A partir de terça-feira vai começar uma nova batalha entre PT e PMDB no Congresso, na Comissão do Senado presidida pelo senador Francisco Dornelles, do PP do Rio, que vai debater a reforma política. A disputa básica é entre o voto em lista, com financiamento público de campanha, defendido pelo PT, e a adoção de uma espécie nativa de voto distrital, o "distritão", que tem o apoio do vice-presidente Michel Temer.
No voto em lista, o partido escolhe os candidatos, os coloca em uma ordem de preferência, e o eleitor vota na legenda partidária. Serão eleitos os primeiros da lista, até preencher o número de cadeiras a que o partido tem direito pelo quociente eleitoral.
Já no "distritão", cada estado transforma-se em um imenso distrito eleitoral. Se um estado tem direito a eleger 40 deputados, os 40 mais votados entram na Câmara.
Com mais de 3 mil projetos de reforma política já apresentados, e cerca de 5 mil pareceres, o problema dos senadores será chegar com objetividade a até 10 tópicos relacionados com a reforma política, e discutir quais são os pontos em que é possível chegar-se a uma proposta.
Dornelles presidirá a comissão com uma certeza: "a única coisa que é impossível na política brasileira é prever o que vai acontecer".
Voto majoritário para deputado é a grande novidade que está em discussão, o chamado "distritão", uma idéia antiga do senador Dornelles, que foi encampada pelo vice-presidente Michel Temer.
Os defensores da mudança consideram que a maioria das distorções do sistema político-eleitoral brasileiro pode ser atribuída ao voto proporcional, e o temor é que se não for aprovado o voto majoritário, cada partido na próxima eleição vai ter que escolher um Tiririca.
A origem do "distritão" já mostra como é difícil chegar-se a um consenso: a impossibilidade de se chegar a um acordo para a definição dos distritos para a adoção do voto distrital, sistema eleitoral considerado o ideal, na teoria, pela maioria dos políticos.
Já houve época em que a solução para tentar aprovar o voto distrital era a adoção da modalidade mista, onde metade dos deputados seria eleita por distritos, e outra pelo sistema proporcional que hoje vigora.
A mudança sempre empacou na definição do critério: divisão geográfica ou populacional?.
A impressão generalizada é de que os senadores não sairiam do lugar tão cedo.
Quais seriam as vantagens do "distritão"? Primeiro, acabaria com a possibilidade de o eleitor votar em um candidato e eleger outro, a grande crítica ao sistema proporcional em vigor.
Também não haveria mais a necessidade de escolha do que chamam de "figuras atípicas", que os partidos colocam na chapa para ganhar votos de legenda e assim terem mais chances de eleger mais candidatos.
Como é que hoje se faz na prática uma campanha eleitoral? Um partido tem que apresentar 70 candidatos, e começa a juntar pessoas que tenham dois, três mil votos para compor o voto de legenda.
Foi assim que os "evangélicos" e radialistas começaram a ser requisitados pelos partidos, e ganharam importância na política brasileira.
Tiririca é um fenômeno decorrente dessa situação, na esteira dos Enéas da vida.
Há também a figura do "dono" de um partido pequeno, que geralmente tem uns 20 mil votos e não deixa entrar no "seu" partido candidato que tenha mais voto do que ele.
Enche a legenda de candidatos de 2, 3 mil votos e se elege com aqueles 20 mil votos, enquanto um candidato com 90 mil votos é derrotado.
Os defeitos que podem ser vistos no "distritão" existem hoje também no sistema proporcional, como a perda do conceito partidário, o que o voto em lista teoricamente resgataria.
Mas hoje, alegam os defensores do "distritão", o voto já é dado mais na pessoa do que no partido. Além do mais, no "distritão", é possível haver fidelidade partidária para garantir que aquele candidato não vai deixar a legenda pela qual concorreu.
O PT defende o voto em lista, mas se continuar prevalecendo o sistema proporcional para a eleição do deputado, ele não evitará o que existe hoje.
Um partido pode colocar um Tiririca na cabeça da chapa e sair fazendo campanha: "Tiririca é 11".
O voto majoritário para deputado prevalece nas grandes democracias do mundo ? Estados Unidos, Inglaterra, França ? onde a eleição é pelo sistema distrital.
Michel Temer está querendo que o PMDB apóie o "distritão", o PTB e o DEM já fecharam, o PSDB defende o distrital puro e pode se aproximar do "distritão" como um primeiro passo até que se consiga um consenso sobre a divisão dos distritos em cada Estado.
A questão do PT é que eles têm muito voto de legenda, e o voto em lista o beneficiaria em tese. Mas os defensores do "distritão" estão tentando convencer os dirigentes petistas de que a implantação do "distritão" não prejudicaria o PT, mas sim os partidos nanicos.
O fim do voto proporcional também ajudaria na seleção dos partidos que funcionam no Congresso, reduzindo seu número.
O voto em lista tem uma dificuldade básica para ser aprovado: ele retira do eleitor a possibilidade de votar diretamente no seu candidato preferido.
Há no Congresso a suspeita de que tamanho ardor da direção petista para aprovar o voto em lista está ligado a um interesse maior, que seria o de aprovar o financiamento público de campanha, também outro assunto impopular.
Como a defesa do PT no processo do mensalão que está para ser julgado pelo Supremo se baseia na tese de que o que houve mesmo foi a utilização do caixa 2 na campanha eleitoral, o PT, com a aprovação do financiamento público, estaria na verdade enviando ao STF o recado de que o problema já estaria resolvido, sem necessidade de punição por um erro que teria sido causado pela própria legislação eleitoral em vigor.
Outro assunto importante para a comissão é a reeleição. Já existe um consenso: ela só pode acabar para o candidato eleito em 2014, por que não pode ter efeito retroativo. Assim, a presidente Dilma Rousseff teria condições de se candidatar à reeleição, assim como os atuais governadores e prefeitos no primeiro mandato.
Os mandatos do presidente, dos governadores e prefeitos seriam de cinco anos, mas o problema é o mandato de deputado e senador. Há a sugestão de acabar com a coincidência de mandatos, separando eleição federal da estadual: uma para presidente da República, senador e deputado federal e outra de governador, prefeito, deputado estadual e vereador.
FONTE: O GLOBO