Um dos terrenos em que o ex-presidente tem se mostrado em plena forma é o dos entendimentos para articular, à sua estratégia na eleição presidencial, soluções negociadas para as competições estaduais. Tem buscado, com aparente êxito inicial, levar para discutir, nesse terreno dos arranjos estaduais, até mesmo quem, a princípio, está fixado, prioritariamente, em conquistar espaço próprio na disputa nacional, como é o caso de Gilberto Kassab e seu PSD. Há poucos dias, movendo pedras num tabuleiro em que se joga o jogo presidencial associado às disputas estaduais no Rio de Janeiro e em São Paulo, Lula atraiu o PSD e deu um tranco no PSB, que tem colocado óbices à concretização de uma federação partidária de esquerda nos termos em que o PT a deseja e propõe. Fixando-se no nome de Fernando Haddad (PT) em São Paulo, depois do PT ter acenado com apoio a Marcelo Freixo (PSB) no Rio, Lula provocou um bate-cabeça no PSB, entre a intenção de Marcio França de ensaiar uma resistência paulista (inclusive acenando a Ciro Gomes) e a de Freixo de mostrar-se carioca da gema e, para garantir o apoio do PT, não se dispor a participar dela. Ao agirem pensando mais nos seus quadros estaduais, ambos os socialistas deram passos em falso e, hoje, estão mais perto de terem suas pretensões a cabeças das respectivas chapas deslocadas para o Senado (França) ou até para a Câmara (Freixo). O gesto complementar de Lula para tirar espaço do PSB e pressioná-lo a um acordo foi mostrar simpatia, junto a Kassab e ao prefeito Eduardo Paes, pela inclusão do PSD nas tratativas em curso nos dois estados. No caso do Rio, o argumento é que um candidato de Paes ampliará mais que Freixo a frente contra a reeleição do governador, apoiada por Bolsonaro. No de São Paulo, a pressão sobre o PSB inclui propor a Kassab abrigar no PSD seu virtual vice, Geraldo Alkmin.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022
Paulo Fábio Dantas Neto*: Bahia e Brasil: luzes alternativas no fim do túnel
Malu Gaspar: A Polícia Federal entra na campanha eleitoral
O Globo
Se havia dúvidas sobre a instrumentalização da Polícia Federal em favor dos interesses políticos de Jair Bolsonaro, uma nota publicada pela corporação em seu site na última terça-feira ajudou a eliminá-la.
“Moro mente”, dizia o texto, em resposta a
uma declaração do ex-juiz da Lava-Jato dada no dia anterior. Numa entrevista,
Moro disse que “hoje não tem ninguém no Brasil sendo investigado e preso por
grande corrupção” e afirmou que a PF não tem mais autonomia sob Bolsonaro.
Segundo a nota oficial, Moro mente porque, nos últimos três anos, a corporação
realizou 1.728 operações contra a corrupção, e o maior número de ações ocorreu
em 2020.
A última afirmação não necessariamente contradiz a anterior, mas isso não vem ao caso. O que importa é que Moro é um político em campanha, e a Polícia Federal é uma instituição de Estado. Foi por isso que a nota e seu tom agressivo chamaram a atenção.
Merval Pereira: Trapalhada internacional
O Globo
A insinuação de Bolsonaro de que a
anunciada, mas não comprovada pelo Ocidente, retirada de parte das tropas
russas da fronteira com a Ucrânia teria sido consequência do encontro entre ele
e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, dá bem a dimensão das “limitações
cognitivas” que o ministro do STF Luís Roberto Barroso vê no presidente.
Já havia caído no ridículo a versão do ex-ministro Ricardo Salles nesse
sentido, publicada nas redes sociais, até que ele mesmo, humilhado pelas
gozações impiedosas, veio a público dizer que se tratava de uma brincadeira.
Também uma indicação de Bolsonaro ao Prêmio Nobel da Paz pela suposta
interferência exitosa na crise tomou conta das redes sociais bolsonaristas,
querendo criar um clima épico em torno da viagem extemporânea a Moscou.
Pois não é que o próprio presidente, mesmo sabedor do ridículo em que caíram
seus adeptos, fez questão de sugerir publicamente que sua chegada,
“coincidência ou não”, resultou numa amenização do ambiente? Bolsonaro já havia
dito anteriormente, num improviso que deve ter arrepiado os cabelos dos
diplomatas brasileiros não engajados em sua campanha, que o Brasil era
“solidário” à Rússia.
