segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Atenção na eleição americana está em decisões da Justiça

O Globo

Trump, favorito entre republicanos, se defende em quatro processos criminais e tenta manter seu nome nas cédulas

A corrida eleitoral nos Estados Unidos começa hoje com as prévias no estado de Iowa. De acordo com as pesquisas, as primárias ao longo do semestre consagrarão mais uma vez como adversários o republicano Donald Trump e o democrata Joe Biden. Ao mesmo tempo, a atenção estará nos tribunais, onde Trump tenta defender sua candidatura de toda sorte de acusação. Com 50 pontos percentuais de vantagem na corrida republicana, ele é réu em quatro processos criminais. Seu nome foi vetado nas cédulas em dois estados, Maine e Colorado, sob a alegação de ter participado de “insurreição” em 6 de janeiro de 2021.

As tentativas de Trump de reverter o resultado da eleição de 2020 são públicas: repetidas declarações mentirosas sobre fraudes, pedidos para que votos inexistentes fossem contados, discurso para a multidão que invadiu o Capitólio e pressão para que o então vice Mike Pence não confirmasse a vitória de Biden. Mesmo esse histórico não garante que a Justiça arrisque tomar uma decisão radical barrando sua candidatura.

Fernando Gabeira - A fronteira com o Equador

O Globo

A produção e a distribuição de drogas são um dado essencial não apenas na economia, mas na vida social de nosso continente

Tinha vários temas na cabeça e, de um modo geral, isso é bom. No entanto não posso escapar do Equador. O que aconteceu lá é importante para o Brasil e também para os Estados Unidos e a Europa, mesmo que se finjam de mortos.

A produção e a distribuição de drogas são um dado essencial não apenas na economia, mas na própria vida social de nosso continente. O impacto delas na vida dos outros países é menor que aqui, onde muita gente morre ou é subjugada nas áreas ocupadas pelo tráfico. O caso brasileiro é especial. Por aqui passam rotas de drogas, e o país tornou-se o segundo maior consumidor mundial de cocaína.

Miguel de Almeida - Vereador, pra que te quero

O Globo

Câmara Municipal de Rio e São Paulo é povoada por políticos capazes de confundir números primos com o número de parentes

Sempre me pergunto: o que Carlos Bolsonaro pensa sobre moradia popular? Qual sua posição a respeito da mobilidade urbana? Será que é a favor ou contra a ampliação das calçadas em zonas centrais? Ninguém sabe, ninguém viu. Curiosamente, nesse caso ele está limpo. A culpa não lhe cabe diretamente (jamais pensei que o inocentaria alguma vez), mas pertence, sim, ao sistema eleitoral e ao próprio eleitor, quando não dá importância ao cargo de vereador em metrópoles como Rio ou São Paulo.

Enquanto se cai na gaiatice de Deus, pátria e família evangélica, a Câmara Municipal das duas cidades é povoada por políticos capazes de confundir números primos com o número de parentes apaniguados (parece o caso do governador de Santa Catarina). Por trás das fake news de Damares e assemelhados — crianças com dentes arrancados para sexo oral ou a “mamadeira de piroca” —, entre outras razões escusas, se esconde a estratégia de poluir o ambiente com preconceitos para fugir a temas administrativos mais elaborados. O professor da turma, reprovado nas provas de oficialato, já expressou seus conhecimentos - 4% negativos + 5% positivos = 9% positivos. Ah, Jair.

Ricardo Henriques - Por uma utopia pragmática

O Globo

É preciso ter altas ambições de transformação, enfrentando com determinação nossa dívida social histórica. Mas, sem capacidade de realização, tudo isso será, mais uma vez, só um desejo

Renovadas as energias na passagem de ano, é hora de agir diante de imensos desafios pela frente. Em escala global, provavelmente nada é mais urgente do que enfrentar a emergência climática. Estimativas confiáveis apontam 2024 como ainda mais quente que 2023, quando o planeta teve a maior temperatura média já registrada. O ano também será de decisões cruciais sobre o futuro da democracia no mundo.

