos envolvidos no esquema e apontou a Andrade Gutierrez como o caminho para revelar quem recebeu propina no esquema. O PMDB nega o envolvimento da legenda: “O PMDB não autorizou quem quer que seja a utilizar o nome do partido nesse tipo de transação”, ressaltou em nota o partido quando a delação do ex-presidente da Camargo veio à tona.

Durante as negociações, segundo a revista “Veja”, Otávio Azevedo teria afirmado ainda que teria recebido o ministro das Comunicações, Edinho Silva, e o assessor pessoal da presidente Dilma Rousseff, Giles Azevedo, em seu escritório. Ele teria sido pressionado pelos dois para repassar mais dinheiro para a campanha à reeleição de Dilma. Edinho Silva, já investigado no Supremo por suspeita de participação na Lava-Jato, e Giles negam a acusação. Em delação premiada, o ex- presidente da UTC Ricardo Pessoa afirmou aos procuradores que foi pressionado pelo ministro a aumentar as doações.

Além de Otávio Azevedo e Elton Negrão, o acordo de delação envolve outros nove executivos da construtora. Os investigadores esperam coletar deles detalhes de como ocorreram as obras em três estádios usados na Copa de 2014, que agora entram na investigação da Lava-Jato: Maracanã ( Rio), Mané Garrincha (Brasília) e Arena Amazônia ( Manaus), que voltarão a ser usados nas Olimpíadas. Somadas, as obras custaram cerca de R$ 2,8 bilhões.

Também ontem a publicitária Nelci Warken — dona do tríplex vizinho ao que foi da família do ex-presidente Lula, e presa na Operação Triplo X — foi solta por Moro. Além dela, o juiz colocou em liberdade Ademir Auada, um dos sócios do escritório Mossack Fonseca usado por envolvidos no esquema de corrupção da Petrobras para abrir contas em paraísos fiscais.

Para Moro, os dois estão colaborando com a Polícia Federal e não apresentam riscos às investigações. Um parecer da força-tarefa reforça que não havia mais necessidade de mantê-los presos porque não há perigo de que eles destruam ou ocultem documentos.

O Triplo X, o tríplex, a Bancoop e a OAS

Por Luiza Santelli Mestieri Duckworth* - O Estado de S. Paulo

E notório o sorriso no rosto dos “cooperados”, vendo o suposto tríplex da família Lula, no Solaris — obra inicialmente da Bancoop que foi cedida para a OAS — ser motivo de investigação.

Ora, é fácil entender os sorrisos. Todos os cooperados que tiveram os empreendimentos cedidos para a OAS foram objeto de coação para pagar novos valores — ou pagavam ou seriam desligados da Bancoop e a OAS ficaria com o imóvel . Não foi um ou outro “cooperado”, mas milhares de famílias expostas a um verdadeiro terrorismo. E essas famílias não tiveram tempo algum para acompanhar reformas , ver obras e só depois decidir. E muitas delas já haviam quitado suas unidades há vários anos com a Bancoop.

As cessões de diversos empreendimentos da Bancoop para OAS foram orquestradas por João Vaccari Neto, presidente da Cooperativa. Eram feitas assembleias onde os cooperados que haviam quitado seus imóveis há três, quatro ou até cinco anos antes da cessão para a empreiteira eram barrados por seguranças e chamados de inadimplentes, na porta das reuniões e por cartas enviadas pelo presidente da cooperativa.

As famílias foram e são humilhadas até hoje. Muitas entraram na Justiça contra a Bancoop/OAS para terem o direito de obter a escritura dos apartamentos que já pagaram, outras para conseguirem receber as unidades prometidas, enfim, para que seus direitos sejam reconhecidos.

Os cooperados estão afoitos em ver a resposta dos investigados na cobertura do Solaris. Afinal, por que a família Lula teve tempo de acompanhar reforma, fazer elevador privativo, sem ser motivo de qualquer ação da OAS/Bancoop?

Os cooperados, via de regra, tinham uma única opção: após a cessão para a OAS tinham um prazo em torno de 30 dias para demitirem-se da Bancoop e assinarem novo contrato com a empreiteira, do contrário, perderiam o imóvel e receberiam o que pagaram com desconto de 15%, mas só após 12 meses e em 36 parcelas. Daí, a pergunta: por que a família Lula não teve esse mesmo tratamento? A resposta só os envolvidos podem dar ao Ministério Publico.

A história não seria conhecida se as associações dos “cooperados” lesados por Bancoop e OAS não tivessem se unido e requerido aos escritórios que atendem a diversos casos que produzissem uma representação criminal em face da Bancoop /OAS e outros.

Às famílias lesadas pelos desmandos da Bancoop, resta esperar que a Justiça faça valer os direitos de todos aqueles que foram iludidos pelas promessas de concretizar o sonho da casa própria e puna exemplarmente os que se beneficiaram desse esquema criminoso.
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* Luiza Santelli Mestieri Duckworth é advogada

Novo delator menciona suborno ao ex-ministro Negromonte

Gabriel Mascarenhas, Aguirre Talento – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Novo delator da Lava Jato, Frank Geyer Abubakir, ex-presidente e acionista da petroquímica Unipar Carbocloro, confirmou ter pago pelo menos R$ 18 milhões em propina ao ex-ministro do governo DilmaMário Negromonte e ao ex-deputado do PP José Janene, morto em 2010.

O repasse teria ocorrido após a criação da petroquímica Quattor, fundada em 2008 a partir de uma sociedade entre a Unipar e a Petrobras. A Folha teve acesso a trechos da delação de Abubakir, que aguarda homologação.

