quarta-feira, 29 de outubro de 2008

A derrota de Gabeira


Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Os votos de Paes devem ser na sua maioria os votos dos pobres (principalmente dos pobres evangélicos) e dos menos instruídos. Isso não desqualifica e nem qualifica
Quando Fernando Gabeira(PV) começou a crescer nas eleições para prefeito do Rio de Janeiro, percebi que chegaria ao segundo turno atropelando os demais concorrentes à esquerda e à direita, no rastro de Eduardo Paes (PMDB). A esquerda carioca é forte como movimento de opinião; seus partidos, porém, são fracos. Sempre se agrupam em torno daquele candidato que representa seus interesses numa circunstância determinada. Foi assim na eleição do embaixador Negrão de Lima (PSD), em 1965, quando a antiga Guanabara votou pela primeira vez contra o regime militar; e na eleição de Saturnino Braga (PDT), um político de Niterói, na primeira eleição da prefeitura da capital após a fusão com o antigo estado do Rio, em 1985.

Suburbanos

Como faço parte de um grupo de ex-alunos da Universidade Federal Fluminense que reorganizou o movimento estudantil carioca no final dos anos 1970, acompanhei pela internet a polêmica da nossa “Armata Brancaleone” em torno do “voto útil” em Gabeira no primeiro turno, cujo principal propósito foi remover o senador Marcelo Crivella (PRB) da disputa. Depois, no segundo turno, quando o PT, o PCdoB, o PSB e o PDT aderiram a Eduardo Paes, muita gente começou a questionar o voto em Gabeira por causa do apoio que recebeu do prefeito Cesar Maia. Essa discussão não mudou o voto de quase ninguém, apenas reforçou os argumentos a favor de Gabeira. O que barrou a sua ascensão, na minha perspectiva aqui de Brasília, foi a desastrada conversa por celular na qual Gabeira chamou de suburbana uma vereadora tucana de Campo Grande, fato que Paes soube transformar num eficiente divisor de águas.

Após as eleições, não resisti à tentação de provocar um querido amigo, um dos protagonistas dos debates, o professor de história Silas Ayres, ex-militante do antigo “Partidão”, hoje um tucano de carteirinha, que mantém o grupo unido pelo papo agradável e pluralista, a gastronomia e a dança de salão. Logo após a apuração, mandei-lhe um e-mail curto e grosso: “Gabeira perdeu por causa do preconceito pequeno burguês de carioca da Zona Sul. Aquele ‘suburbano’ foi um tapa na cara de quem já balançou num trem da Central ou da Leopoldina. Dinamitou a ponte para os subúrbios cariocas. Vamos ver a votação por região da cidade para conferir. A tradição é a esquerda ganhar do Grajaú ao Leblon.”

Preconceitos

Silas, que morou em Pilares durante 25 anos, não gostou: “Não foi isso que deu a vitória ao Paes, apesar de achar que você tem razão nas duas afirmações; a de que existe preconceito contra o suburbano e de que a esquerda tem voto do Leblon ao Grajaú.

Paes ganhou pelo preconceito existente contra homossexuais, contra prostitutas, contra a luta pela legalização da maconha, do preconceito contra o aborto em situações extremas. Ganhou pela campanha negativa baseada em boatos e mentiras. Ganhou por causa do poder econômico e da corrupção. Ganhou pelo poder do uso da máquina. Ganhou pelo aumento da abstenção provocada por decreto do governador dando feriado nesta segunda-feira. Ganhou pelo medo que uma novidade provoca no eleitor.

Ganhou também porque muitos acreditam sinceramente nas propostas do PMDB. Ganhou porque muitos acharam que Paes ganhando fortaleceria o Serra e isso não queriam. Ganhou porque muitos também acreditam que Paes e Gabeira não têm diferença nenhuma e votaram nulo ou em branco. Enfim, Paes ganhou por muitas razões que se conjugaram no momento da deposição do voto na urna.


Concordo com você que é preciso analisar a votação pelas áreas, a conferir, mas acho que não haverá muita surpresa.Os votos do Paes devem ser na sua maioria os votos dos pobres (principalmente dos pobres evangélicos) e dos menos instruídos. Isso não desqualifica e nem qualifica os votos desses segmentos. Só comprovam que eles têm interesses diferentes dos que votaram no Gabeira. São esses interesses legítimos, de ambos os lados, que devem ser alvo de nossas reflexões para solidificarmos a nossa democracia e avançarmos no rumo de uma sociedade mais justa. Um abração”, escreveu-me Silas.

Respeito a avaliação do bravo comandante-em-chefe da nossa “Armata”, mas ainda acho que aquele “suburbano” pejorativo custou os votos que faltaram a Gabeira para ser o novo prefeito do Rio, apesar do seu pedido de desculpas.

