quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Opinião do dia - Papa Francisco*

Não é coincidência que, às vezes, haja um ressurgimento de símbolos típicos do nazismo. E preciso confessar a vocês que, quando ouço um discurso de alguém responsável pela ordem ou pelo governo, penso nos discursos de Hitler em 1934, 1936.

Com a perseguição de judeus, ciganos e pessoas com tendências homossexuais, hoje essas ações são típicas e representam ‘por excelência’ uma cultura de desperdício e ódio. Foi o que foi feito naqueles dias e hoje está acontecendo novamente.

*Papa Francisco, em homilia, Reuters | Exame, 16/11/2019

Paulo Fábio Dantas Neto* - Política negativa e política positiva

- O Estado de S.Paulo

Frente democrática terá de encarnar numa liderança a ideia de centro político

A fórmula que inspira o título foi de San Tiago Dantas, ministro de Jango, nos idos de 1964. Ajuda a pensar a frente democrática exigida pela experiência de 10 meses de mandato de Jair Bolsonaro. Sistema político, instituições jurídicas, algumas corporações profissionais do Estado e setores da sociedade civil, imprensa incluída, reagem com cautela ao ataque do Executivo a fundamentos democráticos da ordem política. O professor Werneck Vianna chama essa estratégia defensiva de guerra de posição. Uso política positiva em sentido análogo.

Em conjuntura crítica, San Tiago Dantas chamou de esquerda positiva a política que propunha, com senso agônico de urgência de um político progressista que pressentia a aproximação do pior. O horizonte da política positiva era um país com progresso social e economicamente moderno, horizonte submetido a duas regras de ouro: respeito rigoroso às instituições políticas e recusa de ideias de revolução ou de refundação do País. Certos conservadorismo e ceticismo, em vez de obstáculos ou argumentos contra as reformas, eram o método político para fazê-las.

San Tiago perdeu e a derrota foi do Brasil, que viveu duas décadas de ditadura. Sua agenda foi, com o tempo, revisitada, pelos militares, do modo autocrático que ele rejeitava por convicção. Pragmatismos em contraste: o de San Tiago, que propunha um futuro pela via da democracia e da civilização do conflito social pela moderação da política; e o de Golbery do Couto e Silva, que atrelava o presente a uma guardiania contra o demos, um regime que revogava a política (ou a restringia a jogo palaciano) em nome de eliminar os extremos. Num caso, construção moderada do centro político, no outro, extremismo de centro, que a história de outros povos nos ensina ser um dos biombos do fascismo.

Rosângela Bittar - Happy birthday

- O Estado de S.Paulo

Neste 1.º ano, Bolsonaro dividiu com os filhos o pensamento, palavras e obras. Nada deu certo

O adiamento da data de envio ao Congresso da proposta de reforma do Estado não significa que o governo tenha desistido do seu projeto, seja amplo ou restrito. A formulação de ideias, na instância Paulo Guedes, é uma etapa inicial e, mesmo que fosse levada à tramitação, este mês ou este ano, ficaria para as calendas, quando as eleições municipais permitissem.

Até deputados e senadores aprovarem redução de salário do servidor público, uma das propostas da reforma adiada, já terão rodado naqueles plenários a roleta de três CPMFs e derrubado incontáveis vetos presidenciais. O funcionalismo, da elite das carreiras de Estado ao barnabé, tem a mais forte corporação em condições de, para manter suas vantagens, enfrentar Executivo, Legislativo e Judiciário.

O gesto do presidente Jair Bolsonaro expressa a tensão que há no Planalto, especialmente no Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, com o risco de eclosão de protestos, como os que mobilizam os governos do Chile e da Bolívia. O propósito do presidente é não dar espaço à inclusão de problema novo em sua já extensa lista de fracassos políticos neste primeiro ano de mandato.

Vera Magalhães - Chega de treta?

- O Estado de S.Paulo

Supremo Tribunal Federal pisa no freio das polêmicas na reta final do ano

“Chega de temas traumáticos e conflituosos. Estamos correndo maratona em ritmo de 100 metros, e isso não é bom.” A frase me foi dita nesta terça-feira por um ministro do Supremo Tribunal Federal. Ele nega que a pisada no freio na maratona de decisões controversas seja uma reação à pressão popular contra a Corte, traduzida em manifestações de rua com pautas como a defesa da prisão após condenação em segunda instância e o impeachment de integrantes do tribunal. Mas o timing veio exatamente a calhar.

