terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Luiz Carlos Azedo - Notícias Populares

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A morte do ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, no interior da Bahia, embora a versão oficial seja a de que resistiu à prisão, alimenta suspeitas de queima de arquivo”

Os programas de tevê que fazem a cobertura policial no estilo “bandido bom é bandido morto” foram a principal causa do fechamento do jornal Notícias Populares, ligado ao Grupo Folha, que circulou de 1963 a 2001 na capital paulista e se notabilizou pelas manchetes “se-espremer-sai-sangue”e fotos de mulheres nuas. Criado pelo romeno Jean Nelle, abusava do que hoje seria chamado de fake news, como a história do Bebê Diabo, uma série fantasiosa de reportagens sobre uma criança que nasceu com deformações físicas, e o desaparecimento de Roberto Carlos, que, na verdade, estava em viagem aos Estados Unidos e, por isso, não havia sido localizado pelos repórteres do jornal.

No Rio de Janeiro, o jornal Luta Democrática, fundado pelo político fluminense Tenório Cavalcanti, que circulou de 1954 a 1980, também abusava de manchetes sensacionalistas, como “Violada no Auditório”, a propósito do fato de o cantor Sérgio Ricardo ter quebrado o violão durante uma apresentação musical, e “Cachorro fez mal à moça”, um caso banal de infecção intestinal por causa de um sanduíche de salsicha, ambas de autoria do jornalista Carlos Vinhaes. Sexo, sangue, dinheiro e poder eram os quatro pilares dos jornais policiais norte-americanos da década de 1950 que serviram de paradigma para o NP e a Luta.

O escritor norte-americano James Ellroy, autor de Los Angeles — Cidade Proibida, se inspirou no noticiário policial para escrever sua trilogia sobre a política norte-americana, que começa com Tablóide Americano, sobre os bastidores do assassinato do presidente John Kennedy, continua com Seis Mil em Espécie, a operação de “queima de arquivo” da conspiração, e termina com Sangue Errante, no qual narra a derrocada norte-americana no Vietnã e os bastidores do governo de Richard Nixon. Todos foram publicados no Brasil pela Editora Record. Ellroy é um dos grandes escritores “noir”, gênero de literatura policial que surgiu nos Estados Unidos na época do macarthismo. Sua narrativa se baseava em pesquisas sobre personagens reais e muita literatura, ou seja, a fusão de realidade e ficção.

A morte do ex-capitão do Bope do Rio de Janeiro Adriano da Nóbrega, que estava foragido no interior da Bahia, é um prato cheio para um escritor “noir”. Embora a versão oficial seja a de que resistiu à prisão, as circunstâncias de sua morte alimentam suspeitas de que teria havido uma “queima de arquivo”. Adriano não estava sendo investigado no caso do assassinato da vereadora do PSol Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, mas era um dos chefões do chamado Escritório do Crime, grupo de extermínio da milícia do Rio de Janeiro, do qual faziam parte o sargento reformado da PM Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio de Queiroz, suspeitos do assassinato de Marielle.

Adriano era um dos denunciados da Operação Intocáveis, coordenada pelo Gaeco do Rio de Janeiro. Quando foi deflagrada, em janeiro de 2019, foram presos cinco homens acusados de integrar a milícia que atuava em grilagem de terra, agiotagem e pagamento de propina em Rio das Pedras e na Muzema, na Zona Oeste do Rio. Segundo a polícia baiana, estava sendo investigado por envolvimento em operações de compra e venda de gado e de fazendas na Bahia, para lavagem de dinheiro.

José Casado - O silêncio do clã Bolsonaro

- O Globo

Com o filho Flávio, Jair cultuava o ex-capitão do Bope

Escolheram o silêncio, estranharam amigos de ambos na Polícia Militar do Rio. Até há pouco não perdiam chance de louvá-lo: um “brilhante oficial”, nas palavras do patriarca Jair, ou, um homem de “excepcional comportamento”, na definição do primogênito Flávio. Viam nele um combatente urbano, treinado no Batalhão de Operações Especiais, hábil no gatilho à distância, sagaz em perseguição camuflada na geografia carioca.