O empresário contou ao Ministério Público Federal, em novembro, que procurou Negromonte e Janene para ajudá-lo a "manter a Unipar no mercado". O movimento se deu depois que a Petrobras comprou a petroquímica Suzano, concorrente da Unipar Carbocloro à época.

Abubakir disse que, após concretizado o negócio da Quattor, Janene e Negromonte marcaram uma reunião num hotel no Rio.

No encontro, Janene teria pedido R$ 18 milhões pelo "suposto fato de o PP e de ele próprio terem dado apoio político à empresa Unipar". Abubakir diz que o valor de propina foi motivo de acirrada discussão entre ele e Janene.

O empresário afirmou que, a partir de então, começou a ser alvo de chantagem do então deputado. "Sentindo-se pressionado, o depoente repassou os R$ 18 milhões, por meio da Ceema (Construções e Meio Ambiente Ltda)".

A empresa pertencia a José da Silva Mattos Neto, empresário baiano que, segundo Abubakir, apresentou-o a Negromonte.

Ainda de acordo com o delator, Janene continuou a extorqui-lo mesmo após o pagamento. Abubakir admitiu que, temeroso, fez novos repasses ao ex-deputado.

O episódio confirma os depoimentos do doleiro Alberto Youssef e do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa.

Em 2010, a Unipar vendeu sua participação na Quattor à Braskem, empresa controlada pela Odebrecht.

Palocci
Os investigadores quiseram saber de Abubakir como se deram os negócios firmados entre a Unipar e a Projeto Consultoria Empresarial, do ex-ministro Antonio Palocci (Fazenda e Casa Civil).

Ele confirmou que a petroquímica assinou "cerca de sete" contratos com a Projeto, entre 2008 e 2014, por R$ 2,8 milhões. O empresário disse que o serviço foi efetivamente prestado, com apresentação de relatórios à Unipar.

Abubakir disse que a consultoria consistia em orientações sobre "cenários político e econômico [...]", com "fornecimentos de informações sobre determinados rumos da economia, como siderúrgico, sucroalcooleiro, reflorestamento e de energia eólica".

Outro lado
O ex-ministro das Cidades Mário Negromonte, hoje conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia, nega, por meio de sua defesa, o recebimento de propina.

Seus advogados informaram que ele "não recebeu qualquer valor para intermediar a criação da Quattor".

Procurado nesta sexta (5), Negromonte informou que não poderia comentar porque não teve acesso à delação premiada de Frank Abubakir.

A Unipar Carbocloro informou que não vai comentar.

A Folha não localizou o empresário José da Silva Mattos Neto, da empresa Ceema, nem a defesa do ex-ministro Antonio Palocci para comentar as citações a ele.

Ex-ministro diz não ver problema em setor privado ter acesso a texto de MP

Gabriel Mascarenhas – Folha de S. Paulo

O ex-ministro (da Fazenda e da Presidência) Nelson Machado afirmou em depoimento à ação penal relativa à Operação Zelotes que não vê problema em representantes do setor privado terem acesso a Medidas Provisórias (MPs) na fase de elaboração do texto.

Ele acrescentou que o sigilo só é necessário no caso de propostas de temas sensíveis, que gerem impacto ao mercado financeiro.

"Creio que não (havia sigilo), (as MPs) eram transparentes [...] Não vejo problema nisso (particular ter acesso ao texto da MP)", concluiu, referindo-se ao período em que atuou como secretario-executivo da Fazenda, durante a gestão de Guido Mantega.

Arrolado pelos advogados do lobista Alexandre Paes dos Santos (APS), Machado não foi perguntado se as medidas provisórias investigadas pela Zelotes estão entre as que deveriam ser mantidas em sigilo.

O atual secretário-executivo da Fazenda, Dyogo Oliveira, ouvido em audiência no dia 25 de janeiro, disse que "não é normal" empresas terem conhecimento do conteúdo de uma MP antes da publicação.

Nelson Machado prestou depoimento por vídeo conferência, na Justiça Federal de São Paulo, já que o processo está em curso na capital federal.

Questionado, ele afirmou que jamais recebeu oferta de propina nem soube de episódio semelhante envolvendo as MPs alvo de apuração.

O nome de Machado apareceu na agenda do lobista Alexandre Paes dos Santos, apreendida pela PF durante cumprimento de um mandado de busca e apreensão.

O ex-secretário-executivo de Mantega afirmou que não conhece APS nem consegue identificar a relação de seu nome com os fatos apurados.

A Zelotes identificou indícios de que lobistas das montadoras de automóveis participaram da discussão dos textos finais de MPs que interessavam ao setor.

O foco principal da operação é a suspeita de pagamento de propina a agentes públicos para a aprovação das propostas que concediam benefícios fiscais às montadoras.

Movimentos farão ato na porta do fórum na hora do depoimento de Lula

Catia Seabra, Gustavo Uribe – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Arregimentados pelo PT de São Paulo, Movimentos Sociais preparam um ato na porta do Fórum na Barra Funda, onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prestará depoimento na manhã do dia 17, uma quarta-feira.

CUT (Central Única dos Trabalhadores) e MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) estão entre os organizadores do protesto. O MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) avalia se vai participar.

Segundo organizadores, Lula deverá caminhar entre seus apoiadores, onde prestará depoimento sobre suposta ocultação de patrimônio na compra de um apartamento tríplex no Guarujá. O grito de guerra será "Lula é meu amigo. Mexeu com ele, mexeu comigo".