A principal consequência prática da propensão do STF de refrear as polêmicas deverá ser o recuo na ideia de que a Segunda Turma analise ainda neste ano o pedido de suspeição do ex-juiz e hoje ministro Sérgio Moro no julgamento de Lula no caso do triplex.
Antes, a ideia de Gilmar Mendes era levar o habeas corpus de volta à turma ainda neste mês. Agora, ministros do colegiado já dizem que o caso não deve ser analisado neste ano.

No entendimento de observadores dos humores supremos, o fato de que a decisão sobre prisão após condenação em segunda instância já levou à soltura de Lula ajudou a arrefecer a pressão pelo julgamento da suspeição de Moro.

Monica De Bolle* - Dentro do túnel

- O Estado de S.Paulo

Profundamente desigual, o Brasil foi o único País da América Latina que viu a pobreza aumentar desde 2014

Em 1973, o grande economista Albert O. Hirschman publicou artigo intitulado “A mutabilidade da tolerância à desigualdade de renda durante o desenvolvimento econômico”. Nesse artigo, ele elaborou a tese do “efeito túnel” a partir de metáfora prosaica. Imagine que você esteja preso em um engarrafamento dentro de um túnel. De repente, a faixa ao seu lado começa a se mover lentamente enquanto a sua continua absolutamente imóvel. A constatação de que enfim o tráfego começou a se mexer lhe dá esperanças de que eventualmente a sua faixa também passe a andar. Portanto, você haverá de tolerar a injustiça inicial de sua imobilidade pois há a expectativa de que em algum momento a movimentação incipiente lhe beneficie.

Assim descreve Hirschman os primeiros estágios do desenvolvimento econômico. Quando as economias começam a se desenvolver e crescer, algumas faixas de renda serão beneficiadas primeiro, deixando outras para trás. Há, portanto, um aumento da desigualdade.

Contudo, a população tende a tolerar esse aumento da desigualdade porque, como os carros dentro do túnel, têm a esperança de que em breve os benefícios do crescimento econômico acabará lhes trazendo ganhos semelhantes. Nas palavras de Hirschman, enquanto o efeito túnel durar, todos sentem que a qualidade de vida melhorou, ainda que alguns tenham ficado ricos e outros não.

Luiz Carlos Azedo - O pacote social de Maia

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O ímpeto reformista de caráter ultraliberal começa a perder força e a agenda social ganha densidade no Congresso, inclusive por causa das eleições municipais”

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou, ontem, um pacote de propostas de combate à desigualdade e à pobreza, elaborado por um grupo de deputados de esquerda coordenado pela deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP), cuja liderança se consolida na Casa. Participam do grupo os deputados Felipe Rigoni (PSB-ES), João Campos (PSB-PE), Pedro Cunha Lima (PSDB-PB) e Raul Henry (MDB-PE), todos apadrinhados por Maia, que também começou a carreira no Congresso muito jovem e agora aposta na consolidação desse grupo para sintonizar a Câmara com os ventos de renovação política que ainda sopra nas ruas.

A iniciativa quebra o monopólio da agenda social por parte da frente formada pelo PT e outros partidos de esquerda. O pacote abarca os seguintes temas: garantia de renda, inclusão produtiva, rede de proteção ao trabalhador, água e saneamento e governança e incentivos. Maia vem se reunindo com o grupo há algum tempo, num esforço para ampliar o bloco que lhe dá sustentação no comando da Casa. “A nossa agenda vai além das reformas econômicas, com o objetivo de ter um país mais igual”, disse, no lançamento.

Uma das propostas em estudos é uma emenda para modificar o artigo 203 da Constituição Federal e assegurar a garantia de transferência de renda a famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza, transformando o Bolsa Família, principal programa de transferência de renda do país, em política de Estado. Principal herança do governo Lula, o Bolsa Família sempre foi polêmico. Na essência, trata-se de uma política social-liberal, de concentração do gasto social nas camadas da população abaixo da chamada linha de pobreza.

Rotulado de populista pela oposição aos governos petistas, o programa é criticado por não ter porta de saída e não estar vinculado à educação, como o antigo Bolsa-Escola, um programa criado pelo então governador de Brasília, Cristovam Buarque (Cidadania), e encampado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desvinculou o programa da política de educação e ampliou sua escala para 12,5 milhões de famílias, transformando-o no carro-chefe de sua reeleição. O presidente Jair Bolsonaro não só manteve o programa como aprovou o que seria o 13º Bolsa Família neste ano. Hoje, o programa atinge 13,9 milhões de famílias.