Os Bolsonaro o reverenciavam. Jair, por exemplo, se apresentou como deputado federal no julgamento do amigo, no outono de 2005. Assistiu à sua condenação (19 anos e 6 meses de prisão) pela execução “de um elemento que, apesar de envolvido com o narcotráfico, foi considerado pela imprensa um simples flanelinha”, como descreveu em discurso de protesto na Câmara.

Com o filho Flávio, cultuava o ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega como símbolo de uma PM cuja prioridade, julgavam, deveria ser a eliminação sumária de suspeitos, “porque vagabundo tem de ser tratado dessa maneira”. Dedicaram-lhe discursos, homenagens e até inscreveram seus parentes na folha salarial do Estado do Rio.

Ricardo Noblat - O que poderão revelar os celulares do miliciano morto ligado aos Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

Witzel, com a faca e o queijo na mão

Há duas razões para o silêncio da família Bolsonaro sobre a morte a tiros de fuzil, na Bahia, do ex-capitão do BOPE do Rio de Janeiro e miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega.

A primeira: fazer de conta que não tinha ligações com ele, defendido em discurso na Câmara pelo então deputado Jair Bolsonaro e homenageado na Assembleia Legislativa do Rio por seu filho, Flávio.

A segunda e principal razão: o que possam revelar os 13 celulares apreendidos com Nóbrega no local onde ele se escondia e foi morto, uma chácara do povoado de Palmeira, no município baiano de Esplanada.

Nóbrega usava chips de sete diferentes operadoras para se comunicar via celulares. Conhecia a fundo a arte de monitorar bandidos procurados. Não queria cair em armadilhas que ele mesmo montara para os outros.

Mesmo assim, é possível que a memória dos celulares revele com quem ele falava – e, quem sabe? – o quê. Os aparelhos serão escrutinados pela Polícia Civil do Rio, sob o comando do governador Wilson Witzel.

O governador e o presidente da República romperam relações. Bolsonaro está convencido de que Witzel tem acesso e controla as investigações do Ministério Público sobre eventuais deslizes de sua família.

Ontem, Witzel, deu mais uma estocada indireta nos Bolsonaro: “No meu governo, não admito milicianos”.

O PT envelheceu. Ou se liberta de Lula ou não terá futuro

À sombra da hegemonia da extra-direita
Lula jamais imaginou que seria condenado pela Lava Jato. Uma vez que foi, jamais imaginou que seria preso. Uma vez preso, imaginou que acabaria solto a tempo de tentar se reeleger presidente da República pela terceira vez. Quem sabe não compensaria as três vezes (1989, 1994 e 1998) em que foi derrotado, duas, em primeiro turno, por Fernando Henrique Cardoso. Lula nunca perdoou Cardoso por isso.

Hélio Schwartsman - Queima de arquivo?

- Folha de S. Paulo

Não há, por ora, elementos objetivos a sustentar essa tese no caso Adriano da Nóbrega

Não há, por ora, elementos objetivos a sustentar a tese de que a morte do miliciano Adriano da Nóbrega tenha sido uma operação de queima de arquivo para beneficiar o clã Bolsonaro. O chocante é constatar que essa hipótese é verossímil, a ponto de os principais órgãos de imprensa terem publicado textos em que ela é contemplada.

Não faz tanto tempo, seria inconcebível imaginar um presidente da República e seus filhos envolvidos nesse tipo de noticiário. Não que só tenhamos tido líderes impolutos, mas não era comum ver políticos de alto coturno com ligações tão abertas com a baixa criminalidade. Se as tinham, ao menos as escondiam.

Não os Bolsonaros. O próprio presidente fez, quando ainda era deputado federal, um discurso em que defendeu o miliciano de uma acusação de assassinato. O primeiro filho, Flávio, foi mais longe e, além de defendê-lo e condecorá-lo, contratou-lhe a mãe e a irmã. As familiares de Nóbrega só se desligariam do gabinete de deputado estadual de Flávio em novembro de 2018.

Pelo menos parte dessas ligações perigosas apareceu nos jornais antes do pleito e, apesar disso, Bolsonaro foi eleito. Como explicar isso?