O dilema do novo prefeito


Zuenir Ventura
DEU EM GLOBO


Pensando bem, acho que foi melhor para o Gabeira. Eleito, além de governar a cidade, ele teria a difícil tarefa de administrar a esperança e o sonho de seus eleitores. Já o seu oponente passará os próximos quatro anos pagando promessas. Elas são mais de 80, 20 por ano, quase duas por mês, e tudo debaixo da cobrança implacável de pelo menos metade do município. A vitória política do candidato verde foi bem maior do que a apertada derrota eleitoral. Só por fazer renascer no jovem a motivação política, ele já seria vitorioso. Mas, além disso, inaugurou uma nova maneira de fazer campanha eleitoral, recuperando valores éticos que pareciam fora de moda como sinceridade, transparência e limpeza, não só material.

Ao comemorar a vitória, Eduardo Paes elogiou a "lealdade" do adversário. Nem sempre houve reciprocidade. Inteligente e articulado, sua campanha não precisava ter apelado para golpes baixos como os folhetos apócrifos e o uso da máquina governamental. No debate da TV Globo, chegou a ser patética a obsessão com que trazia Cesar Maia para a cena, lembrando curiosamente em estilo e retórica o próprio personagem citado. Aquele espetáculo de criatura se voltando contra o criador com tamanha fixação só Freud explica. Às vezes deixava de mimetizar Maia para lembrar o Garotinho das pegadinhas e cascas de banana. Foi pena. A disputa poderia ter sido exemplar. Livre do risco maior no primeiro turno, a cidade ficou mais à vontade para escolher entre dois candidatos que a rigor tinham idéias e propostas de governo que se equivaliam. A diferença era de estilo e atitude. Houve quem tivesse votado em Paes não por rejeição a Gabeira, mas por achar que o candidato do PMDB era "o mais bem preparado", como ele próprio anunciava e agora vai ter que provar.

Eduardo Paes tem tudo para fazer um bom governo - e para fazer um governo ruim. Por um lado, deverá ter o que tanto apregoou - a parceria dos governos federal e estadual - e competência administrativa. Por outro lado - e esse será o seu grande desafio -, vários de seus apoios, alianças e ligações representam o lado, digamos, menos nobre da política carioca. Como resistir à pressão deles? A fatura será apresentada. Essa gente não brinca em serviço.

A esperança é que, aos 38 anos, ambicioso e com um futuro promissor, o jovem prefeito saiba escolher entre continuar uma tradição de governantes que saem do poder para o lixo da História, ou começar uma nova era. Na sua primeira aparição como prefeito, Paes prometeu que a partir do dia seguinte iria unir a "cidade partida" - que já era partida socialmente e agora é politicamente. Foi mais uma promessa, a primeira como prefeito, a 84ª da série. Estaremos na torcida para que seja cumprida.

PPS perde terreno e aposta em Serra para voltar a crescer

Eugênia Lopes, BRASÍLIA
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Manter aliança com o PSDB é esperança para reverter fraco desempenho nas eleições

O PPS vai apostar todas as suas fichas na candidatura do governador José Serra (PSDB) à Presidência, em 2010, para voltar a crescer. É com essa perspectiva que espera reverter o quadro das eleições municipais, quando elegeu 57,1% menos prefeitos do que em 2004. Mesmo diante desse desempenho, a cúpula do partido descarta a curto prazo a hipótese de fusão ou incorporação a outra sigla.

“Fusão ou incorporação é uma possibilidade que tem relação com uma eventual reforma política que impossibilite a nossa sobrevivência”, disse o líder do PPS na Câmara, Fernando Coruja (SC). Ao garantir que não está nos planos a associação a nenhuma outra legenda, o presidente do PPS, Roberto Freire, observou que o partido sofreu defecções desde que deixou de apoiar o governo Lula, em dezembro 2004. Dos 310 prefeitos eleitos há quatro anos, apenas 84 permanecem no PPS até agora.

“Por isso digo que tivemos um crescimento de 54%: pulamos de pouco mais de 80 prefeitos para 132 agora eleitos”, explicou Freire, referindo-se ao resultado das urnas deste ano. “O PPS não está minguando. Mas também não vou dizer que tivemos grande vitória.” Nenhuma das 132 cidades conquistadas pelo partido tem mais de 200 mil eleitores.