Ricardo Noblat - Supremo deve confirmar decisão de Toffoli

- Blog do Noblat | Veja

Em jogo, o compartilhamento de informações financeiras sigilosas

Refeitas as contas, o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, está convencido de que contará, hoje, com o apoio dos seus pares para manter a decisão que beneficiou o senador Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz ao suspender todas as investigações em curso com base em informações financeiras sigilosas compartilhadas sem prévia autorização judicial.

Estão parados no país cerca de 950 processos que apuram crimes de lavagem de dinheiro e de corrupção. Se mantida a decisão de Toffoli, caberá ao Supremo fixar o destino deles. Se todos voltarão à estaca zero sendo obrigados a recomeçar, ou se só alguns – e quais. Toffoli guarda alguns trunfos para reforçar sua posição na hora dos debates. Ainda não sabe se se valerá deles.

Um dos trunfos: a descoberta de que determinados grupos de procuradores tinham uma lista de pessoas consideradas por eles perigosas porque poderiam a qualquer momento virem a atrapalhar seu trabalho. Nesse caso, ameaçariam investigá-las – quando nada para tentar demovê-las do seu propósito. Marcada para esta manhã, a sessão deverá se estender pela tarde.

Fernando Exman - Bolsos e corações da juventude em disputa

- Valor Econômico

Governo beneficia jovens, enquanto mina entidades

A juventude se transformou em objeto de cobiça dos dois principais grupos da polarizada política nacional.

O presidente Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva disputam bolsos, corações e, claro, os votos dos mais jovens. O mesmo embate já havia ocorrido na última campanha eleitoral. Vinha ganhando nova forma após Bolsonaro assumir a Presidência da República, e agora tem novo impulso com o retorno do ex-presidente aos palanques.

A convocação de Lula não poderia ter sido mais clara. No último dia 9, durante discurso em São Bernardo do Campo, foi pedindo que aliados resistissem ao que considera retrocessos feitos pelo governo, até que fez uma provocação específica: “A juventude ou briga agora ou o futuro será um pesadelo”.

Lula voltou ao assunto no fim de semana, durante discurso no Recife, quando novamente cobrou que a juventude permanecesse nas ruas. O petista aposta na ligação histórica entre a esquerda e o movimento estudantil, que se beneficiou da ascensão política do PT e agora, na mira do novo governo, deveria contribuir na sua jornada contra a Lava-Jato e a administração Bolsonaro.

Durante as gestões do PT, os líderes das entidades estudantis não só passaram a figurar na lista de convidados ilustres das solenidades realizadas no Palácio do Planalto como também foram chamados para participar do governo. Ajudaram a criar canais diretos de diálogo entre a base dos estudantes e a máquina federal.

O Conselho Nacional da Juventude e a Secretaria Nacional da Juventude ganharam peso nessa época. Tudo isso, contudo, passa hoje por transformações. A seu modo, o governo Bolsonaro faz acenos em direção aos jovens de forma constante e consistente.

PEC da prisão em segunda instância afetará questões tributárias e cíveis

Texto está em debate na CCJ, mas é polêmico por alterar uma cláusula pétrea, o que só seria possível numa Constituinte

Por Raphael Di Cunto, Beatriz Olivon, Joice Bacelo e Vandson Lima | Valor Econômico

BRASÍLIA - Negociada na Câmara como uma resposta à decisão do Supremo Tribunal Federal de exigir o trânsito em julgado (fim de todos os recursos) antes da prisão de condenados, a nova versão da proposta de emenda constitucional (PEC 199/2019) da prisão em segunda instância terá repercussão em todas as demais decisões do Judiciário, dos julgamentos tributários aos cíveis. A execução das decisões de segunda instância - tribunais regionais - seria automática não apenas para condenações criminais, mas também para pagamento de dívidas e de impostos, por exemplo.

A PEC 410/2018, até então foco da discussão pela Câmara dos Deputados, limitava-se a mudar o momento de execução das penas criminais e dizer que “ninguém será considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso”. O texto está em debate na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas é polêmico por alterar uma cláusula pétrea, o que só seria possível numa Constituinte.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu, então, mudanças nos artigos 102 e 105 da Constituição, para dizer que os recursos especial e extraordinário, usados para recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao STF, não impedirão o trânsito em julgado. Essa alternativa recebeu apoio de outros partidos, como Republicanos, e de deputados do Centrão.