Bernardo Mello Franco - Memórias de um chefe de milícias

- O Globo

A relação entre o clã Bolsonaro e Adriano da Nóbrega durou ao menos 17 anos. Ontem o presidente não quis comentar a morte do miliciano, a quem já chamou de “brilhante oficial”

Durou ao menos 17 anos a relação entre a família Bolsonaro e o miliciano Adriano da Nóbrega, morto na madrugada de domingo. Em 2003, o herdeiro Flávio propôs uma menção de louvor ao “ilustre tenente”. “Desenvolve sua função com dedicação, brilhantismo e galhardia”, justificou.

Em julho de 2005, o primeiro-filho voltou a premiar o PM com a Medalha Tiradentes, a mais importante do Estado. A honraria foi entregue na cadeia. Adriano estava preso pelo assassinato de um guardador de carros que acusou policiais de extorsão.

Três meses depois, o patriarca Jair saiu em defesa do detento. Na tribuna da Câmara, disse que Adriano era um “brilhante oficial” que não merecia estar em cana. “Coitado, um jovem de vinte e poucos anos”, lamentou. Ao fim do discurso, ele informou que o advogado do réu recorreria da sentença.

Cristian Klein - Menos um CPF para Bolsonaro

- Valor Econômico

Morte de miliciano é seguida do silêncio do presidente e de Moro

De tão nebulosa e mal explicada, a relação entre a família Bolsonaro e a milícia parece um daqueles mistérios insondáveis, supostos assuntos de Estado que governos carimbam como “top secret”. Ao que tudo indica, o selo de alta confidencialidade dura enquanto durar a correlação de forças e a popularidade do bolsonarismo, por sinal pouco abalado pela proximidade do presidente com os grupos paramilitares que praticam extorsão em cada vez mais extensos territórios no Rio, ou fora dele. As mílicias - formadas por PMs, policiais civis, bombeiros - já foram “exportadas” para mais da metade dos Estados brasileiros. Mas é no Rio, e com o apoio do clã Bolsonaro, que cresceram e se aliaram ao poder político.

O presidente da República e seu filho mais velho já defenderam com ardor a existência dessas organizações criminosas que cobram os mais variados tipos de “pedágios” às populações ameaçadas e subjugadas. Da taxa de segurança a moradores e comerciantes aos botijões de gás comercializados com ágio; do transporte ilegal de vans ao fornecimento clandestino de TV por assinatura, internet e energia elétrica; da venda de imóveis irregulares à exploração de novos produtos e serviços como cestas básicas, consultas médicas, seguros de carro e recolhimento de lixo. Sobre estas regiões, já não se fala mais de Estado paralelo. A milícia é o próprio Estado. E tem suas relações institucionais construídas nos escombros de uma polícia civil e militar em sua face falida, corrupta e violenta.

Era dessa PM que vinha o ex-capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, morto numa troca de tiros com a polícia no fim de semana numa operação no interior da Bahia. Foragido há mais de um ano, Nóbrega - ou ‘capitão Adriano’ - foi apontado por seu próprio advogado, Paulo Emílio Catta Preta, como alguém que queria se entregar, mas temia ser morto, numa queima de arquivo.

Thaís Oyama* O risco de querer ser amado

- O Globo

Bolsonaro passou a pedir e receber informes diários da repercussão nas redes tanto de seus posts quanto de suas ações de governo

No começo de 2017, quando boa parte do Congresso e da imprensa tratava Jair Bolsonaro como um excelentíssimo zé-ninguém, o então deputado do baixo clero era recebido nos aeroportos do país por multidões que o carregavam nos ombros e o chamavam de “mito”. Eram cenas intrigantes por mais de um motivo. Muitos dos que as testemunharam se perguntavam, por exemplo, por que razão os fãs do ex-capitão assobiavam, uivavam e tocavam corneta a cada vez que ele, do alto de palanques improvisados no capô de picape, colocava um par de óculos escuros no rosto. Era uma referência ao meme que circulava na internet em que óculos pixelados apareciam sobre a imagem do pré-candidato à Presidência da República sempre que ele “mitava”. Ou seja, quando dizia algo, em geral engraçado ou provocativo, que extasiava seus seguidores. O meme dos óculos era só um dos itens do repertório do bolsonarismo nascente, que começava a transbordar para as ruas naqueles meses que antecederam às eleições de 2018 depois de inundar o universo paralelo das redes sociais — o habitat original de Jair Messias Bolsonaro.

