quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Vera Magalhães - A ameaça que vem do Senado

O Globo

Bolsonarismo e voto secreto fomentam voto em Marinho, que equivale a chancelar grupo que promoveu 8 de Janeiro

O risco de novos solavancos democráticos não está totalmente debelado. Caso haja uma zebra e Rogério Marinho vença Rodrigo Pacheco na disputa pela presidência do Senado, haverá um enclave bolsonarista na Praça dos Três Poderes, e os golpistas de 8 de Janeiro terão conseguido, quase um mês depois, perenizar a ocupação que tentaram fazer à base de vandalismo e afronta às instituições.

Por mais “jeitoso" que seja Marinho, político das antigas com passagem pelo PSDB e um passado reformista antes de cerrar fileiras com a extrema-direita, sua candidatura representa a extrema-direita que conquistou significativos nacos da representação popular no último pleito — ironicamente, aquele que Bolsonaro tentou melar.

Marinho é, hoje, um Cavalo de Tróia para o próprio Bolsonaro e a tropa de choque radical que graças a ele se elegeu para o Senado, formada por Damares Alves, Cleitinho, Magno Malta e, com mais polidez, o ex-vice-presidente Hamilton Mourão.

Bernardo Mello Franco - Risco de zebra no Senado

O Globo

Ex-ministro Rogério Marinho atrai descontentes e ameaça reeleição de Rodrigo Pacheco

Rodrigo Pacheco ainda é favorito à reeleição, mas o Planalto foi avisado de que há risco de zebra na disputa pela presidência do Senado. O bolsonarista Rogério Marinho, que já era apoiado pelas maiores siglas do Centrão, começou a avançar no território do adversário. Se ele surpreender, Lula terá que conviver com um desafeto no comando do Congresso.

A julgar pela divisão oficial das bancadas, Pacheco teria uma vantagem confortável sobre o rival. O problema é que a votação secreta abre uma ampla margem para traições. Elas devem chegar até ao partido de Pacheco — ao menos três senadores do PSD são contabilizados como eleitores de Marinho.

O bolsonarismo lançou o ex-ministro do Desenvolvimento Regional com dois objetivos: reagrupar sua base e forçar uma espécie de terceiro turno contra Lula. Derrotado na corrida presidencial, o ex-presidente teria a chance de se vingar na disputa pelo controle do Senado.

Luiz Carlos Azedo- Disputa no Senado é vital para governabilidade de Lula

Correio Braziliense

A reeleição de Pacheco é vital para a governabilidade do presidente Lula, porque é um aliado leal, com poder de engavetar qualquer proposta que possa desestabilizar o governo

Na contabilidade dos candidatos, o Senado teria mais de 81 parlamentares. A conta não fecha porque tanto o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que concorre à reeleição, quanto o seu desafiante, o senador recém-eleito Rogério Marinho (PL-RN), estão contando com promessas que podem não se realizar, em razão da votação secreta. Até agora, certo mesmo, na eleição para a Presidência do Congresso, Pacheco contaria com o apoio de 39 senadores; Marinho tem 26 votos confirmados, mas diz que está recebendo muito apoio e vai surpreender. Os votos restantes estão realmente na faixa de risco, pois são de parlamentares que mantêm sigilo sobre o voto ou prometeram apoio a ambos os candidatos.

Para ser eleito, o presidente do Senado precisa de 41 votos, ou seja, metade mais um do total. A recondução de Pacheco é vital para a governabilidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porque é um aliado leal, com o poder de engavetar qualquer proposta que possa desestabilizar o governo. A Casa tem o poder de bloquear nomeações para os tribunais superiores, sobretudo ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que deve abrir duas vagas ainda neste ano, com as aposentadorias compulsórias da presidente da Corte, ministra Rosa Weber, e do ministro Ricardo Lewandowski. Embaixadores, diretores de autarquias e o procurador-geral da República, entre outras autoridades, dependem do aval do Senado.

Fernando Exman - Tem início nova fase do governo Lula 3

Valor Econômico

Executivo vai elencar prioridades e deve fortalecer base

Mantida a tradição iniciada em 1890 por Deodoro da Fonseca, o presidente Lula envia nesta semana a mensagem anual do Executivo ao Congresso e inaugura, com o gesto, nova etapa do mandato. A expectativa é que apresente no texto sua visão do atual estado econômico, político e social do país e, mais do que isso, as prioridades do governo para o ano legislativo que se inicia. Porém, desta vez, o homem que assinará o documento não será o mesmo Luiz Inácio Lula da Silva que discursou no Congresso no dia da posse, um mês atrás, antes da tentativa de golpe do dia 8 de janeiro. Tal como pontuou Heráclito.

Não Heráclito Fortes, aquele experiente ex-parlamentar do Piauí conhecido pelas tiradas inteligentes, eficientes articulações de bastidor e ferrenha oposição a Lula nos primeiros governos do PT. Mas o filósofo pré-socrático Heráclito, que deixou como marca a famosa metáfora do rio: ninguém se banha duas vezes no mesmo rio, já que, ao imergir em uma segunda oportunidade, tanto o próprio sujeito passou por transformações como as águas não são as mesmas que o banharam durante o mergulho anterior.