Por trás dos protestos, um Chile desigual e dividido

Dados do projeto World Inequality Database mostram que o Chile é o segundo mais desigual da região, atrás apenas do Brasil

Por Marsílea Gombata - Valor Econômico

SÃO PAULO - No último mês, o Chile viu a sua imagem de prosperidade, desenvolvimento e estabilidade ruir rapidamente frente às maiores manifestações contra o governo desde o fim da ditadura militar em 1990. Na esteira de outros distúrbios na região e ao redor do mundo, os protestos desvendaram um Chile fortemente dividido pelo ressentimento com a desigualdade histórica - ofuscada nas últimas décadas pela significativa evolução macroeconômica do país em relação aos seus pares latino-americanos.

Os distúrbios começaram em 18 de outubro em reação à alta de 3% na tarifa de metrô - anulada dias depois. O movimento rapidamente se espalhou pelo país, assim como a violência, com relatos de saques. Os confrontos com as forças de segurança deixaram mais de 20 mortos e levaram ao cancelamento de eventos internacionais que serviriam de vitrine do governo liberal de Sebastián Piñera.

A fúria nas ruas surpreendeu os observadores externos, considerando o sucesso macroeconômico do país. Pelo ranking de desigualdade do Banco Mundial, o Chile é o 10º país mais desigual das Américas, segundo o coeficiente Gini. Porém, dados do projeto World Inequality Database colocam o Chile como o segundo mais desigual da região, atrás apenas do Brasil.

O projeto, que tem como um dos criadores o economista francês Thomas Piketty - autor de “O Capital no Século 21” e “Capital e Ideologia” -, mostra que a parcela do 1% mais rico da população no Chile concentra 23,7% da renda do país hoje. No Brasil esse percentual chega a 28,3%, na Colômbia, a 20,4% e nos Estados Unidos, 20,2%. Quando são analisados os 10% mais ricos, a concentração chega a 54,9% no Chile e 55,6% no Brasil.

Uma consequência direta da desigualdade de renda é a forma como ela se reflete em outros setores da vida cotidiana, afirma o sociólogo Tomas Undurraga, da Universidade Alberto Hurtado. “Quando há grande concentração de renda, a desigualdade econômica pode se traduzir em desigualdade de poder, ou seja, algumas vozes passam a ser mais escutadas do que outras”, diz. “Quando isso acontece, as pessoas sentem que o sistema econômico e o político não funcionam mais para a maioria.”

Bruno Boghossian - Show de racismo e insensatez na Câmara é prova de retrocesso civilizatório

- Folha de S. Paulo

Eleição deu megafones àqueles que preferem comportamento selvagem e impropérios

As últimas eleições colocaram megafones nas mãos de gente que não tem vergonha da própria insensatez. A disputa que consagrou aqueles que "falam o que pensam" parece ter dado um salvo-conduto a alguns políticos que se alimentam de um comportamento selvagem e de impropérios animalescos.

O espetáculo indecente protagonizado por um grupo de deputados na Câmara nesta terça (19) é mais um sinal de que o país se lança num retrocesso civilizatório --e há disputa para saber quem será o passageiro mais desvairado.

O deputado Coronel Tadeu (PSL) pediu que um assessor gravasse o momento em que ele arrancava da parede uma placa exposta num dos corredores do Congresso. A imagem mostrava um homem negro algemado e morto diante de um policial, que andava com uma arma fumegante.

Ruy Castro* - Nem nem

- Folha de S. Paulo

A polarização de contrários cansou --mesmo porque nem parecem tão contrários assim

Você os conhece. São os brasileirinhos que nem estudam nem trabalham. Compõem a chamada geração nem-nem, a quem se acusa de ser passiva, folgada e, às vezes, viver à custa das mães até os 39 anos sem a menor vergonha. Mas por que botar toda a culpa nesses garotos que, no fundo, são só vítimas de anos de políticas econômicas e educacionais desastradas?

Além disso, há muitos, talvez todos nós, com quem dividir a responsabilidade pelo que está acontecendo de ruim no país. Há, por exemplo, os que nem atam nem desatam. Nem vão nem ficam. Nem atacam nem defendem. Nem dão nem descem. Nem fazem nem desfazem. Nem dizem nem desdizem. Nem pedem nem mandam. Nem calam nem consentem. Nem mordem nem sopram. Nem f..... nem saem de cima. Talvez por isso, nem arrisquem nem petisquem. Mas também não desocupam o penico.