Em 2019 — eleito, empossado e tendo de substituir a retórica de campanha por ações — o ex-deputado socorreu-se junto aos militares que subiram a rampa com ele e passaram a ser vistos como o lastro de credibilidade institucional do novo governo, além de tutores informais do presidente estreante. Bolsonaro pisava no tapete vermelho do poder com a humildade de um capitão entre os generais. Em junho, a situação mudou. Os militares concluíram que seus conselhos de pouco valiam diante do voluntarismo e da influência do entorno familiar do presidente. A demissão do ministro Carlos Alberto Santos Cruz, um general que foi para a guerra, provocou um abalo tectônico e jamais superado na relação entre Bolsonaro e os fardados.

Eliane Cantanhêde - Do caos à eleição

- O Estado de S.Paulo

Chapa Haddad-Marta contra 'azuis', 'verdes' e 'verdes desbotados' em outubro

Nada como o caos de ontem em São Paulo, com a cidade dramaticamente debaixo d’água, para nos lembrar que as eleições municipais estão logo aí e o quanto é importante acompanhar os nomes, articulações e alianças em construção para disputar a Prefeitura da mais rica e estratégica capital do Brasil. Aliás, não só dela.

Há ainda muitas dúvidas, mas começa a se desenhar uma chapa no campo da esquerda: Fernando Haddad, do PT, com Marta Suplicy na vice, ainda sem partido definido. Na avaliação dos articuladores, Haddad e Marta têm “recall”, já foram prefeitos da capital paulista e são complementares eleitoralmente, ele com classe média alta e academia, ela com as periferias e movimentos sociais.
Marta não diz claramente, mas já definiu que não quer ser cabeça de chapa, ir a debates, fazer campanha de rua. Também não aceita ser vice de qualquer um, ou uma, apenas de Haddad. São decisões ditadas pelo coração, mas encontram sua dose de pragmatismo nas pesquisas de opinião.

Abdicar de disputar a Prefeitura faz sentido para Marta, que fará 75 anos em março, não quis tentar a reeleição ao Senado, não tem mais prazer em campanhas extenuantes e só mantém uma meta política: voltar à Prefeitura de São Paulo, a função mais gratificante que ocupou em sua vida pública.

Carlos Andreazza – Censura

- O Globo

A vida de um livro é a vida dos que o desejam ler

Governador Marcos Rocha,
Espero que o senhor já tenha demitido o secretário de Educação do Estado de Rondônia, assim como a diretora-geral de Educação. Nada pessoal, senão pelo fato de que — ao não o fazer — será somente do senhor a responsabilidade pela tentativa de censura contida no memorando 4/2020, aquele que propõe o Index Librorum Prohibitorum do século XXI, expedido por uma secretaria de seu governo e enviado às coordenadorias regionais.

Permita-me lembrá-lo de como a mensagem começa, desde já me desculpando por constrangê-lo com o uso do idioma por auxiliares que escolheu: “Solicitamos aos senhores que verifiquem nos kits de livros paradidáticos encaminhados às escolas para compor os acervos das bibliotecas, os livros relacionados no Adendo ID (10053329), e procedam com o recolhimento dos mesmos imediatamente, tendo em vista conterem conteúdos inadequados às crianças e adolescentes”.

Espero que já os tenha demitido também porque, de qualquer outra forma, recairá sobre o senhor a obrigação de explicar à sociedade o que seriam — nos livros que se pretendeu censurar —os tais “conteúdos inadequados”. O que seriam? Uma sugestão, governador: pergunte aos autores do memorando censor e então tenha — qualquer que seja a resposta — a justa causa para exonerá-los.

O outro caminho será o habitual, o da covardia, o que o senhor trilha até aqui: assumir, com o silêncio, a incompetência dos subordinados, passando-lhes a mão na cabeça, e, por omissão, plantar que desconhecia o ato, torcendo para o fervo baixar — combinação que intenta descaracterizar o propósito difundido pelo memorando, opção que reforça o propósito sem negar a incompetência.

Míriam Leitão - Águas do verão e as crises públicas

- O Globo

Há tarefas urgentes para proteger a vida nas cidades: preparar para as fortes chuvas e investir em saneamento

Este começo de ano está particularmente difícil. As chuvas têm despencado sobre algumas regiões de forma espantosa. Ontem foi o dia de São Paulo viver uma emergência, Minas Gerais têm tido dias trágicos na capital e no interior. As cidades brasileiras nunca foram preparadas para os extremos do clima. Porém, agora esses extremos serão mais frequentes e mais intensos. A cada temporada de chuvas fortes, o país vê a mesma repetição de caos urbano, que às vezes vem acompanhado de mortes, como em Minas Gerais. O Brasil ainda vive com um grau de atraso em saneamento intolerável.