O PT pretende ainda fazer manifestações de desagravo dois dias antes do depoimento, na reunião do conselho da presidência do PT, na capital paulista, na qual Lula deve participar. O petista também receberá defesas públicas na festa de 36 anos do partido, que será realizada no final deste mês no Rio de Janeiro

Além do ato durante o depoimento, os movimentos sociais preparam uma marcha em Brasília no dia 16 de março.

O depoimento do ex-presidente foi marcado a pedido do promotor Cássio Conserino, que diz haver indícios de que os investigados tentaram esconder a real identidade do apartamento, situação que configuraria crime de lavagem de dinheiro.

Tríplex
O tríplex no no Guarujá também é alvo de investigação da 22ª fase da Operação Lava Jato, que investiga as transações envolvendo o imóvel.

Em seu despacho sobre a operação, o juiz federal Sergio Moro afirma haver a suspeita de que a empreiteira OAS "teria utilizado o empreendimento imobiliário no Guarujá para repasse disfarçado de propina a agentes envolvidos no esquema criminoso da Petrobras".

A esposa de Lula, Marisa Letícia, adquiriu a opção de compra do tríplex em 2005 por meio da cooperativa habitacional Bancoop, a antiga titular do condomínio sob investigação. Em 2014, o tríplex foi totalmente reformado pela OAS. Porém, em novembro de 2015, a assessoria de Lula informou àFolha que a família havia desistido de ficar com o imóvel.

O recuo ocorreu após as informações sobre o apartamento ganharem visibilidade na imprensa e a Lava Jato levar à prisão o ex-presidente da Bancoop e ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, além de executivos da OAS.

Outro imóvel ligado a Lula, um sítio em Atibaia que está em nome de sócios de um filho do petista, também está sendo investigado.

Miguel Reale Júnior*: Semipresidencialismo

- O Estado de S. Paulo

No mensalão e no petrolão, com estratégias diferentes, houve apropriação de dinheiro público para compra de parlamentares e “doações” a partidos, visando a garantir maioria no Congresso Nacional. Essa foi uma forma insidiosa de conquista e manutenção antidemocrática do poder, pois se fechou a boca do Congresso pela via da ditadura da propina.

No presidencialismo de coalizão há total descompromisso dos deputados com o Executivo, até mesmo do partido do presidente, o que pode facilitar a criação de um mercado no Parlamento. A superação desse modelo poderia advir da mudança para um sistema responsável de governo.

A Ordem dos Advogados do Brasil, por seu Conselho Federal, pôs-se a campo defendendo que os problemas típicos do presidencialismo de coalizão, o “toma lá dá cá”, sejam amortizados com a experimentação de um novo arranjo, propondo a adoção do semipresidencialismo, a exemplo do existente na França. Porém há vários graus de semipresidencialismo, sendo diferentes os sistemas português e o francês, em vista das atribuições dadas ao presidente da República, bem maiores no caso francês.

Durante a Constituinte, propus ao dr. Ulysses fórmula de semipresidencialismo contemplando muitos poderes ao presidente da República, o que parecia então adequado diante da realização da primeira eleição direta, tão logo aprovada a Constituição. Por essa emenda, haveria um ministro coordenador indicado pelo presidente, ouvidos os partidos e a ser aprovado pela Câmara dos Deputados, à qual o ministro deveria apresentar plano de governo referendado pelo presidente. Rejeitada a indicação, nova caberia ser feita. Se recusada a segunda, o presidente livremente indicaria novo nome. O ministro coordenador poderia ser, após seis meses de sua indicação, destituído por moção de censura aprovada por maioria absoluta da Câmara.

No semipresidencialismo proposto, o presidente, conjuntamente com o ministro coordenador, exerce a direção da administração federal e dispõe sobre a estruturação e o funcionamento dos órgãos da administração federal. O presidente envia, veta ou sanciona projetos de lei. Todavia é importante a função do ministro coordenador, pois lhe cabe promover a unidade da ação governamental, coordenando a atuação dos ministérios e dos órgãos da administração com vista à execução do plano de governo, mantendo relação com o Legislativo.
O impasse na aprovação do ministro coordenador não se resolve, nesse modelo, pela dissolução da Câmara dos Deputados, pois se considera duro desafio, nas dimensões de um pleito nacional, impor novas eleições, com custos econômicos e políticos de monta. Todavia não se deixa de criar liame forte entre Executivo e Legislativo, este coparticipando da obra de governo.

Esse formato se aproxima do francês, editado na Constituição de 1958, no qual o presidente é eleito diretamente e divide com o primeiro-ministro ações governamentais. Mas o protagonismo do presidente é patente, especialmente se o primeiro-ministro for de sua ala política. Do contrário, ocorre a difícil, mas já bem sucedida, coabitação: presidente de um partido, primeiro-ministro de outro, como se deu entre Mitterrand, presidente, e Chirac, primeiro-ministro, pois pode ser eleita uma maioria parlamentar de oposição e dela vai provir o primeiro-ministro.

Ainda hoje tramita na Câmara dos Deputados a PEC 020, de 1995, cujo proponente foi o deputado Eduardo Jorge. Nessa proposta de emenda constitucional, cuja entrada em pauta foi agora solicitada, adota-se um semipresidencialismo – como hoje prefiro –, com maior incumbência administrativa outorgada ao primeiro-ministro. Este apresentará ao Congresso o programa de governo, podendo sofrer, após seis meses do início do governo, moção de censura, proposta por um quinto dos membros da Câmara e a ser aprovada pela maioria absoluta de ambas as Casas. A dissolução do Legislativo não ocorre ao ser negada a aprovação ao nome do primeiro-ministro, mas tão somente na hipótese de grave crise política e institucional.

