- O Estado de S. Paulo.
Pouca ou nenhuma compreensão merecem aduladores de tiranetes terceiro-mundistas
Este tem sido um tempo de manifestos de intelectuais, no Brasil e fora daqui, a respeito dos problemas que nos acometem num ritmo quase de tirar o fôlego. Fácil demais, mas inútil, ironizar esse tipo de “literatura”, caracterizando-a como manifestação superficial de intelectuais sartrianamente engajados, para usar terminologia anacrônica, a respeito de caóticas situações de um Ocidente distante, posto na periferia do mundo e submetido, em passado não tão remoto assim, a golpes sangrentos e regimes de exceção.
Não se trata só de cálculo pragmático. Todo e qualquer democrata, seja de que tendência for, conhece o peso e a dimensão de um Jürgen Habermas ou de um Charles Taylor – para só mencionar dois nomes que, avalizadores da hipótese de golpe contra a democracia brasileira com o impeachment de Dilma Rousseff e os problemas judiciais de Luiz Inácio Lula da Silva, carregam consigo a capacidade de influenciar pessoas de bem nas mais diferentes latitudes. Não são “companheiros de viagem”, como se dizia outrora daqueles cujo apoio uma esquerda muitas vezes sectária aceitava transitoriamente, enquanto lhe serviam de um ponto de vista puramente tático. Na verdade, mais além do pragmatismo, o que dizem de certo ou errado, de profundo ou superficial, faz pensar nas relações entre cultura e política, nos meios e modos de recíproca influência entre duas esferas ligadas, mas irredutíveis uma à outra.
Se Habermas é um intelectual que estimula e inspira respeito, há, evidentemente, outros nomes cuja atitude diante não só do Brasil, como também da América Latina, dá margem a preocupação e a pessimismo. A virada à esquerda que marcou a política do subcontinente sulamericano na primeira década do novo século nem sempre foi acompanhada com sobriedade e mesmo seriedade. Tendências que se afiguravam desde o início autoritárias e potencialmente destrutivas foram saudadas por figuras públicas maiores ou menores como indícios de insurgência anti-imperialista, rebeliões populares contra o neoliberalismo, como se conviesse à esquerda reeditar, com sinal trocado, o doloroso passado de caudilhos e ditaduras de nuestra América.