Em nível nacional — somados aos problemas históricos de pobreza, desigualdade e racismo —, teremos tarefas inadiáveis, como o enfrentamento da crise de segurança pública, o avanço significativo na qualidade da educação, a transição para uma economia de baixo carbono, além da melhoria das condições de saúde, transporte e saneamento nas cidades.

João Saboia* - A regulamentação da renda básica de cidadania

Valor Econômico

Após 20 anos desde sua aprovação, a Lei 10.835/2004 que instituiu a renda básica continua uma promessa não realizada

O dia 8 de janeiro ficará marcado para sempre no país como aquele em que a Praça dos Três Poderes foi invadida por golpistas e os prédios da Presidência da República, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal foram vandalizados. Mas outro acontecimento importante e menos lembrado ocorreu há vinte anos no mesmo dia 8 de janeiro. Trata-se da instituição da renda básica de cidadania (RBC) por meio da Lei 10.835/2004.

A lei menciona que o valor do benefício deveria ser concedido a todos os brasileiros e “suficiente para atender às despesas mínimas de cada pessoa com alimentação, educação e saúde”. A lei ainda informava que seu início se daria em 2005 e que sua abrangência deveria ser alcançada em etapas, sendo priorizadas as pessoas mais pobres. Após 20 anos desde sua aprovação, a Lei 10.835/2004 continua uma promessa não realizada.

Bruno Carazza* - As emendas e o novo presidencialismo de coalizão

Valor Econômico

Aumento de protagonismo dos parlamentares no Orçamento abala as bases de funcionamento de nosso sistema político

Quando a Assembleia Nacional Constituinte, reunida em 1987, sinalizava que seus membros iriam adotar um sistema político com as mesmas características herdadas do final da ditadura, o cientista político Sergio Abranches pressentiu que o resultado não seria bom.

Na sua visão, o modelo de eleição proporcional de deputados estimularia a proliferação de partidos e reforçaria o poder das bancadas dos Estados. Além disso, o federalismo que emergia da nova Constituição tinha um protagonismo forte da União, tanto em arrecadação tributária quanto no poder de desenhar políticas públicas.

Como resultado, os presidentes teriam que lidar com uma base fragmentada em muitos partidos e ainda deveriam atender a demandas por recursos vindas de cada Estado. A consequência, Abranches imaginou, seria um sistema propenso a crises, dadas as dificuldades que o presidente teria para formar e manter uma coalizão que, em função das condições institucionais criadas, seria excessivamente heterogênea em termos ideológicos e regionais.

Denis Lerrer Rosenfield* - Lições identitárias

O Estado de S. Paulo

A teoria da racialização choca-se frontalmente com a realidade e com os brasileiros que se autointitulam ‘pardos’

O estrago causado pelas políticas identitárias nas mais importantes universidades americanas, com destaque nas últimas semanas para a Universidade Harvard, é uma lição a ser aprendida. A reitora, Claudine Gay, primeiro compactua com o antissemitismo, sendo extremamente complacente com ele. Presa ao esquema mental identitário de equiparar os judeus a brancos opressores, que poderiam ser assim discriminados e, mesmo, perseguidos pelas turbas universitárias esquerdistas. Segundo, foi acusada, com razão, de plágio, não conseguindo nem mesmo reescrever os textos plagiados. Um escândalo para uma professora. Em seus 26 anos de docência, publicou 11 artigos sem expressão e nem um único livro.

Michel Temer* - O semipresidencialismo

O Estado de S. Paulo

Ao longo do tempo vários fatores se desenharam para fortalecer a presença governativa do Parlamento

Fato, valor e norma. Era a lição do professor Miguel Reale quando ressaltava que certos fatos vão sendo tão valorizados que, em dado momento, são normatizados. Seja: viram leis. É o caso, penso, do semipresidencialismo.