Tanto Freire quanto o secretário-geral do partido, Rubens Bueno, alegam que o PPS foi a legenda que mais perdeu políticos ao romper com o governo. Dois governadores deixaram a sigla - Eduardo Braga, do Amazonas, e Blairo Maggi, de Mato Grosso. O partido também começou a minguar com a saída do hoje deputado Ciro Gomes (PSB-CE), além do prefeito reeleito de Porto Alegre, José Fogaça, que foi para o PMDB. Em 1998 e 2002, Ciro foi candidato à Presidência pelo PPS. Com sua derrota, o partido passou a apoiar Luiz Inácio Lula da Silva, mas deixou o governo em 2004.

“Pagamos um preço por romper com o governo Lula”, observou Bueno. “Toda oposição sofre sempre. Todos os governos se transformam em majoritários”, ponderou Freire. As perdas do PPS vêm ocorrendo ao longo dos últimos anos e não se restringem às prefeituras: em 2006, o partido elegeu 24 deputados e hoje conta com apenas 14.

Criado em 1993, o PPS está decidido a manter a aliança com o PSDB e o DEM. “A eleição agora é 2010 e o caminho natural é mantermos o bloco com o PSDB e o DEM”, resumiu Bueno. “Nosso projeto político é apoiar a candidatura do governador José Serra. Essa é uma possibilidade concreta para o PPS voltar a crescer”, ressaltou Coruja.

O fator econômico


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. Na geografia peculiar dos atuais ocupantes do Palácio do Planalto, parece que somente agora as más notícias cruzaram o Atlântico aqui para o nosso lado e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, já admite que a crise será longa e deixará seqüelas. Também o presidente do PT, Ricardo Berzoini, pede juízo ao PMDB e lembra que a base aliada do governo tem uma crise econômica para enfrentar no próximo ano. Os resultados das eleições municipais, mesmo que não tenham uma ligação direta com as eleições nacionais, serviram para expor alguns fatos que certamente terão conseqüências no arranjo futuro das alianças políticas.

O presidente Lula, que pretendia usar as eleições para fortalecer sua base aliada, mostrou que acredita mais em alianças políticas do que o PT. Deu espaço para todos crescerem, não tentou interferir nos locais em que partidos da base disputavam o mesmo espaço e tentou ajudar os aliados onde o partido se batia contra a oposição.

Talvez convencido de que sua popularidade de 80% seria o bastante para eleger quem ele quisesse, se deixou levar pela disputa pessoal com o líder do DEM, senador José Agripino, e foi a Natal tentar derrotar Micarla de Souza, a candidata do PV que tinha o apoio do DEM.

Tão desatento à possibilidade de colocar em xeque sua capacidade de transferir votos, disse expressamente que estava ali para derrotar Agripino e, como não conseguiu eleger a candidata do PT, acabou tendo que engolir uma vitória de seu inimigo preferencial, transformando Agripino em um vitorioso emblemático.

O caso de Marta Suplicy em São Paulo era inevitável, o presidente não tinha como não entrar de cabeça na eleição da capital. Mas podia ter evitado falar demais, e nem precisava garantir que a candidata do PT venceria mesmo quando já estavam dadas as condições para uma vitória acachapante do prefeito do DEM.

Nesses dois locais, o presidente Lula transformou o DEM em seu adversário principal, e perdeu. A partir dessa crise econômica que relutou em aceitar como realidade nossa, o presidente Lula estará enfrentando sua verdadeira prova de fogo.

Tendo assumido com uma aprovação de 75%, registrados em abril de 2003, Lula amargou durante seu primeiro governo duas crises graves de popularidade, sempre com questões ligadas à corrupção: a primeira em 2004, devido ao caso Waldomiro, e a segunda um ano depois, no "mensalão".

Em ambas as ocasiões, a avaliação de seu governo caiu a cerca de 20% na soma "ótimo+bom", mas a situação econômica era diferente. Em 2004, a economia cresceu 5,7% e os efeitos da crise se dissiparam logo.

O caso do mensalão, além de ter sido mais grave, ocorreu em um ano em que a economia caiu para um crescimento de apenas 2,9% do PIB, e sintomaticamente a crise levou seis meses para se dissipar, e quase afeta a capacidade de Lula concorrer à reeleição.

O percentual dos que não confiavam em Lula oscilou negativamente, de 52% em agosto para 51% em setembro, enquanto o daqueles que nele confiam passou de 43% para 44%. Há relatos recentes que revelam que os ministros da Fazenda, Antonio Palocci, e da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, chegaram a propor a Lula que fizesse um acordo com a oposição, se comprometendo a não se candidatar à reeleição para não arriscar perder o mandato.

A recuperação da popularidade de Lula mostra quão resiliente ele é, mas se ocorrer uma queda do crescimento do PIB como está sendo previsto devido à crise internacional, de uma média acima de 5% nos dois últimos anos para cerca de 2% a 3% nos próximos anos, será um teste para sua liderança carismática mas, sobretudo, para seu ego.