Hélio Schwartsman - Pacto sinistro

Folha de S. Paulo

Ele foi um aliado quase incondicional de Jair Bolsonaro

É ético fazer um acordo com o diabo? E com Mefistófeles? Adolf Hitler? Franco? Brilhante Ustra? Al Capone? Marcola? Eduardo Cunha? Arthur Lira?

O leitor sagaz já deve ter adivinhado aonde quero chegar. Em política, transformar princípios morais em valores absolutos tende a ser perigoso. Pode levar tanto ao isolacionismo (eu não negocio nem com A, nem com B, nem com Z) como ao fanatismo (para impor a fé verdadeira, eu esmago quem estiver no caminho). Do outro lado, ignorar por completo considerações morais também traz riscos. Perder a capacidade de distinguir entre o certo e o errado é um deles. Existe uma linha intermediária justa? Onde ela se situa?

Bruno Boghossian - A inflação do Congresso

Folha de S. Paulo

Governo vai depender de coordenação de Lira e terá que pagar fatura por base no Senado

Mesmo que Lula não enfrente surpresas nas eleições do Congresso, o governo estará longe de sair da disputa numa situação confortável. A provável lavada de Arthur Lira (PP) na Câmara e as articulações da oposição no Senado devem deixar uma fatura alta para o presidente na montagem de sua base de apoio.

A adesão em massa à reeleição de Lira transformou o deputado numa espécie de operador soberano do plenário. Ao anunciar a decisão de não interferir na disputa, o governo precisou abrir mão de exercer seu poder de coordenação política e deixou o caminho livre para que o atual presidente da Câmara organizasse sua própria coalizão.

Mariliz Pereira Jorge - Somos uma vergonha

Folha de S. Paulo

Morosidade da Justiça, casos encerrados, poucas indenizações, nenhum culpado

MarianaBrumadinhoNinho do UrubuBateau Mouchedesastre da TAM (2007), soterramentos na região serrana do Rio (2011), boate Kiss. A lista é grande, mas são bons exemplos de que a impunidade reina no Brasil. Morosidade da Justiça, casos encerrados, poucas indenizações, nenhum culpado. O que temos é o esquecimento.

O incêndio criminoso da boate só voltou ao noticiário na última semana ao ser relembrado pelo lançamento de uma série de ficção baseada no livro "Todo Dia a Mesma Noite", da jornalista Daniela Arbex. Dez anos depois, 242 pessoas mortas, nenhum preso. É revoltante que essas "tragédias" fiquem no passado porque são substituídas por outras.

Elio Gaspari - As bolinhas dos poderosos

O Globo

O falecido Papa Bento XVI contou a um de seus biógrafos que renunciou por causa de uma insônia que o afligia desde 2005. Meia verdade, o Papa Ratzinger foi atormentado também pelos efeitos de bolinhas que médicos lhe receitavam para dormir. Em 2012, no México, ele acordou com os lençóis sujos de sangue sem saber o que lhe havia sucedido. Tinha sido o efeito da bolinha, e ele havia se machucado, sem acordar.

O que parece ter sido um episódio isolado é algo mais comum, sobretudo no mundo dos poderosos. Bento XVI revelou que começou a pensar na renúncia ao sentir que lhe faltavam forças para dar conta do serviço. Essa explicação poderia reduzir a importância das dificuldades que atormentavam seu pontificado.

Roberto DaMatta* - Não são somente ‘índios’

O Globo

São como a gente, a menos que se lhes atribua algum traço racista imutável. Vitimados pelas mesmas doenças e violências

Se fossem somente os ianomâmis, seria uma tragédia, mas é muito mais que isso. É o destino trágico das “populações indígenas integradas” ao sistema brasileiro. É uma repetição cruel do que ocorreu com os africanos que aqui foram máquinas de trabalhar como escravos. De fato, os que chamamos de “índios” são representantes de outras humanidades. São manifestações do humano, hoje em estado de tortura física e moral. Na experiência de quem se dedicou ao assunto, é o preço do cruel rito de passagem que vai do isolamento à integração sempre mutiladora, senão genocida, quando essas “humanidades indígenas” são canibalizadas por nosso mundo “civilizado”.

Quando falo em humanidades, penso no conceito de cultura de E. B. Tylor, de 1871! Nessa definição, cultura não é alta ou boa educação e belas-artes — é algo definidor da condição humana como “aquela totalidade complexa, que inclui conhecimento, crença, arte, lei, moralidade, costumes e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como um integrante da sociedade”.

Zeina Latif - Habemus oposição. De boa qualidade?

O Globo

O Brasil precisa de zelo na gestão da economia, para que a alternância de poder não implique ameaça à estabilidade macroeconômica

A concorrência na política é um ingrediente crucial para o fortalecimento democrático de um país. Permite a saudável alternância de poder, facilita correções de rumos na política econômica e compõe o conjunto de freios e contrapesos de uma democracia.