Falava-se pouco desse sistema de governo. Que é semi porque não é o presidencialismo puro, nem o parlamentarismo. É amálgama dos dois sistemas. Com efeito, trata-se de fórmula em que o presidente da República também “reina e governa”, já que recebe atribuições que não significam apenas presença governativa nas relações exteriores, mas tarefas como a chefia das Forças Armadas, a designação do primeiro-ministro e até a possibilidade de sanção ou veto a projetos de lei juntamente com o primeiro-ministro. Mas a função governativa interna, a administração executiva do País, passa para o Poder Legislativo.

Marconi Perillo* - Violência no Equador traz recados ao Brasil

Correio Braziliense

Temos no Brasil facções criminosas — algumas, inclusive, já internacionalizando suas operações— que precisam ser combatidas com muito mais rigor que hoje

A explosão de violência no Equador, nosso vizinho de América do Sul, traz dois recados para o Brasil. O primeiro é que combater a violência, o narcotráfico e os grupos criminosos organizados é urgente. É preciso ter coragem para, com o uso intensivo de inteligência policial e das melhores ferramentas tecnológicas, exterminar as organizações criminosas que atuam com tráfico de drogas, roubo de cargas, pirataria e, muitas vezes, atuam como verdadeiras máfias que aterrorizam moradores e vendem proteção contra si mesmas. Além disso, um total controle das fronteiras é essencial. Nossas fronteiras são como peneiras por onde passam drogas, armas, contrabando e criminosos em busca de ambiente mais favorável para suas fugas.

Lygia Maria - A falácia do golpe

Folha de S. Paulo

Coalizões do PT com "golpistas" só comprovam que o que ocorreu em 2016 foi um processo legítimo de impeachment

Golpe é coisa séria. Uma ruptura institucional repentina com a derrubada de um governo legítimo e a tomada do poder por grupos que não haviam sido designados legalmente para o comando do Estado.

Mas, para o PT, tal fenômeno parece ser banal. O partido ainda trata o impeachment de Dilma Rousseff como golpe, mas mantém alianças com quem teria contribuído para a tal quebra do regime democrático.

Marcus André Melo* - 'Reis eleitos, com o título de presidentes'

Folha de S. Paulo

Impasse nas relações Executivo-Legislativo

O modelo de Simón Bolívar para a América Latina era "reis eleitos, com o título de presidentes". Mas presidencialismo imperial é coisa do passado. Os presidentes perderam poderes discricionários e alguns constitucionais. Como no Brasil, onde as relações Executivo-Legislativo estão se reacomodando. E há confrontos.

O presidente Lula apresentou a MP da desoneração como para medir forças com os presidentes das duas Casas legislativas. Isso após ter seu veto integral a proposta derrubado no Senado. Ou seja, dobrou a aposta. O que explica esta medida audaciosa? Uma hipótese é que se trata de uma estratégia de sinalização de seu comprometimento com a responsabilidade fiscal. Espera ganhar mesmo perdendo: irá recorrer ao episódio para justificar o aumento da arrecadação em 2024.

Ana Cristina Rosa - Ano novo, problema antigo

Folha de S. Paulo

Não dá para apartar a grave crise do Equador do cenário de extrema desigualdade econômica

Onde grassa a miséria, é impossível encontrar uma situação de segurança e bem-estar social. A lógica do desenvolvimento econômico compreende o avanço de indicadores relacionados à qualidade de vida do povo —o que subentende que todos prosperem. É o tipo de lição que quanto antes for compreendida e aplicada, melhor para todo mundo.

Contudo, não é o que acontece na América Latina, onde mais de 180 milhões de pessoas não têm dinheiro para as necessidades básicas, segundo relatório divulgado no final de 2023 pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

Ignácio de Loyola Brandão* - Por que tanto ódio?