Será preciso ver para crer Lula com sangue frio para resistir à tentação de manter o crescimento econômico através de medidas de incentivo ao consumo interno, e se contentar em encerrar seu segundo mandato com a economia declinante.

Se, mesmo com esse cenário, o presidente Lula ainda tiver força política para conseguir eleger seu sucessor, sem que seja um político de luz própria, será o caso de a oposição desistir de se opor a esse fenômeno político.

O presidente Lula tem no momento 81% de aprovação, o mesmo índice de aprovação que o ex-presidente José Sarney atingiu em abril de 1986, e em julho do mesmo ano chegou a atingir pelo Ibope a inacreditável marca de 97,5%, no auge do Plano Cruzado. Mas amargou raquíticos 9% de apoio no final de 1988.

O Plano Cruzado, lançado em fevereiro de 1986, teve a breve duração de 9 meses, mas ajudou o governo a ter a maior vitória eleitoral da história da República, no dia 15 de novembro daquele ano: o PMDB elegeu a totalidade dos governadores, e quase dois terços da Câmara e do Senado e das Assembléias Legislativas.

O jogo virou logo depois da eleição, com a edição do Plano Cruzado II, que trouxe aumentos brutais como 60% no preço da gasolina; 120% dos telefones e energia; 100% das bebidas; 80% dos automóveis; 45% a 100% dos cigarros.

Já a popularidade de Fernando Henrique Cardoso chegou a 75% no ano da posse do primeiro mandato, em 1995, e girou sempre em torno de 40%, permitindo que se reelegesse no primeiro turno. Mas, logo após a posse, em 1999, a desvalorização do real e os problemas econômicos levaram a uma queda de seu prestígio popular que permaneceu até o final.

A avaliação do desempenho de Fernando Henrique Cardoso piorou em agosto de 2002, em plena campanha eleitoral para a sua sucessão, com 49,6% desaprovando o seu desempenho. A economia é determinante na política em qualquer país. O ex-presidente George Bush pai chegou a ter mais de 80% de aprovação depois da Guerra do Golfo, e perdeu a reeleição para Bill Clinton por causa da economia, estúpido.

O infiel da balança


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A dinâmica eleitoral obedece mais ou menos à lógica das escolas de samba: quando um carnaval termina, os barracões engatam de imediato os preparativos para o próximo desfile.

Os principais partidos, PT, PSDB e PMDB, estão assim. Os ossos ainda nem foram contados, as feridas estão quase todas abertas, há cadáveres mal sepultos por todo lado, mas a próxima eleição já põe os três em estado de total estica e puxa.

Na realidade, petistas esticam e tucanos puxam, porque o PMDB, tranqüilo, tamborila sobre a mesa (de negociações?) os dedos da vitória como quem diz, ao molde do velho ACM, que eleição sem ele agora mesmo é que não vale.

E não se fala aqui apenas da presidencial, pois o partido está com tudo também nas disputas pelo comando da Câmara e do Senado. Com uma diferença crucial: no Legislativo ambiciona à ocupação das presidências, enquanto no Executivo pretende continuar sendo um coadjuvante mais e mais privilegiado.

Quem ouvir um pemedebista falando em candidatura própria para 2010 estará diante de um ilusionista ou de uma voz isolada. No conjunto, o interesse partidário é se firmar no lugar de parceiro cobiçado pelas forças de governo e oposição, ficando assim nesse lá e cá alternando desequilíbrios ao sabor das melhores circunstâncias.

Não adianta cobrar nem tentar adivinhar definições desde já. Oficialmente, o PMDB continua um parceiro fidelíssimo do governo Luiz Inácio da Silva, entre outros motivos porque não há razão para abrir mão de dois anos de proveitosa convivência com o poder.

Situação que não o impede de conversar com tudo e todos, se aliar ora com um ora com outro sem sofrer por causa disso nenhum tipo de admoestação nem correr qualquer risco de perder seus postos federais.

O presidente do PT, Ricardo Berzoini, tentou até simular autoridade sobre o companheiro de aliança quando pede a petistas e pemedebistas que tenham “juízo” na manutenção de uma política de boa vizinhança. Pura cena. Se alguém precisa de bom senso é o PT para não se atritar com o PMDB mais do que já se atritou na eleição municipal.

Em caso de dúvida, basta lembrar que foi o PMDB e não o PT quem impôs ao presidente Lula o roteiro dos palanques proibidos durante a campanha e, no fim, ainda comemorou junto com o PSDB a acachapante derrota sofrida pelo PT em São Paulo, enquanto o Palácio do Planalto assistia a tudo bem calado.

Não por gesto de espontânea elegância, mas por absoluta falta de alternativa.