Incumbe ao primeiro-ministro exercer a direção superior da administração federal; elaborar o programa de governo, submetê-lo à aprovação do presidente da República e ao Congresso; promover a unidade da ação governamental; elaborar planos e programas nacionais e regionais de desenvolvimento, submetendo-os ao Legislativo nacional. Nem por isso são de somenos as atribuições do presidente da República. Cabe a este sancionar ou vetar projetos de lei; presidir o Conselho de Ministros, no qual se aprovam decretos, propostas de lei, bem como o plano plurianual de investimentos, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e as propostas dos orçamentos previstos na Constituição, além de manter relação com outros Estados.

A ação governamental incumbe, portanto, ao primeiro-ministro. Se o governo vai mal ou se envolve em falcatruas, a crise resolve-se por moção de censura. Há, também, forte comprometimento do Congresso com o plano de governo e sua execução.

Nessa emenda se propõe a adoção do semipresidencialismo apenas na próxima eleição, mas se instala, no mandato atual, forma de coparticipação entre os Poderes, com a criação da figura de ministro coordenador para entrosar ministérios, articular a ação político-administrativa e apresentar ao Legislativo a execução do plano de governo. A Câmara dos Deputados, por maioria absoluta, pode solicitar ao presidente da República o afastamento do ministro coordenador.

É importante sair da camisa de força do presidencialismo atual. Além do semipresidencialismo, é preciso adotar qualquer forma de voto distrital. Pode-se a jato fazer uma limpeza na nossa política, mas a mudança dos costumes só ocorrerá lentamente. O semipresidencialismo e o voto distrital podem ser bom auxílio para que impere o – tão em falta – espírito público.

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* Miguel Reale Júnior é advogado, professor titular senior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça

Cristovam Buarque: Perdemos feio

- O Globo

Ao falar que o Brasil está “perdendo feio” a guerra contra a dengue, o ministro Marcelo Castro prestou um serviço, embora incompleto, porque essa não é nossa única “derrota feia”.

Perdemos a guerra contra a violência: o clima de guerra já se apossou tanto da sociedade, que nos acostumamos a fugir das ruas, trancafiarmo-nos em nossas casas, condomínios fechados, carros e shoppings. A tal ponto, que já não nos perguntamos como viver em paz, apenas como conseguir segurança prendendo menores e liberando porte de armas aos cidadãos.

Perdemos a guerra da educação. Com mais de 50 milhões de brasileiros adultos sem o ensino fundamental, ainda que um governo sério decida fazer a revolução na educação de base, as crianças já nascidas chegarão à idade adulta despreparadas para enfrentar o desafio da era do conhecimento; não serão capazes de levar o Brasil ao desenvolvimento que precisamos.

Perdemos feio a guerra contra a desigualdade social. Mesmo depois de 15 anos de Bolsa Escola/Família, continuamos campeões de desigualdade, e os resultados na luta contra a fome estão regredindo por causa da inflação.

Perdemos feio a guerra do desenvolvimento científico e tecnológico, da inovação e da competitividade. Em muitos setores, estamos atrás até mesmo de países pequenos e sem tradição de desenvolvidos. E nossa educação, nossas empresas, nossas universidades não estão preparadas para enfrentar este desafio.

Perdemos a guerra da saúde. Não a tratamos como uma questão sistêmica que cuide da água potável, do saneamento, do trânsito, da saúde primária e de hospitais eficientes servindo ao interesse do doente, e não de empresários, sindicatos ou políticos.

Perdemos momentaneamente a guerra contra a inflação, e há sério risco de que não seremos capazes de vencer esta guerra por não querermos tomar as decisões necessárias. Perdemos feio a guerra contra a dívida pública; além de perdemos também a guerra do endividamento das famílias e empresas.

Perdemos a guerra das cidades, transformadas em “monstrópoles”; violentas, feias, com trânsito atravancado, ruas inundadas e casas sem água. Perdemos também a batalha do transporte público.

Perdemos feio a batalha da gestão pública, com um Estado ineficiente, dependente dos vícios dos partidos por aparelhamento, dos empresários por subsídios e desonerações fiscais; entregue à voracidade corporativa dos sindicatos, desprezando-se eficiência e mérito.

Perdemos a guerra contra a corrupção. Apesar da Lava-Jato, a prática, continua generalizada e o crime impune. Perdemos feio a guerra da credibilidade na política e nos políticos, e nada será feito se esta guerra não for vencida.

Estamos próximos de perder a batalha da democracia: com um debate centrado no impeachment de uma presidente com mandato ou na conformação a um governo eleito com notória incompetência para vencer as guerras e conduzir o Brasil para o futuro.

Felizmente, ainda não perdemos a guerra da esperança.

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Cristovam Buarque é senador (PDT-DF)

Demétrio Magnoli: Lacunas de um discurso

- Folha de S. Paulo

"Não vou falar sobre política ou sobre economia", antecipou Dilma, na introdução do pronunciamento dedicado à "guerra contra o mosquito transmissor do zika". Palavras prudentes! Alegando "falar sobre política ou sobre economia", a presidente consagrou todos os pronunciamentos anteriores, desde a inauguração de seu primeiro mandato, à propaganda de seu governo e do PT, bem como à demonização da oposição e, por extensão, das vozes que ousaram criticar o "governo popular". Agora, pela primeira vez, sitiada por um país irritado, decidiu falar como presidente de todos, não como a chefona de uma facção. Quase conseguiu. Faltou-lhe uma módica dose de humildade, qualidade que desconhece por completo.