Gafe numa hora dessas? Bolsonaro não sabe usar as palavras, e é possível que
nem soubesse o que estava falando quando afirmou que o Brasil é solidário à
Rússia. Ele provavelmente estava se referindo à economia e ao comércio, mas se
solidarizar com a Rússia numa visita oficial é um erro absurdo neste momento de
crise.
William Waack: O mundo de sempre
O Estado de S. Paulo
A crise na Ucrânia abrange questões fundamentais para o futuro das relações internacionais
O que Vladimir Putin está fazendo com a
Ucrânia equivale a um choque elétrico em quem pensa e acompanha relações
internacionais. Cobri para o Estadão a queda do Muro de Berlim, em 1989, e
confesso que também fui contagiado pelo sentimento geral de que ali nascia um
“mundo melhor”.
Era entendido como um mundo no qual não mais se tolerariam mudanças de fronteiras pelo emprego da força bruta, e no qual os Estados teriam soberania para fazer escolhas. A esse “mundo melhor” o fotógrafo Hélio Campos Mello e eu assistimos na linha de frente quando ampla coligação internacional, apoiada inclusive por Moscou e comandada pelos americanos, expulsou em 1991 do Kuwait o exército invasor do ditador iraquiano Saddam Hussein.
Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro volta à carga contra as urnas eletrônicas
Correio Braziliense
Mais uma vez, Bolsonaro tenta
utilizar as Forças Armadas para desacreditar o processo eleitoral, o que faz
parte de uma estratégia ensaiada em outros momentos, como o 7 de setembro
passado
O presidente Jair Bolsonaro voltou a
levantar suspeitas sobre a segurança das urnas eletrônicas e disse que até
mesmo o novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Edson
Fachin, não acredita no sistema eleitoral brasileiro. Em reposta, ontem, o TSE
divulgou as informações prestadas às Forças Armadas sobre o processo eletrônico
de votação.
Na terça-feira, Fachin, que assumirá a
presidência da Corte na próxima semana, afirmara que a “Justiça eleitoral já
pode estar sob ataque de hackers”. Segundo o magistrado, que escolheu o slogan
“paz e segurança nas eleições” para o pleito deste ano, os ciberataques
aumentaram nos últimos meses.
As ameaças partem não apenas de atividades criminosas, mas de países como Rússia e Macedônia. Segundo Fachin, relatórios internacionais indicam que 58% dos ataques têm como origem a Rússia. Coincidentemente, desde a semana passada, a polêmica sobre a segurança das urnas voltou às redes sociais. Segundo Bolsonaro, o Ministério da Defesa havia apontado falhas no sistema operacional. Na verdade, o que houve foi um pedido de informações sobre o funcionamento do sistema e seu sistema de segurança, devidamente respondido pelo TSE. Ataques de hackers são constantes nas eleições, mas, até hoje, não tiveram sucesso.
Míriam Leitão: Erro de subsidiar os combustíveis
O Globo
Há vários equívocos nas propostas que
tramitam no Congresso para tentar reduzir o preço dos combustíveis. Uma das
ideias é mudar a fórmula de cálculo do ICMS para ser um valor fixo e não um
percentual. Em geral, os impostos são percentuais sobre alguma coisa: lucro,
renda, valor adicionado. O PIS/Cofins sobre combustíveis é dos poucos que é
valor fixo. Os estados tiveram aumento de arrecadação, mas não foram “culpados”
pela alta dos preços, aliás, o governo federal também aumentou sua arrecadação
em todos os tributos no ano passado.
O principal erro das propostas é achar que o país deve subsidiar combustíveis fósseis. Isso incentiva o uso de um grande emissor de gases de efeito estufa. Sendo um subsídio linear é ainda pior. Com o diesel mais barato, estamos dando dinheiro para o caminhoneiro autônomo. Mas também para a empresa que tenha frota de transporte, para a lancha, para o iate e os SUVs. A gasolina mais barata ajuda a família que tem apenas um carro e cujo orçamento está apertado com a escalada dos preços. Mas o benefício irá também para os ricos com a garagem cheia de carros de luxo.
Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso: Populismo, subsídios e atraso
Valor Econômico
Políticas distorcivas e expansionistas não
levam em conta suas implicações futuras por puro cálculo eleitoral e projeto de
poder
Se há algo que une a esquerda e a direita
latino-americanas é a vocação para o populismo, que se concretiza na farta
distribuição de benesses a aliados políticos e eleitores. São medidas que geram
ganhos no curto prazo, mas irremediavelmente levam a perdas para toda a
sociedade no médio e longo prazos. Neste momento, Argentina, com um governo
peronista de esquerda, e Brasil, com um governo de direita, dão exemplos de até
onde a irresponsabilidade pode ir para um governante se manter no poder.
A Argentina negocia a renovação de seu acordo com o FMI. Sem reservas cambiais para pagar parcelas vincendas de empréstimos anteriores junto ao Fundo, não há outra alternativa na mesa - certamente não de atores privados - capaz de impedir o calote e o caos financeiro. O país já vive uma situação econômica delicadíssima, com inflação acima de 50% ao ano, déficit fiscal endêmico e expansão constante dos gastos públicos. Além de uma enorme gama de subsídios há também distorções de todo tipo, como controles de preços e de capitais, proibição de exportações, e um mercado de dólar paralelo onde a cotação, muitas vezes, supera 100% da oficial.
Maria Cristina Fernandes: Transição precipitada
Valor Econômico
Favoritismo de Lula provoca ativismo dos
pivôs da política nacional em busca da manutenção dos seus nacos de poder
A mais de sete meses das eleições, há um
surto de proatividade no ar de Brasília como se a transição já tivesse começado.
É um movimento que parece obedecer mais aos interesses de seus protagonistas do
que aos daquele que ainda tem urnas a computar para confirmar seu favoritismo.
A movimentação parte do pressuposto de que
não se viabilizará uma alternativa à polarização. O diagnóstico é baseado numa
cristalização de voto, inédita em campanhas eleitorais, dos dois principais
polos. “Entre Deus e o diabo nunca houve terceira via”, resumiu o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, naturalmente identificando-se ao primeiro dos
personagens.
Além da legião de infiéis que pode ficar no meio do caminho até 2 de outubro, a síntese de Lula tem levado a uma corrida desarvorada pela concretização de propostas que podem abrir portas para o país, adornar o currículo dos proponentes ou nenhuma das alternativas anteriores.
Cidadania decidirá no sábado sigla para federação
PSDB, Podemos e PDT são as opções disponíveis
Por João Valadares / Valor Econômico
BRASÍLIA - Depois de uma longa reunião
virtual na noite de terça-feira, com bate-boca intenso, reclamação de censura e
acusações de “entrega” do partido ao PSDB, o diretório nacional do Cidadania
aprovou a formação de uma federação. No entanto, a escolha da legenda para
formalizar a união ficou para sábado. Há três opções: PSDB, Podemos e PDT.
A autorização para formar a união com base
no novo mecanismo recebeu 66 votos a favor e 44 contrários. No início do
encontro, a maioria dos integrantes derrubou o encaminhamento que havia sido
proposto pelo presidente da legenda, Roberto Freire, e decidiu que a escolha do
partido seria votada ainda na reunião.
O dirigente do Cidadania desejava que a opção fosse feita apenas em março. Ele argumentou que o prazo para formalização da federação foi ampliado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Vinicius Torres Freire: Petrópolis e a grande reforma social dos sem chão
Folha de S. Paulo
Mais do que tirar gente de área de risco, é
preciso fazer uma grande e dura reforma urbana
A música "Barracão" faz 70 anos
neste 2022. Talvez apenas os mais velhos se lembrem: cantava o "barracão
pendurado no morro, pedindo socorro à cidade a teus pés", "barracão
de zinco, pobretão, infeliz". Foi composta por um oficial do Exército e
pracinha, Luiz Antônio, com Oldemar Magalhães.
O barracão não é mais de zinco. Nas favelas
mais novas de São Paulo, é de madeira. Em geral é de alvenaria sem reboco,
periclitante sobre fundação ruim ou nenhuma, muita vez à beira de um talude
instável, de um córrego imundo ou de uma represa de água em tese potável. Mas
há bairros "regularizados" de casas melhorzinhas à beira do
precipício.