No drama da água do Rio, que se arrasta desde o começo do ano, há uma mistura de várias incúrias governamentais. A falta de investimento em saneamento há muitas administrações federais, a insistência dos governos do Rio de não privatizarem a Cedae, as falhas da regulação da prestação desse serviço, e a fiscalização precária no entorno das áreas de captação. Isso somado faz com que os municípios da região metropolitana do Rio estejam em 2020 convivendo com uma água com cheiro forte e gosto ruim. Essa falha das várias agências do estado colocam em risco a saúde da população.

O caminho de ampliar investimento em saneamento é tão óbvio que é irracional o país ficar patinando nesse assunto, com as coalizões de veto que impedem os projetos de andarem tanto no Congresso quanto nas assembleias. Há uma expectativa de que este ano se consiga, depois de quatro tentativas desde 2018, aprovar o marco regulatório do saneamento.

Rubens Barbosa* - Retomando o diálogo com a Argentina

- O Estado de S.Paulo

Os dois governos não podem deixar de levar em conta o determinismo geográfico da vizinhança

O ministro do Exterior da Argentina, Fernando Solá, visita o Brasil amanhã, no primeiro contato de alto nível depois da posse do presidente Alberto Fernández. Tudo indica que com essa visita comece a ser restabelecido o diálogo governamental direto entre os dois países, interrompido por declarações críticas do presidente Jair Bolsonaro acerca do candidato peronista antes das eleições e pelas respostas de Fernández.

Como é normal entre países vizinhos, Brasil e Argentina passaram por muitos desencontros e crises ao longo da História. Agora, volta a tensão entre Brasília e Buenos Aires, em decorrência de uma escalada retórica por divergências ideológicas entre um governo de direita, liberal na economia e conservador nos costumes, no Brasil, e um governo de centro-esquerda na Argentina.

Nas relações comerciais, as preocupações de Brasília residem nas restrições protecionistas contra produtos brasileiros e quanto ao futuro do Mercosul e do acordo com a União Europeia (UE). Recentemente, pela primeira vez uma alta autoridade do governo brasileiro, o secretário de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais, Marcos Troyjo – que está hoje em Buenos Aires dialogando diretamente –, criticou o governo argentino depois da posse de Fernández. Referindo-se a restrições ao comércio e à taxação das exportações, Troyjo disse que o Brasil está com impaciência estratégica em relação à Argentina em razão dos sinais negativos na política econômica. Quanto ao Mercosul, o secretário reiterou o interesse brasileiro na aprovação da redução da tarifa externa comum (TEC)e no avanço das negociações de acordos com o Canadá e outros países. “O Brasil não deseja andar em velocidade de comboio, onde a velocidade de todos é determinada pelo veículo mais lento”. Por isso o lado brasileiro não descarta um Mercosul flex, no qual novos acordos comerciais possam ter velocidades diferentes de liberalização em cada sócio.

Pablo Ortellado* - Cultura da vitimização

- Folha de S. Paulo

'Cancelamentos' se difundem como sanção social a supostos agressores em relatos de vitimização

Na sexta-feira, o apresentador do jornal SPTV Rodrigo Bocardi foi acusado de racismo por supor que um entrevistado negro que vestia uma camiseta do clube Pinheiros seria um gandula —o rapaz, na verdade, é jogador de polo aquático. Logo, ativistas denunciaram nas mídias sociais o caso de racismo estrutural e o apresentador foi cancelado —isto é, passou a ser boicotado na economia da atenção.

O caso, um entre os inúmeros cancelamentos que acontecem todos os dias, exemplifica uma emergente cultura moral promovida pelo ativismo identitário. Os sociólogos Bradley Campbell e Jason Manning escreveram a melhor descrição e análise do fenômeno num influente artigo de 2014 transformado depois em livro (“The Rise of Victimhood Culture”, Palgrave Macmillan, 2018).