Correção de rumo

Os receios sobre os efeitos eleitorais da crise financeira de modo geral se justificam. Só extrapolam o limite do razoável quando dão às dificuldades um caráter de ineditismo.

Nos últimos anos, o Brasil só passou por eleições em ambiente de tranqüilidade na economia em 2006. Em 1994 o Plano Real era um experimento, em 1998 a política econômica foi virada do avesso, em 2002 a vitória próxima do PT fez retroceder os bons indicadores e, antes disso, a inflação presidiu todos os pleitos.

De dois dias para cá, o governo federal caprichou no pessimismo em relação aos efeitos da crise. Como nada aconteceu de novo nesse meio tempo, parece estratégia para inversão de expectativas, fruto do evidente mau conselho dado pelo excesso de otimismo em relação ao resultado das eleições municipais.

Infalível

Muito mais significativo que listas de vencedores e vencidos - cuja validade depende das circunstâncias - é o efeito de vitórias e derrotas sobre determinadas situações partidárias.

O fracasso de Marta Suplicy fez desaparecer aquele clima de carinho da primeira fase da campanha em que a então candidata exibia contente o “companheiro Lula” como o melhor cabo eleitoral para chamar de seu.

Hoje o ambiente é de puro fel, com troca de acusações e caça a culpados inexistentes quando Marta saía pelas ruas cantando e dançando, confiante, ironizando as brigas internas no campo adversário, indiferente ao enorme índice de rejeição que já lhe dava notícias sobre as agruras a serem produzidas pelas urnas.

Do lado contrário, o sucesso de Gilberto Kassab deu sumiço às animosidades entre os tucanos que durante mais de seis meses produziram um espetáculo de autofagia cheio de cenas de insultos, mau-caratismo, cinismo, cobiça, traição e zero grau de compostura.

Agora o recinto recende a mel. Todos são amigos, defensores empedernidos de Kassab, seguidores fiéis da candidatura José Serra, analistas de primeira hora sobre “o inequívoco” fortalecimento do governador de São Paulo, até outro dia alvo de criteriosa desqualificação por parte dos mesmos personagens.

Mais que inerente à atividade política, o oportunismo é atinente à natureza humana. E esta, se por vezes tarda, nunca falha.

Jogando conversa fora


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Como é perfeitamente natural e se repete a cada eleição, uma vez divulgados os resultados, as rodas de conversa fiada de candidatos vencedores ou derrotados, de parlamentares e de toda a miuçalha que cata vantagens à sombra do poder, gastam o tempo vadio na interminável análise e especulação sobre as mudanças no cenário e as projeções sobre o futuro próximo e o mais remoto, até onde a imaginação alcance.

Não se pode dizer que é tempo perdido por quem não acha nada de útil para fazer. O que ainda cutuca a curiosidade é a ênfase da voz impostada para os círculos em torno de coisa nenhuma.

Os jornais de ontem, como certamente os de hoje, os noticiários das redes de televisão insistirão em abrir colunas para o realejo do óbvio. Pior para o óbvio do interesse de cada um.

Francamente, não é preciso ser um analista de refinada sabedoria, um poço sem fundo da experiência de décadas de militância para recolher na beira da praia as conchas de evidências como a ascensão do governador de São Paulo, José Serra, como candidato natural das oposições – se unidas pela prioridade de ganhar a eleição para depois se engalfinhar pela divisão do bolo.

E na mesma batida da mediocridade, colocar quase no mesmo degrau do pódio o governador Aécio Neves, que deu um nó no azar e elegeu o prefeito de Belo Horizonte.

Saltita a dúvida que continua atormentando o coração dos donos do PMDB, o maior partido do país, a legenda mais votada, com a maior bancada nas duas Casas do Congresso e como que engessada pela acomodação na mediocridade deve seguir na sina de contentar-se com os nacos suculentos e as sobras do poder?

Nunca se sabe se, falando sério ou apenas blefando para melhorar o butim, as lideranças de sempre falando grosso, pretendem bater chapa e eleger os presidentes da Câmara e do Senado.

É ver para crer.

Do lado do governo, há pouco a comemorar. O PT cresceu para baixo, elegendo prefeitos em seis capitais e em 558 municípios. Mas, a derrota da sexóloga Marta Suplicy, com a reeleição do prefeito Gilberto Kassab (DEM) para a capital de São Paulo, é uma bota de chumbo que a ministra-candidata Dilma Rousseff terá que arrastar, daqui a dois anos, na campanha para a sucessão do presidente Lula, ao fim do seu reinado de oito anos, com longínqua chance de mais um ou dois mandatos em 2014 ou 2018.

Mas, é aqui no Rio que os primeiros acenos depois da apertada eleição de Eduardo Paes, o prefeito eleito por uma coligação em que se dissolve a legenda, salpicam advertências no cenário de verdes esperanças.