Há barraquinhas também. Muitos deserdados da vida decente moram agora em tendas de camping, vários nas ruas próximas à avenida Paulista, que é um limite de um conjunto de bairros muito ricos chamado de "Jardins". É o cortiço na calçada.
Maria Hermínia Tavares: Do nada para coisa alguma
Folha de S. Paulo
Ele deu de ir a Moscou sem plano nem
propósito, numa hora crispada no Leste Europeu
Diferentes chefes de governo têm se
envolvido com menos ou mais apetite na política externa de suas nações. Embora
a responsabilidade final sempre caiba ao primeiro mandatário, a formulação de
objetivos, bem como a sua efetivação, depende do capital político do chanceler
de turno e da elite do corpo diplomático profissional.
Fala-se em diplomacia presidencial quando é
marcante o papel do titular do Executivo na condução dos assuntos estrangeiros,
respaldando a imagem nacional que se queira projetar, assim como as prioridades
do país em suas relações com o mundo. Basta lembrar a força simbólica da ida do
pragmático Richard Nixon à China, em 1971, inaugurando o degelo das relações
dos Estados Unidos com o império do revolucionário Mao Tse-tung e mudando o
mundo.
Na nossa história recente, Fernando Henrique e Lula desempenharam com maestria o papel de presidentes diplomatas, personificando —cada qual a seu modo— o Brasil democrático em busca de mais protagonismo internacional.
Bruno Boghossian: Uma viagem ao baixo clero
Folha de S. Paulo
Presidente exagera na propaganda e quase
desaparece na agenda concreta
Após encontrar Vladimir Putin, o presidente
Jair Bolsonaro descreveu Brasil e Rússia como "duas grandes
potências". O capitão tentou transmitir a imagem de que aquela era uma
conversa entre iguais, mas não convenceu muita gente. Na passagem da comitiva
brasileira por Moscou, quem apareceu foi o político de baixo clero dos velhos
tempos.
O Bolsonaro que visitou Putin exibiu sua
própria falta de expressão. Ninguém se incomodou muito quando o presidente
disse que os
brasileiros eram "solidários à Rússia" –o que poderia
indicar que o país apoiava o Kremlin nas tensões com a Ucrânia. Na mesa dos
adultos da diplomacia, ele praticamente desapareceu.
O presidente preferiu investir na retórica e na propaganda, suas ferramentas políticas favoritas desde os tempos de deputado. Tentou pegar carona na piada que o associava ao recuo das tropas russas na fronteira e, para conseguir uma foto ao lado de Putin, se curvou silenciosamente às regras que costuma contestar com valentia no Brasil, como o confinamento e o uso de máscara.
O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões
EDITORIAIS
Congresso é melhor freio a intenções de
Lula sobre a ‘mídia’
O Globo
Mestre da ambivalência, o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, favorito a vencer a eleição de outubro segundo todas
as pesquisas, tem conduzido sua pré-campanha transmitindo mensagens a todos os
públicos. Precisa agradar ao fiel eleitorado petista que sustenta as fantasias
do partido sobre a Operação Lava-Jato e sua prisão. Mas também precisa de um
eleitor que jamais votaria em Lula, não fosse o desejo de se livrar de Jair
Bolsonaro.
Tal ambivalência fica evidente na pauta
econômica — até agora ninguém sabe como seria seu governo nessa questão
crítica. Ou no convite ao ex-tucano Geraldo Alckmin, rival histórico dos
petistas, para a vaga de vice na chapa de Lula. Começa também a se tornar clara
noutros temas, sobre os quais as declarações de Lula têm flutuado ao sabor dos
ventos. É o caso de um dos fetiches do PT, a proverbial “regulação da mídia”,
tema que ele sempre tratou com uma ambiguidade conveniente.
Ninguém sabe dizer com precisão o que Lula quer dizer com essa expressão, embora o histórico das manifestações petistas a respeito não seja muito abonador. Alas do PT já quiseram implantar um “conselhão” para controlar a imprensa, e houve, no governo Dilma, um projeto que disfarçava essa tentativa sob a forma de uma “regulação econômica”. De modo ambíguo, Lula tem misturado uma questão pacificada há décadas na sociedade brasileira — a regulação da imprensa e da radiodifusão — a outra absolutamente urgente: disciplinar as redes sociais e a internet.
Poesia | Carlos Drummond de Andrade: Poema de sete faces
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.