Essa cultura moral da vitimização se desenvolve com a difusão de táticas ativistas nas quais uma ofensa, voluntária ou mesmo involuntária, em situações de opressão, é vingada com a publicação de um relato de vitimização —com o duplo objetivo de angariar a simpatia do público e efetivar a punição social do agressor, normalmente com sanções como o cancelamento.

Os autores chamam atenção para o fato de essa cultura moral se desenvolver primordialmente no meio universitário, um ambiente no qual um relativamente alto grau de equidade e diversidade torna a comunidade mais sensível para os desvios que perduram.

A forma vitimizante de lidar com insultos é bastante particular.

Ranier Bragon - As bolsonaradas de Fux e Alcolumbre

- Folha de S. Paulo

Ministro e senador dão sua particular contribuição ao enxovalhamento das instituições

Em tempos de descrédito das instituições, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e o futuro presidente do Supremo, Luiz Fux, acharam por bem se apegar a mesquinhos interesses corporativos para dar as suas bolsonaradas.

Autor de algumas das decisões mais desarrazoadas do atual colegiado —como as de caráter liminar que garantiram por quatro anos o indiscriminado pagamento de auxílio-moradia a juízes até que eles ganhassem um reajuste salarial—, Fux suspendeu por tempo indeterminado a implantação do juiz das garantias. A lei foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República, aqueles que, pelas regras republicanas, detêm tal atribuição.

A Fux caberia promover, preferencialmente de forma colegiada, a análise do caso à luz da Constituição. Em vez disso, preferiu inovar, ganhando o aplauso da Lava Jato e das associações de magistrados.

Alvaro Costa e Silva - Mapa da memória

- Folha de S. Paulo

Livro recupera 50 lugares do Rio que desapareceram

Acaba de sair um livro mágico. “Vestígios da Paisagem Carioca”, de Isabela Mota e Patrícia Pamplona, não apenas recupera em detalhes 50 lugares desaparecidos da cidade. Faz mais e melhor: ao entrar num túnel do tempo, o leitor “sente” que esses espaços urbanos estão de volta. Quase como se fosse possível tirar uma selfie com eles ao fundo.

Um Rio que existiu entre o início do século 19 e meados do século 20, e ainda grita na memória. São favelas, palácios, fábricas, teatros, livrarias, cinemas, restaurantes, prédios, quiosques, matadouros, mercados, pontos de bonde, vilas, igrejas, terreiros, praias, zoológicos e até uma praça de touros. Esta —acredite— ficava na rua das Laranjeiras e seguia a tradição da tauromaquia portuguesa: o animal não morria ao fim do patético espetáculo.

Os verbetes do livro articulam entre si lugares que ecoam na cabeça dos moradores (Galeria Cruzeiro, Tabuleiro da Baiana, Praça Onze, Pavilhão Mourisco, Cassino Atlântico, Bar Vinte, Cinema Olinda), mas que mesmos os cariocas mais empedernidos têm dificuldade de apontar num mapa antigo.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Somos todos parasitas?

- Folha de S. Paulo

Uso do termo não nos ajuda a entender as relações sociais em sua complexidade

“Parasita”, vencedor dos principais prêmios do Oscar no domingo (9), não foi o meu filme favorito do ano. (Eu ficaria com “Era uma Vez em... Hollywood” ou “1917”.) Seja como for, o quadro das relações sociais traçado pelo vencedor vem bem a calhar num momento em que a desigualdade desponta como um dos grandes problemas globais.

Em “Parasita”, a extrema desigualdade social faz com que o único caminho para a família Kim sobreviver seja se infiltrar pouco a pouco como serviçais da família Park. Entre fraudes e pequenos golpes para aproveitar algumas das benesses da vida dos Park, que permanecem —em sua inocência— alheios aos planos dos Kim, estabelece-se uma relação parasitária.

O conflito, contudo, não se estabelece entre parasita e hospedeiro, e sim entre os Kim e outra família pobre com quem disputam as migalhas que caem da mesa dos patrões. Destroem-se mutuamente sem reconhecer o verdadeiro beneficiário de sua situação precária.

Coloca-se, evidentemente, em questão quem seriam os verdadeiros parasitas. Afinal, os Park, que desfrutam uma vida de ócio e prazeres, só o fazem porque contam com o trabalho incessante de desesperados como os Kim, cujo abandono social os leva a se sujeitar a qualquer exploração.