Além disso, contribui para disciplina no tamanho do Estado, ou nos gastos como proporção do PIB, por conta do interesse da oposição em conter excessos do governo de plantão – é o que concluem Toke Aidt e Dalibor Eterovic ao analisar a experiência de 18 países da América Latina.

Em um país como o Brasil, marcado por gastos elevados – bem como carga tributária e dívida pública – e de baixa qualidade, esse ponto ganha maior apelo.

Martin Wolf* - Nem sempre boas notícias econômicas são boas

Valor Econômico

Há bons motivos para que os BCs adotem a posição de esperar para ver no ajuste de juro

Chegou a hora de desacelerar o aperto monetário ou mesmo de revertê-lo? Responder a essas perguntas com um “sim” está se tornando a opção cada vez mais comum. Os mercados, sem dúvida, vêm se comportando como se os dias de aperto monetário estivessem contados. Podem até estar certos.

Uma questão crucial, porém, é que eles apenas estarão certos sobre o futuro da política monetária se as economias acabarem revelando que estão enfraquecidas. Quanto mais fortes as economias estiverem, maior o receio dos bancos centrais de que a inflação não volte a uma taxa estável de 2% anuais e, portanto, provavelmente maior será o tempo em que a política monetária ficará contracionista. Na essência, então, podemos ter a esperança de que as economias estejam fortes, que a política seja afrouxada e que a inflação se evapore, tudo ao mesmo tempo. Esse melhor dos cenários, contudo, está longe de ser o mais provável.

Vinicius Torres Freire – Juros e os economistas de Lula

Folha de S. Paulo

Equipe faz boa impressão na praça, mas ideia de mexer em juro do BNDES soa mal

A equipe econômica de Luiz Inácio Lula da Silva passou dois dias em visita à praça financeira de São Paulo. O saldo dos comentários de gente de "o mercado" foi de neutro a bom. Os preços dos mercados de dinheiros e ativos, a opinião real da finança, ficaram na mesma, com alguma ajuda da economia mundial.

Houve algum ruído e pulga nas orelhas que ouviram o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, dizer que o governo vai mexer na TLP, a Taxa de Longo Prazo do bancão federal de desenvolvimento, via lei. Tal mudança não é consenso mesmo entre economistas do governo, para dizer o mínimo.

Depois do sururu de novembro e dezembro, quando Lula deu caneladas na ideia de controle da dívida pública, houve relativa calmaria. Em janeiro, a coisa se estabilizou em um nível ainda ruim, com algum alívio nos juros. Mas as taxas estão de 1 ponto a 1,5 ponto (a depender do prazo) além do nível do início de novembro (quando tendiam a cair).

Fábio Alves - Banco Central no paredão

O Estado de S. Paulo.

Ou o BC compra briga com Lula ou corre o risco de ser tachado de leniente pelo mercado

Na primeira reunião de política monetária sob o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Banco Central se encontra numa delicadíssima encruzilhada: adotar uma postura técnica ao endurecer a mensagem em relação aos próximos passos do Copom, porém elevando a tensão existente com o novo governo, ou contemporizar a piora recente no balanço de risco da inflação e ser tachado de leniente, com prejuízo à sua credibilidade.

A aprovação da autonomia do BC pelo Congresso estabeleceu que o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, ficará no cargo até 2024, portanto, o único cargo para o qual Lula não fez a indicação de um nome de sua confiança. Nas últimas semanas, Lula já atacou a independência do BC e a meta de inflação, que ele considera demasiada baixa, forçando um arrocho na economia.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Novos líderes do Legislativo têm uma oportunidade

O Globo

Insistência em interesses paroquiais em detrimento da visão de longo prazo resulta na imagem ruim do Congresso

Menos de um mês depois de o Congresso ter sido alvo do vandalismo da extrema direita, serão eleitos hoje os presidentes da Câmara e do Senado para a nova legislatura. É ocioso, embora sempre necessário, repetir que devem ser defensores ferrenhos da democracia e da independência do Legislativo e do Judiciário. Mas precisam fazer mais. Os deputados e senadores que hoje votarão para eleger seus líderes deveriam ter em mente uma realidade incômoda: a avaliação que os brasileiros fazem do Congresso tem sido consistentemente negativa ao longo dos anos. Na série histórica do Datafolha, só em 2003 os brasileiros avaliaram o Parlamento mais positivamente.

O motivo não é misterioso. O Congresso brasileiro carece de lideranças capazes de quebrar o ciclo de escândalos de corrupção resultantes da relação pouco republicana de boa parte dos parlamentares com o Executivo. Desde os anos 1980, o Brasil é sacudido por revelações de roubalheiras ou irregularidades: anões do orçamento, emenda da reeleição, mensalão, petrolão etc. O Congresso tem um déficit de credibilidade, e o toma lá dá cá renitente só faz aumentar a rejeição popular.

Poesia | Joaquim Cardozo - Canção elegíaca

 

Música | Claudinor Germano - Madeira que cupim não rói (Capiba)