O cacoete de tentar escalonar prioridades para os desafios de uma ex-capital do país, abandonada à decadência de todos os serviços públicos, que inchou como uma desenganada doente de obesidade mórbida, precisa ser denunciado, com o grito que desperte a reação do eleitor, antes que seu voto se perca mais uma vez.

Claro, que para onde se volte os olhos, as chagas estão à vista: na saúde pública, na rede escolar, na segurança, no transporte, em qualquer das centenas de favelas.

E o Rio é o retrato ampliado de praticamente todos os municípios fluminenses. Como de quase todos os Estados, com as exceções conhecidas.

Ainda há tempo de salvar o Rio? Não arrisco um palpite. O que é evidente é que é indispensável tentar. Durante décadas, que são segundos na vida de uma cidade, assistimos de olhos fechados às favelas serem dominadas pelo tráfico de drogas e invadidas pela maior migração interna do século.

Tudo ao ritmo da mais descarada demagogia. E é desesperante o risco de mais uma frustração, que arranha a porta de tábuas rachadas e fechadura sem chave.

Para quando o carnaval passar


Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO

De imediato, não será, como nunca foi o tempo de ação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para este tipo de providência. Critério pré-definido, não existirá, e quem forçar vai irritar o chefe. Pode não haver desejo, mas reconhecimento da necessidade. Assim, a cautela recomenda não esperar reforma ministerial abrangente, muito menos agora, no calor das mágoas eleitorais e antes do Natal, como o presidente não gosta. Mas quando o ano novo chegar, após as eleições das Mesas da Câmara e do Senado, em fevereiro, com a definição sobre o que será o governo nos dois anos finais de mandato do presidente Lula, ficará evidente a exigência de ser feito um arranjo na tropa governista para armar as batalhas da sucessão. O presidente já tem, e terá ainda mais, razões de sobra para trocar peças do seu governo. E vai fazê-lo.

O que se tem dito hoje não conta. Alguns políticos com acesso ao presidente informam que ele não fará reforma ministerial nenhuma. Outros comentam que haverá "mudanças pontuais", mas derrotados não receberão posto. Um critério, por sinal, que nunca foi o do presidente Lula. Ele formou seu primeiro staff praticamente só com derrotados.

Há um consenso nas informações: Marta Suplicy (PT), derrotada na disputa da Prefeitura de São Paulo, não voltará ao governo, "de onde saiu por sua conta e risco" para uma empreitada incerta. Ora, o presidente não desestimulou sua candidatura, empenhou-se pessoalmente para elegê-la, e o PT não tem nomes novos sobrando no Estado para produzir candidaturas em futuro próximo. Não se consegue perceber por que vai rifar a Marta, que ainda tem milhões de votos, deixando-a sem palanque durante dois anos inteiros, nem que seja para tentar, por exemplo, uma cadeira no Senado.

Haverá também a pressão do grupo de petistas mais próximos a ela para que lhe seja destinado um cargo que permita a exposição máxima. Provavelmente não retomará o Ministério do Turismo. Mas uma solução virá. Para formar novos nomes do partido em São Paulo, o governo federal não pode se dar ao luxo de desprezar os já conhecidos, e Marta é o que restou de mais importante.

Como seus principais adversários do PSDB, que também precisam consolidar nomes para as novas disputas, o governo registra que tem algumas promessas para o futuro. Luiz Marinho, prefeito eleito de São Bernardo depois da campanha mais rica de toda a sucessão municipal, é um emergente que terá apoio para se transformar em opção. Emídio de Souza, a partir de Osasco, é outro nome nos planos prospectivos do presidente Lula. Há os que já eram citados antes, como Arlindo Chinaglia, hoje na presidência da Câmara mas fora dela no ano que vem, e José Eduardo Cardozo, secretário geral do PT. E, sempre, Antonio Palocci. Se absolvido, Lula vai levá-lo de volta ao governo, confirmou isto para mais de um interlocutor, e não necessariamente como ministro da Economia. Em qualquer ministério que esteja, Palocci freqüentará o centro do poder, o Palácio do Planalto, como já faz hoje. Mas ganhará um posto formal.

Há outros emergentes no partido do presidente que precisam de foco. Fernando Pimentel, revigorado com a eleição de um afilhado desconhecido no segundo turno, em Belo Horizonte, e desde o início um entusiasta da candidatura Dilma Rousseff à sucessão de Lula, não merecerá o ostracismo. Há o PT da Bahia, um caso especial, que não dá mostras de arrefecimento na sua competição com o PMDB local. O tamanho e profundidade da ruptura que houve ali entre os dois partidos aliados a Lula, só o presidente poderá reparar. O PMDB venceu, mas o feito do PT foi enorme ao chegar ao segundo turno desbancando o tucanato e o carlismo. Como vai se sustentar este PT para pleitear a reeleição ao governo do Estado, uma vez que a derrota desqualifica Jaques Wagner para a sucessão presidencial, é algo que exige ajuda do processo político e eleitoral que o presidente toca.