"Uma luta que deve unir todos nós", "um grande exército de paz e saúde": no pronunciamento, a senha nuclear é a unidade nacional e a metáfora explícita é o exército. De fato, sobram motivos para uma convocação geral à destruição dos criadouros do Aedes aegypti, que "pode estar na casa do seu vizinho" ou mesmo "na sua casa". Contudo, na arquitetura do texto, estão imantadas as digitais do marketing político. A senha e a metáfora servem ao sonho de qualquer governo acossado pelo descrédito: a fabricação de uma ferramenta positiva de coesão social. Na emergência dramática da microcefalia, o Planalto almeja encontrar um jeito de inverter a dinâmica política, substituindo a união contra o governo pela união contra o vírus.

"Mata-mosquitos da Dilma"? Há três décadas, na esteira do Plano Cruzado, José Sarney convocou os brasileiros a fiscalizarem o congelamento de preços, denunciando à polícia os comerciantes que praticavam o crime da remarcação. Desconfio que os "fiscais do Sarney" da propaganda oficial da época, um flerte com as técnicas do marketing totalitário, inspirariam a Dilma de cinco anos atrás, "mulher do Lula", "mãe do Brasil", personificação eventual de um projeto político hegemonista. Hoje, porém, sem espaço para tantos excessos, a presidente circunscreve-se à fórmula menos carregada do "exército da paz e da saúde". Dará certo?

No pronunciamento, confundem-se propositalmente dois objetivos distintos. Lá, no corpo do texto, está a meta legítima de provocar uma mobilização social contra o vetor transmissor do vírus. Mas lá está, igualmente, embora numa camada discursiva imersa, a ambição de recuperar uma hegemonia perdida. A ênfase na segunda, tentação perene, selaria o destino da primeira. Se Dilma realmente pretende mobilizar os brasileiros na erradicação dos criadouros do mosquito, deve renunciar ao sonho louco de usar o Aedes aegypti como fonte de uma restauração política.

Exércitos obedecem a um comando central, curvam-se a uma bandeira, marcham no ritmo dos hinos marciais. A presidente não terá um "exército da paz e da saúde", mas poderia obter algo mais eficiente: cidadãos informados que, mesmo desencantados com seu governo incompetente, engajam-se na eliminação dos focos de procriação do mosquito. O pronunciamento fracassa menos por seus excessos que por suas lacunas. Dilma falou sobre o presente (a epidemia) e o futuro (a vacina), mas esqueceu-se, providencialmente, do passado.

Às vésperas do centésimo aniversário do falecimento de Oswaldo Cruz, o Brasil está infestado pelo mosquito. A epidemia de microcefalia não é fruto, primariamente, da negligência das pessoas comuns, mas do desprezo de sucessivos governos pelos bens públicos e pelos bens sociais. Desde FHC, e por toda a longa era lulopetista, o Aedes aegypti sedimentou-se na paisagem brasileira, deflagrando surtos anuais de dengue. O país do Bolsa Família e do crédito consignado, das Olimpíadas e do verde-amarelismo balofo é o país da sujeira, do mosquito e da doença. Isso, Dilma não disse. Ela nunca permite que a verdade ordinária se infiltre no seu discurso político.

Ana Maria Machado: Ontem, hoje, amanhã

- O Globo

Não gosto de fazer previsões e não sou dada a exercícios de futurologia. Mas quando tento analisar uma situação, procuro ter em vista aonde quero chegar e quais podem ser os melhores caminhos para que o objetivo seja alcançado da forma mais eficiente e com o mínimo de perda. Ou seja, acredito em planejamento, não em profecia. Talvez até por causa da história de “Alice no País nas Maravilhas”, lida na infância. Quando a menina está perdida e pergunta ao Gato de Cheshire qual o caminho para sair dali, ouve a resposta lógica:

“Depende muito de para onde você quer ir...” Conselho que não custa nada seguir. Mas parece ser simplesmente ignorado quando quem devia agir com responsabilidade fica feito barata tonta, entre idas e vindas. E tem de pagar o preço por não ter olhado para a frente nem se preocupado com a conta que ia chegar.

Nestes dias pré-carnavalescos, passa na rua um bloco animado, cantando o refrão que Didi e Mestrinho imortalizaram há anos num desfile da União da Ilha. Primeiro, se pergunta: “Será que eu serei o dono dessa festa?” A resposta vem depois. Pode ser linda e poética no carnaval, mas é um desastre quando a administração de um país a adota como mote implícito, no vale-tudo de ignorar consequências: “É hoje o dia da alegria, e a tristeza nem pode pensar em chegar.”

No início da década de 1970, muitas vezes se citava como bordão a frase bíblica então trazida de novo à circulação pelo ministro da Fazenda, Mario Henrique Simonsen: “O futuro a Deus pertence.” Era uma maneira de recusar previsões econômicas deterministas. Por outro lado, anunciando também seus traços de futuro ministro do Planejamento, Simonsen se batia era pela formação de expectativas racionais. Como se, ao recusar a mera profecia ou a promessa, fizesse questão de clarear a necessidade de planejar.

Num governo, a economia e a administração de um país precisam olhar para o futuro. E se apoiar em análises racionais para traçar planos. Em meio a este festival de improvisos governamentais a que estamos assistindo, é preciso fazer um esforço para entender a realidade, o que acontece nela, e planejar o que se quer que ocorra.