E, para completar, com a exploração econômica vem o desprezo humano, no completo desinteresse dos patrões pela vida dos empregados e seu incômodo com o cheiro deles. Conforme a tensão cresce, um desfecho de violência brutal torna-se inevitável.

Pedro Cafardo* - Clichês que aborrecem e eufemismos inócuos

- Valor Econômico

É ridículo chamar velhice de melhor idade ou favela de comunidade

Bora alinhar nossas posições, porque as turbulências deste mundo disruptivo nos obrigam a forjar narrativas pedestres. Precisamos focar em performar cada vez melhor.

Assustou-se com as frases acima? De fato, são esquisitas. Lá estão algumas palavras e expressões da moda, inadequadas ou que denotam um certo despreparo do redator. O bom-senso recomenda que sejam evitadas.

“Narrativa” está na moda. Ninguém mais conta uma história, explica uma situação, rememora um evento ou expõe uma opinião. Faz sempre uma narrativa, termo que tem um sentido um pouco mais pomposo do que o empregado pelo povo da moda. É algo que contempla em geral introdução, desenvolvimento e conclusão.
Há alguns clichês muito usados na mídia tradicional e nas redes sociais. “Mais cedo”, por exemplo, está o tempo todo na imprensa. Em vez de dizer a hora, uma informação precisa, o repórter diz apenas que “mais cedo” aconteceu um acidente etc, etc. E depois completa: “No fim do dia”, os envolvidos deixaram o hospital etc., etc.

Vale comemorar se o repórter usar “fim do dia”, porque na maioria das vezes ele vai dizer ou escrever “final do dia”, trocando o substantivo pelo adjetivo, algo que dói no ouvido. Basta ligar o rádio numa sexta-feira para ouvir sem parar a expressão “final de semana” no lugar de “fim de semana”. Dicionários até admitem “final” como substantivo, mas a palavra é primordialmente um adjetivo. Se o fim de semana fosse final de semana, o início dela seria inicial.

Mas vamos em frente. “Bora” é uma peste que se espalha nas redes sociais, no lugar de “vamos” ou “vamos em frente”. Sim, trata-se de uma simplificação e as línguas precisam aceitá-las, porque isso é sinal de que estão vivas. Ninguém muda nada no latim, por exemplo, porque é uma língua morta. Mas, convenhamos, não dá para aguentar “bora” sendo repetido a todo o instante.

O “alinhar” pretende ser chique. Em qualquer reunião corporativa, alguém solta esse verbo, que virou quase intransitivo e significa que todos devem pensar e falar a mesma coisa, ter o mesmo discurso, ou “narrativa”.

Muitas manias vêm do inglês. “Disruptivo”, por exemplo, vem de “disruptive”, embora a palavra tenha origem no latim. Tem sinônimos como destruidor, mas não aceitos pelo modismo. E não pode ser aplicado em qualquer situação. Disruptivo é um produto ou serviço que cria um novo mercado e mata ou desestabiliza os concorrentes que dominam o setor.

Outra que veio do inglês é “performar”. Ela não está nos dicionários, mas é dita com frequência também em reuniões corporativas. Neologismos são bem-vindos, mas quando não há substitutos no português, o que não é o caso de performar, anglicismo cafona que, nestes tempos autoritários, poderia ser vetado por decreto. Entre outros substitutos, há funcionar, executar, desempenhar.

Há muito tempo observa-se um cacoete entre economistas e gente do mercado financeiro. É o “de novo”, usado para repetir um argumento. O vício vem do “again”, muito utilizado por acadêmicos americanos. Nada contra, mas o excesso de “de novo” indica que o discurso é redundante.

No ramo dos cacoetes, “então” é imbatível. Ao responder uma pergunta a pessoa começa assim: “Então..., eu acho...”. Fica evidente que esse “caco” foi colocado pelo entrevistado para ganhar alguns segundos para pensar.

Maria Clara R. M. do Prado* - Coronavírus, alerta para consequências

- Valor Econômico

Pelos dados da Bloomberg, o Brasil seria o 2º país mais atingido, com redução de 0,32 pontos no PIB

Não sem razão, o impacto do coronavírus no comércio e na economia tem sido motivo de preocupação geral, de este a oeste, ainda que não se projete por enquanto a possibilidade de uma pandemia.