O PT revelou outras estrelas, como Luizianne Lins, no Ceará, e João Paulo, em Pernambuco, mas, vitoriosos, terão palanques naturais nestes próximos dois anos para seu grupo. Não se sabe de onde o presidente tirará mais cargos para todo o PT, mas o partido pressiona até com as vagas do Tribunal de Contas da União, instância que quer enquadrar às suas regras e projeto.

O PMDB volta com uma sede correspondente ao sucesso eleitoral que teve. Já começa querendo mais no Congresso, onde senadores anunciam que, além da presidência da Câmara, que o PMDB terá por acordo, o partido faz questão da presidência do Senado. No Planalto já se comenta que se o PMDB quiser as duas Casas, pode ficar sem nenhuma.

Não é lenda o horror que o presidente Lula tem a demissões, afastamentos, dispensas. Ele gosta de contratar e aumentar salários. Trocar ministro em véspera das festas de fim de ano sempre conseguiu evitar. Diz agora, oficialmente, que não haverá reforma ministerial, até porque, se admiti-la, não suportará a voracidade dos principais partidos da sua aliança.

Mas vai fazer. Além de acomodar forças do PT, tem a conquista definitiva do PMDB para sua aliança em 2010, a solução da crise que restará das escolhas dos presidentes da Câmara e do Senado, as consequências da crise econômica sobre seu plano de governo, os dois últimos anos de administração e a construção de um discurso para a campanha em que, já anunciou a muitos, pretende eleger seu candidato, custe o que custar. A maioria no Congresso é absolutamente necessária, e não é para aprovar a reforma tributária. Esta já chegou à fase da desconstrução do caminho andado, tendo em vista sua eterna inviabilidade. Mas precisa de maioria para aprovar as medidas destinadas a combater a crise financeira.

O teorema implica a melhora da gestão, tendo em vista os dois últimos anos de mandato. E são claros os sinais de insatisfação com alguns ministros. Márcio Fortes, das Cidades, que não responde aos investimentos feitos pelo PAC em sua área, é um destes. José Temporão, da Saúde, apesar da torcida dos amigos, continua sem dizer o que faz no governo. E Tarso Genro, da Justiça, que não demonstra intimidade com os acordos entre a Polícia Federal e a Agência de Inteligência (Abin). Não será por falta de quem demitir que o presidente ficará sem vagas para a reforma ministerial.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Belo Horizonte em três tempos

Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
DEU NO ESTADO DE MINAS

Nunca tínhamos tido algo parecido. Pelo menos, que se tenha registro. Foram três grandes “ondas”, às quais corresponderam três processos de ascensão e queda da candidatura de Márcio Lacerda e, no segundo turno, de Leonardo Quintão

Muito ainda vai se falar sobre as eleições de Belo Horizonte este ano, como foram e o que significaram. É cedo para fazer uma avaliação mais detida, mas algumas coisas podem ser desde logo apontadas.

A mais curiosa é que ela terminou exatamente da maneira que se imaginava lá atrás, quando ela mal tinha começado para a opinião pública. Um observador que tivesse viajado para bem longe e permanecido sem informações de maio até domingo não teria nenhuma surpresa, ao saber que Márcio Lacerda venceu a eleição com cerca de 60% dos votos válidos.

Contando com o apoio de Aécio e de Pimentel, era isso mesmo que se esperava. Sua votação foi, por exemplo, proporcionalmente igual ou até maior que a obtida por Patrus Ananias em 1992 (que teve 59%) e que a de Célio de Castro em 2000 (com 58%). Só foi menor que a de Célio em 1996 e a de Pimentel em 2004. Note-se, aliás, que essa foi a única eleição na cidade que se resolveu em um turno, pois tanto Patrus, quanto Célio (por duas vezes) tiveram que passar por um segundo turno, como Márcio.

Mais curioso, no entanto, é que o previsível só aconteceu depois de algumas oscilações espetaculares, como não se conheciam na história eleitoral brasileira. Em eleições maiores, para prefeito de cidades grandes e capitais, governador e presidente, nunca tínhamos tido algo parecido. Pelo menos, que se tenha registro.

Foram três grandes “ondas”, às quais corresponderam três processos de ascensão e queda da candidatura de Márcio Lacerda e, no segundo turno, de Leonardo Quintão.