Há pouco tempo o ministro Mantega garantia que quem apostasse na alta do dólar iria quebrar a cara. Amparada em Lula e Mercadante, Dilma apoiava seus conselhos. Chamou de rudimentar o plano de ajuste do ministro Paulo Bernardo, mesmo adjetivo que usara, quando na Casa Civil, sobre as propostas econômicas do ministro Palocci. Turbinou sua campanha com bravatas marqueteiras, ataques inescrupulosos às ideias diferentes das suas, e elogios à “nova matriz econômica”. Das duas, uma: ou mentia sem qualquer limite ou acreditava mesmo naquilo e atestava sua mais absoluta incompetência, como os fatos vieram a comprovar. Deixou Levy ser fritado vergonhosamente. Dá para ter qualquer esperança de que agora tenha subitamente aprendido algo e saiba do que está falando quando se manifesta sobre economia? Não imaginava que chegaria a hora de pagar a conta das teimosas decisões equivocadas? É hoje o dia. Da agonia.

Como se isso não bastasse, além de ser impossível ter total certeza a respeito do que os fatos vão nos trazer e do que tudo indica que será a consequência futura de causas passadas, ainda há o elemento realmente imprevisível, que sempre se manifesta. Alguns são súbitos, como o desastre de Mariana. Outros se constroem mais lentamente, correndo o risco de só serem detectados de forma tardia — como a expansão da microcefalia a partir do mosquito que está aí há um tempão. E há a crise da Previdência, prevista há anos, cuja reforma foi sempre detonada pelo PT. Agora se constata que ela ajuda a quebrar o país.

Há outros problemas graves a serem enfrentados já. Não há desculpa para a miopia em enxergar as questões ambientais. Pode ser conveniente jogar a culpa em El Niño ou reunir um Conselhão para uma foto. Mas não resolve. O meio ambiente pede socorro urgente. O mundo se afasta da primazia de petróleo e combustíveis fósseis. Nós vamos na contramão.

Como é que a esta altura a presidente veta investimentos em energias alternativas no plano plurianual? Não pensa no amanhã? A situação de nossas cidades, a falta de saneamento, o descontrole do desmatamento, tudo isso precisa ser analisado a fundo, para que se tenha um diagnóstico correto e se possam tomar medidas em direção a sua solução. Urgentes. Não se trata de ameaça ao planeta, ele sobreviverá. Se continuará como habitat da humanidade, é outra história. Nós é que estamos nos ameaçando.

Precisamos fazer algo, já, em vez de nos resignarmos ao mero blá-blá-blá, nos dando ao luxo de brincar de cabra-cega, ou docilmente seguirmos outro bloco que passa, cantando outro samba da União da Ilha: “Como será o amanhã? Responda quem puder. O que irá me acontecer? O meu destino será como Deus quiser.”

Ou como nós construirmos? Depende de onde queremos chegar.

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Ana Maria Machado é escritora

Igor Gielow: A praga como arma

- Folha de S. Paulo

A emergência do vírus da zika como foco de atenção mundial que resta ao país, fonte de uma má notícia por dia (a mera hipótese de ser transmissível por saliva surgir à véspera do Carnaval parece pegadinha), é vista como oportunidade por alguns governistas.

A lógica é fazer do Aedes aegypti a velha saúva: ou o Brasil acaba com ele, ou ele acaba com o Brasil. Capitaneada por uma Dilma mata-mosquitos, a campanha galvanizaria apoio à impopular presidente bem no meio da crise econômica, do tiroteio congressual e das operações policiais.

Mesmo sendo verdade que o noticiário de disputa política e escândalos gera apatia neste momento, a aposta parece no mínimo ambígua.

Nosso presidencialismo faz do titular do Planalto o magneto das queixas da nação. Dilma bem o sabe: pagou até parte da conta de Alckmin lá atrás, no começo da crise hídrica.

Como agravante, além da culpa do vizinho (nunca a nossa, claro), governos –o federal em especial– são responsáveis pela desgraça que se abate no melhor estilo praga do Egito sobre o país. Faltou o óbvio: política consistente de combate ao Aedes e investimento em saneamento.

A "guerra contra o mosquito" começou mal, não só pelas batatadas do incrível ministro da Saúde. Em seu tardio e necessário pronunciamento, Dilma falou de parcerias gringas questionadas no dia seguinte. Disse que a zika não é uma jabuticaba. É verdade, mas o que ecoou foi "crise externa", a usual tentativa de culpar outros pelos seus problemas.

Na Idade Média, era senso comum que os cadáveres infectados catapultados por mongóis para dentro do bastião genovês de Caffa (Crimeia) em 1346 estabeleciam o marco zero da Peste Negra. Ainda que o episódio tenha ocorrido, a microbiologia moderna aponta várias outras razões.

Enquanto a Europa buscava bodes expiatórios, uma lista com judeus, turcos e outros, talvez metade ou mais de sua população pereceu.

Míriam Leitão: Velha inimiga

- O Globo

A inflação surpreendeu por subir forte apesar de a recessão estar castigando. As projeções foram superadas, após terem sido revistas para cima nos últimos dias. O número mostra que a inflação está resistente, que os mecanismos de indexação estão produzindo seus efeitos, e que os governos, para combater as dificuldades de caixa, estão reajustando os preços que controlam.

Os economistas achavam inicialmente que o IPCA ficaria abaixo de 1% e que, em janeiro, começaria a reduzir a inflação acumulada em 12 meses, já que no ano passado o primeiro trimestre foi fortemente impactado pelo tarifaço de energia. Como em 2016 isso não se repetiria, a tendência era que no começo do ano começasse a redução da taxa acumulada. Nos últimos dias, as previsões ficaram entre 1% e 1,1%. Deu 1,27%, maior do que em janeiro de 2015, o pior janeiro desde 2003. E o acumulado subiu para 10,71%.