A China, onde tudo começou - ali também surgiu o Sars (Síndrome Respiratória Aguda Severa) em fins de 2002 - é responsável por 17% do PIB global. Ali se origina boa parte das peças e componentes usados por diversos segmentos industriais na montagem e produção em outros países. A paralisação das atividades produtivas em Wuhan, epicentro do novo vírus, já afeta a indústria de carros no Japão e indústria de eletrônicos dos Estados Unidos, por exemplo.

As consequências são previsíveis no curto prazo, uma vez que a China responde por cerca de 20% do fornecimento de peças e componentes em todo o mundo. Só na Ásia, com perspectivas de ser a região mais imediatamente afetada, os componentes chineses são 40% da cadeia de suprimento.

Com 40.645 casos confirmados mundo afora (40.234 em território chinês, incluindo Hong Kong) e 910 óbitos, conforme levantamento até a tarde de ontem, o PIB chinês não deve crescer além dos 5,5% este ano, segundo as últimas estimativas. Seria o nível mais baixo de expansão anual da economia desde o ano 2000.

O que a mídia pensa – Editoriais

Memórias de Adriano – Editorial | Folha de S. Paulo

Operação que matou miliciano ligado a Flávio Bolsonaro precisa ser esclarecida

Ainda não estão por inteiro esclarecidas as circunstâncias que provocaram a morte do ex-capitão da PM fluminense Adriano Nóbrega, encontrado por policiais no domingo (9), em um sítio na Bahia, depois de mais de um ano foragido.

Ele era um dos alvos da Operação Intocáveis, deflagrada em janeiro de 2019 pelo Ministério Público, com o objetivo de prender suspeitos de comandar milícias que atuam no Rio de Janeiro.

O ex-PM era suspeito de ser o chefe da milícia da favela de Rio das Pedras, o grupo mais antigo da cidade.

Em conversas telefônicas gravadas com autorização da Justiça, era chamado de “patrão”.

Adriano apresentava longo histórico em contravenções e atividades criminosas. Foi preso diversas vezes, condenado por homicídio, expulso da PM por envolvimento com o jogo do bicho.

Foi apontado como líder de um grupo de assassinos profissionais do qual faria parte o policial aposentado Ronnie Lessa, acusado no assassinato da vereadora Marielle Franco. Suspeita-se, também, que o ex-capitão fosse sócio do controle de metade das máquinas caça-níqueis da capital fluminense.

Na época em que foi lançada a Operação Intocáveis, surgiram as já notórias evidências de relações entre o miliciano e o senador Flávio Bolsonaro, quando este exercia o mandato de deputado estadual no Rio de Janeiro.

Música | Capital do Frevo 77 - Antonio Maria - (Claudionor Germano)

Poesia | Manuel Bandeira - Enquanto a chuva cai

A chuva cai. O ar fica mole...
Indistinto... ambarino... gris...
E no monótono matiz
Da névoa enovelada bole
A folhagem como o bailar.

Torvelinhai, torrentes do ar!

Cantai, ó bátega chorosa,
As velhas árias funerais.
Minh'alma sofre e sonha e goza
À cantilena dos beirais.
Meu coração está sedento
De tão ardido pelo pranto.
Dai um brando acompanhamento
À canção do meu desencanto.

Volúpia dos abandonados...
Dos sós... - ouvir a água escorrer,
Lavando o tédio dos telhados
Que se sentem envelhecer...

Ó caro ruído embalador,
Terno como a canção das amas!
Canta as baladas que mais amas,
Para embalar a minha dor!

A chuva cai. A chuva aumenta.
Cai, benfazeja, a bom cair!
Contenta as árvores! Contenta
As sementes que vão abrir!

Eu te bendigo, água que inundas!
Ó água amiga das raízes,
Que na mudez das terras fundas
Às vezes são tão infelizes!

E eu te amo! Quer quando fustigas
Ao sopro mau dos vendavais
As grandes árvores antigas,
Quer quando mansamente cais.

É que na tua voz selvagem,
Voz de cortante, álgida mágoa,
Aprendi na cidade a ouvir
Como um eco que vem na aragem
A estrugir, rugir e mugir,
O lamento das quedas-d'água!