Nas primeiras semanas de campanha, de julho a agosto, nada aconteceu. Lacerda permaneceu em um discreto terceiro lugar nas pesquisas, lideradas por Jô Morais e pelo candidato do PMDB. Do dia 19 de agosto em diante, quando começou a propaganda eleitoral na TV e no rádio, tudo começou a mudar, em alta velocidade.

A subida de Lacerda, de menos de 10%, para a liderança das pesquisas, foi questão de dias. Já no dia 24, quando alcançou 32% das intenções de voto, ele tinha mais que a soma de seus adversários. E continuou subindo, até chegar a 45% no final da primeira semana de setembro.

Ou seja, em pouco mais de 15 dias ele passou de 10% a 45%, em um crescimento mais veloz e mais intenso que qualquer candidato nas eleições brasileiras que conhecemos. Nesse patamar, que representava pouco mais que 60% dos votos válidos, ele estacionou, lá permanecendo até por volta do dia 25 do mês passado.

Nos 30 dias entre essa data e o dia do segundo turno, a eleição de Belo Horizonte viveu uma espécie de montanha-russa, com subidas e descidas vertiginosas. Em forte crescimento, Quintão chegou ao dia 5 de outubro colado em Lacerda e continuou subindo, alcançando o patamar de mais de 60% dos votos válidos no dia 8. Lá ficou por cerca de uma semana, até faltarem menos de 10 dias para a eleição. Era o exato inverso da situação de um mês antes, na primeira quinzena de setembro, quando era Lacerda quem tinha 60% do válido.

A segunda “onda”, a de Quintão, foi forte, mas foi breve. Ela subiu em pouco mais de uma semana e se desfez logo em seguida. Uma campanha mais organizada de Márcio Lacerda, seu novo posicionamento na propaganda, sua presença mais afirmativa, somadas à mobilização daqueles que não desejavam Quintão na prefeitura fizeram com que outra “onda” se formasse.

A oito dias do segundo turno, Lacerda ainda estava com apenas 40% dos válidos, a uma distância de 20 pontos percentuais de seu adversário. Dia a dia, a diferença foi caindo, até que o quadro fosse novamente invertido, desta vez a seu favor. O “x”, como se diz na gíria do automobilismo, aconteceu quando faltavam três ou quatro dias para a eleição.

A terceira “onda”, a arremetida final de Márcio Lacerda, foi mais rápida que seu crescimento inicial, em agosto. Ganhou (ou reconquistou) até cinco pontos ao dia, chegando aos 60% que obteve domingo.

Voltou, assim, ao ponto ao qual todos achavam que chegaria. Para ele, a eleição foi um percurso emocionante, de alcançar, perder e voltar a um mesmo lugar. Quando lá chegou de novo, tinha, no entanto, se transformado em outro candidato, em que as pessoas se sentiam mais à vontade para votar. Sucesso a Márcio Lacerda!

O desafio do TSE


Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


WASHINGTON - A melhor notícia sobre a eleição no Brasil veio da Justiça Eleitoral. Em 2010, a internet poderá ser liberada para a livre expressão de opiniões e como ferramenta legal na arrecadação de fundos de campanha. O presidente do TSE, Carlos Ayres Britto, é o autor da sugestão: "Enquanto não sai o financiamento público de campanha -que se impõe-, a internet poderia fiscalizar e dar mais transparência às doações.

Nesse ponto, os norte-americanos têm a nos ensinar". Sobre a liberdade de expressão valerá o bom senso, pois "o internauta é maduro o suficiente para deletar as mensagens que não o interessam".

O ministro Ayres Britto está certo. O uso da internet produziu um efeito nunca antes visto em eleições presidenciais dos EUA. Milhões de jovens começaram a discutir política por meio das redes de relacionamento social.

Na semana passada, em Miami, um grupo de aficcionados de videogame conectados pela internet fez uma reunião com o objetivo de debater a eleição. Todos os dias, sem exceção, os eleitores cadastrados nos sites de Barack Obama e John McCain recebem alguma mensagem eletrônica (ou várias) informando o que cada um fez ou discursou nas últimas horas.

No plano da arrecadação de fundos, uma massa inédita de pessoas passou a doar para os seus políticos prediletos. Tudo de maneira limpa e rápida, pela internet, com cartão de crédito ou débito. Obama já passou dos 3 milhões de doadores, muitos contribuindo com menos de US$ 100. Lula, em 2006, declarou ter recebido dinheiro de apenas 1.634 doadores.

A liberação total da internet em campanhas brasileiras dará mais transparência ao processo. Mas o TSE tem um desafio pela frente. Precisa tomar a decisão com rapidez e assim evitar as pressões de praxe às vésperas da eleição.

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