As explicações pontuais mostram alta maior do que o esperado para alimentos, grupo que sempre pressiona no começo do ano, e alta de transportes. Alguns analistas achavam que, como sempre acontece em ano eleitoral nos municípios, não haveria aumento forte de tarifa de transporte. Mas está havendo, sim, e o item transportes foi o segundo que mais subiu.

Quando a inflação está elevada, os aumentos pontuais podem explicar a taxa do mês, mas não o processo como um todo. Este ano, os cofres do governo federal, estados e municípios estão vazios, e a tendência será a de aumentar impostos, taxas e tarifas que fiquem sob o controle do setor público. Eles vão querer aumentar a arrecadação, que está caindo pela recessão. Isso vai alimentar mais a inflação.

O Ministério da Fazenda e o Banco Central não têm dado sinais convincentes de que é prioritário combater a inflação, o que pressiona as expectativas. Mais do que não elevar os juros na última reunião do Copom, o que provocou esse efeito foi a maneira com que o Banco Central conduziu o processo de recuo dos sinais de que elevaria a Selic. O argumento de que outros países também estão reduzindo os juros ou postergando elevações por causa do cenário internacional não se aplica ao Brasil. O mundo está num contexto de queda de inflação e medo da deflação, o que é o oposto do cenário brasileiro.

O erro maior contudo foi a aceitação de que a inflação ficasse muito alta nos últimos anos. A taxa ficou perto do teto e isso fez com que ela desse um salto quando houve o choque tarifário. Nessa elevação, ela ficou mais forte e agora está mantendo o patamar diante de novos choques, apesar da forte retração que a economia está vivendo desde o ano passado.

O governo não sabe como combater a inflação de dois dígitos e acredita que ela vai cair naturalmente este ano. A recessão pode sim ter esse efeito nos próximos meses, mas não é garantido. Por isso, é preciso mais do que ficar esperando a inflação cair.

A volta aos dois dígitos e essa resistência foram consequência dos erros do passado e da leniência com que o governo lidou com o problema. O IGP-DI também deu um salto. O índice da FGV registrou 1,53%, maior do que o teto das expectativas do mercado.
Parte da inflação deste ano está dada pela indexação dos preços e salários que ainda existe na economia. O salário mínimo subiu mais de 11% pela fórmula de dupla indexação criada pelo governo. Ele sobe de acordo com a inflação do ano anterior e o crescimento de dois anos antes. A avaliação no governo é que é melhor não mudar esse modelo agora, porque, como o país não está crescendo, essa dupla correção não seria o problema. Mas é o oposto: a hora de mudar é agora, quando a soma da inflação e do crescimento não produz aumento real.

Falta ao governo uma estratégia contra a inflação. Ele toma decisões pontuais que acabam elevando mais ainda a taxa. Em março, haverá um pequeno alívio, que os especialistas calculam em 0,15 ponto percentual, por causa do fim da bandeira vermelha. O que parece não estar claro para os governantes atuais é que a inflação é um inimigo desorganizador da economia e que ficou tempo demais no país. O Brasil passou 50 anos para ter de novo a taxa anual em um dígito. E é essa conquista que está sob ameaça.

Somos todos corruptos? – Editorial / O Estado de S. Paulo

Somos corruptos. Mas quem não é? Este é o argumento central da estratégia que o governo Dilma e o PT articulam na tentativa de proteger Luiz Inácio Lula da Silva das investigações policiais nas quais está cada vez mais enredado. A artimanha consiste em criar, no Congresso Nacional, Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) destinadas a investigar governos tucanos em São Paulo e Minas Gerais, com o objetivo de desviar as atenções para fatos envolvendo a oposição e, também, para anestesiar o sentimento de indignação da população com a corrupção sistêmica implantada pelo lulopetismo. A iniciativa petista tem sua lógica. Lula & Cia. sempre foram muito melhores no ataque do que na defesa. Mas o melhor resultado que os petistas lograrão obter será mostrar ao País o que todo mundo está cansado – e revoltado – de saber: a corrupção é generalizada e dela nem todos escapam. Ela é produto de um sistema político patrimonialista que o PT combateu até chegar ao Planalto e a partir daí passou a estimular em benefício de seu projeto de perpetuação no poder, institucionalizando a sem-vergonhice a pretexto de garantir a “governabilidade”.

Ninguém imagina que a corrupção praticada por agentes públicos seja exclusividade do PT e daqueles que a ele se alinharam para usufruir as “boquinhas” que a máquina governamental propicia. É muito provável que os tucanos, no poder no Estado de São Paulo há 20 anos, tenham cometido ilicitudes que precisam ser investigadas, para que os responsáveis sejam exemplarmente punidos. O mesmo se aplica a Minas Gerais. Da mesma forma, vale para todos os governos de todos os demais partidos em todos os Estados e municípios do Brasil. É assim que as coisas deveriam funcionar: quem quer que delinqua, após o devido processo legal, deve cumprir a pena cominada.

Na verdade, a quantidade de chefes de Executivo, principalmente no nível municipal, investigados, condenados e afastados do cargo pela prática de ilicitudes é grande. Talvez por isso mesmo essas medidas saneadoras recebem pouca atenção da mídia. Só no Estado do Maranhão – aquele até recentemente dominado pelo clã Sarney –, 45 prefeitos e ex-prefeitos de vários partidos foram condenados pelo Tribunal de Justiça estadual, entre 2012 e 2014, pela prática de crime no exercício do cargo.