O Estado de S. Paulo

Do ponto de vista do abraçar, querer bem e ter compaixão, padre Júlio dá lições a todos nós

Há em São Paulo um mistério que me atormenta. Mistério que talvez nem Sherlock Holmes, Agatha Christie, George Simenon, Patricia Cornwell, Ellery Queen e Patricia Highsmith consigam resolver. Ah, senhores vereadores, os citados estão entre os mestres da ficção policial. Ficção é fantasia, imaginação. Realidade são os que roubam celulares nas ruas, quebram vidros dos carros e levam o que podem, sequestram pessoas, exigem Pix dos idosos na porta dos bancos, reviram lixo em busca de comida, ou aqueles que exigem Pix para salvar suas almas e levá-las a Deus, telefonam comunicando compras feitas com nosso cartão fora de nosso perfil, e assim por diante.

Isso vocês, boa parte de nossos edis (edil é sinônimo de vereador, assim como prócer, agnoteta, arquimandrita), ignoram. Realidade é a cidade suja, calçadas arrebentadas, bueiros entupidos, ruas esburacadas ou sem iluminação, correio que não pode chegar a muitos CEPs por insegurança, casas sobre esgotos ou na beira de morros despencando com chuvas, doenças infecciosas, riachos cheios de urina e merda correndo entre casas, semáforos quebrados.

Ruy Castro - Quem "traiu" o quê e com quê

Folha de S. Paulo

Bob Dylan, Ray Charles, Miles Davis e Nara Leão, todos foram acusados, um dia, de trair suas raízes

Ano sim, ano não, essa história volta à cena. Em 1965, Bob Dylan, astro do folk americano com "Blowin’ in the Wind", trocou seu violão pela guitarra elétrica e se converteu ao rock com "Like a Rolling Stone". Escalou as paradas e nunca mais olhou para trás. O pessoal do folk o chamou de "traidor". Era como se seu colega brasileiro Catulo da Paixão Cearense abandonasse "Luar do Sertão", hino do folk nacional, e se passasse para o Carnaval compondo "Teu Cabelo Não Nega".

Cacá Diegues - Criação de um cinema nacional

O Globo

Minha geração não queria mais falar de um Brasil que conhecíamos, mas abrir o horizonte para falar de um Brasil que ninguém conhecia

O cinema brasileiro de qualidade nunca se impôs no próprio país, a não ser no final do século XX, durante o curto período em que os filmes eram feitos pela geração do Cinema Novo, produzidos e distribuídos pela Embrafilme, a empresa do Estado então comandada por Roberto Farias, um cineasta daquela geração.

O Cinema Novo cria uma “linguagem nova para dar expressão a um realismo crítico da situação nacional e à revelação de uma poesia até agora escondida. Essa síntese é a nova arte cinematográfica brasileira, manifestação do mesmo idealismo combativo que hoje se insurge contra a infame opressão estrangeira e contra o apoio a essa opressão dentro do país”, como escreveu Otto Maria Carpeaux na época.

Sérgio Augusto* - Com os pés e a cabeça

O Estado de S. Paulo

Desconfio que foi a propósito de Franz Beckenbauer e seu jeito sobranceiro de jogar, sempre de cabeça erguida, que ouvi ou li pela primeira vez esta observação: “Ele nem sabe qual a cor da grama”.

Outros, geralmente volantes e meio-campistas, como Didi, Falcão e Ademir da Guia, também fizeram por merecê-la, mas é quase unânime a certeza de que, no futebol das últimas décadas, o kaiser do Bayern e da seleção alemã, zagueiro de ofício, reinou absoluto no quesito elegância.

Craque dentro e fora do campo, inclusive como cartola, Beckenbauer teve participação decisiva até na entrada do primeiro negro no escrete teutônico, Erwin Kostedde. Atletas e dirigentes racistas opuseram-lhe resistência; Franz nem precisou de prorrogação para derrotá-los.

Poesia | Não tenho pressa - Fernando Pessoa

 

Música | Elba Ramalho - A Mulher do Dia (Carlos Fernando)