Eloísa Machado de Almeida* - Fulanizado como 'caso Flávio', julgamento sobre Coaf se refere ao poder do Estado acusador

- Folha de S. Paulo

Não se alcança Estado de Direito com menos garantias ou com superpoderes à acusação

O STF (Supremo Tribunal Federal) deverá analisar se é constitucional o compartilhamento, sem autorização prévia do Poder Judiciário, de dados bancários e fiscais do contribuinte com o Ministério Público, para que este inicie ou instrua investigações criminais.

Estão em jogo não só a conformação do direito constitucional à privacidade de informações e dados dos contribuintes, isto é, o alcance da proteção dada aos sigilos bancário e fiscal, como também a delimitação dos poderes dados ao Ministério Público na persecução criminal, tendo em vista as exigências constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa.

O recurso que definirá o alcance do sigilo bancário e fiscal tem repercussão geral declarada desde junho de 2018. A suspensão de todas as ações penais e inquéritos que se valeram das informações fiscais e bancárias só foi determinada pelo ministro relator e presidente do Supremo, Dias Toffoli, um ano depois, por provocação de Flávio Bolsonaro, no ápice de um escândalo político.

Após isso, o caso esquentou. Assistiu-se a uma série de decisões que ampliaram o objeto da ação, criando um embate entre Ministério Público, Supremo, Unidade de Inteligência Fiscal (UIF, o extinto Coaf), Receita Federal e Banco Central.

Elio Gaspari - O mistério do convite a Moro

- O Globo | Folha de S. Paulo

Houve um certo sincronismo entre os vazamentos da delação de Palocci e a campanha

Gustavo Bebianno, ex-secretário-geral da Presidência e copiloto da campanha de Jair Bolsonaro quando ela cabia numa Kombi, contou ao repórter Fábio Pannunzio que o juiz Sergio Moro já estava convidado para o Ministério da Justiça antes que as urnas do segundo turno começassem a ser apuradas. Mais: naquela tarde de 28 de outubro, o “Posto Ipiranga” Paulo Guedes revelou-lhe que havia conversado com o juiz “cinco ou seis vezes”.

Talvez o mistério da conexão de Moro com a campanha de Jair Bolsonaro pudesse ser desvendado se os envolvidos ralassem nos métodos da Lava-Jato: condução coercitiva, prisão preventiva interminável e oferta de delação premiada. Não é o caso.

Diversas mensagens trocadas por procuradores da Lava-Jato indicam que eles torciam pela derrota de Fernando Haddad na eleição. Uma doutora escreveu: “Ando muito preocupada com uma possível volta do PT, mas tenho rezado muito para Deus iluminar nossa população para que um milagre nos salve.”

Num lance inexplicável, seis dias antes do primeiro turno de 7 de outubro, Moro divulgou um dos anexos da colaboração do ex-ministro petista Antonio Palocci. Era um pastel de vento, com acusações vagas que até hoje deram em nada. A oferta de delação de Palocci já tinha sido recusada pelo Ministério Público, e o próprio Moro havia duvidado de sua consistência. Segundo o procurador Carlos Fernando de Souza: “Não tinha provas suficientes. Não tinha bons caminhos investigativos”.

Merval Pereira - O STF pode tudo?

- O Globo

O que se vê no momento é um colocar de dificuldade para apuração de lavagem de dinheiro e corrupção

O Supremo Tribunal Federal (STF) julga hoje, sob pressão da opinião pública, a liminar que seu presidente, ministro Dias Toffoli deu em julho passado suspendendo todos os inquéritos baseados em informações do antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e da Receita Federal.

A decisão foi tomada a pedido da defesa do senador Eduardo Bolsonaro, que alegou que a investigação do Ministério Público do Rio sobre sua vida financeira fora baseada em informações detalhadas fornecidas pelo Coaf, o que representaria uma quebra ilegal de seu sigilo bancário.

Além de paralisar mais de 900 inquéritos por todo o país, a atitude de Toffoli teve conseqüências graves: três meses depois da liminar, o presidente do STF requisitou ao Coaf e à Receita Federal todos os inquéritos existentes nesses órgãos, mais tarde exigindo o nome dos auditores que tinham acesso àquelas informações.

Embora tenha revogado sua própria decisão, até anteontem ele tinha possibilidade de acesso a dados de 600 mil pessoas com detalhamento de todas as informações que ele considerou ilegais na liminar. Não os deve ter acessado, porque o Coaf os enviou digitalizados, juntamente com uma senha que identificaria quem no STF os consultou.