A lama em que chafurda a administração pública, em todos os níveis de governo, ajuda a entravar o pleno desenvolvimento econômico e social do Brasil. A relação de causa e efeito entre corrupção e má gestão está claramente demonstrada na incapacidade de um partido corrupto como o PT aplicar políticas sustentáveis de desenvolvimento. O que se vê é o governo de Dilma Rousseff deitar a perder, com a inflação descontrolada e o desemprego crescente, os avanços na área econômica e social obtidos nos governos de Fernando Henrique e de Lula – embora já neste tenha sido instalado o sistema de pilhagem dos recursos públicos.

Não será, portanto, tentando convencer os brasileiros de que devem ser perdoados pela corrupção de que são acusados porque seus opositores fazem exatamente a mesma coisa que o PT e seu principal líder, Lula, recuperarão a credibilidade perdida e serão absolvidos pela opinião pública. Os petistas estão lutando, afinal, pela garantia de um futuro menos doloroso do que esse que vivem hoje dois de seus ex-presidentes e dois ex-tesoureiros. Mas são incorrigíveis, na medida em que pregam, em seus conciliábulos, que existe uma corrupção “do Bem” que é perfeitamente tolerável quando ajuda a “governar para os pobres”. E enquanto tentam erradicar a pobreza de seus eleitores, com inusual eficiência afastam de seus lares qualquer sinal de carência material. É assim que fazem a tal “justiça social”.

O povo brasileiro é paciente e tolerante. Não reclamará, decerto, do fato de o partido que escolheu para governar o País perder tempo e energia articulando a criação de CPIs para distrair a atenção das complicações de Lula com os imóveis que lhe garantem merecidos “dias de descanso”. Mas agradeceria, sensibilizado, se esses mesmos próceres engendrassem meios e modos para tirar o País do buraco em que o meteram. Parece que essa é a obrigação – o dever – dessa gente que fez de tudo para conquistar o poder.

O arriscado uso do FGTS num plano equivocado – Editorial / O Globo

Na Medicina, um diagnóstico errado é o começo de uma sucessão de problemas. No mundo econômico, não é muito diferente. Isso acontece no momento, a partir da convicção formada no Planalto, e entre lulopetistas, de que falta crédito para fazer o consumo voltar a crescer, ativar a produção e, assim, gerar tributos para que o governo comece a equilibrar as contas públicas.

Dilma e PT querem escapar do ajuste fiscal que fira “direitos dos trabalhadores” e corte gastos ditos sociais. Com muito esforço, a presidente já admite a reforma da Previdência, dada a sua óbvia necessidade — aposenta-se muito cedo no Brasil e cresce mais o número de aposentados do que de gente na ativa que contribui para o INSS.

Mas — outra obviedade — desligar os mecanismos insustentáveis de indexação pelo salário mínimo ou inflação de cerca de 70% dos gastos públicos primários (aposentadorias e gastos ditos sociais), disso ela não quer ouvir falar.

Volta-se ao diagnóstico de 2009, na explosão da crise mundial, de se inundar o sistema financeiro de crédito. Até recursos do FGTS entraram no mais recente pacote creditício.

Nenhuma surpresa, porque recursos do Fundo são essenciais na área habitacional e no financiamento da infraestrutura urbana.

A questão é a forma como o governo convoca agora o FGTS em mais este esforço de jogar crédito numa economia em recessão, com famílias endividadas, inadimplentes, e empresas em fase de corte de despesas e investimentos.

Dos R$ 83 bilhões deste último pacote, R$ 49 bilhões sairão, de alguma forma, do FGTS, em que está a poupança de todos os trabalhadores formais. Visto como arriscado por analistas, o uso de recursos do Fundo ocorre num momento de alto desemprego. Portanto, quando aumentam os saques no FGTS e caem as contribuições. Entre janeiro e novembro do ano passado, em comparação com 2014, a redução foi de 20%, ou menos R$ 3,9 bilhões.

Garante-se que há reservas suficientes para atender à qualquer maior pressão de saques. Com esta finalidade, estariam reservados R$ 38,4 bilhões. Os temores se voltam para um prazo mais longo. O governo decidiu, por exemplo, mobilizar o Fundo para servir de garantia do crédito consignado. Critica-se, porque o segurado poderá ficar com o dinheiro preso enquanto o empréstimo não for resgatado.

Outra decisão controversa é levar o FGTS a adquirir R$ 10 bilhões em Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), a fim de oxigenar bancos, principalmente a Caixa Econômica. Mais: o título renderá ao Fundo 7% ao ano, contra 14,25% da taxa básica, pela qual ele poderia aplicar os recursos. É preocupante que a estabilidade a médio e longo prazos do FGTS possa correr riscos a partir de um diagnóstico discutível, como o de que falta oferta de crédito. Quando o que escasseia é o tomador de empréstimos, inseguro diante da falta de perspectivas.

Fernando Pessoa: Ode marítima

Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pró lado da barra, olho pró Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos detrás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos.
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.

Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente.

Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.
Trazem memórias de cais afastados e doutros momentos
Doutro modo da mesma humanidade noutros pontos.
Todo o atracar, todo o largar de navio,
É — sinto-o em mim como o meu sangue —
Inconscientemente simbólico, terrivelmente
Ameaçador de significações metafísicas
Que perturbam em mim quem eu fui…

Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!
E quando o navio larga do cais
E se repara de repente que se abriu um espaço
Entre o cais e o navio,
Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente,
Uma névoa de sentimentos de tristeza
Que brilha ao sol das minhas angústias relvadas
Como a primeira janela onde a madrugada bate,
E me envolve com uma recordação duma outra pessoa
Que fosse misteriosamente minha.