As condenações de José Dirceu, José Genoino e outros por corrupção ativa,
pelo Supremo Tribunal Federal, já eram atos inexoráveis, pela evolução do
julgamento. Não surpreenderam, mas contentaram as torcidas. Eles poderão,
ainda, ser condenados por formação de quadrilha e, pelos discursos dos
ministros, infere-se que isso ocorrerá. Receberão, daqui a alguns dias, na fase
da dosimetria, penas elevadas, que terão de ser pelo menos parcialmente
cumpridas em regime fechado. Certamente eles serão algemados e presos,
produzindo fotografias que farão a dor de uns e a delícia de outros. E o que
esperar, tanto agora, no plano imediato, como no devir da política brasileira,
deste fato tão excepcional?
Não se viu ontem, na reunião do diretório nacional do PT, disposição dos
condenados e do partido para uma reação imediata mais vigorosa. Talvez os
advogados não achem isso recomendável agora, antes da fase da dosimetria, para
não piorar ainda mais a situação. Mas, mesmo assim, as condenações e a
sequência do julgamento influenciarão o segundo turno eleitoral, agregando mais
radicalização à campanha. Como Serra e outros adversários vão explorar ao
máximo as condenações dos petistas, a reação virá, tanto de candidatos como de
dirigentes e militantes. Será um tempo quente mas curto, pois teremos o menor
intervalo entre o primeiro e o segundo turno de todos os tempos
pós-Constituinte.
Para o médio e longo prazo haverá consequên-cias de ordem propriamente
política. Se as urnas já reforçaram a polarização do eleitorado brasileiro entre
PT e PSDB, depois das condenações por um tribunal que o partido julga estar
agindo politicamente e excepcionalmente, o antagonismo tenderá a se aprofundar.
O PT cobrará, para começar, o julgamento do mensalão mineiro, supostamente
montado pelo PSDB, e o STF talvez resolva dar alguma satisfação à opinião
pública fazendo isso. Embora, neste caso, o tribunal tenha aceitado o
desmembramento da ação, ao contrário do que fez na ação que atinge o PT.
Com
isso, todos os réus do chamado mensalão mineiro serão julgados em Minas, pela
primeira instância. Pelo STF, só o serão os senadores Clesio Andrade e Eduardo
Azeredo, pelo direito que têm ao foro privilegiado. O Ministério Público e a
Polícia Federal, sabemos todos, são instituições rachadas entre uma ala pró-PT
e uma ala pró-PSDB. Suas máquinas vão entrar em ação para produzir novas
denúncias. Enfim, o Fla-Flu vai continuar, com tudo que isso tem de regressivo
para a política nacional. A emergência de duas siglas no primeiro turno, o PSB,
pela esquerda, e o PSD, pela direita, são fatos promissores, que podem ajudar a
quebrar a bipolaridade PT-PSDB.
O Supremo, como disse no início do julgamento o ministro Marco Aurélio,
"está passando por uma virada" e colhe aplausos por isso. Ministros
votam completamente diferente de como votaram no passado. Em relação a Collor,
por exemplo, que absolveram por falta de provas, desprezando as da CPI, que
agora tiveram valor. Recentemente, o ministro Joaquim Barbosa declarou que
"o Supremo não tem que dar satisfação a ninguém". Institucionalmente,
não tem mesmo. Suas sentenças são irrecorríveis. Quem nomeou os ministros nada
lhes pode cobrar. Vem depois o registro da História, uma senhora que sempre
chega anos depois dos fatos.
Queixas de Dilma
No encontro que tiveram ontem, o ex-presidente Lula e sua sucessora, Dilma
Rousseff, tratariam do segundo turno. Certamente, da participação dela, que foi
modestíssima no primeiro turno.
Ainda que a conversa tenha ficado só nisso, está começando a tomar forma,
dentro do PT, uma insatisfação com o que chamam de "egoísmo da
Dilma". No primeiro turno, ela foi apenas a São Paulo, a pedido de Lula, e
a Belo Horizonte, onde a candidatura petista foi articulada por ela mesmo. E,
ao longo do julgamento do chamado mensalão, acham os petistas que ela esteve
mais preocupada em se blindar. Dilma, na verdade, não poderia fazer nada e até
chegou a corrigir o relator Barbosa por uma citação descontextualizada de seu
depoimento sobre o tema. Mas esse é o ambiente no PT. E como Dilma vai precisar
do partido e dos aliados se quiser se eleger, terá que começar a fazer afagos e
buscar recomposições.
Aí está o PR do ex-ministro Alfredo Nascimento, que não apenas negou apoio à
candidata Vanessa Grazziotin (PCdoB) em Manaus contra o tucano Arthur Virgílio,
como proclama, sempre que pode, ter sido "maltratado" pela
presidente.
Recurso externo
Se houver recurso do PT a cortes internacionais contra as condenações de
Dirceu e Genoino, não será à OEA, e sim à Corte Interamericana de Direitos
Humanos. Embora o pronunciamento da Corte, condenando os métodos do julgamento,
não tenha qualquer valor jurídico, dada a soberania nacional, como lembrou o
ministro Joaquim Barbosa, produziria constrangimento político no plano externo.
O voto do relator Lewandowski seria uma peça do recurso, com as seguidas
cobranças a seus pares de provas, e não deduções para condenar Dirceu e
Genoino.
Serventia
O julgamento do chamado mensalão mineiro teria uma utilidade. Não para
empatar o jogo, colocando tucanos no banco dos réus, mas para deixar bem claro
como são financiadas as atividades políticas no Brasil (que entram pela
entressafra, ao contrário do que pensa o ministro Ayres Britto). E, quem sabe,
com isso, fazer o Congresso tomar tino e aprovar a reforma política.
Fonte: Correio Braziliense