Bernardo Mello Franco - Polícia que mata e mente

- O Globo

Durante 60 dias, a PM sustentou que a menina Ágatha foi morta por uma bala perdida durante tiroteio no Alemão. A versão era falsa, revelou o inquérito da Polícia Civil

Na noite de 20 de setembro, um tiro de fuzil atingiu as costas de Ágatha Félix, de 8 anos. A menina estava com a mãe no banco traseiro de uma Kombi, no Complexo do Alemão. Foi submetida a uma cirurgia de cinco horas, mas morreu no hospital.

Os parentes da vítima disseram que o tiro partiu de um policial militar. O motorista da Kombi confirmou o relato. “Não teve tiroteio, foi só o policial que disparou”, contou. O porta-voz da PM, Mauro Fliess, contestou as testemunhas e disse que os agentes reagiram a um ataque de “marginais”. O coronel aproveitou para fazer propaganda. “Não iremos recuar. O governo está no caminho certo”, discursou.

A versão de tiroteio foi mantida por 60 dias e sustentada em ao menos duas notas oficiais. Era falsa, informou ontem a Polícia Civil. Responsável pela investigação, o delegado Marcus Drucker concluiu que não houve confronto no local. O PM tentou balear um motociclista, errou o alvo e acertou a menina que sonhava em virar bailarina.

Míriam Leitão – Os avanços dos negros no Brasil

- O Globo

Racismo permanece visível nos indicadores e na cena pública brasileira, mas as últimas duas décadas foram de avanços em algumas áreas

Há boas notícias para serem lembradas neste dia da consciência negra. Sem esquecer o imenso, e inaceitável, espaço das distâncias sociais brasileiras, é possível ver o avanço que houve nas duas décadas deste século. Uma parte da mudança aconteceu na educação. Mais da metade dos jovens pretos e pardos, de 18 a 24 anos, está na universidade. É uma esperança no futuro. Esperança de que entrem no mercado de trabalho, abram portas que seus pais nunca conseguiram atravessar, cheguem aos postos de comando nos quais outras gerações nunca estiveram, realizem seu talento, mudem o país.

Em 2005, dos jovens pretos e pardos, de 18 a 24 anos, 25,4% estavam na universidade. Em 2015 o número tinha saltado para 40%. A Pnad mudou a metodologia, por isso os números recentes não podem ser comparados com a antiga base de dados, mas a nova pesquisa mostra que em 2016 eram 50,5% e em 2018 já atingiam 55,6%.

Houve muito debate no começo deste século sobre se o melhor era elevar a qualidade da educação pública desde os primeiros anos ou adotar políticas de ação afirmativa, como as cotas para a universidade. O que se vê é que não são excludentes. O ideal sempre foi abrir as portas do ensino superior público, preferencialmente para quem é do grupo discriminado, mas também investir em melhorar a educação.

O que a mídia pensa – Editoriais

Sinistro amazônico – Editorial | Folha de S. Paulo

Impossível não associar a alta do desmatamento a atos e omissões de Bolsonaro

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, como de hábito tenta isentar o governo Jair Bolsonaro de responsabilidade pelo aumento de 29,5% na área de floresta amazônica que sofreu corte raso entre agosto de 2018 e julho de 2019. Esforço fútil e inútil.

Verdade que o desmatamento não começou a recrudescer apenas sob Bolsonaro. Desde 2013 observa-se tendência de alta, que se deve atribuir, portanto, a Dilma Rousseff (PT) e a Michel Temer (MDB).

Não resta dúvida, porém, de que a política de Bolsonaro, ou a falta dela, contribuíram e muito para “potencializar” (como disse o próprio presidente) esse processo nefasto.

No período 2018-19, sofreram derrubada 9.762 km² (cerca de seis vezes a área da cidade de São Paulo)de floresta. Nos 12 meses anteriores, haviam sido 7.536 km², diferença que corresponde à taxa de 29,5% de aumento —a maior em 11 anos.

Poesia | Cruz e Sousa - Evocação

Oh Lua voluptuosa e tentadora,
Ao mesmo tempo trágica e funesta,
Lua em fundo revolto de floresta
E de sonho de vaga embaladora.

Langue visão mortal e sedutora,
Dos Vergéis sederais pálida giesta,
Divindade sutil da morna sesta
Da lasciva paixão fascinadora.

Flor fria, flor algente, flor gelada
Do desconsolo e dos esquecimentos
E do anseio, da febre atormentada.

Tu que soluças pelos céus nevoentos
Longo soluço mágico de fada,
Dá-me os teus doces acalentamentos!

Música | Césaria Évora - Sodade